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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.17 no.1 São Paulo  2009

 

RESENHAS

 

 

Escritos abertos: interpretação, momento, identidade e

 

Open writings: interpretation, moment, identity and...

 

Sérgio Perazzo*

Sociedade de Psicodrama de São Paulo

 

Autor : Vives Reñones Campinas : Saber e Saúde, 2008

 

Endereço para correspondência

 

 

Moreno morreu em 1974 com idade bem avançada e já não escrevia sobre a sua genial criação, o nosso psicodrama, há muito tempo. Podemos dizer seguramente que toda a produção psicodramática do último meio século é toda, repito, pós-moreniana.

Nenhum país do mundo produziu neste tempo o volume de publicações atingido pelo Brasil. Um volume espantoso, com mais de 100 livros e mais de 1000 artigos dos nossos psicodramatistas.

Hoje é obrigatório consultar sempre tal literatura especializada, se quisermos rever com profundidade os conceitos morenianos, que, como o próprio Moreno desejaria, não podem ficar conservados eternamente no passado.

O problema é identificar as joias brilhantes semeadas aqui e ali nessa massa brasileira de conhecimento do psicodrama e separá-las daquilo que é repetição ou pouco relevante.

Poucos livros, neste período, podem ser considerados joias raras como um todo, mais que somente uns tantos textos brilhantes entre alguns capítulos de obras esparsas, e que marcaram época, ou deviam marcar, na história do psicodrama brasileiro. São exemplos disso Psicodrama: descolonizando o imaginário, de Naffah Neto, O teatro terapêutico, de Moysés Aguiar, Psicodrama da loucura, de José Fonseca e Moreno em ato, de Anna Maria Knobel, só para citar alguns, quer pelo peso do conteúdo, quer pela emergência histórica de uma mudança de rumo do pensamento e da prática psicodramáticos imprimido por eles.

Pois bem, este livro, este precioso livro, Escritos abertos: interpretação, momento, identidade, e..., de Albor Vives Reñones, é indiscutivelmente uma dessas joias raras. Não está fadado a ser. Já é.

Para que não pensem que o Albor é um principiante só porque não está na boca do povo positivamente a todo instante, pois devia estar, é bom lembrar que ele pertence a uma geração intermediária de psicodramatistas, quanto à idade, mas que, florescendo em Campinas, transbordou sua veteranice na qualidade de seu trabalho prático com o grupo Truperempstórias que, como bem assinalou Pedro Mascarenhas, representou a construção de uma clínica grupal baseada na concepção trágica do homem (na apresentação de um livro anterior do Albor, O imaginário grupal), na consistência dos seus artigos e livros anteriores e nas suas aparições em cursos e congressos.

O Albor tem a vantagem da fusão de uma tripla linguagem: psicologia, filosofia e arte, por formação e por vivência, a que poucos de nós estamos familiarizados com tanta intimidade, o que lhe dá trânsito livre e autoridade para percorrer inteiramente à vontade as nossas contradições psicodramáticas, costurando-as com consistência e alegria. Pois não é o próprio Albor que aparece na fotografia que ilustra seus dados biográficos com um chapéu colorido de bobo da corte? Afinal de contas, não foi esta a fantasia que Moreno escolheu vestir na inauguração de seu teatro espontâneo na Viena de 1921? Não era o bobo da corte, que de bobo não tinha nada, o único a dizer através da gargalhada a estocada da verdade aos ouvidos do rei?

Confiram neste livro a magnífica reconceituação de Momento no capítulo Sobre o conceito de Momento. Assim como, há alguns anos, Albor deu roupagem nova ao conceito de catarse de integração, a melhor que já li, ele foi capaz de reconceituar Momento, muito além do tempo, abrindo o leque vivencial e relacional que Momento também significa. Imperdível. Nem precisava ter escrito mais nada. Capítulo que vale um livro.

E tem mais: a interpretação sob o ponto de vista psicodramático, a fala da cena, sua ancoragem filosófica e sua costura mitológica, ou, como ele batiza, suas breves inconclusões, o fora, o dentro, o sem lugar, a base para uma criação grupal; a correlação e a diferença entre identidade e papéis naquilo em que transparece e se define como subjetivo, o eu como um outro, a definição e a presença do personagem, a questão da autoria no texto e na interpretação psicodramáticos.

Na segunda parte do livro, Albor, em capítulos mais curtos, nos brinda com o método da criação; com o mundo que não sai da cabeça como uma masturbação quebrada no imaginário pelo psicodrama, criando uma via criativa a partir da repetição; com psicodrama e história; com a estética do ato criativo; e como o psicodrama vê o mundo e o mundo vê o psicodrama. Todas pedras preciosas incrustadas nesta joia rara, neste livro precioso que já virou um marco de referência. Um escrito aberto como ele se propõe.

São Paulo, 8 /12 / 2008

 

 

Endereço para correspondência
Rua Artur de Azevedo, 1767, cj. 131 Pinheiros
São Paulo – SP
e-mail: serzzo@terra.com.br

 

 

 

1Psiquiatra, psicodramatista, professorsupervisor didata da Sociedade de Psicodrama de São Paulo, autor de diversos livros e artigos de psicodrama