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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.18 no.2 São Paulo  2010

 

DIÁLOGO ELETTRÔNICO

Electronic dialogue

 

Adolescência, juventude: a experiência clínica

 

Adolescence, youth: the clinical experience

 

 

Adelsa M. Alvarez Lima da Cunha1; Mariana Bertussi2,

Inst. J. L. Moreno, Buenos Aires/ São Paulo

Endereço para correspondência

 

 

 

Caro leitor

As dialogadoras do presente diálogo eletrônico são psicodramatistas e psicoterapeutas com ampla experiência no tema. O convite para ambas está alicerçado por esse reconhecimento. O diálogo abaixo ocorreu nos meses de abril e maio de 2010, através de e-mails.

Editor: Gostaria que falassem, resumidamente, do percurso de vocês no trabalho com jovens e adolescentes dentro e fora do consultório, levando em conta as especificidades (individual e/ou grupo, instituições etc.) das intervenções de cada uma.

Mariana: Em primeiro lugar, quero manifestar meu prazer e gratidão, em compartilhar com Adelsa, sob sua mediação, este espaço de diálogo e reflexão. Venho trabalhando com adolescentes há 3 décadas. Minha experiência está voltada basicamente para clínica, que me demanda um largo tempo. Em menor escala, trabalho com grupos em instituições sociais e escolas: às vezes, no papel de mediadora, orientadora, às vezes, como supervisora e conferencista.

O que mais me instiga neste trabalho é exatamente esta fase da vida caracterizada por altos e baixos. Encanta-me a maneira como os jovens vivem a vida: os hormônios esquentam o corpo, o sangue corre vivo e a criatividade está solta... É pura emoção!...No entanto, esta tarefa que parece fácil, na verdade, é um grande desafio!...O adolescente, em suas buscas, é tão ambivalente nos seus sentimentos que, frequentemente o corpo vai para um lado e o coração, para o outro. Esta ambivalência, muitas vezes, acaba dando lugar à perda, à solidão, à vulnerabilidade. O jovem, frequentemente, na tentativa de livrar-se destes sentimentos, toma caminhos equivocados, distanciando-se de onde planejava chegar: seus projetos profissionais, seus sonhos, seus ideais, seus vínculos amorosos, sociais...

Com estes jovens, tenho aprendido muito ao longo da minha trajetória; sobretudo quando me sento diante do espelho da vida para apropriar-me da autoconsciência questionadora e da ansiedade que me guiam para questões internas e a aprendizagem do meu papel como profissional, mãe, mulher...

Observo que minha postura vem se modificando conforme a necessidade de atender e compreender o adolescente. No espelho dos meus adolescentes, no qual me vejo, constantemente descubro que na vida não sou sempre a mesma, e que os espaços que ocupo tem fluxos, há interações, há trechos que vão se formando, deformando, reformando e transformando. Isto me dá a ideia de pensar que a formação do papel de terapeuta de adolescente mantém sua organização a partir de flutuações, e que tem muitos modelos distintos e diferentes metáforas.

Desta forma, sinto-me mais livre para entender melhor esse processo de desenvolvimento da vida tão singular e natural. Com os jovens, sempre proponho buscar a inovação, reavaliando e confirmando, com frequência, a importância do vínculo através da confiabilidade e da receptividade.

No meu trabalho, proponho sempre a valorização da interrelação, do diálogo, pois acredito que é a partir da interação que se constitui o sujeito mais livre e criativo. Minha intenção, como terapeuta, é contribuir para esta evolução, colocando em evidência o aspecto produtivo, espontâneo e criador do adolescente.

Adelsa: Eu também gostaria de agradecer a possibilidade deste diálogo, com interlocutores tão especiais como você e a Mariana Bertussi. Sua primeira questão já me trouxe um presente: a possibilidade de rever minha trajetória e, consequentemente, me apropriar de um caminho que já se faz longo, bem como reviver todas as boas sensações que tantas experiências me trouxeram...

A primeira lembrança que me ocorreu foi a de meus primeiros passos, há mais de 30 anos, ainda como estagiária do curso de psicologia, numa clínica que era referência para os postos de saúde do INSS em psicodiagnóstico infantil e adolescente. Comecei fazendo psicodiagnóstico – fiquei craque na aplicação e avaliação dos testes projetivos nessa época - e depois, de algum tempo, passei a ser ego auxiliar num grupo de psicoterapia, com a psicóloga responsável, uma psicodramatista (Heloisa Silveira da Guia, já falecida). Assim, já no meu último ano de faculdade, assumi, em coterapia o meu primeiro grupo: um grupo de adolescentes!

Àquela época, trabalhei com muitos adolescentes que eram encaminhados à terapia, fundamentalmente, por problemas de desempenho escolar. A grande maioria deles era de classe média baixa e convivia com inúmeros problemas emocionais, que só eram “ouvidos” ou “vistos” quando apareciam como sintomas no rendimento escolar. Conviver com a realidade destes adolescentes me permitiu uma boa experiência e acabou por me abrir portas na secretaria de educação estadual, o que me levou a um programa de capacitação com professores da rede pública. Durante dois anos, além do trabalho no centro de psicologia, eu fazia grupo com professores a fim de ajudá-los a entender os aspectos emocionais envolvidos na relação professor – aluno – processo de aprendizagem. Não demorou muito para que eu fosse convidada a fazer alguns workshops com professores (não mais só da rede pública) e foi através dos workshops que acabei sendo contratada por uma escola particular de classe média alta, para trabalhar com os alunos de excelente desempenho escolar, mas péssimo relacionamento interpessoal. Curioso que fui trabalhar com o outro lado da realidade social, embora as dinâmicas emocionais fossem muito similares...Fiz muitos sociodramas nesses trabalhos institucionais, tanto com professores quanto com os alunos; além de trabalhar muito a espontaneidade e a criatividade para lidar com as situações novas. E foi assim que fui me fixando no meu consultório particular. Por uma necessidade familiar, tive de mudar-me do Rio de Janeiro, minha cidade natal e onde vivi até 1989, para São Paulo. Aqui chegando, precisava recomeçar e reconquistar meu espaço profissional e, novamente, eu fui trabalhar numa clínica que atendia pacientes de convênios médicos. Nessa clínica, também montei grupos com adolescentes – estes também vindos da classe média baixa. Na sequência, comecei fazendo orientação vocacional destes adolescentes, num modelo psicodramático: 12 encontros grupais, nos quais, além de aplicação de alguns testes, trabalhávamos a dificuldade de escolha, o temor da responsabilidade, a pressão familiar, preocupação com o sucesso etc...Algum tempo depois, acabei sendo chamada por um colégio de classe média alta para fazer grupos com os alunos do 2° colegial, para trabalhar a questão vocacional. Durante o tempo em que fiz este trabalho neste colégio, acabei sendo procurada pela coordenação, que me encaminhou um paciente para o consultório. Este adolescente era o primeiro aluno em rendimento de toda a escola – um colégio tradicional e muito conhecido - mas sofria de anorexia. Foi uma experiência muito intensa e interessante, e que me possibilitou não só estudar e conhecer um pouco mais de distúrbios alimentares na adolescência, como, também, fazer alguns grupos de apoio a pais de adolescentes acometidos por tais distúrbios. Como vocês podem observar, curiosamente, em meu percurso, se repete a experiência de trabalhar com jovens das classes C e D e, depois, fazer o mesmo trabalho com jovens das classes A e B. Bem como de trabalhar com os alunos de pior desempenho e, em outro grupo, com os “nerds”! E assim o tempo foi passando... Ao longo destes 20 anos em São Paulo, já dei palestras, fiz intervenções sociodramáticas e grupos de professores em algumas escolas; e, embora goste bastante do trabalho em instituições, meu maior investimento é mesmo no consultório, em processos psicoterápicos, que é algo em que acredito e que me dá muito prazer. Atualmente, além do consultório, atuo como supervisora de jovens terapeutas e estou envolvida com um projeto com adolescentes que tenta estudar e entender como aqueles que não são muito talentosos, isto é, os que são considerados “medianos”, podem se integrar numa sociedade em que ser o número 1 é o objetivo máximo de todos.

Editor: No intenso percurso de vocês, seria possível pensar nas diferentes demandas dos adolescentes e jovens de hoje e de uma, duas e até três décadas atrás? O que eles precisavam? O que eles necessitam hoje?

Mariana: Sua pergunta me leva a uma reflexão que tem me perseguido, principalmente nas últimas 2 décadas.

Para responder, trago a poesia de Samantha Rugen:

...Quando você se torna adolescente/ a vida não é benevolente Suas glândulas sebáceas enlouquecem /e montes de pelos aparecem!

As roupas ficam justas, / e o estrogênio surge: você fica coberta de espinhas, e o sexo urge! / o sutiã vem junto /com o desodorante e a depilação. e você percebe, num impulso /que seu comportamento é só emoção,

Mas logo se acalmam seus hormônios,/ e você descobrirá, brevemente, que não é viver com os demônios / Ser uma adolescente!

A partir desta poética, tento definir a adolescência como uma das fases de desenvolvimento do ser humano na qual se construirá de uma forma definitiva a identidade do sujeito. Neste processo irá concluir-se a formação da personalidade.

A adolescência é uma grande mutação. O corpo se transforma, tudo explode, tudo muda. Está caracterizada pela ação dos hormônios secretados pelas glândulas sexuais: os testículos, nos meninos, e os ovários, nas meninas. As secreções são impulsionadas pelas substancias produzidas pelo cérebro (hipotálamo/hipófise). As secreções de hormônios geram toda a mecânica sexual. Os primeiros estímulos eróticos nas meninas e as primeiras ereções nos meninos. O jovem se toca, se acaricia, se masturba. Sente prazer. Tudo é natural, é incontrolável, é uma pulsão que o impele a expressar a sua sexualidade.

Estas transformações físicas vêm acompanhadas de transformações psicológicas. Alteram toda a visão subjetiva. O adolescente não encara mais os amigos do mesmo modo, não tem mais os mesmos desejos, as mesmas vontades, quer fazer outras coisas. Sente-se frágil e vulnerável, muito sensível às reações dos amigos. Fica às vezes inquieto, precisa de segurança, está sempre tentando agir como os adultos, muitas vezes de forma desajeitada.

O que tenho observado nesta minha trajetória, apesar da transformação física/psíquica ainda ser caracterizada da mesma forma, há uma diferença considerável dos jovens das décadas de 70/80, comparados com os jovens da década atual. Tive a oportunidade de acompanhar alguns adolescentes das décadas de 70/80 e a demanda terapêutica estava mais ligada ao luto de suas perdas, tanto física como emocional-afetiva.

Atualmente, o jovem vive as necessidades de satisfação imediata. Percebe-se que o adolescente busca viver os aspectos de marketing ligados ao consumo, a ídolos com êxitos, na busca de uma ascensão social rápida, a liberação sexual, aos chats da internet. Quando o adolescente não consegue lidar satisfatoriamente com tudo isto que o bombardeia, a frustração produz sofrimento, prejudicando a construção da subjetividade. A terapia então, se volta a aspectos ligados a adicção, depressão, desatenção ou mesmo a estados de mania. Tudo como forma de defesa, de negação, para não se conectar com o vazio existencial que lhe causa tanto sofrimento.

Procuro neste trabalho, tão árduo e tão gratificante, levar em consideração as ambivalências, as angústias vividas nesta etapa do desenvolvimento, para ajudá-los a refletir de uma maneira diferente sobre aquilo que está acontecendo e dar um sentido transformador a sua vida.

É necessário compreender que o psiquismo se constitui a partir de uma construção, como parte do desenvolvimento. Para tanto, o adolescente precisa ser trabalhado nos aspectos intrapsíquicos para construir a subjetividade. É importante a valorização do potencial criativo para que o jovem adolescente possa encontrar possibilidade para encarar a vida a partir de uma reflexão de si mesmo.

Precisa levar em consideração que o adolescente entra num mundo onde começam a aparecer novos modelos. É importante acompanhá-lo neste mundo que vai se abrindo, possibilitando-lhe ser mais ativo para ser ele mesmo.

Além da característica individual, as características dos meios cultural, social e histórico definem o mundo em que o adolescente vive. Compreendo, desta maneira, que o adolescente não só se constituirá a partir de fenômenos intrapsíquicos e nem se reduz a um mero reflexo passivo do meio: o adolescente se constituirá no vínculo. Para tanto, o diálogo, a compaixão e a compreensão do adulto com o jovem adolescente não podem iniciar-se neste período, apenas: devem ser atitudes que venham acontecendo desde o nascimento. Dentro de uma matriz saudável em que possa sentir-se valorizado em todos os aspectos, não só nas perdas, o jovem estrutura sua subjetividade, valorizando os aspectos criativos e espontâneos. Os pais precisam estar também em harmonia e maduros para suportar o crescimento dos filhos.

Adelsa: Este é um bom ponto para começarmos a pensar na evolução do pensamento psicológico nas últimas décadas. Baseando-me na minha experiência, posso distinguir três grandes queixas que motivam a procura por psicoterapia e que sofreram significativas mudanças ao longo das últimas três décadas. Eu destaco como as três áreas mais significativas de demanda de ajuda a relação do adolescente com a sua família; a relação do adolescente com o mundo – escolas, amigos, namorados etc. e a relação deles consigo mesmos.

Então, vou tentar falar um pouco das mudanças que percebo em cada um destes tópicos.

Creio que na relação do adolescente com a sua família é onde mais se observam mudanças. A relação dos pais com os filhos, hoje, está bem mais aberta, mais próxima. O tal conflito de gerações, que antes era algo muito acentuado, hoje está abrandado. Provavelmente porque os pais estão mais informados e, também, porque como as famílias estão menos estáveis, os próprios pais acabam tendo vivências diferenciadas, o que acaba aproximando-os dos filhos adolescentes. Eu me recordo que, há 20 anos, era muito comum o jovem ter queixas intermináveis com relação ao controle dos pais e suas consequentes proibições. Era usual fazermos sessões vinculares do adolescente com os pais para buscarmos uma saída negociada para uma viagem do jovem com a escola; ou para que os pais permitissem que o filho viajasse nas férias com os amigos. A minha impressão é que os pais consideravam os filhos incapazes de decidir sobre o que quer que fosse. Havia, nas décadas de 80 e 90, um consenso de que os jovens tinham por vocação fazer coisas erradas, viver a sexualidade de forma livre e irresponsável; usar drogas como forma de protesto. E os pais de então eram muito mais conservadores e havia, efetivamente, uma considerável distância entre o mundo dos pais e o dos filhos. E mesmo o psicoterapeuta não escapava dessa realidade, pois não foram poucos os casos em que os pais, por considerarem os psicoterapeutas liberais, modernos ou permissivos demais, interromperam o processo psicoterápico dos filhos. Certas verdades eram inquestionáveis. Hoje, o que observo é que também neste quesito a informação tem sido fundamental para permitir uma aproximação, um diálogo; não podemos desconsiderar, ainda, que como as famílias também passam por muitas transformações e não têm mais a estabilidade de outrora, em muitos casos os pais, diante de novas realidades relacionais, passam por momentos emocionais muito similares aos que os filhos adolescentes estão vivendo e, assim, quando a relação está preservada e o diálogo e o respeito mútuo já fazem parte desta relação, é possível um compartilhar, um aceitar o novo de uma maneira menos fóbica. E, por conseguinte, há uma forma de lidar com a angústia dos filhos de forma diferente. Hoje, observo que muitos pais, passando por separações ou mudanças de emprego, sentemse tão desorientados ou assustados quanto seus filhos adolescentes. Por isso, eu creio que, nos dias de hoje, a relação entre pais e filhos, se ainda é marcada por conflitos e visões diferenciadas, já não o é tão segmentada quanto antes. Eu resumiria dizendo que há duas décadas os pais procuravam a psicoterapia para os filhos, esperando mudar seus filhos; hoje, eles procuram visando a que os filhos consigam ser felizes e realizados.

Quando penso na relação do adolescente com o mundo, vejo aí também uma mudança muito significativa. Se a angústia e a ansiedade inerentes a esta fase da vida continuam as mesmas, determinando comportamentos típicos e conhecidos por todos, hoje percebo os jovens bem mais conscientes da realidade em torno deles. E tal consciência se manifesta num maior engajamento em causas sociais, por exemplo. Claro, com as contradições inerentes a quem tem 14, 15 anos!!!!! Mas o que me chama mesmo a atenção é que não é mais uma vontade de transformar o mundo porque eles estão certos, porque esta juventude é melhor que as outras ou porque todos os “coroas” são caretas e imbecis. Hoje, eles querem transformar o mundo para salvá-lo, preocupados com futuras gerações. Preocupam-se com as vítimas do Haiti ou do Chile porque tem consciência da responsabilidade que todos temos uns com os outros e, também, porque sabem que as mudanças climáticas podem, um dia, afetar a nós! Vejo que eles são cidadãos melhores, mais antenados do que os da minha geração. No entanto, percebo que nas relações afetivas e sexuais ainda se mantêm valores conservadores, tais como a fantasia da felicidade eterna, da cara metade etc; o conceito de monogamia ainda é muito importante, e não ter alguém ainda é algo desesperador.

Se a sexualidade hoje não é mais tão reprimida quanto outrora, também ainda não é uma coisa totalmente tranquila para a maioria dos adolescentes. Nas décadas anteriores, os adolescentes não vinham para a terapia por este motivo e, quando vinham, era porque a família tinha descoberto que a filha não era mais virgem e queriam que ela não fizesse mais nenhuma besteira! Hoje, se eles não procuram diretamente a psicoterapia por causa da sexualidade, ela aparece com frequência como um tema das sessões, não mais como algo temido, que tem de ser escondido dos pais etc...A sexualidade está integrada na realidade do adolescente de uma forma bem mais positiva, hoje. As meninas começam sua vida sexual já orientada sobre métodos contraceptivos, usualmente compartilham com as mães a sua iniciação. Os meninos começam a vida sexual, em grande número, já com a sua namorada, o que acaba determinando uma vida sexual mais saudável, já que antes eles passavam pela terrível situação de terem uma iniciação sexual com pessoas contratadas e, geralmente, escolhida pelo pai ou tio. O problema não está, pelo que percebo na minha prática, quando o adolescente tem namorado(a) e se relaciona sexualmente com ele. Para mim, o problema está na fase anterior, quando eles ainda não têm um relacionamento afetivo e nas “ficadas”, especialmente para as meninas, ainda é confuso saber o que é legal e o que não é. O nível de informação que a internet proporciona é absolutamente amplo e, consequentemente, qualquer púbere hoje é catedrático em variações sexuais! E, em geral, eles não conseguem discriminar o que é “moderno” do que é agressivo; abusivo ou nocivo. Outro dia, uma jovem de 14 anos, minha paciente, apaixonada por uma colega de escola, me contava que o menino, no MSN, tinha feito umas brincadeiras, perguntado-lhe como ela fazia sexo oral e coisas afins...Ela ficou chateada, mas não tinha muita coragem de falar isso, pois achava que aquilo deveria ser normal. Quando, na sessão, inverteu de papel com o rapaz, percebeu que ele estava “tirando com a cara dela” e testando o quanto ela era um certo tipo de menina. Voltando ao seu papel, ela pode, enfim, perceber o quanto aquilo a tinha incomodado e o quanto não conseguiu demonstrar tal incômodo, entrando num jogo que, na verdade, só a magoou. Porque, no fundo, ela não quer transar com o rapaz, ela está apaixonada(!), como todas as adolescentes!

Enfim, eu resumiria que se a relação dos adolescentes com o mundo ao seu redor está mais madura, para aqueles que têm mais problemas de aceitação de si mesmo e da realidade, a busca insaciável continua sendo muito arriscada. Se a relação com as drogas, por exemplo, é bem mais esclarecida, aqueles que são usuários delas acabam desenvolvendo uma adição muito mais cedo e com drogas tão pesadas quanto as de antes. Se a sexualidade hoje está incluída como parte natural da vida e do desenvolvimento, podendo os adolescentes experimentá-la de uma forma muito mais saudável – destacando-se aqui a aceitação que as diversas opções sexuais têm hoje, não só entre os adolescentes, como na sociedade e até mesmo dentro das famílias –, para aqueles que já não estão bem consigo mesmo, o uso da sexualidade como um instrumento de agressão a si mesmo ou a outro continua como sempre.

Além destes dois pontos, eu não poderia deixar de citar a preocupação dos adolescentes de hoje com o ser bem-sucedido! Se antes os jovens queriam ter dinheiro para ser independentes, hoje eles precisam ser ricos, famosos...O sucesso está expresso por bens de consumo, e o que era uma possibilidade, hoje vira uma necessidade. Isso acaba tendo como consequência uma angústia muito intensificada com relação ao futuro, especialmente o profissional. Porque não basta escolher uma profissão em que você se realize. Você precisa escolher uma profissão que vá tornálo milionário! E especialmente para aqueles alunos medianos, isso é um sonho quase que inatingível.

Por fim, gostaria de abordar a relação do adolescente consigo mesmo que, a meu ver, é o que realmente o mantém num processo psicoterápico. Ele pode ser encaminhado para tratamento pela escola, pelos pais, pelo médico. Mas ele só permanecerá no tratamento se conseguir construir com o terapeuta um vínculo com o qual se sinta livre e confiante para colocar a sua relação consigo mesmo, a sua visão de si mesmo, porque é esta que o atormenta. Como os outros me veem pode ser um problema, mas como eu me vejo é, inevitavelmente, um grande problema! E nesta fase de tantas transformações e perdas, o adolescente precisa contar consigo mesmo, acreditar no seu potencial, para poder antever que conseguirá lidar com todas as novidades que estão por vir. E é aí que mais eles se sentem perdidos. É aí que aparecem toda a insegurança, os medos, as marcas da vida infantil que se abandona. Aprender a caminhar sozinho, abrindo mão da proteção parental, e enfrentar a necessidade humana de ser aceito e valorizado pelo que se é, suportando as rejeições inevitáveis, não é uma tarefa assim tão indolor. É preciso ter um mínimo de autoestima para dar conta, adequadamente, de tamanha tarefa. Hoje eu recebo muitos adolescentes que já vêm diretamente com esta demanda: eu preciso gostar mais de mim; eu preciso me entender melhor; aceitar-me mais.... Não consigo me lembrar claramente de algum adolescente que tenha me procurado com essa demanda nos anos 80. Não porque essa dinâmica não estivesse presente, antes, porque ela era mascarada por um “eu sou assim e pronto. Quem quiser me aceitar, me aceitará assim.” Hoje os adolescentes têm mais consciência de que não são o centro do mundo – se bem que este ainda é um sonho bastante sonhado – e, portanto, sabem que precisam encontrar o seu real lugar na vida e na sociedade.

Editor: Como vocês têm trabalhado as questões trazidas pelos jovens e adolescentes no psicodrama?

Mariana: Na clínica, trabalho com o adolescente, procurando olhar desde uma perspectiva do mundo atual, a partir de uma reflexão pautada no mundo real de mudanças possíveis, no qual o jovem precisa ser ajudado a penetrar florestas, descobrir tesouros, procurar amigos, soltar a imaginação, tatear na vida.

Quanto mais aberta para a compreensão de sua dinâmica de desenvolvimento, melhor e mais comprometida estarei com o seu processo de evolução-individuação, para transformar-se realmente em um ser capaz de assumir suas responsabilidades e compromissos com a humanidade. Pensando a adolescência desde uma perspectiva evolutiva, exige que busquemos a inovação junto com o entendimento do jovem para cocriar um espaço que seja acolhedor e receptivo às suas ambiguidades, que é uma característica própria desta fase. Ás vezes, não só o jovem adolescente necessita deste espaço para percorrer sua trajetória e descortinar um mundo real de mudanças e construções possíveis, como também nós, terapeutas, devemos estar abertos, para, além da compreensão de sua dinâmica, ainda atender ao vínculo interpsíquico com os pais, que muitas vezes também entram num processo de adolescência e necessitam ajuda para compreender este processo e, ao mesmo tempo, ajudar o jovem a comprometer-se com sua evolução e individuação.

Aliada à sensibilidade e à habilidade técnica, busco sempre a inovação com o adolescente, re-avaliando e confirmando, com frequência, o vínculo, para afirmá-lo através da compreensão e da receptividade.

Valorizo a interrelação, o diálogo, pois acredito que é a partir da interação que se coconstitui o sujeito mais livre e criativo. Tento evidenciar o aspecto produtivo espontâneo e criador do adolescente. Além disso, levo em consideração a singularidade de cada jovem que atendo, com isto, minha proposta é uma terapia diferente para cada um, valorizando sempre a construção do vínculo terapeuta-paciente.

Como estratégia, costumo trabalhar o adolescente atendendo mais aos aspectos intrapsíquicos, importantes para a construção da subjetividade que vai gerar sua identidade. Para tanto, como recurso técnico, trabalho buscando, no seu mundo imaginário, construção de personagens ou estimulando que busque outros que já circulam neste mundo subjetivo. Isto, aliado à compreensão, à aceitação, tem ajudado os jovens que me procuram a acreditar que é possivel um processo de transformação, redramatizando seu mundo interno, que tateia na vida em buscas de inovações e novos valores.

Vale ressaltar que os adolescentes, de um modo geral, manifestam maior dificuldade para dramatizar suas cenas ou até mesmo construir suas cenas, pois vivem muito o presente, são ansiosos para soluções imediatas. Costumo, além da construção de personagens, trabalhar as cenas atuais, utilizando recursos projetivos (desenhos, imagens, esculturas, máscaras, poesias, músicas, literatura). Desta forma, eles vão compreendendo e organizando seu mundo interno, a partir do qual constitui sua subjetividade.

É frequente fazer-se necessário, como procedimento terapêutico, trabalhar o adolescente em sessões vinculares com os pais, com a finalidade de propiciar confrontos para criar possibilidades mais saudáveis para o vínculo além do atendimento bipessoal com o adolescente, para trabalhar os conteúdos intrapsíquicos, acompanhando e ajudando a percorrer sua trajetória de vida para entender, organizar e estruturar seu crescimento.

Adelsa: Minha primeira reação à sua pergunta, Devanir, é pensar na sua abrangência. Não existe uma forma de trabalhar, já que cada paciente é um e cada vínculo tem características próprias. Entretanto, seguindo na busca da resposta, inevitavelmente, encontro um ponto em comum, que caracteriza esta fase da vida, a adolescência e, portanto, dá para traçar uma linha geral de trabalho.

Pensando desta forma, eu posso dizer que tenho trabalhado com os adolescentes que me procuram, basicamente, ajudando-os a enfrentar todas as mudanças que se impõem neste período da vida; ancorando suas ações e reflexões num confronto entre o ideal e o real; e também buscando fortalecer sua autoimagem e identidade de forma que possa afirmar as decisões que virá a tomar como resultado de uma escolha pessoal e não como continuidade dos desejos e projetos de outrem, quer sejam familiares, amigos ou qualquer outra influencia vincular significativa.

Creio que as palavras de Arminda Aberastury sintetizam este olhar geral sobre o trabalho com os adolescentes:

“Entrar no mundo dos adultos – desejado e temido – significa para o adolescente a perda definitiva de sua condição de criança. É o momento crucial na vida do homem e constitui uma etapa decisiva de um processo de desprendimento que começou com o nascimento. As mudanças psicológicas que se produzem neste período, e que são a correlação de mudanças corporais, levam a uma nova relação com os pais e com o mundo. Isto só é possível quando se elabora, lenta e dolorosamente, o luto pelo corpo de criança, pela identidade infantil e pela relação com os pais da infância. Quando o adolescente se inclui no mundo com este corpo já maduro, a imagem que tem do seu corpo mudou também sua identidade, e precisa então adquirir uma ideologia que lhe permita sua adaptação ao mundo e/ou sua ação sobre ele para mudá-lo. Neste período flutua entre um dependência e uma independência extrema e só a maturidade lhe permitirá, mais tarde, aceitar ser independente dentro de um limite de necessária dependência. Mas, no começo, mover-se-á entre o impulso ao desprendimento e a defesa que impõe o temor à perda do conhecido. É um período de contradições, confuso, ambivalente, doloroso, caracterizado por fricções com o meio familiar e social.” (in Adolescência Normal, A. Aberastury e M. Knobel, Editora Artes Médicas, Porto Alegre, 1981, p.13).

Tentando colocar esta definição em nossa linguagem psicodramática, eu diria que é uma época em que todos os papéis desempenhados por um indivíduo estão em mudança; suas relações se transformam e lhe são exigidas novas formas de se relacionar com as pessoas, coisas e o mundo. E é preciso que cada um construa seu repertório próprio para poder treinar os papéis, jogá-los até que os mesmo sejam assumidos e desempenhados espontaneamente. E isso não é uma coisa simples, já que implica mudar também os contrapapéis. Ser pai de adolescente é diferente de ser pai de uma criança. De igual modo, o psicoterapeuta de adolescente precisa desenvolver este papel, adaptando-se a realidade emocional que tais pacientes vivenciam. Isto independe da idade do terapeuta, mas é reflexo, sobretudo da capacidade de colocar-se no lugar do outro e poder acolher a dor, dúvida e angústia do jovem, compreendendo-o neste momento de sua vida e estimulando-o a buscar suas próprias saídas para seus dilemas. Não podemos não considerar o sofrimento inerente a todo este processo de transformação; o temor que todas as perdas vividas trazem, bem como a enorme dificuldade de enfrentar a perspectiva do futuro, precisando assumir que se é o que é; a autoria da própria vida, até então dividida com as figuras parentais. Por isso, é muito importante poder aceitar este processo para poder discriminar o que consideramos normal e o que podemos considerar patológico neste momento de vida.

Creio que é importante destacar que a maioria dos adolescentes tem enorme dificuldade para pedir ajuda, fato até justificado pela dialética onipotência/impotência vivenciada, e por isso, frequentemente, eles chegam ao consultório por solicitação da escola ou da família. Por isso, um aspecto que considero muito importante, no atendimento de adolescentes, é o vínculo estabelecido também com os pais dos pacientes. Concordo com Herval Flores, quando ele diz que “Uma psicoterapia de adolescente tem três partes interligadas: o terapeuta, adolescente e seus pais. Alguns terapeutas chegam a afirmar que nós, terapeutas de adolescentes, somos terceirizados pelos pais para atendermos seus filhos.” E eu complemento que se tal fato não pode interferir na liberdade de ação do psicoterapeuta nem exime o paciente de ser responsável pelo que é dito, compartilhado e discutido nas sessões, também não podemos ignorar que legalmente eles ainda são dependentes dos responsáveis e, portanto, não podemos excluí-los do processo. Eu considero sempre muito útil a realização de sessões vinculares, seja com os pais, seja com cada um dos genitores separadamente. Dependendo do caso, também as sessões com irmãos trazem novas visões sobre determinados problemas.

Como psicodramatistas que somos, dispomos de um amplo arsenal técnico e metodológico para utilizarmos e que, de uma maneira geral, é muito bem recebido pelos jovens. A inversão de papel é por mim muito utilizada, e percebo que permite, de forma muito eficiente, adentrar no mundo do outro, permitindo uma clareza do novo olhar, das responsabilidades de determinados papéis, bem como das dinâmicas emocionais envolvidas pelos complementares da relação investigada. Obviamente, todas as técnicas fundamentais do psicodrama são utilizadas e com resultados muito positivos. Eu sinto que nesta fase da vida, experimentar jogar papéis, fazer projeções do futuro; fazer role-play de situações atende sobremaneira a ansiedade dos jovens diante do que está por vir. Assim, permitindo que eles experimentem diversas formas de desempenhar tais papéis nas diversas situações, ajudamos-od a encontrar a sua resposta individual e espontânea para as novas situações.

Editor: Agradeço muitíssimo às duas dialogadoras. Foi um enorme prazer a conversa com pessoas tão sensíveis e experientes. Torço para que o leitor possa desfrutar de nosso papo. Um grande abraço

 

 

Endereço para correspondência
Adelsa Cunha Rua prof. Martins Santana, n° 80
Vila Nova Conceição CEP 04513-060, São Paulo - SP
e-mail: fadcunha@uol.com.br

 

Mariana Bertussi Rua Jeronemo Coelho, 383 sala 902, Centro
CEP 88010-030, Florianópolis - SC
e-mail: marianabertussi@uol.com.br

 

 

1 Psicóloga; psicodramatista didata supervisora (SOPSP/SP); especializada em psicoterapia de casais e diretora de psicodrama (Inst. J. L. Moreno, Buenos Aires/ São Paulo)
2 Psicóloga; psicodramatista didata supervisora (IPPGC/ SOPSP); diretora de psicodrama (Inst. J. L. Moreno, Buenos Aires/São Paulo)