SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18 número2Psychotherapie PsychodramatischThe Theatre of Spontaneity índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.18 no.2 São Paulo  2010

 

RESENHA

Book reviews

 

MASP 1970: o Psicodrama

 

MASP 1970: The Psychodrama

 

 

1 Rosa Lídia Pacheco F. Pontes

Endereço para correspondência

 

 

NORIVAL ALBERGARIA CEPEDA e MARIA APARECIDA F. MARTIN SÃO PAULO: ÁGORA, 2010

Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou...

Os partidos políticos são extintos, as eleições para governador passam a ser indiretas. O congresso é fechado, a censura apreende e controla jornais, rádio, teatro e cinema. As manifestações de rua são proibidas e as estudantis, duramente reprimidas. São previstas, por decreto, a pena de morte e a prisão perpétua, para os casos de guerra revolucionária ou subversiva.

Após ter ouvido os membros do Conselho de Segurança Nacional, o presidente resolve baixar um ato institucional que tem, como finalidade fundamental, preservar a revolução de março de 1964. Com o endurecimento do regime, políticos e artistas partem para o exílio.

Eu quero ir minha gente,
Eu não sou daqui
Eu não tenho nada
Quero ver Irene rir
Quero ver Irene dar sua risada

A produção industrial aumenta, a economia cresce, a inflação cai.

Obras gigantescas como a Transamazônica e a Usina de Paulínia são construídas. A entrada de capital estrangeiro bate recorde e a dívida externa chega a 13 bilhões de dólares. É o milagre brasileiro.

Os órgãos de repressão podem prender e tornar os indivíduos incomunicáveis. A repressão aumenta e aumentam as guerrilhas e atos subversivos.

Hoje você é quem manda
Falou tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado e
Olhando pro chão, viu

No cinema surge o gênero pornô chanchada. Na TV, em cores, a supremacia é da Rede Globo. O Brasil conquista o tri, comemorando com um carnaval temporão.

Enquanto tudo isso está rolando Brasil a fora....

Em São Paulo ocorria a gestação do movimento psicodramático institucionalizado. Osvaldo Di Loreto e Michael Schwarchild entram em contato com Jaime Rojas Bermudez, psicodramatista radicado na Argentina e único latino-americano diplomado como Diretor de Psicodrama pelo instituto de J. L. Moreno até então, propondo a ele um curso de 15 dias para os profissionais da Clínica Enfance. Bermudez aceita e agenda sua vinda para o mês de janeiro de 1968. A notícia se espalha e outros profissionais, como Íris Soares de Azevedo, Alfredo Soeiro, José Manoel D'Alessandro e Antonio Carlos Cesarino, entre outros, se interessam em participar. Em três dias, um segundo grupo é formado, mas a procura continua, e mais um grupo se forma. Ao chegar, Bermudez encontra três grupos formados, com uma média de 12 "alunos" em cada.

A partir daí nasce o GEPSP, Grupo de Psicodrama de São Paulo, que funciona de 1968 a 1970, de início com 37 alunos e oito coordenadores eleitos pelo próprio grupo, e que, atualmente, pode ser compreendido como a semente que brotaria e se desenvolveria no sentido de iniciar um processo institucionalizado de formação de psicodramatistas no Brasil.

Bem, mas não estou aqui para contar esta história. Quem o fez com muita dedicação e maestria foram Maria Aparecida Martin e Norival Albergaria Cepeda, no livro que está para ser lançado: Masp 1970: O psicodrama. Meu papel aqui é só o de oferecer um menu de degustação, de tentar transmitir ao menos um pouco da emoção que pude experienciar ao entrar em contato com uma séria pesquisa que procura contar um pouco da matriz de meu papel profissional, de propiciar um conhecimento mais próximo de muitos daqueles que foram meus mestres e modelos, e consequentemente, poder render-lhes os devidos méritos.

Em meus 34 anos de psicodrama, a história1 contada no livro foi muitas vezes ouvida através de diferentes interlocutores, sempre com muita paixão, mas, inevitavelmente repleta de vieses emocionais.

Nori e Cida, ainda crianças em 1970, entram, no início de 90, no movimento psicodramático, que, aos 20 anos, vive seu final de adolescência ainda com conflitos. Hoje, profissionais maduros, percebem a senioridade de um movimento de 40 anos, compreendem que as paixões já se arrefeceram dando lugar a relações adultas, e se dispõem a reunir um belíssimo material através de ampla pesquisa bibliográfica, de depoimentos pessoais, de entrevistas atuais, e de entrevistas em vídeo do acervo da Febrap e da ABPS.

Na verdade, de meu ponto de vista, o título diz pouco sobre o conteúdo do livro. Os autores não se limitam ao congresso do Masp, iniciando sua pesquisa pelos profissionais pioneiros, que, de forma autodidata, entraram em contato com o psicodrama e buscaram suas formações nos primeiros grupos dirigidos por J. R. Bermudez.

Nos capítulos que dedicam ao congresso, expõem a concepção do mesmo, em Buenos Aires – 1968, e todo seu processo de gestação, desde a escolha do Masp e de sua adaptação por Lina Bo Bardi. Não se restringem, no entanto, a descrever as atividades, relacionar os participantes, a formatura dos primeiros psicodramatistas brasileiros, mas procuram enfatizar a dimensão do trabalho realizado por um grupo ainda pequeno de profissionais em formação, em um período extremamente adverso do ponto de vista político social, e que, ainda, vivia conflitos internos em relação à sua própria formação. Os depoimentos dos organizadores e de alguns participantes são preciosos para que o leitor dimensione a dificuldade de tal realização.

Vem vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Ainda através de depoimentos, o momento político internacional do psicodrama é revelado nos comentários acerca da ausência de Moreno, eleito presidente honorário, e de Zerka, sua esposa, 2ª vicepresidente.

Os capítulos seguintes apresentam o encerramento das atividades do GEPSP, o surgimento das duas primeiras instituições de psicodrama brasileiras: ABPS e SOPSP, e a criação de vários núcleos formativos espalhados pelo país, que em 1976 se reuniram para dar origem à Febrap.

Apesar de você,
Amanhã há de ser.
Outro dia...

Trata-se, enfim, de uma obra importante a todos aqueles que fizeram, ou estão fazendo, do psicodrama sua opção de vida profissional, por oferecer a oportunidade de se entrar em contato com a matriz formadora de um movimento que vem crescendo, se desenvolvendo e amadurecendo.

Meus agradecimentos a todos os pioneiros que coconstruíram esta história e que se dispuseram a compartilhá-la através de entrevistas e depoimentos.

Parabéns à Cida e ao Nori, pela iniciativa e pela seriedade da pesquisa.

 

 

Endereço para correspondência
Rua General Vitorino Monteiro, 158
CEP 05053-060, São Paulo - SP
e-mail: rlpp@uol.com.br

 

NOTA

Permitam-me utilizar o termo história, ao me referir à pesquisa realizada. A palavra história me pareceu apropriada em função do estilo intimista que os autores a ela conferiram.

 

 

1 Psicóloga, psicodramatista, especialista em Psicologia Clínica e Organizacional, mestre em Educação