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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.19 no.2 São Paulo  2011

 

SEÇÃO LIVRE

Free Section

 

 

O jovem e a primeira experiência de trabalho

 

Youth and the first work experience

 

 

Rodrigo Padrini Monteiro*; **Zoé Margarida Chaves Vale

Endereço para Correspondência

 

 


Resumo

Este artigo apresenta um estudo sobre a relação existente entre o jovem e a vivência de sua primeira experiência de trabalho, buscando a compreensão dos fatores envolvidos nesse processo à luz do psicodrama e de outras pesquisas sobre o assunto, além de contribuir para a construção de novos conhecimentos sobre a juventude e a socionomia. A pesquisa- teórica e empírica- busca identificar os sentidos do trabalho para o jovem e as influências da sua primeira experiência na constituição de sua identidade. Foi possível estabelecer conexões entre os resultados obtidos e a teoria psicodramática, apontando para um campo fértil de conhecimento e pesquisa em relação à categoria trabalho na perspectiva da socionomia.

Palavras-chave: Psicodrama; jovem; trabalho; matriz de identidade.


Abstract

Beyond bringing new understanding of youth and socionomy, this paper explores the relationship between youth and their first work experience, aiming to understand the factors that are involved in this process from the perspective of psychodrama and other relevant research around this subject. This theoretical and empirical research tries to identify the meaning of work for youth, and how the first work experience might influence their identity. Links are made between the outcome results and the psychodrama theory, indicating that socionomy can offer a fertile ground for knowledge and research in relation to work.

Keywords: Psychodrama; youth; work; the matrix of identity


 

 

INTRODUÇÃO

Este artigo fundamenta-se em nossa monografia de conclusão do curso de especialização (lato sensu) em psicodrama, cujo título é "O jovem e a primeira experiência de trabalho" (2010)1. A pesquisa teve como intuito investigar o sentido do trabalho dentro do referencial teórico da socionomia e quais as influências da experiência de trabalho na construção das identidades dos jovens que vivenciam seu primeiro emprego.

Partimos do pressuposto de que o desenvolvimento do indivíduo, a partir de determinado momento de sua vida, está diretamente relacionado à sua entrada no mundo do trabalho, e estará, a partir desse momento inicial, permanentemente condicionado a ele. Consideramos, portanto, a influência do trabalho sobre a saúde do indivíduo, tomando uma concepção mais ampla de saúde, que envolve bem-estar físico e psicossocial e que afeta o desenvolvimento individual e relacional do sujeito. Acreditamos que o trabalho pode conter fatores que levam ao adoecimento do indivíduo; assim como pode conter recursos terapêuticos, contribuindo para o desenvolvimento saudável do sujeito.

Para que pudéssemos construir nossa reflexão teórica acerca da relação entre o jovem e o seu ingresso no mundo do trabalho e investigar a influência do primeiro emprego, na constituição da identidade e dos papéis sociais do sujeito jovem, desenvolvemos os conceitos da teoria de matriz de identidade (Moreno, 1997), dentre outros conceitos psicodramáticos relevantes à nossa análise, em conjunto com outros estudos sobre saúde mental, trabalho e juventude.

 

MATRIZ DE IDENTIDADE, JUVENTUD E E TRABALHO

Em relação à definição do termo juventude, precisamos identificar três momentos distintos - puberdade, adolescência e juventude. O período que vai da puberdade ao início da juventude caracteriza-se por grandes mudanças (física, psíquica e social), decisivas na formação da identidade do sujeito.

Tendo como referência autores como Vale (2006), Kehl (2007), Guimarães e Grinspun (2008), podemos dizer que sempre ocorre um momento marcante de diferenciação e mudança vivido pelo indivíduo em seu desenvolvimento psicossocial: inicia-se na puberdade (entre 10 e 13 anos, em média) e estende-se pela adolescência (entre 13 e 18 anos), refletindo-se no período da juventude (18 a 24 anos, do ponto de vista psicossocial, e até 29 ou 34 anos, do ponto de vista das políticas públicas para a juventude). São etapas distintas, mas que se superpõem e cujos limites dependem de fatores múltiplos- sociais, culturais, antropológicos, psicológicos e físicos. Em relação aos sujeitos que entrevistamos em nossa pesquisa empírica, utilizamos os recortes apresentados por Guimarães e Grinspun (2008), ou seja, a faixa etária de 16 a 22 anos.

Podemos definir juventude como:

O período da vida em que as pessoas passam da infância à condição de adultos, e durante o qual produzem mudanças biológicas, psicológicas, sociais e culturais, que se realizam em condições diferenciadas, segundo as sociedades, as culturas, as etnias-raças, as classes sociais e o gênero, bem como outras referências objetivas e subjetivamente relevantes para os que a vivenciam (Abramovay apud Guimarães e Grinspun, 2008, p.7).

Buscamos articular o conceito de matriz de identidade ao de juventude. Fonseca (1996) coloca que "a matriz de identidade é o berço [...] da consciência de quem somos e da consciência de quanto valemos, ou seja, da capacidade auto-avaliativa que possuímos" (p. 24).

Como conceito que baseia a teoria do desenvolvimento humano, para Moreno (1997), a matriz de identidade apresenta-se, inicialmente, organizada em três etapas, não de forma sequencial nem definitiva: matriz total indiferenciada, matriz diferenciada (reconhecimento do eu e o reconhecimento do tu) e fase de inversão. Essas três fases principais caracterizam o desenvolvimento da personalidade, de um modo geral.

Fonseca (1980) propõe um modelo de desenvolvimento em onze fases, nomeadas na seguinte ordem: indiferenciação; simbiose; reconhecimento do eu; reconhecimento do tu; relações "em corredor"; pré-inversão; triangulação; circularização; inversão de papéis; encontro; revitalização de identidade pós-encontro. Ambas as organizações tratam de um processo único de desenvolvimento e evolução do indivíduo, que caminha desde a indiferenciação até o desenvolvimento saudável do sujeito em suas relações sociais consigo mesmo, com os outros e com o mundo.

Para nossa compreensão da construção da identidade do jovem, destacamos duas dessas fases: o reconhecimento do eu e o reconhecimento do tu. Essas fases trazidas por Fonseca (1980) caracterizam o início do processo de desenvolvimento da identidade do sujeito. Com base na fase de indiferenciação já trazida por Moreno (1997), Fonseca (1980) nos apresenta a etapa de reconhecimento do eu, afirmando que, após aquela fase inicial, "a criança passa para um estágio de reconhecimento de si mesma, de descoberta de sua própria identidade. Fica polarizada por si mesma. Trata-se de um movimento centrípeto sobre si mesma" (p. 87). O autor nos diz, ainda, que "esta fase corresponde ao 'processo de reconhecimento do Eu', ou 'fase do espelho', e, a rigor, está sempre presente no desenvolvimento do indivíduo" (p. 87). Para o autor, em paralelo ao reconhecimento do eu, ocorre o reconhecimento do tu. Segundo este autor, a diferenciação entre os dois processos ocorre por razões didáticas e, "na verdade, fazem parte de um mesmo processo. Ao mesmo tempo em que se está reconhecendo como pessoa, se está também no processo de perceber o outro, de entrar em contato com o mundo, de identificar o Tu" (p. 88).

Para Içami Tiba (1986), "as duas maiores modificações no desenvolvimento biopsicossocial do homem são o nascimento e a puberdade. São grandes modificações que ocorrem, cada uma, em um curto período de tempo." (p. 7). O autor nos diz ainda que, para Moreno (1997), o nascimento é uma libertação e, partindo do conceito moreniano de matriz de identidade, considera que, na infância, o indivíduo vivencia sua matriz familiar e que, na puberdade e adolescência, vivenciará sua matriz social. Portanto, a adolescência é a fase de "nascer para o mundo social", em que o jovem aprende a ser menos dependente da família.

A concepção de adolescência, para Tiba (1986), envolve a possibilidade de que o indivíduo reviva fases específicas da matriz de identidade. O autor afirma que o jovem vivencia um rerreconhecimento do Eu, ou seja, o indivíduo passa novamente pela fase que havia experienciado quando criança. No entanto, essa vivência será diferente da anterior. Acompanhado de mudanças corporais, assim como de seu pensamento, forma de ver o mundo e suas relações sociais, o jovem "reavalia e questiona toda a sua ligação com os seus pais e a psicodinâmica familiar" (Tiba, 1986, p.26). Nesse momento, o jovem irá redimensionar sua identidade, com base em valores já adquiridos e as novas experiências. Além do rerreconhecimento do eu, Tiba afirma que, em paralelo, ocorre com o jovem o rerreconhecimento do tu, ou seja, um novo reconhecimento do outro, dos indivíduos que o cercam nos novos vínculos sociais.

Este é um longo processo, que atravessa o período da juventude, e que é vivenciado pelo sujeito jovem como libertação, mudança e renovação.

Constatamos em nossos estudos que o desenvolvimento do indivíduo percorre um caminho em espiral: após um período de evolução da matriz familiar (infância), há um salto qualitativo na puberdade, em que são retomadas as etapas de indiferenciação, entretanto, agora, em relação ao mundo social (matriz social). A entrada no mundo social, com a vivência complexa dos papéis sociais- tanto os relacionais como de amigo, namorado, colega-, inicia-se nesta fase da vida e só se completa com a vivência dos papéis profissionais, ao longo de todo o período da juventude.

Desta forma, assim como na adolescência ocorre uma revivência do reconhecimento do eu e do tu nas relações socioafetivas, acreditamos que, ao longo da juventude, a revivência ocorre com os papéis sociais relacionados ao trabalho. Por isso, afirmamos que o momento do primeiro emprego deve ser visto como processo fundamental de constituição da identidade do sujeito jovem. No primeiro emprego, o indivíduo experimenta vários "momentos significativos"- caracterizados por várias mudanças que atingem as esferas corporal, psíquica, relacional e social- que influenciarão sua forma de pensar e agir no mundo e estarão presentes por toda a sua vida profissional.

Em nossa pesquisa teórica, foi importante resgatar o sentido original que Moreno (1997) atribui ao termo matriz, ligado a outros dois termos utilizados pelo autor: locus e status nascendi. Tais conceitos possuem uma dimensão que ultrapassa o campo do desenvolvimento da personalidade, atravessando todo o processo de criação do sujeito humano.

Dentro do referencial psicodramático, "todo e qualquer ato está relacionado a três fatores, que se encontram também na origem do organismo humano, das ideias e dos objetos: locus, matriz e status nascendi" (Gonçalves, Wolff e Almeida, 1988, p.77). Bustos afirma que "o termo locus determina o lugar onde algo nasceu", ou seja, "a área ou local específico onde se dá um determinado processo" (Bustos, 1998, p.94). A matriz está relacionada ao núcleo do processo, sendo que o mesmo autor se refere à matriz "enquanto óvulo fertilizado ou semente germinada" (p. 94). Por último, o status nascendi é um termo utilizado para definir a dimensão temporal desse processo, ou seja, o momento em que o nascimento de algo ocorre e como se desenvolve.

Acreditamos, coerente com a teoria do momento de Moreno (1997), na existência de um momento iniciador principal (matriz), que está relacionado ao início de um processo (status nascendi) que se desenrolará por toda a trajetória do sujeito no mundo do seu trabalho (locus nascendi). Esse momento iniciador principal se dá na entrada do indivíduo nesse novo espaço, ou seja, na experiência de seu primeiro emprego, que, de um modo geral, ocorre entre os 16 e 22 anos.

É importante atentarmos para alguns dados que dizem respeito às transformações na relação do jovem com o trabalho nas últimas décadas. Na década de 1980, Tiba descreve uma relação positiva entre o jovem e o trabalho: "os adolescentes geralmente gostam de trabalhar. O trabalho dá ao adolescente a posição de adulto, pois implica na responsabilidade de produzir algo e de ser remunerado pelo que realiza". O autor prossegue dizendo que "com o compromisso acrescido da realização e da remuneração descortina-se uma nova dimensão para o adolescente: a identidade social através do trabalho" (Tiba, 1986, p.78).

No entanto, algumas pesquisas na década de 1990, período de emergência da crise do modelo do capitalismo liberal, apresentavam uma tendência à desvalorização do trabalho pelos jovens (Pais, 1991; Martins, 1997), devido ao desenvolvimento de formas precárias de trabalho. Segundo estes autores, os jovens apresentavam condutas negativas em relação ao trabalho, optando por trabalhos temporários e prolongando o período entre a saída da escola e o início da vida profissional, optando por modos alternativos de vida, que não possuem o trabalho como centro (especialmente na área artístico-cultural).

Dados de pesquisas brasileiras mais recentes complementam e ao mesmo tempo contrariam essa visão negativa sobre o vínculo do jovem com o trabalho, levando-nos a ampliar nossa percepção sobre esse quadro. Em pesquisa realizada com três mil jovens, em todo o país, pelo Instituto Cidadania, em 2004, "Perfil da Juventude Brasileira", citada por Vale (2006), os jovens revelaram entre suas maiores preocupações: segurança/ violência, emprego/profissional e as drogas. E quando perguntados sobre os temas de maior interesse, explicitaram: educação, emprego/profissão e cultura/lazer.

Observa-se que o trabalho figura como uma das principais preocupações dos jovens, mas que questões estruturais maiores atravessam essa relação. A pesquisa "Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas", realizada entre 2004 e 2005- coordenada pelo Ibase- Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas- e pelo Instituto Polis -, e que atingiu oito mil jovens das oito principais regiões metropolitanas do país, mostrou que 27% dos brasileiros de 15 a 24 anos, nessas regiões, não estavam trabalhando nem estudando.

Na Região Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH, esta pesquisa foi coordenada pelo Observatório da Juventude da UFMG2, um programa de ensino, pesquisa e extensão da Faculdade de Educação (Dayrell, Leão e Gomes, 2005). Em relação a trabalho e emprego, constatou-se que, na RMBH, 58,3% dos jovens consultados não estavam trabalhando, e desses, a maioria (64,5%) estava procurando trabalho no período da pesquisa. Em fase qualitativa da pesquisa, com 122 jovens da RMBH, estes manifestaram suas preocupações atuais em relação à realidade brasileira: violência e segurança (50%); falta de oportunidades de emprego e trabalho (32%); desigualdade social (15,6%) e educação (14% dos depoimentos).

O que se observa, portanto, é que houve uma mudança qualitativa no mundo do trabalho (cada vez mais especializado) e que tal mudança vem afetando a relação do jovem com o trabalho. Os estudos sócio-históricos de Clímaco3, revistos e relatados por Bock (2007) em artigo recente da psicodramatista Mazzotta (2010: 31), trazem um esclarecimento preciso quanto aos fatores relacionados às profundas mudanças do trabalho contemporâneo que atingem os jovens: por um lado, o trabalho, com sua sofisticação tecnológica e com requisitos mais exigentes, passou a exigir um tempo prolongado de formação na escola e a retardar o ingresso do jovem no mercado de trabalho; por outro lado, o tempo médio de vida, prolongado pela ciência, vem trazendo desafios, pois adultos e pessoas idosas permanecem mais tempo ativas.

Junior (2009) reforça esta hipótese, ao dizer que a dinâmica excludente do mercado de trabalho vem desvalorizando os benefícios trazidos pela educação e atinge, principalmente, os jovens de baixa renda e menor escolaridade, como verificado na pesquisa na RMBH, acima citada.

Outros autores trazem a dificuldade da escola de se adaptar às mudanças, não só de mercado de profissões como em relação aos interesses e a realidade dos jovens brasileiros (Abramo e Branco, 2005; Dayrell, Leão e Gomes, 2005; Wertheim, 2006). H. Abramo, coautora do livro "Retrato da Juventude Brasileira", que relata e analisa a pesquisa "Perfil da Juventude Brasileira", comenta em entrevista à Folha de S. Paulo4: "é preciso avaliar por que esses jovens não estão na escola. É por que faltam ofertas? Faltam vagas noturnas para conciliar trabalho e estudo? É preciso uma escola que faça sentido para esses jovens e que os ajude a entrar no mercado".

Temos, assim, uma série de fatores envolvidos na relação entre o jovem e o trabalho, que configuram, por um lado, o interesse dos jovens pelo trabalho, valorização e busca por sua vida profissional, e, por outro, dificuldades estruturais que perpassam essa relação, trazendo dados concretos de nossa realidade.

De um modo geral, encontramos dados que contribuem para a afirmação da importância do trabalho como categoria fundamental na vida do jovem contemporâneo, seja como possibilidade de construir sua identidade, seja pela remuneração- que lhe permite acesso a bens de consumo e culturais- ou pela necessidade de complementação de renda familiar, pelo status adquirido com o papel de trabalhador ou pela realização de projetos pessoais e profissionais.

Desta forma, reafirmamos que, em nosso contexto social contemporâneo, o primeiro emprego é de fundamental importância para a realização dos projetos de vida do jovem e, portanto, para a construção de suas identidades.

 

A PRÁTICA E A COMPREENSÃO PSICODRAMÁTICA

Para melhor compreender os sentidos do trabalho para o jovem e as influências deste na constituição de sua identidade, pretendíamos realizar uma pesquisa-intervenção, constituída de vários atos sociopsicodramáticos com um grupo de jovens em seu primeiro emprego, porém, a empresa que encontramos como campo de pesquisa não apresentava clima favorável para esta metodologia. Sendo assim, realizamos apenas duas entrevistas individuais semiestruturadas (apenas verbais, sem utilizar técnicas psicodramáticas) com dois jovens que estavam (na época, início de 2010) há menos de três meses em seu primeiro emprego, uma empresa fabricante de máquinas e equipamentos para indústria automobilística. Mesmo se tratando de um número reduzido de participantes, os dados das entrevistas enriqueceram a pesquisa teórica com dados empíricos qualitativos e recentes. Ambos os jovens pertencem, em termos socioeconômicos, à classe média baixa, e cursaram até o ensino médio completo.

A empresa onde trabalham tem cerca de 80 empregados, e os jovens entrevistados desenvolvem atividades ligadas à área de produção. Os participantes já haviam experimentado alguma vivência de trabalho, porém apenas em forma de estágios e/ou auxiliando colegas em atividades isoladas. Devemos enfatizar que nosso foco, nesta pesquisa de uma primeira experiência de trabalho, caracterizou-se pela vivência em um ambiente empresarial com horários regulares e rotinas convencionais de trabalho. Portanto, a situação dos sujeitos atendeu a esta característica.

Para fins de identificação, nomeamos aqui os dois jovens como S1 e S2, possuindo, respectivamente, 18 e 20 anos: (S1) para o jovem que trabalha diretamente na montagem dos equipamentos, e (S2) para o que exerce funções ligadas à área de planejamento e controle da produção. S1 havia iniciado nesse seu primeiro emprego há um mês e duas semanas antes da entrevista e trabalhava como ajudante de produção nessa indústria. S2 iniciara o trabalho há aproximadamente 3 meses e trabalhava como auxiliar de controle e planejamento da produção. Ambos se encontravam em condições salariais semelhantes e cumprindo o mesmo horário de trabalho, com carga horária de 44 horas semanais.

O roteiro de entrevista utilizado foi composto por doze perguntas: Como foi pra você, quando começou a trabalhar? Quais foram os motivos que o levaram a procurar o seu primeiro emprego? O que o motivou a trabalhar? Como foi a preparação para este emprego? Como ficou sabendo? O que você acha que mudou em você mesmo, desde que começou a trabalhar? Você percebe alguma mudança no relacionamento entre você e sua família, depois que começou a trabalhar? Qual o significado desse trabalho pra você? O que o trabalho lhe proporciona (satisfação, realização pessoal, remuneração, status social, etc.)? O que te traz mais satisfação enquanto trabalha (relações no trabalho, natureza das tarefas, ser desafiado, coisas novas, mostrar talento etc.)?; Como você acha que esse trabalho vai contribuir para o seu futuro? Como foi pra você esta entrevista (como estava no início, como se sente agora; contribuiu para entender melhor esta experiência de trabalho)?

Desenvolvemos nossa análise dos dados com base neste roteiro e também de acordo com as três questões norteadoras de nosso estudo: Como podemos compreender o trabalho e o vínculo do sujeito com o trabalho dentro do referencial teórico da socionomia? Quais as influências da experiência de trabalho na constituição dos papéis sociais do jovem? Quais os sentidos do trabalho para os jovens que buscam seu primeiro emprego?

Em relação à vivência ao iniciar em seu primeiro emprego, ambos os jovens afirmaram tratar-se de uma experiência diferente, impressões que comprovam o caráter de novidade que o trabalho traz ao indivíduo, composto de elementos até então desconhecidos.

No que diz respeito ao vínculo do jovem com o trabalho, questão essencial em nossa pesquisa, obtivemos respostas semelhantes. A questão da remuneração e de possuir o próprio dinheiro aparece como principal fator motivador, vindo acompanhado da vontade de comprar coisas com o próprio dinheiro, ou seja, a aquisição de bens de consumo. Além disso, figuram também a vontade de ter mais responsabilidades e a preparação para o futuro, ou seja, autonomia.

Ao ser perguntado sobre "Quais foram os motivos que o levaram a procurar o primeiro emprego" S1 afirma: "Tudo né. Salário. Também criar mais responsabilidade, o futuro também. Começar novo. Pensar no futuro, começar novo você vai aprender mais coisa...". O jovem em seguida exemplifica sua motivação: "Ah, conseguir comprar carro, moto, casa, ser independente. Não depender do pai e da mãe. Agora, dependendo ainda, porém menos". De forma semelhante a S1, S2 respondeu: "A questão mais da independência financeira mesmo. Igual, minha mãe que mantinha a casa sozinha tinha acabado de separar, então mais questão de independência financeira mesmo e poder ajudar ela também". Questionado se havia mais algum motivo, S2 complementa: "Vontade de crescer na vida também. Quero sair lá da minha cidade, morar sozinho".

Os resultados nesse sentido estão de acordo com o que encontramos em nossa pesquisa bibliográfica, assim como nos resultados obtidos em outros estudos do tema: a importância do trabalho na vida dos jovens, a busca de autonomia, independência em relação aos pais, remuneração para conseguir estes objetivos e para ter acesso a bens de consumo próprios para jovens, responsabilidade (acesso à fase adulta), crescimento e preparação para o futuro.

O vínculo do jovem com o trabalho é composto, além de um fator salarial, por uma vivência de nova socialização, ou seja, a possibilidade de inserção social. Nesse momento devemos atentar para essa relação no que diz respeito à inserção de tais fatores na teoria psicodramática.

Quando mencionamos uma nova condição de interação social, referimo- nos ao desempenho de novos papéis sociais por parte do jovem: o papel de trabalhador e, principalmente, o de adulto. Para que o desenvolvimento destes novos papéis ocorra, devemos considerar que há um novo reconhecimento do eu e do outro, assim como afirma Tiba (1986). A seguinte fala de S2 reforça esse aspecto: "Você chega aqui e é bem diferente. Você vê porque as pessoas estressam no trabalho. É uma visão um pouco diferente da que a gente tem de fora. É uma questão de empatia, tipo Ah... eu sei...". É a partir do rerreconhecimento do outro e do rerreconhecimento de si próprio que será formada a identidade do jovem. Vemos claramente nesse trecho a fase de reconhecimento do eu sendo revivida: o jovem se mostra capaz de sair de si mesmo e se colocar no lugar do outro, dos outros trabalhadores, mostrando identificação subjetiva com eles através da empatia. É através do reconhecimento de situações vividas pelos adultos, até então distantes de sua realidade, que o jovem irá compreender determinadas atitudes e estabelecer novos significados para suas concepções sobre o papel de adulto, de jovem, de trabalhador, dentre outros.

Outro ponto essencial em nossa análise refere-se ao sentido do trabalho para os jovens. Ao verificarmos as respostas obtidas, observamos que esse sentido ultrapassa o fator motivador inicial, que está principalmente caracterizado pelo salário e pelo poder de aquisição. O primeiro emprego representa para eles o início de um novo período de suas vidas, um novo começo- novas possibilidades, projetos de vida e para o futuro, em especial a construção de uma identidade profissional mais específica ou especializada. A perspectiva de futuro afirma-se e fica mais concreta, através de realização de projetos profissionais.

Desta forma, em termos psicodramáticos, pensamos o trabalho como o momento de um novo começo: podemos tanto enfatizar a vivência de uma rematrização por parte do jovem como também reforçar a nossa hipótese de que existe um momento fundamental na juventude que irá caracterizar o trabalho como experiência de importância inestimável no desenvolvimento do indivíduo.

Relembrando os significados dados por Moreno (1997) aos termos matriz, locus e status nascendi, o primeiro emprego é um momento renovador para o jovem: a matriz é o envolvimento e o engajamento do jovem no primeiro emprego; o locus se refere a todo o ambiente de trabalho e a experiência social de ser trabalhador; e o status nascendi representa o processo de busca e desenvolvimento pessoal e profissional, desde o início efetivo no primeiro emprego. Esta experiência de um momento marcante e significativo irá guiar a sua vida profissional dali em diante. Essa interpretação gera a possibilidade de compreendermos outros momentos importantes e renovadores, existentes em uma carreira profissional, além da primeira experiência de trabalho.

Portanto, o trabalho ainda possui centralidade na vida do sujeito jovem e é elemento de grande importância na constituição de sua identidade e na realização de seus projetos pessoais e profissionais. Seja ocorrendo em uma forma convencional (ambiente empresarial, por exemplo), seja em uma modalidade informal (alguma forma de atividade autônoma), o trabalho proporciona condições de "ser jovem" com mais autonomia e plenitude e, ao mesmo tempo, permite ao jovem adquirir e desenvolver os novos papéis de trabalhador e de adulto.

Destacamos alguns pontos essenciais da teoria psicodramática relacionados à vivência de jovens em seu primeiro emprego: a emergência de novos papéis sociais a partir de nova interação social - papel de trabalhador e papel de adulto- que implicam, também, emergência de novos valores; a rematrização de algumas fases da matriz de identidade (em especial as de reconhecimento do eu e do tu), já em vigor na juventude, revigora-se e completa-se com uma nova experiência, a do trabalho; e, por fim, com base nos conceitos de matriz, locus e status nascendi, o significado da experiência do primeiro emprego como um momento marcante e fundante da constituição da identidade do jovem.

 

CONSIDERAÇÕ ES FINAIS

Apesar de utilização de entrevista semiestruturada, do tipo convencional (não sociopsicodramática) como instrumento de investigação, acreditamos que os resultados obtidos confirmaram nossas hipóteses e reflexões teóricas, permitindo atingir dois objetivos desta pesquisa: investigar o sentido do trabalho dentro do referencial teórico da socionomia e conhecer as influências da experiência de trabalho na construção das identidades dos jovens que vivenciam seu primeiro emprego.

Precisamos pesquisar e produzir mais estudos com fundamentação socionômica, para uma efetiva elaboração de instrumentos sociopsicodramáticos adequados para investigar temas relacionados à interação de pessoas no contexto do trabalho em organizações.

 

Referências

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OBRAS CONSULTADAS

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Endereço para Correspondência
Rodrigo Padrini Monteiro
Rua Artur Alvim, 245 apto 502, Horto
CEP 31035040, Belo Horizonte - MG
e-mail: rodrigopadrini@gmail.com

Zoé Margarida Chaves Vale
Rua Atenas, 465 apto 302, Ana Lúcia
CEP 34710010, Sabará - MG
e-mail: zoemcvale@oi.com.br

 

 

*Psicólogo formado pela PUC-MG e psicodramatista pelo IMPSI
**Mestre em psicologia social (UFMG); especialista em psicodrama e dinâmica de grupo (Sobrap); psicologia clínica, organizacional e do trabalho (CRP-4); docente supervisora no IMPSI
1 - A monografia, de autoria de Rodrigo Padrini Monteiro, sob orientação de Zoé M.C. Vale, foi apresentada ao Instituto Mineiro de Psicodrama Jacob Levy Moreno- IMPSI- e à Faculdade Metropolitana de Belo Horizonte, para obtenção do título de psicodramatista, em abril de 2010.
2 - Segundo Leão, Dayrell e Gomes (coordenadores da pesquisa), in "Pesquisa: Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas. Região Metropolitana de Belo Horizonte. Relatório Preliminar dos grupos de diálogo. Belo Horizonte, junho de 2005", o observatório tem como eixos centrais de preocupação a condição juvenil; políticas públicas e ações sociais; práticas culturais e ações coletivas da juventude na cidade e a construção de metodologias de trabalho com jovens.
3 - Clímaco, A.A.S. Repensando as concepções da adolescência. Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Sâo Paulo, 1991.
4 - Matéria de Antônio Góis e Amarílis Lage, "27% dos jovens não trabalham nem estudam". Folha Cotidiano. Folha de S.Paulo, 20/fev/2006.