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Revista Brasileira de Psicodrama

On-line version ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.19 no.2 São Paulo  2011

 

Resenhas

Book reviews

 

Segredos (LGE Editora)

 

Secrets

 

 

Moysés Aguiar*

Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap)

Endereço para Correspondência

 

 

Valéria Brito e Devanir Merengué. LGE Editora Brasília , 2010

 

Uma resenha, em revista científica, tem como objetivo, segundo entendo, noticiar a publicação de um livro, apresentar o seu conteúdo e tecer algumas considerações críticas, de modo a situar o eventual leitor, para que se decida se quer ou não ter acesso direto à obra.

Isso exige que o texto resenha seja o mais objetivo possível, deixando na penumbra as emoções despertadas no seu autor. Que são relevantes, uma boa pista, mas que não devem tomar a cena.

Tarefa difícil, no caso de "Segredos".

A dupla de autores já nos brindou com uma obra anterior, de caráter acadêmico, com reflexões rigorosas a respeito da utilização do psicodrama como método de pesquisa qualitativa.

Agora, apresenta um trabalho que fica entre o poético, o crítico e o autobiográfico. Misto de ficção e realidade. Se é que se pode considerálas grandezas discretas, porque a ficção não é outra coisa senão um jeito de descrever essa coisa inefável a que chamamos de realidade. E também porque essa coisa que apelidamos de realidade nada mais é do que a nossa particular ficção, na qual acreditamos piamente - e partimos do pressuposto de que os outros também acreditam, ou pelo menos deveriam fazê-lo.

Com efeito, "Segredos" é uma coletânea de depoimentos dos autores a respeito de casos por eles atendidos, na sua condição de psicoterapeutas. O manto da ficção protege a privacidade dos sujeitos. E os relatos fogem da contação tradicional, em que pacientes e processos costumam ser descritos da forma mais fria possível, como exemplos de manejo técnico a serem assimilados pelos colegas, especialmente os menos experientes.

Para mim, que tenho uma quilometragem mais avançada que eles no quefazer terapêutico, os "segredos" dizem muito mais da intimidade dos autores terapeutas do que propriamente dos pacientes relatados. Aliás, os segredos portam mesmo essa característica: eles são propriedade dos seus depositários e falam mais deles do que das fontes nominais dos fatos sob sua guarda.

Como se sentem os terapeutas diante das contingências humanas das quais são chamados a participar como meros ajudantes, sem poder de decisão, sem responsabilidades que extrapolem essa condição subalterna? Se por um lado isso lhes confere poder, o poder do servo sobre o seu senhor, ao mesmo tempo lhes faz presente sua impotência por definição: são os ajudados que definem os rumos de suas respectivas vidas. Os terapeutas ajudantes fazem o seu melhor, na condição de interventores autorizados e, na sequência, tornam-se expectadores dos desdobramentos que, no mais das vezes, se esfumaçam em meio à bruma do tempo.

Esse é o depoimento de Valéria e Devanir. O que nos proporciona um indescritível conforto, constatando que as esperanças e frustrações do nosso ofício têm uma grandeza que vai além dos resultados objetivos e objetiváveis dos processos terapêuticos que supostamente conduzimos. E que estamos todos juntos nesse mesmo barco.

Sendo mais objetivo no papel de resenhador: são 35 breves contos, a partir de situações terapêuticas que foram destaque para os autores. A caracterização dos pacientes e dos problemas é suficiente para nos permitir vislumbrar a natureza do desafio que tiveram que enfrentar. Sem nenhum pouco de tecnicismo, mas com grande poder de comunicação. Em todos os casos, tem-se uma ideia bastante clara do que aconteceu com cada um - até mesmo do desconhecimento do que aconteceu.

O leque de situações humanas abrangidas é bastante amplo. Praticamente mapeia aquilo que todos nós, terapeutas, estamos acostumados a enfrentar. Por isso nos fala muito de perto.

Nos últimos tempos, estou cada vez mais convencido de que o terapeuta é antes de tudo um artista. A arte nos permite um tipo de apreensão da realidade que não está sujeito aos mesmos cânones da investigação científica. É a intuição que nos conduz aos fatos relevantes e produz nosso conhecimento. Isso não nos exime da responsabilidade da sistematização que a ciência nos pode oferecer, como referências úteis - que se tornam fúteis se não se casam com a sensibilidade, a principal arma do artista e, nesse caso, do terapeuta.

É o que nos demonstram os autores, ao abrirem ao público os seus segredos. Essa demonstração é ao mesmo tempo pedagógica e reconfortante. Uma boa oportunidade para nos reencontrarmos com nós mesmos e fortalecermos nosso papel.

Como se trata de uma leitura leve e envolvente, pode o leitor usufruir da vantagem da boa comunicação, que é aquela que não apenas veicula adequadamente um determinado conteúdo, mas o faz de forma tal que reafirma a impagável e inesquecível síntese de McLuhan: "o meio é a mensagem".

Altamente recomendável.

 

Endereço para Correspondência
Rua Mogi Guaçu, 1270 CEP 13090-605,
Campinas - SP
e-mail: moysesaguiar@terra.com.br
site: http://moysesaguiar.blogspot.com

 

 

*Psicólogo; psicoterapeuta; professorsupervisor pela Federação Brasileira de Psicodrama