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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.19 no.2 São Paulo  2011

 

Resenhas

Book reviews

 

Doença mental, um tratamento possível (Editora Ágora)

 

Mental illness: a possible form of treatment

 

 

Wilson Castello de Almeida*

Endereço para Correspondência

 

 

Luís Altenfel der Silva Filho Editora Ágora São Paulo , 2011

 

Começo esta resenha comentando a bela capa do projeto gráfico da Crayon Editorial. A gravura simbólica sintetiza o conteúdo do livro. Tratase de um quadro de Picasso, exposto no acervo do Museu Picasso de Barcelona, onde Luís adquiriu o direito de impressão no Brasil. É a figura de um doente mental perambulando pelas ruas daquela cidade espanhola. A tela faz parte do chamado "período azul", fase artística do pintor, de 1901 a 1904, caracterizada por temas melancólicos.

Melancolia seria um mal derivado do excesso de bile negra, levando os indivíduos acometidos à lentidão, tristeza e prostração. Um modo de ver dos antigos. Hoje, é uma fase do transtorno bipolar, outrora psicose maníaco-depressiva. Todavia, tal estado afetivo de profundo desencanto com a vida também impregna qualquer tipo de doença mental, contendo elementos da hipocondria, do marasmo, do apoucamento e da queda do vigor físico e psíquico.

Muito feliz o uso dessa imagem soturna, alienada, envolvida em trevas, com movimentos das mãos com a tipicidade dos autistas.

Assim o autor do livro já pode dizer-nos a que veio.

O subtítulo remete-nos à psicoterapia de grupo e ao psicodrama, aclamando que a experiência de Jacob Levy Moreno está sendo utilizada em nosso país, particularmente nos hospitais de psiquiatria, onde Luís Altenfelder tem exercido suas tarefas profissionais.

O uso do teatro terapêutico tem história longa, comunicada no desenrolar do texto, como um recurso para se expandir o campo vivencial e existencial dos pacientes.

Gosto do termo "tratamento", porque foi como aprendi com os estudos de Lacan: nós, psiquiatras, não prometemos a cura, mas tão somente o tratamento. "Tão somente" é o modo de se falar, pois tratamento é tudo. Tratamento é receber, acolher, ocupar-se, lidar, alimentar, cuidar, conjunto de meios em busca da cura. É, outrossim, manter as relações de convivência e aplicar esforços, o máximo da capacidade profissional, para se conseguir um bom objetivo possível.

Daí o sintagma exigente: ser tratável, no sentido da afabilidade da benevolência e da civilidade. Um movimento de mão dupla essencial para a ótima interrelação dos papéis sociais. O tele moreniano é construído do decorrer do trabalho grupal, surgindo a posteriori da tarefa.

Luís, na introdução feita, conta-nos a história conformadora de sua atitude médica diante do enorme número de pacientes nas enfermarias. Com sensibilidade, capacitação e responsabilidade ética, foi capaz de inspirar- se no método psicodramático para, literalmente, revolucionar.

Pode registrar o avanço terapêutico, a melhora efetiva do quadro psicótico, com o regime das altas hospitalares em tempo menor que o até então estimado.

Garimpou com acuidade toda a bibliografia existente sobre grupoterapia aplicada em psicóticos. Deu ênfase ao periódico espanhol Informações Psiquiátricas, publicação científica dos Hospitais Psiquiátricos da Congregação das "Irmãs Hospitalárias do Sagrado Coração", que realça o uso do psicodrama na psiquiatria ibérica.

Valorizou os trabalhos realizados em nosso país, citando, no decorrer do escrito ou na bibliografia, nomes como o de José Fonseca, José Roberto Wolff, Geraldo Massaro, Flávio Forte D'Andrea, Carol Sonereich, Giordano Estevão, Victor Dias, Elisabeth Sene-Costa, Maria Rita Correa, Francisco Greco, Itiro Shirakawa e outros. E inscreveu-se com merecido orgulho nessa plêiade de desbravadores, marcando sua criativa contribuição com o capítulo "Sistematização do uso do psicodrama na enfermaria psiquiátrica".

Para se ter uma ideia da importância e abrangência de seu esforço clínico, permito-me referir ao sumário, para orientação do leitor interessado: 1-Panorama histórico do hospital psiquiátrico, 2- Psicoterapia de grupo, histórico, 3- Psicodrama no hospital psiquiátrico, 4- Psicodrama e psicose, 5- O método psicodramático, 6- Sistematização do uso do psicodrama na enfermaria, 7- Análise de sessões de psicodrama em transtorno mental grave, 8- Comentários sobre o psicodrama aplicado, 9- A integração entre psicoterapia e psicofarmacologia e seguindo-se das conclusões e de rica bibliografia.

Luís Altenfelder Silva Filho utiliza-se de fragmentos publicados no seu primeiro livro (Psicoterapia com Psicóticos, ano 2000, esgotado), na sua tese de mestrado e em artigos vários de sua lavra. Porém, inclui muita coisa nova, contribuições originais, real enriquecimento e amadurecimento de sua obra que, neste volume, conta com a colaboração de seus filhos, Pedro e Luís, também psiquiatras de refinada formação.

Com esta edição pela Ágora, Luís faz jus ao título de celebrado médico que é. Uma honra para a psiquiatria nacional e, em particular, para o psicodrama brasileiro.

 

Endereço para Correspondência
Rua João Moura, 627 cj. 124, Pinheiros
CEP 05412-911, São Paulo - SP
e-mail: castelowa@rema.com.br

 

 

*Psicoterapeuta com formação em psiquiatria, psicodrama e psicanálise