SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 número1O psicodrama na universidade: contribuições morenianas à psicoterapia em uma clínica-escolaOnde está o reconhecimento do ele na matriz de identidade? Intersecções entre Moreno e Lacan índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.20 no.1 São Paulo jun. 2012

 

Seção Livre

Free section

 

Intervenção sociodramática breve operacionalizada (ISBO)

 

Brief operationalised sociodramatic intervention (BOSI)

 

Leila Maria Vieira Kim

Psicodramatista, didata, supervisora pela ANIMUS,
Psicodrama e Educação; mestre em
Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP),
doutora em Psicologia
Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP (IPUSP-SP) e
terapeuta internacional em análise
bioenergética e biossíntese

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A ISBO – Intervenção Sociodramática Breve Operacionalizada fundamenta-se em estudo psicodramático, conjugado ao método psicanalítico aplicado no campo socioeducacional. Considera que o clima afetivo grupal de "suposições básicas" de dependência, ataque-fuga e acasalamento (Bion) é induzido pelas respostas contratransferenciais do líder (sujeito que ajuda um grupo a se tornar mais eficaz, criando e conquistando objetivos comuns, por meio da participação). Parte do pressuposto que o procedimento sociodramático possibilita a emergência da significação funcional da repetição/atuação contida nas respostas contratransferenciais de líderes, podendo assim contribuir para melhor produtividade grupal, em diferentes contextos sociais. A qualidade da relação entre o líder e os participantes de seu grupo de referência é analisada a partir das "suposições básicas", presentificadas nas cenas coconstruídas, em subgrupos referentes aos quatro setores da adaptação: afetivo-relacional, produtividade, orgânico e sociocultural (Simon). Em seguida, por meio do teatro espontâneo, propicia-se o encaminhamento de respostas novas e mais adequadas, para constituir um grupo de trabalho, centrado na tarefa. A técnica de inversão de papéis é indicada como um instrumento que permite a resolução de conflitos interculturais, na medida em que os membros de um subgrupo podem experimentar, no "como se", os papéis existentes em outros subgrupos. O bom resultado dessa proposta é garantido pelos personagens projetados na cena protagônica, que refletem e resolvem os conflitos grupais sem expor os participantes da ISBO. Desse modo, a identidade, a identificação subjetiva e o papel de líder estão interligados. Neste artigo, descrevo o procedimento utilizado como intervenção diagnóstica inicial em grupos de líderes. Após o diagnóstico, é construído o planejamento de ações aplicado entre quatro e oito encontros sociodramáticos tematizados. Assim, esse procedimento favorece o desenvolvimento da capacidade crítica de reflexão sobre o próprio pensamento e as próprias ações, em um espaço interno psíquico, que permite a construção do conhecimento de aspectos inconscientes que o líder desconhece sobre as bases profundas de conflitos, situaçõesproblema e suas resoluções na atualidade.

Palavras-chave: Sociodrama, teatro espontâneo, contratransferência, papel de líder, suposições básicas e grupo de trabalho.


ABSTRACT

BOSI – Brief Operational Sociodramatic Intervention is based in psychodramatic study, combined with the psychoanalytic method applied to the socio-educational field. It considers that the affective group climate of "basic assumptions" of dependency, attack-run and mating (Bion) is induced by the leader's countertransferential responses (person who help a group to become more effective, creating and achieving common goals, by stimulating participation). It assumes that the socio-dramatic procedure allows the emergence of the functional significance of repetition/practice contained in the countertransferential responses of leaders, what can contribute to better group productivity, in different social contexts. The quality of the relationship between the leader and the participants of their reference group is analyzed from the "basic assumptions" made present in the co-constructed scenes, in sub-groups related to four areas of adaptation: emotional-relational, productivity, organic and socio-cultural. Then, by means of spontaneous theater, the routing of new and more appropriate responses is provided, in the sense of becoming a working group focused on the task. The technique of role reversal is indicated as a tool for resolving inter-cultural conflicts, once the members of a sub-group can experience roles that exist in other subgroups. The good result of this proposal is guaranteed by the characters projected in the protagonic scene, who reflect and resolve conflicts in the group without exposing participants of the BOSI. Thus, the identity, subjective identification and the role of leader are linked. In this article, the author describes the procedure used as initial diagnostic intervention in groups of leaders. After diagnosis, the plan of activities is composed and applied in four to eight thematized socio-dramatic meetings. Thus, this procedure favors the development of the critical capacity of reflecting on own thinking and actions in an internal psychic space, which allows the construction of the knowledge of unconscious aspects that the leader does not know about the fundamental basis of conflicts and problem-situations and its resolutions today.

Keywords: Sociodrama, spontaneous theatre, countertransference, role of leader, basic assumptions and working group.


 

 

INTRODUÇÃO

A liderança é uma qualidade dinâmica do ser humano e o direito de liderar é conquistado individualmente nos relacionamentos afetivos grupais, que tendem a se renovar e ampliar de modo natural.

A liderança tem sido definida como forma de representação grupal baseada no prestígio pessoal de um sujeito, que exerce a função do líder, mobilizando pessoas em torno de um objetivo. Na atualidade, para tornar-se um líder efetivo, é preciso aprender a aprender conhecimentos, habilidades e atitudes, com vontade e controle (MACARENCO, 2009).

O conceito de liderança está relacionado à capacidade do sujeito de influenciar pessoas sobre as quais exerce um poder de autoridade. Desse modo, podemos afirmar que os pais e os professores exercem um poder psicológico sobre os filhos e os alunos, que lhes concede a autoridade de líder. Por outro lado, um chefe pode ocupar um espaço de poder decorrente do cargo, sem, necessariamente, ter autoridade de um líder sobre o grupo de participantes. Normalmente, a liderança depende do reconhecimento da capacidade do sujeito de aprender e combinar habilidades de pensar, sentir, perceber e agir, transformadas em competências, no desempenho de tarefas. A competência está no cernede toda ação humana individual ou coletiva, mas cada saber precisa ser contextualizado em um cenário real, por exemplo: na escola, quando o professor trabalha com um grupo de alunos que frequentam cursos ou na empresa, quando o trabalhador ocupa um cargo. Assim, a liderança éuma escolha que se faz a partir da percepção de processos internos, que refletem atitudes tomadas no inter-relacionamento pessoal, no exercício de atividades, em um grupo. Para seu desenvolvimento, é preciso "olhar" para a própria experimentação, na história do cotidiano interpessoal, verificando a adequação das respostas emitidas, em situações-problema que precisem ser solucionadas em diferentes papéis, nos contextos grupais. Segundo Simon (2005, p. 29):

Pode-se supor que a capacidade de se dar soluções às situaçõesproblema é diretamente proporcional à eficácia demonstrada na capacidade adaptativa prévia, pois, as respostas requeridas em uma situação nova dependem do repertório de respostas adquirido em toda a vida do indivíduo, de seu "bom-senso" e da sua capacidade criativa de gerar soluções novas e mais adequadas.

A importância das funções de líder ganhou destaque, na década de 1930, com os estudos de campo grupal, desenvolvidos por Kurt Lewin. Com isso, foram criadas as bases para as pesquisas em intervenção grupal, que ressaltam o significado do líder.

Moreno (1993), nessa mesma época, no estudo das relações interpessoais e intergrupais, estabeleceu bases teóricas e empíricas, para o desenvolvimento de projetos de intervenção, que utilizam o psicodrama como instrumento de ação estratégica. O papel do líder pode ser deduzido, por exemplo, na análise sociodramática (identidade do papel) de intervenções públicas pontuais com grupos diversificados.

Bion (1961, 1975), preocupado com significado do líder em grupos saudáveis, afirmou, nos anos de 1940, que todos os grupos estão determinados a ter um líder, aquele que representa o desejo grupal. Seus estudos sobre "grupos de trabalho", aqueles voltados para a resolução de uma tarefa comum, têm sido uma referência para a prática com grupos. Esses estudos esclarecem como os níveis conscientes e inconscientes oscilam entre si, no desenvolvimento das inter-relações entre o líder e o seu grupo de referência.

Desde a década de 1980, tenho realizado estudos para compreender melhor a relação entre a resolução de uma tarefa e o significado do líder na inter-relação afetiva estabelecida com seu grupo de referência. Neste artigo, proponho-me a sintetizar o método desenvolvido em minha pesquisa de doutorado (2008) e em consequentes desdobramentos em sociodramas públicos realizados com diferentes grupos de líderes, como pais, professores, técnicos, diretores de empresas, entre outros.

Com isso, a ISBO está se constituindo como um método, que, em última instância, objetiva aumentar a capacidade de compreensão e de intervenção dos sujeitos sobre o mundo e sobre si mesmos; contribuindo para instituir processos de construção de grupos sociais com maior e melhor produtividade. Nele, o procedimento sociodramático objetiva a sensibilização grupal de líderes, visando a ampliação de sua capacidade de analisar e intervir sobre seus grupos de referência, na realidade externa objetiva. Para seu desenvolvimento, torna-se necessária a criação de "espaços de locução e reflexão", não necessariamente espaços terapêuticos ou pedagógicos especiais, como consultórios ou escolas. O núcleo do método é o objeto de investimento: afeto que o líder estaria depositando no objeto ou no projeto sobre o qual age. A produtividade grupal mais eficaz – que possibilita a emergência de respostas mais adequadas que solucionam, satisfazem e diminuem conflitos – justificaria a busca de intencionalidade na política, na gestão e no trabalho desenvolvido na inter-relação entre o líder e seu grupo de referência (família, alunos, funcionários, cidadãos da comunidade).

 

O SIGNIFICADO AFETIVO DO LÍDER NOS GRUPOS SOCIAIS

As bases mais primitivas das relações grupais podem ser compreendidas em Freud (1921) como um meio de defesa/proteção dos filhos, contra os ataques assassinos do pai/figura de autoridade, que chefiava a família primordial. Ou seja, o pai atacava seu sucessor imediato na ascendência genealógica (o filho mais velho), para garantir a própria permanência no lugar de poder que lhe era concedida pela liderança grupal. Desse modo, o lugar de líder permitiu a emergência dos primeiros vestígios de controle, tomada de decisões e organização social, mas gerou também um processo destrutivo de ataque e fuga, que poderia levar à extinção da espécie humana.

Considerando que o sentimento social evolui da hostilidade à identificação (FREUD , 1921), poder-se-ia supor que o grupo social (união entre fraternos para se proteger dos ataques do líder) seria uma remodelação idealística da Horda Primeva. Ou seja, uma tentativa de "reparação" da projeção maciça, para evitar a expressão da hostilidade de seus membros e sua possível destruição. Assim entendido, o grupo, menor unidade de representação da cultura, seria uma função do Ego para conter o coletivo.

Bion (1961, 1975) afirmou que o sentimento mais proeminente experimentado pelo grupo é o de frustração: cada participante necessita negar seus desejos satisfazendo outros. Segundo Osório (1997, p. 74), o interesse particular, que não encontra eco/ressonância de seus propósitos nos demais seres humanos participantes do grupo, favorece a formação de subgrupos com características próprias e distintas do grupo de origem. O gradativo processo de degradação se manifesta quando este abandona a condição de grupo de trabalho e torna-se um grupo de "supostos básicos". Contudo, a crise (krisis) instalada pode reestruturar o grupo, permitindo novas avaliações dos objetivos coletivos e impulsionando positivamente o processo grupal.

O grupo de trabalho ou grupo racional funcionaria como uma defesa contra a angústia diante do aparecimento de inquietantes situações inconscientes. Para Klein (1952, 1991), a capacidade de identificação é um elemento importantíssimo nas relações humanas em geral e, uma condição de amor intenso e autêntico. Ela representa um elemento-chave na compreensão do outro através de si mesmo. Bion, fundamentado em Klein, buscou o significado do líder pela compreensão de aspectos profundos, que permeiam os processos grupais. Ele considerou que, para diagnosticar e intervir nas situações-problema grupais, antes é preciso entender os sofrimentos psicológicos em sua origem.

Moreno (1993, p. 413) propôs o Sociodrama como um método para diagnosticar e trabalhar o grupo, "que como um todo tem de ser colocado no palco para resolver seus problemas, porque o grupo, no sociodrama, corresponde ao indivíduo, no psicodrama". (MORENO, 1993, p. 413). Nele:

O protagonista no palco não está retratando uma dramatis personade, o fruto criador da mente de um dramaturgo individual, mas uma experiência coletiva. Ele, um ego-auxiliar, é uma extensão emocional de muitos egos. [...] Trata-se de uma identidade. [...] Na fase primária de identidade coletiva, não há, portanto, necessidade de identificação. Não existe diferença alguma entre espectadores e atores; todos são protagonistas. (Moreno, 1993, p. 424-425).

Assim entendido, podemos supor que o sociodrama pode ser utilizado para verificar a capacidade do líder de se concentrar na estrutura do grupo e das forças que atuam sobre ela, assim como das estimativas da atitude do grupo para com o líder.

Bion (1961, 1975), a partir dos dados obtidos na observação da dinâmica de pequenos grupos, intuiu que todo grupo contém um "núcleo psicótico" subjacente ao seu processo de organização, que pode obstruílo a qualquer momento. Entretanto, em qualquer grupo podem ser discernidas tendências de atividade mental. Quando um funcionamento mental é projetado para promover uma tarefa em execução, o grupo manifesta organização e estrutura, produto da cooperação voluntária estabelecida entre seus membros. O grupo de trabalho se assemelharia às funções do Ego e ele será tão mais saudável quando tiver:

• propósito comum;

• reconhecimento dos limites reais de ação, bem como de sua posiçãoe suas funções em relação a outros grupos;

• capacidade de receber novos membros e perder outros, sem perder sua singularidade (caráter de grupo flexível);

• integração dos subgrupos ao funcionamento do grupo como umtodo;

• valorização da singularidade de cada membro, dentro dos limitesaceitos, esperados e impostos pelo grupo como um todo;

• capacidade de lidar com o novo e o desconhecido por meios próprios.

A valência seria a contrapartida da cooperação característica do grupo de trabalho: "capacidade que tem o indivíduo de combinarse instantaneamente com outros indivíduos segundo um padrão estabelecido de comportamento – as suposições básicas" (Bion, 961/1975, p. 163). Para Bion, os grupos de suposições básicas podem se caracterizar como dependência, acasalamento ou luta e fuga, conforme sintetizados a seguir.

 

GRUPOS DE SUPOSIÇÕES BÁSICAS DE DEPENDÊNCIA

Neste clima afetivo, supõe-se a existência de uma deidade protetora/ mãe idealizada, que deve suprir todas as necessidades do grupo (seio mágico, onipotente, provedor), para que este não passe pela frustração (falta de satisfação). Os participantes projetam todas as suas preocupações no líder e esperam que ele solucione todos os seus problemas. O líder pode ser preenchido pela história do grupo.

 

GRUPOS DE SUPOSIÇÕES BÁSICAS DE LUTA E FUGA

A realidade emocional que permeia esta suposição básica é a fantasia do objeto externo destruidor. Portanto, trata-se de uma formação grupal egredida, que se orienta a fim de procurar o inimigo que existe na fantasia e está fora do grupo. Desse modo, há dois modos de se relacionar com ele: atacando-o para destruí-lo ou fugindo dele para evitar a própria destruição. O sentimento de segurança combina com a coragem e o autossacrifício feito pelo grupo. A presença do líder é sustentada pela mesma fé que sustenta o grupo.

 

GRUPOS DE SUPOSIÇÕES BÁSICAS DE ACASALAMENTO

O grupo se reúne para preparar a vinda de uma pessoa ou ideia no futuro, que salvará o rupo. O clima grupal é de esperança, que nunca é alcançada. A esperança é enfraquecida, porque, obviamente, nada existe a esperar dos participantes, uma vez que a destrutividade projetada e não trabalhada volta a ser sentida (Bion, 1961, 1975, p. 139). Cria-se o desejo de um "lugar privilegiado" onde vai nascer o "Messias" e, ao mesmo tempo, um consenso ideológico de sentimentos de inferioridade e aceitação da posição de submissão: o subgrupo dos vencedores e o subgrupo dos fracassados. O "Messias" (produto sagrado) deverá nascer na "elite". O líder inexistente é projetado no futuro.

Desse modo, as suposições básicas estarão sempre subjacentes à cultura grupal e o conflito origina-se da relação entre o estado emocional do grupo e daquela parte de cada sujeito, que está interessada na participação e na resolução efetiva da tarefa grupal. No estabelecimento das suposições básicas, os participantes perdem sua "distintividade individual". O grupo opõe-se à ideia de se reunir a fim de trabalhar e, na verdade, reage como se algum importante princípio fosse infringido se tivessem de fazê-lo. O líder escolhido pelos membros é o membro mais doente do grupo, ou seja, aquele que desempenha o padrão comportamental Complementar ao esperado na suposição básica em curso.

Para Freud, a compulsão à repetição é força da pulsão de morte. Para mim, essa repetição no comportamento humano tem como base o fenômeno da transferência, "definida pela repetição em inter-relações atuais, de atitudes emocionais inconscientes adquiridas no decorrer da infância, nos átomos sociais afetivamente significativos para o sujeito e, em especial, em seu relacionamento com os pais". De fato, é notória a tendência nas pessoas a pensar e atuar usando referências do passado. Ou seja, repete-se o estilo de relação anterior em situações análogas indutoras de identificações e movimentos repetitivos do pensamento e da ação dos sujeitos nos grupos.

Portanto, o grupo natural sempre se repete e se amplia. As crises internas ou externas aos processos grupais criam turbulências na curva de desenvolvimento grupal, indicando Necessidade de rever os padrões comportamentais que as originou. Com isso, mudam os modelos de identificação e se estabelecem novos limites ao desejo grupal. O surgimento de novas lideranças e a reorganização do processo de trabalho introduz novas políticas. Na atualidade, essas questões se configuram como críticas internas e externas em nível Internacional: tudo se agrava à medida que o crescimento econômico dos Estados atinge o meio ambiente em âmbito global e os povos migram entre países dentro de um sistema de globalização. Mais do que nunca, faz-se necessária a reflexão humanitária profunda, com o objetivo de contenção da autodestruição da humanidade, no planeta Terra.

 

ISBO – MÉTODO DE TRABALHO GRUPAL COM LIDERES

ORIGEM DO MÉTODO ISBO

Em 2008, apresentei minha tese de doutorado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), que derivou o método denominado Intervenção Terapêutica Breve Individual (ITBI). Nesse estudo, parti do pressuposto de que o fenômeno da transferência pode ser desencadeado em diversas disciplinas e práticas em que transitem processos internos psíquicos; e que pode ser observado, analisado e explicado através da dinâmica de trânsito dos conteúdos presentes nos vínculos afetivos estabelecidos em grupos. Nesses espaços psicossociais, o fenômeno da transferência considerado "modelo" pulsional de construção distorcida da realidade em transformação constante, medeia dois planos de interação oscilatória: um consciente voltado para a execução de uma tarefa, por exemplo, e outro inconsciente "guiado" pelas fantasias inconscientes semelhantes, que se constitui como história da realidade psíquica dos indivíduos que se inter-relacionam. Esta investigação partiu da hipótese de que respostas contratransferenciais do professor/líder podem perturbar o grupo de trabalho centrado na tarefa de aprender e ensinar, tornando-o um grupo de suposto básico de dependência, ataque-fuga ou de acasalamento. Considerou que a ITBI do professor/líder pode clarificar seu envolvimento inconsciente em "conluios" estabelecidos com o grupo de alunos/participantes dentro da sala de aula (contratransferência) e revertê-lo em um instrumento de empatia e intuição. Para sua realização, propôs que situações empíricas fossem descritas sob a forma de estudos de caso, derivando o objeto de análise através do método de observação em sala de aula. A observação da recorrência de manifestações da contratransferência em nove professores do primeiro e do segundo ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas, com grupos de crianças de quatro a oito anos , implicou, em um segundo momento, a realização de intervenções terapêuticas breves individuais com os professores, fora das salas de aula. A partir da aplicação da Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada (EDAO), realizou-se montagem e planejamento de intervenção terapêutica breve, com rastreamento das "situações-problema" nos vários setores de adaptação, para encontrar a "situação-problema nuclear", encaminhar as soluções mais adequadas e sua derivação no setor produtividade. Durante a intervenção, utilizou-se o psicodrama como uma técnica científica de psicoterapia, articulada ao método psicanalítico para facilitar a figuração e expressão concreta do mundo interno do professor/líder de suas identificações e de seus conflitos. Com isso, verificaram-se possíveis efeitos dessa intervenção na direção de uma evolução eficaz (recompor um grupo de trabalho) ou ineficaz (falta de cumprimento de sua função naquele momento).

A compreensão do significado funcional das respostas contratransferenciais dos professores/líderes permitiu sua substituição por respostas renovadas em sua inter-relação com o grupo de alunos/participantes, na sala de aula. Como consequência, o grupo de alunos deixou de regredir e transferir em resposta ao clima afetivo de "suposições básicas", que era induzido pelas respostas contratransferenciais do professor. Ou seja, os sujeitos substituíram as repetições de soluções inadequadas adiante das situaçõesproblema, por soluções mais adequadas, que interferiram nas mudanças do clima afetivo presente na inter-relação entre eles e o grupo de alunos na sala de aula, favorecendo assim o processo ensino-aprendizagem. Como o diagnóstico para as respostas contratransferenciais do professor foi realizado na ausência de toda e qualquer referência direta à pesquisadoraterapeuta, durante um período de seis meses, após o término da ITBI, podemos supor que esse período de estabilidade adaptativa pode ter-se ampliado espaçotemporalmente nas inter-relações estabelecidas entre estes professores/líderes e seus grupos de alunos/participantes.

O confronto entre experiências antigas e atuais, experimentadas através da atuação no contexto dramático, favoreceu a percepção de situações-problema fixadas em etapas intermediárias entre as vicissitudes das experiências primitivas, que as conduziram (primeiras relações objetais) e as situações observadas nas inter-relações estabelecidas entre o professor/líder e o grupo de alunos/participantes na sala de aula. Desse modo, o procedimento psicodramático favoreceu que a transferência positiva estabelecida entre os sujeitos e a pesquisadora-terapeuta pudesse ser deslocada para o contexto dramático, através do fator afetivo manifestado nas inter-relações entre os diferentes personagens. Desse modo, o procedimento psicodramático clareou e tornou mais fácil a compreensão da repetição, que emergiu sob a forma de lembranças de cenas pregressas, através das quais se pôde conhecer o conteúdo presente no material recalcado e conduzi-lo à consciência, por meio da elaboração da associação estabelecida entre a repetição da transferência e o que era repetido na inter-relação entre o professor e o grupo de alunos na sala de aula. Com isso, pode-se deduzir que "o medo do novo", que permeava a compulsão à repetição, pode ser substituído pela potência exterior, porque através do "exercício do jogo comparativo entre cenas: pregressa e atual", a compulsão à repetição foi tornando-se inofensiva, derivando um novo olhar nos mundos interno e externo dos sujeitos participantes.

 

FUNDAMENTOS TEÓRICOS E EMPÍRICOS DO MÉTODO ISBO

Essa intervenção fundamenta-se em estudo psicodramático, articulado ao método psicanalítico aplicado ao campo socioeducacional. Enquanto método de ação estratégica, propõe-se a trabalhar com sujeitos coletivos, que formam os movimentos sociais, a opinião pública e os grupos de interesse. Considera que o clima afetivo grupal de "suposições básicas" é induzido pelas respostas contratransferenciais do líder (Kim, 2008). Parte do pressuposto de que o procedimento sociodramático possibilita a emergência da significação funcional da repetição/atuação contida nas respostas contratransferenciais de líderes, no contexto dramático, podendo assim contribuir para a melhor resolução de tarefas grupais. Com isso, possibilita a capacidade do líder de atuar de forma mais adequada com os participantes dos grupos que compõem instituições, organizações e comunidades.

Moreno (1959, 1974, p. 72, 84) apresentou várias indicações referentes à importância de trabalhar o fenômeno da transferência do paciente na inter-relação entre terapeuta e paciente. Para ele, a transferência – "fantasias inconscientes do passado que o paciente projeta sobre o terapeuta" – é considerada como um desvio patológico do tele. Essas transferências são "expressões da dissociação e de perturbações do equilíbrio do grupo", pois "o excesso de transferências diminui a coesão do grupo e influencia sua durabilidade" (Moreno, 1959, 1974, p. 96). Ele propôs a técnica psicodramática como um instrumento para trabalhar a atuação de relacionamentos que foram distorcidos no passado. Nesse trabalho, o terapeuta auxilia o paciente na elaboração da transferência no "aqui e agora" em sua relação com ele. Além disso, essa técnica permite a interpretação dramática da inter-relação entre os personagens dos átomos sociais, que habitam a mente do paciente e são projetados nos interrelacionamentos sociais. Penso que essa interpretação dramática realçada por Moreno, trata da concretização do conceito de "cotransferência" proposto por Simon (2001, p. 2; 2005, p. 19). Simon considera que, na medida em que o psicoterapeuta detecta e mostra ao paciente distorções perceptivas nas relações estabelecidas com pessoas vitais do presente, indutoras de soluções inadequadas, estas facilmente se transformam em compreensão e percepções corretas, favorecendo o aparecimento de respostas renovadas e mais adequadas às situações vividas.

 

IDENTIDADE DO PAPEL LIDER AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA

É possível avaliar a adaptação dos sujeitos segundo a adequação do conjunto de respostas que ele apresenta para a satisfação de suas necessidades (Simon, 1989, p. 15). Portanto, para a adaptação ser adequada, esta obriga o sujeito a encontrar novas respostas para situações novas. A eficácia da adaptação é tanto maior quanto menor for o esforço requerido na realização de uma tarefa.

Simon partiu da suposição de que "para manter a adaptação, o sujeito precisa encontrar soluções", que:

• realmente resolvam o problema;

• tragam satisfação, gratificação e prazer;

• sejam isentas de conflitos intrapsíquicos (de acordo com o quadro de valores internos do sujeito) e de conflitos socioculturais (de acordo com o quadro de valores externos).

 

 

Considerando esses critérios, Simon propôs três tipos de adequação de situações-problema possíveis:

Resposta adequada: quando atende aos três critérios – resolve, gratifica, é isenta de conflitos.

Resposta pouco adequada: quando atende dois dos três critérios – resolve, gratifica, mas cria conflitos ou é isenta de conflitos, mas não gratifica.

Resposta pouquíssimo adequada: quando o sujeito apenas resolve, porém permanece insatisfeito e com conflitos.

"A adequação das respostas às dificuldades deve ser verificada em relação à natureza do problema considerado" (Simon, 1989, p. 17) e, nesse sentido, a adaptação global abrangeria os quatro setores de funcionamento a seguir discriminados (Simon, 2005, p. 25).

Afetivo-relacional (A-R): compreende o conjunto de sentimentos, atitudes e ações do sujeito em relação a si mesmo (relações afetivas intrapessoais) e ao outro (interpessoais).

Produtividade (Pr): compreende o conjunto de sentimentos, atitudes e ações do sujeito em face de qualquer atividade produtiva (trabalho, estudo etc.), considerada como atividade principal no período considerado.

Sociocultural (S-C): aplica-se ao conjunto das relações com os valores e os costumes em que vive (organização social, recursos comunitários, pressões sociais).

Orgânico (Or): compreende a salubridade, o estado (anatômico) e o funcionamento (fisiológico) do organismo como um todo; bem como os sentimentos, as atitudes e as ações em relação ao próprio corpo – higiene, alimentação, sono, sexo (fisiológico) e indumentária.

... quando, nos quatro setores aqui considerados, o conjunto das respostas do indivíduo puder ser considerado como "adequado", a adaptação será classificada como "eficaz". Quando, em algum setor o conjunto de respostas, for considerado "pouco adequado" ou "pouquíssimo adequado", a adaptação será classificada como "não eficaz" (SIMON, 1989, p. 20).

Em particular, se a situação-problema for vital, e o sujeito não encontrar nenhum tipo de resposta, ele estará em "crise adaptativa". Se a crise não for resolvida por nenhum tipo de adequação, esta induzirá a atuações cada vez mais destrutivas.

Simon desenvolveu o esquema a seguir para operacionalizar a avaliação diagnóstica, considerando o conjunto da adaptação nos quatro setores.

 

 

Baseado na experiência clínica, Simon percebeu que o setor afetivorelacional é o mais importante porque influencia a evolução de todos os outros setores, conforme se vê na representação gráfica das inter-relações radiais bidirecionais (setas em azul) sobre o A-R. O setor da produtividade (Pr) vem em segundo lugar de importância para a determinação do conjunto da adaptação. No entanto, assinalou que aspectos relativos aos setores S-C e Or, assim como a interação colateral intersetorial (setas em vermelho), devem ser considerados na qualificação diagnóstica.

 

INTERVENÇÃO SOCIODRAMÁTICA BREVE OPERACIONALIZADA (ISBO)

O sociodrama foi definido por Moreno (1993, p. 411) como: "método de ação profunda, que trata das relações intergrupais e das ideologias coletivas". Esse método surgiu porque "era necessária uma forma especial de psicodrama que projetasse seu foco sobre os fatores coletivos" (MORENO, 1993, p. 412).

O conceito subjacente nessa abordagem é o reconhecimento de que o homem é um intérprete de papéis, que todo e qualquer indivíduo se caracteriza por certo repertório de papéis que dominam seu comportamento e que toda e qualquer cultura é caracterizada por certo conjunto de papéis que ela impõe, com variável grau de êxito, aos seus membros (MORENO, 1993, p. 413-414).

Portanto, o sociodrama é considerado um tipo coletivo de terapia de grupo, centrado no grupo. "Focaliza sua atenção nos denominadores coletivos e não está interessado nas diferenças individuais ou nos problemas privados que eles apresentam" (MORENO, 1993, p. 424). O método sociodramático aplica-se muito bem no estudo das inter-relações culturais e "apesar de os papéis serem modificados pelas experiências subjetivas de cada membro da cultura, todos esses quadros mentais se referem à própria cultura" (MORENO, 1993, p. 414).

Moreno salienta a importância da técnica psicodramática de inversão de papéis, como instrumento que permite a resolução de conflitos interculturais, na medida em que os membros de uma cultura podem experimentar, no "como se", os papéis existentes na outra cultura. "As tensões decorrentes desses problemas não podem ser aliviadas unicamente pela disseminação de informações factuais" (MORENO,1993, p. 415), no entanto, o sociodrama tanto as explora como as trata, simultaneamente, propiciando a mudança comportamental dos participantes. No sociodrama vivem-se e elaboram-se papéis vitais, conjuntamente, no palco.

O princípio de identidade se desenvolve desde o nascimento do sujeito e atua em todas as relações intergrupais da sociedade adulta. "O princípio e identidade de caráter dos membros exerce influência e poder muito grandes sobre a imaginação do homem. A essa identidade chamaremos a identidade do papel" (MORENO, 1993, p. 443, grifo meu).

Moreno descreve dois tipos de identificação: subjetiva e objetiva. Identificação subjetiva é "a projeção de um sentimento individual usualmente irreal, em outro indivíduo". Identificação objetiva é quando "a experiência de uma imagem ou situação de outra pessoa é bastante exata" (Moreno 1993, p. 443). Normalmente nos identificamos com pessoas que conhecemos em nossa vida, por meio do desempenho de papéis (identificação de papel). Portanto, identidade, identificação subjetiva e papel estão sempre interligados. Às vezes ocorre a identificação parcial, apenas com aspectos de outra pessoa; mas muitas vezes ocorre a identificação distorcida, que se refere a projeções de um desejo ou temor (transferência).

O autor também ressalta a superioridade metodológica dos procedimentos sociopsicodramáticos em detrimento dos demais porqueutiliza, entre outros, os seguintes elementos (MORENO, 1993, p. 381):

• levantamento das necessidades dos participantes;

• discussão (o debate argumentativo, através do jogo dos papéis sociais

é uma das formas de desenvolvimento de consciência crítica);

• ações psicodramáticas no palco com ajuda de ego-auxiliares;

• análise da passagem ao ato dos eventos, que cada membro do grupopode apresentar, como sua contribuição espontânea.

Além disso, nos procedimentos sociopsicodramáticos, pode-se realizar a abordagem terapêutica de pequenos e grandes grupos, suscetíveltanto de sistematização científica como de controle experimental. Nesses procedimentos, é possível lidar com problemas "privados" e/ou "coletivos" de forma profunda, independentemente da diversificação do público.

Moreno considera importante o uso do teatro espontâneo conjugado ao sociodrama em casos de desajustamentos menores, como, neuroses incipientes e simples conflitos interpessoais:

Nesses casos, o fato de serem espelhadas no palco situações típicas semelhantes às dos próprios espectadores estimula as tentativas de objetivação autônoma de seus problemas reais, quando entregues aos próprios recursos (MORENO, 1993, p. 383).

 

ETAPAS DO PROCEDIMENTO SOCIODRAMÁTICO NA ISBO

1ª Etapa : Aquecimento

Esta etapa se constitui como o início da intervenção sociodramática para levantar elementos que nortearão a ação dramática.

O processo de aquecimento é a indicação concreta, tangível e mensurável de que estão operando os fatores da espontaneidade. [...] ele se manifesta em toda e qualquer expressão do organismo vivo, na medida em que se esforça no sentido de um ato. Possui uma expressão somática, uma expressão psicológica e uma expressão social (MORENO, 1993, p. 106).

Esta etapa se divide em dois momentos:

• aquecimento inespecífico,

• aquecimento específico.

Aquecimento inespecífico

Durante esta etapa, utilizo iniciadores corporais, que serão responsáveis pela mobilização dos afetos e pela explicitação das emoções. Com isso, pretende-se sensibilizar e introduzir os participantes no desempenho espontâneo e criativo das funções de líder, na dramatização pretendida. O locus é delimitado pelos quatro cantos da sala correspondentes aos quatro setores de adaptação (afetivo-relacional, orgânico, produtividade ou sociocultural), em que se agrupam quatro subgrupos de participantes. Desse modo, a matrix (cena interna de cada participante relativaà inter-relação entre líder e grupo de referência) estará incluída em um dos quatro setores de adaptação.

Aquecimento específico

Durante esta etapa, ocorre o status nascendi (aquecimento propriamente dito), propiciado pelos iniciadores sociais (descrição de ações sociais que possibilitarão a construção de cenas, desencadearão ações, intensificarão o trabalho das inter-relações entre o líder e seu grupo de referência). Os participantes apresentam suas cenas internas em seu subgrupo e, em seguida, coconstroem uma cena integradora, que contenha o máximo de elementos das cenas individuais. Nesse momento, delimitam-se os papéis a representar, o lugar e o momento em que se desenvolverá a ação dramática, que é "concretizada" no palco (contexto dramático). Com isso, "torna-se possível manter uma congruência entre a ação dramática e a linha vital do grupo" (VIEIRA, 1992, p. 125), o que diferencia o procedimento sociodramático de uma simples dramatização de um fato qualquer.

 

2ª ETAPA: DRAMATIZAÇÃO

A etapa da dramatização é o núcleo do procedimento sociodramático. Ela se inicia quando os participantes, devidamente aquecidos, passam a representar os personagens de seu setor de adaptação, presentificando concretamente o conflito de cada subgrupo no palco. Portanto, esta etapa ajuda na tomada de ciência de conflitos emergentes do clima afetivo de "suposições básicas", elucidando situações-problema e encaminhando para resoluções mais satisfatórias.

Em seguida, representantes escolhidos sociometricamente em cada subgrupo constroem, com o apoio dos participantes, uma cena integradora final do sociodrama, que conterá elementos das quatro cenas dramatizadas, representativas de cada setor de adaptação. Essa cena se constitui como a cena inicial do teatro espontâneo, na qual os participantes desenvolvem respostas novas e mais adequadas para solucionar os conflitos nela presentificados.

Durante a etapa da dramatização é utilizada preferencialmente a técnica psicodramática da inversão de papéis: "a técnica de inversão de papéis é mais facilmente realizada quando os sujeitos se encontram no mesmo campo psicológico e social" (Gonçalves In MONTEIRO,1993, p. 25). O bom uso desta técnica resulta em aprimoramento das inter-relações, podendo favorecer o desenvolvimento do fator tele (compreensão mútua entre os envolvidos na inter-relação).

 

3ª ETAPA: COMENTÁRIOS/COMPARTILHAR

Nesta etapa os participantes expressam seus pensamentos e suas percepções dos fatos dramatizados na etapa anterior, apontando suas identificações e diferenciações com os personagens. É um momento de elaboração e análise, com mobilização de afetos e emoções, que favorecem o Insight.

 

4ª ETAPA: ANÁLISE

Nesta etapa ocorre o fechamento compartilhado e fundamentado, empírica e teoricamente, quando a ISBO é realizada em situações didáticas.

 

SÍNTESE DE ALGUNS RESULTADOS OBTIDOS NA ISBO

Tenho utilizado o procedimento aqui proposto como diagnóstico em diferentes grupos de líderes, em intervenções pontuais e processuais. Nas últimas, a partir dos conflitos emergentes na ação dramática, é construído o planejamento de ações aplicado em encontros sociodramáticos tematizados entre quatro e oito encontros, dependendo da necessidade grupal. Esses encontros têm favorecido a emergência de respostas novas ou inovadoras diante das situações de conflito diagnosticadas

De modo geral, o núcleo central dos problemas encontra-se no setor afetivo-relacional (principalmente em grupos de pais de adolescentes em liberdade vigiada) ou no setor produtividade (principalmente em grupos de líderes de alto desempenho). Existe uma relação recíproca e intrínseca entre esses dois setores, que pode influenciar no setor sociocultural (comportamento antissocial de adolescentes em situação de risco), assim como no setor orgânico (síndrome orgânica em altos executivos), por exemplo.

Os pais/líderes percebem na inter-relação com seus filhos a repetição de situações não resolvidas na inter-relação com os próprios pais e professores. Com isso, os pais têm dado mais limites e apoiado os filhos na solução de conflitos gerados no ambiente escolar e social. A prevenção de problemas socioculturais em outros filhos tem sido uma constante. Os técnicos de ONGs que se submeteram à ISBO e acompanharam este trabalho como ego-auxiliares adquiriram um modelo de intervenção pública para trabalhar com grupos grandes, que incluíam dois subgrupos: os pais e os filhos em liberdade vigiada.

Os gerentes e diretores/líderes, após a ISBO, têm se constituído como grupos de trabalho com um propósito comum, centrado em melhores resultados nas negociações empresariais. Reconhecem os limites reais de sua ação, bem como sua posição e suas funções em relação a outros departamentos da organização, permitindo assim a integração dos subgrupos ao funcionamento da empresa como um todo. Têm desenvolvido sua capacidade de receber novos membros e perder outros, sem perder sua singularidade (caráter de grupo flexível) em momentos de expansão ou retração e mudanças tecnológicas relativas à lógica do mercado. Desse modo, têm lidado com o novo e o desconhecido de forma autossustentável. Os líderes têm valorizado a singularidade de cada membro, dentro dos limites aceitos, esperados e impostos pelo grupo como um todo (cultura organizacional).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação do método ISBO tem impedido a propagação de tendências repetitivas observadas na inter-relação líder e grupo de referência e auxiliado o líder na descoberta de soluções mais adequadas em sua vida atual, que interfiram no setor produtividade.

O sucesso desta proposta tem sido garantido pela utilização do teatro espontâneo com personagens projetados no contexto dramático, que refletem e resolvem os conflitos relativos ao papel coletivo de líder. Com isso, evita-se a exposição dos participantes e garante-se a manifestação da essência da situação-problema central, nas cenas protagônicas.

A cotransferência, que se manifesta na inter-relação líder/grupo de referência, não é nem deve ser interpretada, mas o líder pode conjecturar, em ISBO, sobre a cotransferência do grupo de participantes, que possa estar estimulando sua contratransferência. Não faz parte de seu objetivo conhecer a dinâmica inconsciente do grupo de participantes e ele não está autorizado a realizar interpretações a respeito das configurações mentais que são "transferidas" para a sua pessoa. No entanto, a compreensão do caráter intersubjetivo das inter-relações sociais pode fecundar reflexões sobre o exercício do papel do líder diante dos desafios da atualidade, nas diferentes instâncias de gestão do poder na sociedade humana.

 

 

Referências

AGUIAR, M. A evolução dos conceitos de tele e transferência. In: Momento. Revista del Instituto de Psicodrama J. L. Moreno. n. 5, p. 8-11, 1996.         [ Links ]

ALMEIDA, W. C. Os iniciadores. In: MONTEIRO, R. (org.) Técnicas Fundamentais do Psicodrama. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993.         [ Links ]

BION, W. R. Experiências com grupos. São Paulo: Editora da USP, 1961-1975.         [ Links ]

__________. Dinâmica do grupo: uma revisão. In: KLEIN, M; HEIMANN, P. e MONEYKIRLE, R. E. Temas de psicanálise aplicada. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.         [ Links ]

FREUD. S. A Psicoterapia da histeria. In: Breuer e Freud S. Estudos sobre a histeria. Obras completas. v. II, Rio de Janeiro: Imago [1893-1895] 1969.         [ Links ]

__________. Fragmentos da análise de um caso de Histeria. In: Obras completas, v. VII, Rio de Janeiro: Imago. 1905 [1901]         [ Links ]

__________. Dinâmica da transferência. In: Obras completas, v. XII, Rio de Janeiro: Imago, 1912-1969.         [ Links ]

__________. Recordar, repetir e elaborar. In: Obras completas. v. XII, Rio de Janeiro: Imago, 1914-1969.         [ Links ]

__________. Psicologia de grupo e análise do ego. In: Obras completas. v. XVIII, Rio de Janeiro: Imago, 1921-1969.         [ Links ]

__________. O mal-estar na civilização. In: Obras completas. v. XXI, Rio de Janeiro: Imago, 1930 [1929]-1969.         [ Links ]

GONÇALVES, C. S. et al. Lições de psicodrama. Introdução ao pensamento de J. L. Moreno. São Paulo: Agora, 1988.         [ Links ]

GONÇALVES, C. S. Técnicas básicas: duplo, espelho e inversão de papéis. In: MONTEIRO, R. F. (org.). Técnicas fundamentais do psicodrama. São Paulo: Editora Brasiliense, p. 19- 31, 1993.         [ Links ]

KIM, L. M. V. Tele e transferência na terapia psicodramática. In: Revista Brasileira de Psicodrama. v. 14, n. 2, p. 99-101, 2006.         [ Links ]

__________. Tele and transference in psychodrama psychoterapy. In: From one-to-one psychodrama to large group socio-psychodrama. More writings from the arena of Brazilian Psychodrama. Londres: Edited and translated by Zoltón Figusch, 2008.         [ Links ]

__________. Contratransferência do professor na inter-relação com o grupo de alunos. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica). Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.         [ Links ]

__________. Psicodrama e Intervenção Social. In: Revista Brasileira de Psicodrama. v. 17, n. 2, p. 25-32, 2009.         [ Links ]

__________. Psikodrama psikoterapisinde tele ve aktarim. In: Bireysel Psikodramadan. Büyük Gruplarla. Sosyo-psikodramaya. Brezilya'dan psicodrama yazilari. Istambul: Sistem Yaincilik, 2011.         [ Links ]

KLEIN, M. As origens da transferência. In: Inveja e gratidão e outros trabalhos – 1946-1963. Rio de Janeiro: Imago, p. 70-79, 1952-1991.

MACARENCO I.; DAMIÃO. M. L. Z. Competência – A essência da liderança pessoal. São Paulo: Saraiva, 2009.

MORENO, J. L. Sociodrama. Bases científicas da psicoterapia de grupo. In: Psicodrama. São Paulo: Editora Cultrix, p. 373-444, 1993.         [ Links ]

__________. Psicoterapia de grupo e psicodrama. São Paulo: Mestre Jou, 1974.         [ Links ]

OSÓRIO, L. C. Processos obstrutivos nos sistemas sociais, nos grupos e nas instituições. In: ZIMERMAN, D. E.; OSÓRIO, L. C. et al. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes médicas, Parte 1, cap. 6, p. 69-74, 1997.         [ Links ]

SIMON, R. Algumas observações sobre grupos psicoterápicos, operativos e psicoterapia breve em instituições. Boletim de Psiquiatria. São Paulo, n. 16, p. 61-208, 1984.         [ Links ]

__________. Psicologia clínica preventiva. Novos fundamentos. São Paulo: EPU, 1989.         [ Links ]

__________. Psicoterapia breve operacionalizada. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.         [ Links ]

__________. Psicoterapia psicanalítica. Concepção original. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.         [ Links ]

OLIVEIRA, L. M. P. Processo grupal psicodramático. Teoria e prática no contexto educacional. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Educação) Faculdade de Psicologia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1992.

 

 

Endereço para correspondência
Leila Maria Vieira Kim
Rua Roger Zmekhol, 184
05629-030 - Jardim Colombo
São Paulo-SP
e-mail: leilanimus@terra.com.br