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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.20 no.1 São Paulo jun. 2012

 

Seção Livre

Free section

 

Onde está o reconhecimento do ele na matriz de identidade? Intersecções entre Moreno e Lacan

 

Where is the recognition of him within the matrix of identity? Intersections between Moreno and Lacan

 

José Fonseca

Médico, doutor em psiquiatria Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP),
didata Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP), coordenador do Daimon - Centro de Estudos do Relacionamento

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este texto propõe a introdução da fase do reconhecimento do Ele no conceito de matriz de identidade de J. L. Moreno, a partir de interações inspiradas na obra de Jacques Lacan.

Palavras-chave: Reconhecimento do Eu, reconhecimento do Tu, reconhecimento do Ele, matriz de identidade, Moreno, Lacan.


ABSTRACT

This text proposes the introduction of the phase of recognition of the He in the concept of matrix of identity by J. L. Moreno, inspired in Jacques Lacan's work.

Keywords: Recognition of the I, recognition of the You, recognition of the He, matrix of identity, Moreno, Lacan.


 

 

Há algum tempo, identifico-me com a perspectiva de uma psicologia relacional. Compreendo-a enquanto um estudo do ser humano por meio de suas relações: Eu-Eu, Eu-Tu, Eu-Ele(a), Eu-Nós, Eu-Vós, Eu-Eles(as). A neurociência social (GOLEMAN, 2006) – ao revelar as funções das células fusiformes e dos neurônios-espelho – dá sustentação ao fato de o cérebro ser programado para que o ser humano se relacione. Os neurôniosespelho permitem a uma pessoa captar tanto os movimentos como os sentimentos de outra, predispondo-se a senti-los simultaneamente. Esses achados oferecem uma base neurológica aos fenômenos da empatia e do tele – empatia em duplo sentido – na medida em que revelam que o cérebro humano apresenta um sistema especializado para o relacionamento interpessoal.

As ideias de J. L. Moreno (1889-1974), a teoria do attachment de John Bowlby (1907-1990), os aportes psicanalíticos de Heinz Kohut (1913-1981), a filosofia dialógica de Martin Buber (1878-1965) e alguns conceitos relacionais da psicanálise – como o de transferência e do complexo de Édipo – fundamentam, preponderantemente, a psicologia relacional. Nos últimos anos, encontrei em Jacques Lacan (1901-1980) muitas respostas às minhas indagações a respeito do desenvolvimento da criança e da matriz de identidade de Moreno. O reflexo desses achados será pontuado ao longo deste texto.

O destaque a essas diversas contribuições revela que o estudo do ser humano é sempre fronteiriço e que, neste caso, obedece a um eixo que chamo de psicologia relacional.

 

A LINGUAGEM RELACIONAL

A psicanálise postula que a libido busca prazer. A concepção relacional, por sua vez, propõe que o homem busca relações. Nessa busca, entram em jogo forças de atração, repulsão e neutralidade que resultam em campos relacionais detentores de uma dinâmica de poder relacional entre seus integrantes. Essa dinâmica está diretamente ligada à segurança-insegurança relacional quanto à díade relação-separação. No polo da separação, habita o medo da perda, do abandono e da aniquilação. No polo da relação, habitam o prazer e a alegria da concretização de um esperado momento relacional.

Antigas expressões da Psicologia e da Psicanálise, muitas delas ambíguas por terem alcançado domínio público, foram aqui adaptadas a uma linguagem relacional. O leitor encontrará, por exemplo, a expressão poder relacional em correspondência com o conceito de falo da psicanálise, apesar de não representá-lo completamente. O aspecto de valor e, portanto, de poder do falo, foi aqui resgatado como um poder relacional situado dentro de um campo relacional. A expressão perversão/ perverso, conforme justifico ao longo do texto, recebe a denominação atuação/atuador. Lacan traduz a castração como uma interdição ou proibição, uma lei familiar que é instituída durante a triangulação. Na linguagem relacional, é preferível então utilizar interdição/proibição em vez de castração. As expressões função materna e função paterna, utilizadas, eventualmente, por Lacan, vêm ao encontro do conceito de matriz de identidade, em que não se fala propriamente de uma mãe ou de um pai, mas de uma rede relacional, familiar e social que envolve a criança. Em decorrência disso, entra também a função fraterna instituindo outra dinâmica característica, a da aliança e rivalidade entre os iguais.

Voltemo-nos agora para o tema principal desta abordagem, historiando e resumindo as contribuições de Moreno e Lacan.

 

A MATRIZ DE IDENTIDADE DE MORENO

J. L. Moreno e sua então esposa, Florence Bridge Moreno, publicaram, em 1944, o artigo "Teoria da espontaneidade do desenvolvimento infantil" sobre o conceito de matriz de identidade, que foi incluído no livro Psychodrama – Volume I (1946). Os autores explicam que a matriz de identidade representa a rede relacional primária que envolve a criança desde o momento em que os pais se enamoram, incluindo interativamente fatores biológicos, psicológicos e socioculturais. Essa matriz compreende, portanto, o processo de aprendizagem relacional da criança. Ela delineia uma teoria do desenvolvimento infantil e, por consequência, o esboço de uma teoria da personalidade.

A matriz de identidade contempla um primeiro e um segundo universo. No primeiro universo, a criança não diferencia pessoas de objetos, não distingue fantasia – Moreno utiliza o termo fantasia como "imaginário"1 – de realidade, vive somente o tempo presente, apresenta relações indiscriminadas. Em seguida, o bebê começa a distinguir objetos de pessoas e passa a demonstrar preferências relacionais. A matriz de identidade caminha, portanto, de um estado total fusionadoindiferenciado para um diferenciado.

O segundo universo concretiza-se quando a criança vivencia a brecha entre fantasia e realidade. A partir desse momento, ela deixa de exercer somente os papéis psicossomáticos – de respirador, ingeridor, urinador etc. – do primeiro universo e acrescenta o exercício dos papéis psicológicos ou do imaginário – relativos ao mundo da imaginação – e o exercício dos papéis sociais – relativos ao mundo da realidade. Nesse momento, já existe uma distinção entre o Eu e o Outro, entre o Eu e o Tu.

A matriz de identidade foi originalmente descrita em cinco fases. A primeira corresponde à completa identidade do bebê com o seu meio. O bebê necessita de um duplo – ego-auxiliar – para sobreviver. Por esse motivo, é denominada fase do duplo. A segunda etapa caracteriza-se pelo fato de a criança concentrar a atenção no outro e estranhar parte dele. A terceira seria a fase do espelho, que separa o outro da continuidade da experiência. Nela aconteceria a mencionada brecha entre fantasia e realidade. Na quarta fase, a criança já consegue desempenhar, imaginariamente, o papel do outro; ela é o cachorro, o herói, o jogador de futebol etc. Na quinta etapa, a inversão da identidade é completa, isto é, a criança consegue desempenhar o papel do outro diante de uma terceira pessoa que, por sua vez, desempenha o dela. Aqui ela não só desempenha o papel do outro, mas também aceita, no como se, que outra pessoa desempenhe seu próprio papel. Essa etapa também é conhecida como fase da inversão de papéis.

Acrescento, inspirado em Rojas-Bermudez (1977), que no reconhecimento do Eu e do Tu ocorre um processo corporal-psicológico pautado pela evolução do reconhecimento do dentro-fora do bebê. Ele tem a sensação de fome – localizada no estômago – saciada pela boca, estabelecendo o reconhecimento do segmento estômago-boca. Logo depois, por intermédio da evacuação e da micção – intestinos-ânus e bexiga-uretra – reconhece o segundo segmento, de modo que conclui o circuito fora-dentro-fora. Nesse momento, completa-se também a consciência do Eu e do Outro.

A quinta etapa da matriz de identidade moreniana já considera o envolvimento de três participantes – a criança, o papel do outro que ela desempenha e o seu papel desempenhado por outra pessoa – sem que Moreno deixe claramente configurado um triângulo relacional. Em textos posteriores (1974 [1959]), ele reduz o esquema de cinco para três fases, diminuindo ainda mais a importância do terceiro no complexo relacional – identidade do Eu com o Tu (fase do duplo), reconhecimento do Eu (fase do espelho) e fase do reconhecimento do Tu.

Moreno não aprofunda o estudo do triângulo relacional na matriz de identidade. Em uma das poucas vezes que o aborda, comenta criativamente que, a rigor, ele seria composto por três complexos: de Laio, de Jocasta e de Édipo, ou seja, pelos sentimentos mobilizados sociometricamente nos três componentes e não em um só. A verdade é que permaneceu essa lacuna na teoria moreniana, à espera de complementação.

Rojas-Bermudez (1978) utiliza a expressão triangulação em sua teoria do Núcleo do Eu. Utilizei a mesma expressão em uma nova proposta da matriz de identidade (FONSECA, 2008 [1980, 2008])2 e retomo o tema denominando-a também de reconhecimento do Ele – como continuidade do reconhecimento do Eu e do reconhecimento do Tu, propostos por Moreno (1946).

 

O ESTÁDIO DO ESPELHO EM LACAN

Lacan inspira-se em Henri Wallon (1879-1962) para discorrer sobre o estádio do espelho, em 1936, durante congresso realizado em Marienbad, República Tcheca. Em 1949, publica "O estádio do espelho como formador da função do Eu, tal como nos é revelado na experiência psicanalítica", artigo em que situa a consciência da unidade do corpo pela criança de seis a dezoito meses, fato anterior ao domínio da fala – linguagem. Esse processo constitui a passagem de um corpo fragmentado para um corpo ortopédico. Esse período precede o complexo de Édipo.

A fase do espelho traduz-se simbolicamente pelo momento de júbilo em que, pela primeira vez, a criança reconhece a si mesma diante de um espelho: "Eu existo!" O curto-circuito de surpresa e alegria pontua a semente de um Eu ideal e de um Eu que vão se desenvolver em continuação.

Na simples imagenzinha exemplar da qual partiu a demonstração do estádio do espelho – o chamado momento jubilatório em que a criança, vindo captar-se na experiência inaugural do reconhecimento no espelho, assume-se como totalidade que funciona como tal em sua imagem especular – porventura já não relembrei desde sempre o movimento feito pela criancinha? ... Ou seja, a criança se volta... para aquele que a segura e que está atrás dela... que, através desse movimento de virada de cabeça, que se volta para o adulto, como para invocar seu assentimento, e depois retorna à imagem, ela parece pedir a quem a carrega, e que representa aqui o grande Outro, que ratifique o valor dessa imagem. (LACAN, 2005a [1962-1963], p.41).

A fase do espelho compreende a captação que a criança faz de si mesma a partir da relação que estabelece com sua matriz de identidade. Destaco aqui esse aspecto relacional, uma vez que é a partir da troca dos influxos emocionais entre a criança e as pessoas que compõem sua matriz que vai se decodificando, interpretando e formando o esboço do Eu ou do sujeito. Como a criança identifica-se com a imagem que lhe é passada, acentua-se o caráter do real-imaginário que lhe é conferido. Nesse processo de reconhecimento físico-psicológico, o real se confunde com o imaginário e com o simbólico que logo depois se delineia.

Existe, portanto, uma confusão primária entre o que eu sou e o que me passam que eu seja, em que os desejos e os projetos da matriz que me envolve se confundem com minhas próprias apreensões. E esta dúvida existencial básica – quem sou? – acompanha o ser humano por toda a vida. O sujeito jamais chega a captar completamente algo que insiste em lhe escapar. Fala-se então que essa identidade pauta-se em um suposto engano, o qual gera dúvidas que nunca se desfazem. Nesse período transitivo entre a fusão com a mãe-matriz e a própria identidade, há sempre alguma confusão entre a imagem do outro e a sua. Parafraseando a conhecida expressão psicanalítica de que a criança é o desejo do desejo da mãe, poderíamos dizer, na linguagem psicodramática, que a criança é o desejo do desejo da matriz de identidade.

O estádio do espelho é o encontro do sujeito com aquilo que é propriamente uma realidade e, ao mesmo tempo, não o é, ou seja, com uma imagem virtual, que desempenha um papel decisivo numa certa cristalização do sujeito[...]. (LACAN , 1999 [1957-1958], p. 233).

Assinale-se, desse modo, que, tanto em Moreno como em Lacan, atribui-se importância ao outro no núcleo da experiência especular. Como diz Kaufmann (1996, p. 159), "o sujeito se vê suspenso a seu próprio olhar, como uma espécie de duplo marcado com o selo do olhar do outro". A expressão lacaniana movimento de báscula é empregada no sentido de que a criança oscila entre ela e o outro no reconhecimento de si mesma.

A fase do espelho ou do reconhecimento do Eu ganha uma conotação filosófica, o conhece-te a ti mesmo, na medida em que expressa o esforço pelo autoconhecimento. Representa a busca por um Eu verdadeiro3 ou por um Eu ideal. Esse drama da criatura tem seu contraponto na figura dos deuses. Estes, sim, conseguem atingi-lo em seu sentido de perfeição, harmonia e totalidade – Eu sou o que sou.

 

EVOLUÇÃO, DESENVOLVIMENTO E TEMPORALIDADE

Como fase preliminar da discussão dos três tempos da triangulação, cabe um debate sobre evolução, desenvolvimento e temporalidade, uma vez que constituem conceitos que apresentam relações. A teoria evolucionista darwiniana concebe a vida como uma rede genealógica que acompanha a descendência e suas modificações. Modificações que não acontecem linearmente, mas em saltos geracionais. A compreensão da natureza humana inclui a evolução filogenética e o desenvolvimento ontológico que envolve aspectos embriológicos, neurológicos, psicológicos e sociais. Em qualquer dessas possibilidades, existe um componente comum – o movimento. O movimento é a essência da vida e acontece linearmente ou aos saltos.

A psicanálise freudiana, historicamente, tem um pé no desenvolvimento biológico, ao considerar a descrição da sexualidade infantil nos estádios oral, anal e fálico. A fase fálica seria o esboço mediante o qual, após a triangulação edipiana e o período de latência, a criança chega à organização genital da adolescência. Esse seria um resultado desenvolvimentista bemsucedido. Paralelamente, Freud apresenta uma compreensão psicológica e psicopatológica, a partir das noções de fixação e regressão. Com isso, ele estende a concepção do evoluir libidinal para o desenvolvimento do Eu. A partir desses eixos, propõe a ideia da dualidade entre o princípio do prazer e o da realidade. Como esses esquemas não se revelam totalmente adequados, apesar de servirem de inspiração para muitos seguidores, Freud propõe o dualismo das pulsões de vida e de morte.

Gondar (2006) comenta que a menção ao tempo é frequente na obra de Freud, apesar de nela não haver um conceito específico para tal. A palavra alemã Nachtraglich, com o sentido de a posteriori, ganhou traduções diferentes em francês e em inglês. Em francês, tomou a forma de aprés coup e, em inglês, de deferred action – ação adiada ou protelada. A diferente tradução decorreu de variações culturais na apreensão da temporalidade. A escola inglesa aponta para uma temporalidade processual, progressiva e continuada, em que cabem as fixações e as regressões, enquanto a francesa sugere um golpe, uma ruptura, uma descontinuidade ocorrida em um instante. Os franceses não valorizam as etapas sucessivas do desenvolvimento. Eles valorizam a reorganização das contingências anteriores partindo-se de uma ruptura com o que era anterior.

A partir desse ponto, penso que a escola francesa aproxima-se da noção de um tempo vivencial ou existencial ou até mesmo do conceito de momento de Moreno, que também não está atrelado ao tempo cronológico. Para esse autor, o momento seria um momento criativo e, portanto, reorganizador de conservas culturais anteriores.

Lacan, apesar de sua formação médica, libera a psicanálise das amarras somáticas, levando-a para o domínio da cultura e da linguagem. Aqui se insere a questão de como cada um, em sua história singular, submete-se simbolicamente ao tempo. Esse aspecto, o da singularidade simbólica, distingue um desenvolvimento genérico de uma história particular.

Compreendo os tempos existenciais4 de forma que se sobrepõem aos cronológicos, pois estes correspondem aos trilhos biológicos do desenvolvimento. A simbolização, por exemplo, só acontece porque o córtex cerebral encontra-se em um nível de desenvolvimento neurológico suficiente para a criança simbolizar suas vivências. Há, portanto, dois tempos envolvidos nesse processo: o tempo cronológico, desenhado por uma linha horizontal que retrata o desenvolvimento biológico/ neurológico, e o tempo existencial – chamado de lógico pelos lacanianos – delineado por uma linha vertical que representa as simbolizações que a criança realiza de suas perdas e seus ganhos existenciais.

Penso que a criança passa por um processo em que suas fases de desenvolvimento são registradas de alguma forma, e que nessa memória organísmica estão incluídos o consciente, o inconsciente, o neurológico e o psicológico. Trata-se de um processo em que cada etapa ressignifica as anteriores e em que a noção de linearidade é substituída pela noção de estrutura, rede ou sistema.

Vamos, então, examinar a triangulação em três tempos existenciais que acontecem em uma sucessão que, como vimos, não é necessariamente cronológica. O tempo existencial constitui outra dimensão temporal, e talvez seja mais uma lógica da ação e da deliberação do que uma lógica do tempo. Significa algo que é atingido como uma verdade antes mesmo que esta possa ser verificada, ou seja, a afirmação de uma certeza antecipada. Trata-se de um tempo próprio e intrínseco ao sujeito, vivenciado em uma situação relacional.

Detenhamo-nos nesse ponto em que o sujeito, em sua asserção, atinge uma verdade que será submetida à prova da dúvida, mas que ele não poderá verificar se não atingir, primeiramente, na certeza. (LACAN, 1998 [1966], p. 206).

 

OS TRÊS TEMPOS DA TRIANGULAÇÃO: O RECONHECIMENTO DO EU, DO TU E DO ELE

A fase do espelho representa ainda um aspecto tosco da identidade. Ela ganha um "acabamento" com o processo da triangulação, na medida em que se acrescenta uma complexificação relacional, fundamental para o exercício da vida adulta. Trata-se de um processo de transição que se inicia quando a criança identifica seu corpo na descontinuidade do corpo dos outros (desfusão), integra os segmentos parciais de seu corpo em uma nova unidade e mergulha no processo da triangulação.

O primeiro tempo existencial, que compreende o estádio do espelho e o reconhecimento do Eu, revela o "assujeitamento" do bebê aos cuidados maternos. A mãe-matriz aparece então como onipotente aos olhos do "assujeito", que está em processo de tornar-se um "sujeito". Nessa dialética relacional, a criança acredita que a mãe-matriz é ou tem todo o poder. Essa total dependência da função materna engendra as primeiras experiências de frustração, uma vez que a criança está à mercê do outro e do Outro.5

A criança vivencia relacionalmente o prazer de o outro-mãe-matriz estar com ela. Isso a faz acreditar que também possui o poder de atrair a mãe-matriz. Então, nesse primeiro tempo, tudo se passa como se nada houvesse além da mãe, pois o terceiro ainda se apresenta de forma velada à consciência da criança.

O segundo tempo do Édipo representa a saída da criança do "acoplamento materno". A consciência da ausência da mãe, que contraria seu desejo de estar com ela, faz a criança perceber que a mãe busca algo ou alguém, mas não a ela. Lacan refere-se a esse momento como um ponto nodal, e ultrapassá-lo significa sair da mistura com a mãe-matriz. As agruras da criança, nesse período, incluem dupla decepção: a primeira, por sentir-se impotente para atrair a mãe, isto é, sem o poder para isso; e a segunda, por perceber a "fraqueza" da mãe em não bastar a si mesma, ou seja, por revelar que a mãe necessita de outro. A mãe é assim como ela, sem poder: "O que quer essa mulher aí? Eu bem que gostaria que fosse a mim que ela quisesse, mas está muito claro que não é só a mim que ela quer. Há outra coisa que mexe com ela – é o x" (LACAN, 1999 [1957-1958], p. 181).

Instaura-se um enigma – o x da questão – sobre o que essa mãe deseja além da criança. O que ou a quem ela busca? A ausência materna instiga seu preenchimento com algo substitutivo. Desse modo, a falta é preenchida com a presença simbólica de um objeto – e aqui está consagrado o objeto transicional winnicottiano – em que a criança deposita a ilusão de que não sofreu a perda, como se ele estivesse impregnado magicamente da energia materna. Entretanto, em algum momento, essa ilusão desemboca inevitavelmente na desilusão. Contudo, lidar com esse objeto "mágico" institui na criança o princípio lúdico do brincar, em que o brinquedo não é somente um brinquedo, mas muito mais do que isso.

Evidencia-se então que há um desejo da mãe por outrem, mesmo que ela retorne à criança. A ida-e-volta da mãe está imortalizada na literatura psicanalítica por meio do jogo do fort-da realizado pelo neto de Freud (1980 [1920]). Outros jogos infantis representam essa angústia-prazer da relação-separação: a brincadeira de "cadê-achou" e, mais tarde, o jogo de "esconde-esconde" e o de esconderijo.

Do ponto de vista da criança, portanto, nesse momento a mãe deixa de desaparecer para sempre, para nunca mais voltar, conforme ela interpretava inicialmente suas ausências. Agora, estabelece-se a presençaausência motivada pela busca do terceiro. Se nem ela nem a mãe são ou possuem o poder relacional, ele deve situar-se além, nos domínios do terceiro. Este passa, então, a fazer parte do jogo relacional como uma instância superior em que lhe é atribuída a interdição ao contato com a mãe, uma vez que o terceiro estabelece simbolicamente o pode-não-pode, a norma, a lei. Claro que esse poder transcende a qualquer pai real, que pode existir ou não, na medida em que falamos da lei simbólica instituída pelo terceiro da matriz de identidade. Falamos de função paterna, de metáfora paterna ou, ainda, do processo de inscrição simbólica do Nomedo- Pai6 no pequeno ser.

É importante assinalar que, nesse interjogo triádico, o segundo (mãe) exerce função mediadora entre o primeiro e o terceiro, de modo que justifica o ditado popular: "A criança enxerga o pai pelos olhos da mãe". Assim, ganha importância a forma como a função materna traduz ou a forma como a criança compreende a tradução de quem é o terceiro. Na triangulação, leva-se em conta o interjogo relacional (sociométrico) entre os três elementos coparticipantes do processo, cada um com sua energia, no que se refere ao resultado.

O fato de a mãe buscar o terceiro e retornar à presença da criança instiga a revelação da função doadora deste. Ela vai, recebe e retorna. Agora, instaura-se o terceiro tempo da triangulação, em que o terceiro perde a conotação de ser somente proibidor/castrador para também ser descoberto como permissivo e doador. O terceiro é aquele que, supostamente, tem algo para dar à mãe e à criança. Ele agora é encarado como detentor de algo que pode circular pelo triângulo relacional, agora plenamente estabelecido, e passa da condição de ser somente carrasco para a condição de ser também herói. Desse modo, ao não acrescenta-se o sim.

O espectro relacional dual absolutista anterior é substituído por um espectro relacional triádico relativista. A alternância entre ausência e presença, entre ser e não ser, ter e não ter, promove uma flexibilização psicológica fundamental ao triângulo original. A criança capta que pode receber e dar algo ao segundo e ao terceiro. Nesse momento, a inversão de papéis com os dois outros componentes do triângulo, proposta por Moreno, é também assinalada por Lacan (2002 [1956-1957], p. 226):

Ora, não podemos articular esse complexo, sua cristalização triangular, suas diversas modalidades e sequências, sua crise terminal, dita declínio, sancionada pela introdução do sujeito em uma dimensão nova, a não ser na medida em que o sujeito é ao mesmo tempo ele próprio e os dois outros parceiros.

O terceiro tempo da triangulação estabelece uma organização básica da afetividade para o futuro adulto. A descoberta do fluxo amoroso entre o primeiro e o terceiro, ou o aparecimento da dialética amorosa entre pai e filho, transforma a ótica da criança com relação à função paterna. Da perspectiva onipotente do segundo tempo, ela passa a olhá-la como potente. Esse é o momento da dissolução, da solução, ou talvez fosse melhor dizer da diluição do complexo de Édipo, porque sempre resta algo para contar a história. Também é o momento básico da constituição da identidade sexual. A criança resolveu a primeira crise de identidade existencial e sexual/amorosa da maneira que lhe foi possível, entra na chamada fase de latência, adiando para a adolescência a segunda crise de identidade7 e ingressa na vida adulta na expectativa de realizar seus anseios amorosos. Se vai conseguir e em que medida vai conseguir, o futuro dirá.

Os traços estruturais da personalidade constituem o resultado das emoções e dos sentimentos suscitados e recalcados no percurso psicológico abordado. Entenda-se o recalque como a dinâmica básica do inconsciente. Sua origem está na interdição do incesto, impulsionando o amor-desejo sexual do adolescente para o espaço extrafamiliar – fora do círculo da proibição. Assim como observa Coelho dos Santos (2008), o recalque seria o aprendizado da ética do desejo – ao contrário do uso sem lei dos prazeres – permitindo o livre usufruir do prazer sexual adulto.

 

O CAMPO RELACIONAL E O PODER RELACIONAL

Aproveito a paráfrase sou o desejo do desejo da matriz de identidade para abordar o conceito de poder relacional, outro aspecto em nossa discussão, que vai permear toda a apresentação sobre os três tempos da triangulação. Na verdade, transponho, como já comentado, o conceito de falo da psicanálise para a questão do poder dentro do campo relacional, de tal modo que a reformulação da matriz de identidade proposta com a introdução da triangulação ou do reconhecimento do Ele apresenta uma dialética cujas alternativas são ser ou não ser o poder, tê-lo ou não têlo – e no lugar que este último ocupa no desejo dos três protagonistas. Portanto, esse poder relacional define lugares e impõe limites aos três participantes do campo relacional.

O poder relacional é introduzido pela função paterna mediadora, ou seja, o poder que o terceiro introduz na relação da criança com a mãe e desta com a primeira. Nesse sentido, distingue-se privação de interdição: enquanto a primeira constitui a falta real do objeto, a segunda remete à marca da interdição/proibição, tendo em vista a introdução de uma lei que passa a operar no conjunto relacional. Utilizo propositadamente a palavra operar para indicar que algo se passa como uma operação cirúrgicopsicológica que nomeia ou renomeia a criança em sua identidade.

O poder relacional, portanto, remete a um significante de valor com relação à presença-ausência. A leitura relacional dessa dinâmica revela que a triangulação ou o reconhecimento do Ele insere-se em um campo relacional no qual acontece uma luta baseada na busca, na tentativa de manutenção e no medo de perder esse poder relacional, cuja moeda de troca é ser desejado, amado pelo outro. Trata-se de quem tem e pode perder, e de quem é e pode deixar de ser o poder relacional.

A observação clínica conduz a inúmeras possibilidades psicodinâmicas. Quais seriam os arranjos psicossociodinâmicos internalizados no primeiro, no segundo e no terceiro tempo da triangulação? Quais as consequências com relação à fluidez e aos bloqueios no percurso triangular? Quais os silêncios e os ruídos do trajeto? Este é o espaço que se abre para a discussão de estruturas tipológicas e psicopatológicas da personalidade.

 

AS ESTRUTURAS E O PERCURSO TRIANGULAR

Cada criança faz a travessia da etapa triangular edipiana de acordo com as características interno-externas de suas condições relacionais. Ao considerar a passagem normal, no sentido estatístico, pela fase triangular, teríamos de considerar, por consequência, um espaço além e outro aquém dessa média. Teríamos, de um lado, um extremo ideal, utópico, no qual aconteceria a solução perfeita do complexo. A metáfora paterna inscrever-se-ia de forma fluente. Mesmo assim, isso não significaria que o sujeito atravessaria esse período sem alegrias e sofrimentos, uma vez que falamos do aprendizado da relação e da separação.

As experiências de separação no decurso da matriz de identidade articulam as vivências de privação, frustração e interdição. As três constituem a "bateria" que alimenta a relação do sujeito com o mundo. Enquanto a privação representa a falta real de um objeto, a frustração significa a falta imaginária, isto é, algo que supostamente teria sido injustamente retirado.

A frustração é, por essência, o domínio da reivindicação. Ela diz respeito a algo que é desejado e não obtido, mas que é desejado sem nenhuma referência a qualquer possibilidade de satisfação nem de aquisição. A frustração é por si mesma o domínio das exigências desenfreadas e sem lei. (LACAN, 1995 [1956-1957], p. 36).

Já a interdição/proibição/castração remete à falta simbólica de um objeto. A castração, introduzida por Freud como interdição ao incesto na estrutura do Édipo, ganha em Lacan a conotação de uma dívida simbólica que confirma ou sanciona a lei e, como contraparte disso, a punição. A psicoterapia da neurose seria o trabalho em torno de algo que não está completamente elaborado no que se refere à privação, à frustração e à interdição.

É inevitável passar por esse período sem as dores do crescimento, em que vicejam os sentimentos básicos do homem. Para fazer frente a esse turbilhão emocional, surgem os recalques ou, de outra maneira, os mecanismos de defesa ou amortecedores, com o objetivo de evitar ou diminuir as dores inerentes ao processo.

A criança organiza estratégias relacionais para diminuir ou evitar a dor da separação e para prolongar o prazer da relação. As marcas das diferentes fases do aprendizado da relação (ansiedade-esperança, prazer-amor, alegria-felicidade) e da separação (ansiedade-medo, raivaódio, tristeza-depressão) delineiam os traços estruturais principais e secundários da personalidade em formação.

A triangulação fluente significa a possibilidade de viver bem, apesar da falta. Significa apreender o relativo da vida e abrir mão do absoluto. A triangulação é lição de humildade. Nesse sentido, temos de ressaltar as marcas positivas dessa experiência e da liberdade que ela traz – sei o que posso e o que não posso fazer. Aqui se abre um grande espaço de movimentação existencial.

Prefiro pensar em uma variação entre fluência e bloqueio da espontaneidade no enfrentamento/evitação da dor do corte, da cisão, durante a triangulação. Alguns encontram soluções mais criativas; outros, menos criativas; outros, ainda, não encontram soluções, restando-lhes o bloqueio dos pontos dolorosos.

 

DA TRIANGULAÇÃO À CIRCULARIZAÇÃO

A triangulação transporta o sujeito da instância familiar para a dimensão social, para a circularização. A proibição do incesto leva o sujeito para fora do âmbito familiar e separa o biológico, a natureza (função materna), do cultural (função paterna). A criança acrescenta ao mundo sensorial da função materna a esfera intelectual da função paterna.

As amarras da sexualidade intrafamiliar proibida são trocadas pelos laços da afetividade sexual interfamiliar permitida. Estabelece-se uma nova ordem na qual acontece o intercâmbio de varões e donzelas – a chegada do estranho, vindo de outra família, é bem-vinda.

Bacha (2008) ressalta a importância da educação enquanto aliada da função paterna, uma vez que uma de suas funções é ajudar a criança a "desgrudar da barra da saia da mãe", ou seja, colocá-la no âmbito do social, da cultura e da vida.

Pelo fato de não ser lacaniano, as considerações acima deixam-me confortável para fazer uma leitura própria dos três tempos do Édipo. Penso que as neuroses conseguem realizar melhor discriminação da brecha entre fantasia e realidade no que se refere a suportar a dor da separação e da perda; conseguem completar o circuito triangular, recebem a inscrição do Nome-do-Pai.

Desse modo, há os que ficam aquém da solução apontada. O medo e a evitação do enfrentamento com essa perda primordial (cósmica, relacional e sexual) levam alguns a optar por outras soluções parciais, denegando-a ou desmentindo-a (atuadores/perversos) ou não a realizando (psicóticos). Cada criança reage de maneira característica à privação da função materna na matriz de identidade, sulcando trilhas psicodinâmicas que delineiam diferentes tipos de personalidade. Nesse diagnóstico, ganha importância se a criança consegue e como consegue simbolizar a falta. Isso é o mínimo a se considerar na determinação da estrutura psicológica do sujeito.8

 

CICATRIZES DA MATURAÇÃO

Lacan utiliza o símbolo $ ("s" barrado) para referir-se ao sujeito9 que realizou a castração (interdição) simbólica e tornou-se um neurótico. Esse símbolo ganha a conotação de fendido, cortado, cindido, e o neurótico assume-se como tal. Nessa proposta, o sujeito está subordinado a uma estrutura que o define, ou seja, há um elemento que se expressa socialmente, e outro, velado-inconsciente, que o determina.

Dessa forma, a triangulação ganha a conotação de marca simbólica. Uma alegoria possível seria imaginar a barra do $ como uma tatuagem (cicatriz) com o Nome-do-Pai. O atuador/perverso também a possuiria mas a negaria, utilizaria disfarces, faria de conta que não a tem. Nessa mesma analogia, o psicótico não teria realizado a tatuagem e ostentaria, na melhor das hipóteses, a figura de um pai social carimbado superficialmente na pele, assim como as crianças brincam de fazer tatuagem.

 

CONCLUSÃO

Reservo este espaço para alinhavar alguns pontos apenas esboçados ou mesmo deixados de lado ao longo deste texto. O primeiro comentário dirige-se a uma visão do processo de desenvolvimento. Compreendo-o como parte de um processo universal, uma vez que o homem situa-se em um planeta submetido às forças cósmicas de expansão e gravitação. Do ponto de vista psicológico, enquanto a primeira força impulsionaria a criança para frente, para um distanciamento da matriz original, a segunda imprimiria uma contenção ao movimento anterior, tracionando-a ao retorno matricial.

Ao longo do texto, observamos as forças de expansão e de gravitação atuando no percurso da triangulação, as quais podem ainda servir de parâmetro para os conceitos de desenvolvimento, fixação e regressão e para a inclusão do incesto como um desejo de retorno ao útero materno/ cósmico.

Outro ponto a discutir tem a ver com o processo de relação-separação, especialmente em seu polo da separação. Vimos que esse processo acontece em três instâncias: a primeira representa o desfusionamento da criança de sua matriz, culminando com a fase do espelho; a segunda contém o aprendizado da separação no que concerne às figuras de sua matriz afetiva primária; e a terceira coincide com a consciência da identidade de gênero, isto é, tenho ou não um pênis, e qual o valor simbólico disso. Decorre daí a afirmação de que o pênis não é o falo, mas nem sempre a literatura psicanalítica elucida totalmente essa questão. Michele Roman Faria (2003) esclarece que Freud relacionou o complexo de castração à questão anatômica, enquanto Lacan remeteu-o à função simbólica da função paterna, ou ao pai.

Se a anatomia por si só não é fator decisivo, e se a construção da identidade sexual depende de um organizador simbólico mais amplo, no que se refere à triangulação edipiana, ganha força a ideia de que o processo da relação-separação como um todo apresenta um contorno mais abrangente do que somente a dimensão sexual.

Encontra-se com alguma frequência na literatura psicanalítica a afirmação de que o ser humano está "condenado" à falta. Tal observação é parcial, na medida em que considera somente um polo da relaçãoseparação – a separação. O verbo condenar, nesse contexto, torna-se exagerado, uma vez que remete à ideia de crime ou pecado, assim como Adão e Eva foram expulsos do Paraíso. A psicologia relacional vê o homem destinado à falta, à busca e aos encontros da vida.

Um dos pilares da teoria moreniana é o cânone da criatividade, no qual coexistem, interdependentemente, os conceitos de espontaneidade, criatividade e conserva cultural. O fluxo espontâneo obedece a um movimento que parte de algo integrado, fusionado, para algo novo que se diferencia do estado anterior e que se inclui e se estabiliza em uma nova ordem. Esse movimento é sucessivo, circular e interminável, e constitui o ritmo do Universo, da natureza e do homem, em uma crescente complexificação. O trio composto por espontaneidade, criatividade e conserva cultural abriga, portanto, a falta, a busca e o encontro em um contexto maior que inclui todas as ciências, como a física, a química, a biologia, a psicologia, a sociologia e a filosofia. Essa "lei" universal também regeria o desenvolvimento psicológico, marcando o ritmo de nossas faltas, buscas e encontros existenciais.

A matriz de identidade de Moreno apresenta o psiquismo dualizado em realidade-fantasia (imaginário). Lacan, inspirado no estruturalismo, apesar de não se assumir como tal, propõe uma visão triádica10 do homem – além da dimensão do real e do imaginário, existe a do simbólico. A inclusão da triangulação ou reconhecimento do Ele na matriz de identidade ganha corpo com a contribuição lacaniana. Os conceitos de função materna e função paterna, e, por decorrência, da função fraterna, apesar de pouco utilizados por Lacan, encaixam-se perfeitamente na concepção moreniana, uma vez que, no desenvolvimento da matriz, há uma dimensão social e cultural que transcende o papai-mamãe da psicologia tradicional.

A integração de algumas ideias sobre o desenvolvimento infantil pode ser metaforicamente resumida nos seguintes momentos da matriz de identidade: o momento zero corresponde à vivência de unidade cósmica do embrião e do feto no ventre materno (fase umbélico-placentária) e nos primeiros meses de vida (fase do duplo); o momento um está representado pela fase do espelho ou reconhecimento do Eu ("Eu existo!"); o momento dois representa a relação da criança com a função materna da matriz de identidade ou reconhecimento do Tu; o momento três constitui a relação triangular edipiana ou reconhecimento do Ele estabelecida com a função materna e com a função paterna; o momento quatro, que não foi discutido extensamente neste texto, corresponde à inclusão da fratria (dos semelhantes) no triângulo; e o momento cinco está representado pela inclusão do sujeito no círculo da sociedade. Enfim, esses comentários respaldam-se em diferentes atitudes filosóficas que, deixados de lado os sectarismos, podem enriquecer-se mutuamente.

 

 

Referências

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Endereço para correspondência
José Fonseca
e-mail: fonseca@daimon.org.br

 

 

Nota:
1. Emprega-se mais frequentemente o termo imaginário como aquilo que se refere à imaginação. Em Lacan, entretanto, a expressão ganha o sentido de uma ilusão ou engodo, no que concerne à apreensão psicologicamente turvada que a criança faz de si mesma na fase do espelho, ou, no que concerne à ilusão ou alienação que ela realiza quando ainda semifusionada ao corpo da mãe.
2. A proposta contempla uma visão da matriz de identidade segundo as seguintes fases: indiferenciação, simbiose, reconhecimento do Eu ou espelho, reconhecimento do Tu, relações em corredor, pré-inversão de papéis, triangulação, circularização e inversão de papéis (Fonseca, 2008[1980]).
3 . Utilizo a expressão Eu verdadeiro como metáfora de um Eu sempre buscado, mas nunca atingido. Para Lacan, o Eu é uma constante ilusão.
4. Passo a denominar tempo existencial aquele que não se enquadra como tempo cronológico. Dessa maneira, preservo a linguagem fenomenológico-existencial mais afeita ao teor deste trabalho.
5 . O Outro grafado com maiúscula representa o outro carregado de significantes simbólicos.
6 . Lacan utiliza inteligentemente um trocadilho entre le nom (o nome) e le non (o não) do pai na triangulação, ou seja, ao mesmo tempo que interdita também nomina.
7 . A terceira crise de identidade ocorre na entrada da senescência e tem alguma correspondência com as duas anteriores – a da primeira infância e a da adolescência.
8 . Para obter mais dados sobre estruturas clínicas, ver Fonseca (2010).
9 . Fink (1998) refere-se ao sujeito dividido de Lacan, uma vez que, para este, o sujeito não é senão essa própria divisão, o sujeito fendido, dividido ou barrado ($). Portanto, fica claro que, para Lacan, não existe o indivíduo neurótico; ele é sempre um divídio. Na psicologia relacional, falamos de múltiplos eus parciais constituintes do Eu global. O coerente seria, então, falarmos em multidivídio.
10 . Além do real-imaginário-simbólico, encontramos ainda outros trios na obra lacaniana: neurose-perversão-psicose, necessidade-demanda-desejo, falta-vazio-nada, privação-frustraçãocastração.