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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.20 no.2 São Paulo dez. 2012

 

ARTIGOS INÉDITOS

Original Articles

 

 

 

Percurso neural da imagem para além das sombras Psicodrama e consumo

 

The neural pathway of the image beyond the shadows

 

 

Leonídia Alfredo Guimarães

Psicóloga clínica pela Universidade Federal da Bahia, psicoterapeuta, didata, credenciada pela Associação Bahiana de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo (Asbap), Psicodramatista, didata, supervisora pela Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap), especialista em Neuropsicologia pela Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo pesquisa o processo neural de formação das imagens mentais, destacando o modo pelo qual ocorre o processamento de informações pelo cérebro, especialmente no que diz respeito à formação das imagens mentais e seus desdobramentos em imagens simbólicas. Tem o objetivo de aprofundar as bases científicas da técnica de construção de imagens e os benefícios advindos dessa prática. Concluindo que a transformação de imagens mentais em imagens psicodramáticas, além de produzir diferentes sentidos a significados encobertos, estimula a construção de novos padrões mentais nos circuitos neuronais, resultando em novas aprendizagens cognitivas, emocionais e comportamentais.

Palavras-chave: Conexões neurais, imagens mentais, imagens psicodramáticas, psicoterapia, aferência de aprendizagens.


ABSTRACT

This article explores the neural process of mental image formation, highlighting how information is processed in the brain, especially with regard to the formation of mental images and their development into symbolic images. It aims to further deepen the scientific bases of the technique of image construction and the benefits derived from this practice. It concludes that the transformation of mental images into psychodramatic ones, beyond of leading to hidden meaning, it also promotes the development of new mental patterns within the neural circuits, this leading to new cognitive, emotional and behavioral learning.

Keywords: Neural connections, mental images, psychodramatic images, psychotherapy, afferent learning.


 

 

INTRODUÇÃO

Partindo do pressuposto teórico-científico de que existe um núcleo do eu de base neurofisiológica e estrutural no psiquismo humano, Jaime Rojas Bermúdez (1966) desenvolveu um modelo clínico que utiliza a técnica de construção de imagens psicodramáticas no contexto psicoterapêutico, visando estimular as conexões hemisféricas.

Esse trabalho com imagens produz a estimulação do hemisfério direito do cérebro (HD), que está neurologicamente articulado à produção das imagens mentais, favorecendo apreensão concreta e abstrata do significado das emoções que atravessam a subjetividade de cada indivíduo, por atribuir diferentes significados às fantasias que perpassam o mundo imagístico e se transformam em metáforas esclarecedoras dos seus significados simbólicos.

Disso resultam novas compreensões da problemática contextual investigada, que levam a aferência de novas aprendizagens nos circuitos neuronais. A esse tipo de fenômeno Rojas Bermúdez chama de re-aferência:

Ao construir uma imagem, estamos fazendo, durante a vigília, um processo que ocorre naturalmente durante o sonho (imagens oníricas): a síntese e a concretização de um conjunto de diferentes ideias, experiências, sensações, emoções, dentro de um esquema visual. Esta técnica favorece objetivar partes do mundo interno do indivíduo; ao mesmo tempo dá lugar ao fenômeno de re-aferência que desencadeia novas reações (BERMÚDEZ, 1997, p. 13).

Podemos deduzir, por conseguinte, que durante o processo de transformação das imagens mentais em imagens psicodramáticas, as emoções plasmadas nas imagens iluminam o campo da psicoterapia para além das mimeses, culminando na descoberta de novos sentidos atribuídos às imagens psicodramáticas, cujos significados encobertos são potencialmente capazes de modificar o comportamento do indivíduo em determinada situação de conflito.

Falando neurofisiologicamente, esse processo resulta em aprendizagens que perpassarão o sistema límbico e vão se dirigir à elaboração intelectual dos conteúdos trabalhados, possibilitando a re-aferência de imagens mentais nos circuitos cerebrais. Isso possibilita a ativação de novos padrões neurais que nortearão comportamentos no "aqui-e-agora" e no futuro.

Encontramos referências ao trabalho com imagens terapêuticas, também, nos protocolos de Jacob Levy Moreno, associadas ao processo de aquecimento preparatório para o desenvolvimento da espontaneidade. O entendimento desse autor quanto ao uso de imagens mentais na psicoterapia defende que o desempenho bem-sucedido de papéis pode partir do controle da ansiedade, estimulando-se a contenção de imagens mentais que provocam medo e, dessa forma, produzem a redução da espontaneidade requerida para uma elaboração mais apropriada das imagens mentais, substituindo estas por aquelas:

Por meio de "arranques" físicos ou mentais para o aquecimento preparatório do sujeito – neste caso um músico – constelações de imagens positivas ligam-se ao seu instrumento ou aos seus colegas de execução, cujas respostas o estimulam em retorno, e assim sucessivamente, até que a apresentação musical chega a seu termo (MORENO , 1978, p. 360).

J. L. Moreno trabalhou a dificuldade de desempenho do papel de músico mediante a visualização imagística do que certa passagem musical evocava no sujeito, substituindo as imagens de medo por outras imagens que reduziam a ansiedade do paciente. Nesse caso, o objetivo consistiu em criar formas mais espontâneas de execução musical, fundindo em um só curso a experiência, para a emergência da ação espontânea desejada. Esse enfoque privilegia a substituição de imagens mentais negativas por imagens mentais positivas, direcionando o adestramento para a espontaneidade criadora.

A seguir, buscamos identificar de que forma o cérebro desenvolve o processamento e a formação de imagens; qual o percurso neural das imagens criadas e absorvidas pelo cérebro; e de que forma as imagens mentais podem traduzir pensamentos que resultam em novas aprendizagens cognitivas, para além do percurso das sombras geradoras das mimeses. Ao percorrermos essas questões, ficarão mais compreensíveis para o leitor quais as bases científicas que norteiam o uso da técnica de construção de imagens na psicoterapia.

 

PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS IMAGENS MENTAIS

A compreensão do funcionamento do nosso cérebro tem despertado grande interesse em diferentes áreas do conhecimento voltadas para o aperfeiçoamento e o desenvolvimento do ser humano, inserindose particularmente neste universo, o movimento reflexivo dos psicoterapeutas contemporâneos sobre as ligações existentes entre a mente e o cérebro. Os profissionais que seguem abordagens teóricas vinculadas à compreensão dos fenômenos mentais acoplados a fatores biológicos e socioculturais começaram a pautar-se na concepção global de organização da personalidade, defendida pelos neurocientistas, buscando adaptar-se ao novo paradigma científico.

Nos últimos trinta a quarenta anos, vem se tornando cada vez mais relevante conhecer as novas descobertas das neurociências em relação aos processos cerebrais que respondem pelo comportamento animal e humano e a aquisição de novas aprendizagens, buscando iluminar compreensões científicas para as teorias psicológicas existentes e, a partir dessa perspectiva, compreender e avaliar os resultados obtidos na psicoterapia como produto das transformações realizadas pelas atividades sinápticas2.

Entre os principais estudos da atualidade sobre a produção de imagens destacam-se os de Antonio Damásio, que especifica as diferenças entre os termos imagens, padrões neurais, representações e mapas, cujos significados são pouco claros, mas distintos em relação ao que se referem (DAMÁSIO , 2000).

O termo "imagem" refere-se sempre às imagens mentais. Ao usar o signo-padrão neural Damásio quer referir-se às atividades neurais correspondentes aos córtices sensoriais que são ativados ao produzir-se uma imagem mental. Por exemplo, nos córtices auditivos, em resposta a um percepto auditivo; ou nos córtices visuais, em resposta a um percepto visual.

Essa distinção não se refere exatamente a supostas diferenças existentes entre mente e cérebro, mas, antes, realçam traços particulares entre as atividades mentais e cerebrais, que diferenciam as imagens inconscientes – diretamente não acessíveis à consciência, e que só podem ser conhecidas da perspectiva da primeira pessoa (minhas imagens, suas imagens) – dos padrões neurais que podem ser acessados apenas sob a perspectiva de uma terceira pessoa – imagens conscientes. Além disso, define imagens como:

Padrões mentais com uma estrutura construída com sinais provenientes de cada uma das modalidades sensoriais – visual, auditiva, olfativa, gustativa e somatossensitiva. A modalidade somatossensitiva (a palavra provém do grego "soma", que significa "corpo") inclui várias formas de percepção: tato, temperatura, dor, e muscular, visceral e vestibular (DAMÁSIO , 1999, p. 402).

Explicita Damásio que a palavra imagem não se refere apenas à imagem visual. Refere-se às imagens sonoras como as provocadas pela música e o vento; imagens musculares e todas as modalidades que retratam propriedades físicas concretas e abstratas, concernentes a relações espaciais e temporais, bem como as ações destas. Ações que denotam uma atividade constante do pensamento para produzir imagens mentais que se tornam nossas, como resultado do fluxo constante de imagens que estão inter-relacionadas em diferentes tempos – seja rápido ou lento, ordenado ou caótico – produzidas em sequências concorrentes, divergentes, convergentes ou sobrepostas.

Damásio (1999) esclarece, ainda sobre o uso do termo representações, que também é empregado como sinônimo de imagem mental ou padrão neural, particularizando seu uso para referir-se à imagem mental de um rosto ou um objeto específico. Com isso, quer significar que o padrão neural está, nesse caso, relacionado a algo que representa com certa fidedignidade, na mente e no cérebro, o objeto ao qual a representação se refere: uma cadeira, um rosto, uma aparência física qualquer, exterior a nós. Realça, entretanto, não se tratar de uma cópia fiel do objeto. Essas representações são criações no cérebro como produtos da realidade. Em termos absolutos, não conhecemos essa aparência. Esta surge das interações do cérebro com o nosso corpo – pele, músculos, retina, etc. – e ajuda a construir os padrões neurais de acordo com as convenções do próprio cérebro, obtidas nas diversas regiões de processamento das imagens mentais, sensoriais e motoras. E, de acordo com o processamento de sinais provenientes de dentro e de fora do organismo:

A construção desses padrões neurais ou mapas baseia-se na seleção momentânea de neurônios e circuitos mobilizados pela interação. Em outras palavras, os tijolos da construção existem no cérebro, estão disponíveis para ser manipulados e montados. A parte do padrão que permanece na memória é construída segundo os mesmos princípios (DAMÁSIO , 1999, p. 406).

Quanto ao uso do termo mapa, nas discussões de neurobiologia da mente, refere-se às partículas de luz conhecidas como fótons, que atingem a retina segundo determinado padrão relacionado a um objeto específico. As células nervosas ativadas mediante determinado padrão – como uma cruz ou um círculo, determinarão um "mapa neural transitório" em determinado nível do sistema nervoso, por exemplo, nos córtices visuais (DAMÁSIO , 1999).

Dessa forma, o cérebro passou a ser visto como um órgão formado por vários subsistemas cerebrais relacionados a determinadas funções que se interconectam em redes neuronais para produzir e controlar as atividades de todo o corpo.

O processo de interação entre o homem e o seu ambiente decorre da existência de áreas sensoriais às quais chegam informações do mundo externo (estímulos visuais, auditivos, táteis, verbais); das áreas de elaboração e processamento que analisam essas informações e produzem a memória; e das áreas motoras, responsáveis pela programação e pela execução responsiva ao ambiente. Do estudo das funções corticais passou-se ao estudo das funções internas relacionadas aos processos psíquicos (POPPER; ECCLES , 1991).

Essas funções realizam os processos de maturação e desenvolvimento do sistema nervoso, em acoplamento estrutural, segundo a experiência histórica e sociocultural dos seres vivos (MATURANA ; VARELA , 2001).

É importante destacar aqui, que no nível atual da investigação neurofisiológica do comportamento, é possível afirmar que ambos os hemisférios cerebrais são, no sentido estrito, dois cérebros com funções distintas, embora funcionem em conjunto. Essa constatação empírica foi comprovada mediante a separação cirúrgica do corpo caloso, que conecta as duas metades do cérebro.

O hemisfério esquerdo (ou o direito, nos canhotos) produz a linguagem verbal e traduz as percepções e as representações lógicas – analíticas como leitura, escrita e cálculo. Comunica-se com a realidade tendo como base essa informação. O hemisfério direito se concentra nas funções de sensibilidade, motricidade, percepção, memória, atenção e comportamento emocional, processando as informações sensitivas e motoras (SPRINGER; DEUTSCH, 1998).

Por isso, cada hemisfério cerebral possui a própria linguagem, verbal e não verbal. O hemisfério direito (HD) é atemporal e predominante quanto à concepção do espaço, enquanto o hemisfério esquerdo (HE) é sequencial e faz uso de uma linguagem racional e objetiva. As associações produzidas no HD são abstratas e sua linguagem é arcaica e pouco desenvolvida carecendo de gramática, sintaxe e semântica. Em contraponto, o HE produz saberes ligados ao pensamento lógico e analítico, são ricos em objetividade, definições, interpretações e explicações da realidade.

Algumas manifestações comportamentais do HD são encontradas na sintomatologia esquizofrênica como os conceitos ambivalentes, a mistura entre concreto e metafórico, condensações, neologismos etc. Esse tipo de linguagem é muito rica em imagens, metáforas, espaços, símbolos e totalidades que são extraídas de sonhos e fantasias, experiências e elementos internos da aprendizagem intuitiva do tipo sensorial, corporal e espacial.

O hemisfério cerebral direito possui "uma imagem do mundo" resultante de uma síntese de suas experiências, convicções e valores incorporados. Por esse motivo, a condensação de uma experiência em imagem é uma função deste hemisfério (BERMÚDEZ, 1997).

Disso se deduz que ao utilizarmos o trabalho com imagens, no contexto da psicoterapia psicodramática, fomentamos estímulos específicos ao acionamento das emoções, gerando formas de expressão corporal, mental e sensíveis, condizentes com propósito espontâneo e criativo do Psicodrama.

Lakoff e Johnson (1980) identificam as imagens como uma metáfora, assinalando que nosso sistema conceitual é de natureza imagística. Segundo esses autores, a estrutura das imagens pode ser corporificada através de projeções metafóricas, evocadas por posturas corporais que exprimem raiva, tristeza, medo ou alegria, produzindo metáforas que correspondem a diferentes concepções e estados afetivos:

Utilizamos metáforas ontológicas para entender acontecimentos, ações, atividades e estados; as atividades como substâncias; os estados como recipientes. Uma corrida, por exemplo, é um acontecimento que se considera como uma entidade discreta. A corrida existe no espaço e no tempo e possui fronteiras bem definidas (LAKOFF e JOHNSON, 1980, p. 69).

Conforme vimos, todos os elementos que constituem a imagem mental (como uma metáfora) são patrimônio do hemisfério cerebral direito (HD) e, por isso, podemos afirmar que a produção de imagens psicodramáticas conduz a uma conexão hemisférica (HD – HE), bem como a uma mudança autêntica no sistema de representação do pensamento no nível imagístico, não apenas visual, mas, sobretudo simbólico.

 

PERCURSO NEURAL DAS IMAGENS

Ao estudar a função das imagens mentais como uma capacidade de produzir representações visuais de um objeto ou de uma cena, na mente, Gazzaniga relata que:

A imagística visual nos seres humanos, não é uma faculdade do sistema visual em si, mas antes um cálculo que tem lugar noutro local qualquer (GAZZANIGA, 1985, p. 172).

Nos experimentos que levaram a essa conclusão, esse neurocientista trabalhou com pacientes portadores de dissociação cerebral, usando instrução imagética como, por exemplo, imaginar uma maçã e depois visualizá-la. Seus pacientes apresentaram dissociação tátil, mas não visual. Esse achado confirmou que a informação relativa ao tato não é transmitida entre os dois hemisférios, apenas a informação visual o é. Apresentando objetos a cada um dos campos visuais (esquerdo e direito) os pacientes responderam como uma pessoa normal, descrevendo o objeto apresentado. Disso conclui-se que existem conexões visuais entre os dois hemisférios e estas estão intactas. Comprovou-se, ao repetir a experiência, que ao apresentar visualmente uma maçã a cada um dos hemisférios, esses pacientes conseguiam buscá-la depois, através do tato (correspondência visual-tátil). Contudo, ao fazer uso da informação imagística de objetos através do tato, verificou-se não haver transferência da informação visual imagística entre os hemisférios. Isso porque há nítida desconexão da informação tátil entre os hemisférios e, portanto, os pacientes não conseguem cumprir a tarefa. A partir desse experimento, o autor concluiu que as imagens mentais são processadas pelo HE e produzidas no HD.

Há uma grande quantidade de dimensões fascinantes neste tipo de descobertas, uma das quais, e não a menos importante, é a suposição de que o hemisfério esquerdo possui um módulo específico que está especializado na formação de imagens mentais, já que o hemisfério direito de J. W. possui um léxico quase tão bom como o do esquerdo. Em suma, um hemisfério direito com linguagem, mas sem a capacidade de fazer inferências, é também incapaz de gerar imagens visuais (GAZZANIGA, 1985, p. 175).

Outros experimentos comprovam, também, que as imagens visuais são produzidas pelo sistema sensorial em conexão com o neocórtex, através de vários órgãos receptores específicos para o tato, a visão, a audição, e estes emitem sinais para o sistema nervoso central à maneira de um código. Essa transmissão nunca é direta, ocorre por intermédio de conexões sinápticas que modificam e distorcem a mensagem, de forma que o cérebro recebe uma "mensagem codificada" do estímulo periférico que será interpretada no córtex cerebral como um mapa (POPPER; ECCLES, 1991).

Dito de outra forma, a percepção visual parte da retina para a área visual primária do córtex, dispondo de estruturas organizadas em todas as etapas das vias visuais. O sistema óptico do olho humano produz uma imagem na retina, que é constituída por uma camada de receptores altamente complexos, cuja função inicial é a reconstituição da imagem pelo sistema nervoso da retina. Desse mecanismo sintetizador da retina partem milhões de fibras nervosas de cada nervo ótico que não se limitam à simples transmissão da imagem retiniana e descarregam impulsos nervosos no centro visual primário do cérebro (área 17 de Brodmann). Isso produz uma abstração no sistema nervoso da retina, denominada de traços. Essa abstração continua em muitas etapas sucessivas e é reconhecida nos centros visuais do cérebro. Dessas complexas interações, as células ganglionares retinianas reagem particularmente às mudanças espaciais e temporais de luminosidade da imagem, através de dois subsistemas neuronais que assinalam, respectivamente, a luminosidade e a obscuridade, definindo contrastes que seguem linhas de contorno externo para o processamento de informações. Pode-se dizer que o que o olho informa ao cérebro é uma abstração de luminosidade e contraste de cores (POPPER; ECCLES , 1991).

Disso se deduz a grande participação do neocórtex na produção das imagens mentais, em termos de interpretação das imagens visuais.

Outro aspecto interessante refere-se à compreensão das últimas etapas de síntese da informação visual, estudada por Gross e outros autores (1973 e 1974) em macacos. Descobriu-se a partir desses estudos que o córtex inferotemporal (áreas 20 e 21) recebe intensos influxos das áreas visuais do lobo occipital e que os neurônios complexos e hipercomplexos das áreas primárias e secundárias (áreas 17, 18 e 19) necessitam de estímulos mais precisos do que linhas e ângulos. Por exemplo, alguns neurônios descarregam energia com a visão de um retângulo, mas não com visão de uma estrela, um disco ou um círculo. Essa capacidade responsiva dos neurônios é altamente específica para determinados traços, tendo sido observado inclusive uma excitação específica de certos neurônios em relação à silhueta da mão de um macaco (POPPER; ECCLES, 1991).

Além desses vários aspectos referentes ao processamento e à formação das imagens mentais, vimos que pessoas cegas de nascença conseguem construir um mundo imagístico e produzem imagens mentais não a partir da visão, mas do tato e dos demais sentidos como olfato, gustação e audição, necessitando para isso de um conhecimento visual do mundo que lhe seja transmitido por outras pessoas, além dos demais recursos sensoriais de que dispõe. Dessa forma, não existem apenas imagens visuais. A esse fenômeno os neurocientistas chamam de "visão cega", pontuando que uma área do lobo occipital, chamada de Fissura Calcarina, é responsável pela transmissão de imagens para o cérebro e reage aos estímulos produzindo imagens não visuais.

 

AFERÊNCIA DE NOVAS APRENDIZAGENS NA PSICOTERAPIA

A técnica de construção de imagens psicodramáticas é uma contribuição de Rojas Bermúdez (1966), usada na etapa de dramatização do Psicodrama. Segundo esse método de ação terapêutica, os conteúdos psíquicos são trabalhados no cenário3, com o protagonista4.

As imagens psicodramáticas são produzidas pelo próprio paciente, através do uso de objetos como almofadas e tecidos (imagens planas, bidimensionais); ou realizadas com pessoas (imagens tridimensionais). Objetos e pessoas são posicionados de forma estática no cenário e representam simbolicamente o mundo interno do protagonista, a partir de situações pouco estruturadas trazidas para análise. Como sensações, sentimentos, fantasias e percepções que exprimem emoções dispersas, como: "não me sinto à vontade com meu chefe"; "morro de medo quando entro num hospital"; "queria ser uma formiguinha para me esconder debaixo da terra"; "algo me irrita na minha mãe"; "não suporto sentir o cheiro do meu namorado, sinto repugnância". São conteúdos que revelam situações ou estado afetivo mais propício à introspecção e à reflexão, com material que se mostra mais adequado à elaboração mental.

A recomendação técnica é de que o protagonista permaneça fora da imagem enquanto a constrói, transpondo para o cenário as imagens mentais que habitam seu universo. Com isso, produz-se uma descontextualização, que facilita o processo de síntese e organização do conteúdo investigado.

Após a construção da imagem, dá-se início ao processo de elaboração verbal e psicodramática. O protagonista é convidado a observar a imagem e fazer um exame a distância dos seus conteúdos. Depois passa a vivenciar cada parte da imagem, incluindo-se nela, fazendo solilóquios e invertendo papéis com os elementos destacados na imagem.

Esse procedimento facilita uma compreensão global e estrutural dos fatos, das relações, das percepções e dos afetos envolvidos na questão, iluminando novas compreensões para o problema vivido pelo paciente. Permite, também, fazer o confronto entre a imagem mental anterior à imagem construída e a imagem psicodramática (imagem externa), realçando seus desdobramentos, suas compreensões e ressonâncias emocionais.

Percebemos durante esse percurso que os sentimentos e as sensações que atravessam a realidade imagística do sujeito produzem novos significados simbólicos para as imagens mentais e integram novas compreensões e aprendizagens cognitivas ao comportamento manifesto, sugerindo a ocorrência do processamento das emoções pelo cérebro. Isso nos remete a certa colocação feita por Gazzaniga em relação às funções hemisféricas:

Um sistema especial realiza esta síntese interpretativa. Localizado unicamente no hemisfério esquerdo do cérebro, o intérprete procura explicações para os eventos internos e externos, estando ligado à nossa capacidade geral para observar a forma como os eventos contíguos se relacionam entre si (GAZZANIGA, 1985, p. 43).

Maturana e Varela (2009) também confirmam que os novos registros de aprendizagens acrescidos à memória conduzem à possibilidade de reorganização da consciência por intermédio da ativação de novas redes neuronais no córtex cerebral. Isso ocorre em virtude das atividades sinápticas que conferem ao SNC grande plasticidade quanto à aquisição de novas aprendizagens, durante toda a vida.

Vimos também que, em termos de aferência de novas aprendizagens, podemos supor que ocorre no trabalho de construção de imagens psicodramáticas algo semelhante ao que Vera Lemgruber conceitua como efeito carambola:

O efeito carambola refere-se à reformatação de circuitos cerebrais através da aprendizagem e reinterpretações de experiências passadas levando a novos trajetos para as percepções e os pensamentos, o que modifica tanto os circuitos de memória explícita como implícita, propiciando a formação de novas redes de conexões neurais (LEMGRUBER, 1995).

Sabemos a partir das experiências de Liggan e Kay (1999) que o modelo neural dos mecanismos de memória baseia-se em resultados de pesquisas que indicam que a aprendizagem e a experiência levam a mudanças significativas na neuroquímica cerebral, anatômica e eletrofisiológica, notando-se que, como consequência, a psicoterapia seria uma poderosa intervenção capaz de afetar e modificar diretamente o cérebro (1999, apud LEMGRUBER, 2005).

É esse o argumento usado para explicar a potencialização dos ganhos terapêuticos, usando como metáfora um jogo de bilhar, no qual o toque em uma bola vem a provocar o movimento em outras bolas que não haviam sido diretamente atingidas pelo taco (LEMGRUBER, 2005).

Rojas Bermúdez (1997) atribui ao trabalho de construção de imagens psicodramáticas a possibilidade de acessar os registros mnemônicos do hemisfério direito em interconexão com o hemisfério esquerdo, criando um elo entre as representações imagísticas da área corpo (sensações viscerais) e a mente (representações e pensamento simbólico).

Para Bermúdez, trata-se de um fenômeno de re-aferência, ligado ao uso da técnica de construção de imagens como forma de comunicação natural, na qual se valorizam os códigos de comunicação intraespécies que expressam emoções e impulsos ligados a formas psicológicas que dão lugar a sentimentos e fantasias.

A imagem psicodramática ou imagem simbólica decorre das representações de imagens mentais e permite também ao psicodramatista (psicoterapeuta), observar a capacidade de simbolização do protagonista e os elementos que este seleciona da imagem real para construir o seu mundo simbólico (BERMÚDEZ, 1966; 2012).

A técnica de construção de imagens psicodramáticas toma também como referencial teórico o conceito etológico de iluminação de campo de Von Uexkül. Segundo esse conceito, em determinado estado de apetência, o instinto e o estímulo se encontram em um mesmo campo, trânsito ou corrente neural, ao qual o animal recorre guiando-se pela própria atenção seletiva em relação aos estímulos-sinais relacionados ao seu objetivo (apud BERMÚDEZ , 1966; 2012).

Esse padrão operativo é confirmado na pragmática do comportamento humano no espaço terapêutico, equiparando-se "instinto" com necessidade ou intencionalidade, e "objetivo" com conflito e resolução. Nesse sentido, durante a construção de imagens psicodramáticas, o conceito de "iluminação de campo" se faz presente. A imagem, carregada de sugestões em suas formas, espaços e ligações, permite mostrar o sinal característico do campo (se sexual, amigável, agressivo, evasivo, defensivo etc.), bem como sua orientação e qual o sentido que permitirá uma avaliação correta desses sinais. O que resulta em uma aprendizagem significativa para a compreensão do problema investigado (BERMÚDEZ, 1997; 2012).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dos estudos apresentados neste artigo, vimos como se formam as imagens na mente, seus padrões neurais, mecanismos de representação mental e ativação de mapas neurais que iluminam caminhos transitórios no nosso cérebro durante o percurso das imagens mentais, produzindo reações sinápticas que resultam em novos padrões de energia, comportamentos e aprendizagens.

As possibilidades de arranjos e interconexões entre os neurônios, redes neurais e os subsistemas cerebrais, são infinitas. A partir dessa grande plasticidade do córtex cerebral podemos construir – desconstruir, aprender – reaprender e criar novos padrões comportamentais. Tudo isso decorre das atividades sinápticas.

Vimos ainda que a questão da especialização hemisférica, ao ser capaz de gerar intercâmbios de funções, aprimora e potencializa as possibilidades de apreensão, conhecimento e interpretação da realidade, mediante outros recursos disponíveis como é o caso da visão cega que permite aos deficientes visuais construir e conhecer o mundo através da imagística.

Podemos então concluir que a produção de imagens mentais pelo cérebro representa uma expressão psicológica de padrões neurais temporoespaciais, que tecem uma vasta rede de interconexões geradas por impulsos nervosos que partem do córtex cerebral e dos núcleos subcorticais, organizando todas as nossas atividades no espaço e no tempo.

As imagens são parte do funcionamento neurofisiológico das estruturas globais do pensamento, incluindo as sensações, as percepções, os sentimentos, as memórias, as ações e as reflexões que resultam em comportamentos e aprendizagens. Isso nos dá a medida exata de que a organização da personalidade pode resultar da interação e da elaboração de todas as imagens mentais que nos conectam à vida e ao mundo.

Sabemos que, ao nascer, pensamos com imagens até aprender a falar, a ler, a escrever e a nos comunicar através de códigos verbais. Também sonhamos através do fluxo constante de imagens. Por isso, podemos compreender que a imagem não seja apenas a representação mental de um objeto, mas, antes, um aglomerado de todas as ideias e sensações que buscam as próprias formas expressivas.

Através do trabalho com imagens psicodramáticas, buscamos no contexto psicoterápico a liberação de emoções e demais formas expressivas que permitem maior fluxo de contato entre os dois hemisférios cerebrais, potencializando a elaboração cognitiva de novas formas de agir, sentir e pensar, bem como novos conceitos e novas experiências capazes de modificar o desempenho de papéis.

Isso representa uma forma tangível de potencializar transformações terapêuticas para a vivência de diferentes situações, papéis, atividades, projetos e realizações humanas. O objetivo da psicoterapia seria transitar livremente no espaço entre a imaginação, a fantasia e a realidade objetiva. Caminhar para além das sombras trazidas pelas mimeses e alcançar a luz, estendendo essa compreensão para o cotidiano.

A compreensão do percurso neural das imagens para além das suas sombras imaginárias dá acesso ao mundo simbólico e à fantasia, que atravessa o desejo como algo inédito e esclarecedor, fluido e apaziguador, permitindo-nos entender de que forma surgem os bons resultados terapêuticos e como o cérebro realiza conexões neurais específicas para gerar mudanças, resgatar memórias e processar novas informações.

O trabalho com imagens convida o indivíduo a fazer novas escolhas, a apurar sua consciência crítica e passar a acolher a própria essência, transpondo o real e o imaginário para acolher o sentido simbólico dos acontecimentos. Essas são questões que sinalizam as conexões existentes entre a mente e o cérebro.

A prática psicoterapêutica centrada no conhecimento das bases neuropsicológicas do comportamento, mediante o processo de transformação do imaginário em sentidos simbólicos mais sutis, incrementa novos rumos de pesquisa na área da psicoterapia além de auxiliar na compreensão de mudanças comportamentais.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Leonídia Alfredo Guimarães

Clínica Holambras Rua das Dálias, 493 Pituba
Salvador, BA CEP 41810-040

e-mail: leonidiaguimas@yahoo.com.br

Recebido: 14/06/2012
Aceito: 29/06/2012

 

 

NOTAS

1. Esse artigo classificou-se em 1º lugar, no Prêmio Febrap 2012 (18º Congresso Brasileiro de Psicodrama), na categoria Artigo Científico de autoria de psicodramatista didata-supervisor titulado há mais de cinco anos. Também foi apresentado à Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter) para obtenção do título de Especialista Lato sensu, Pós-graduada em Neuropsicologia. Reg. n° 240681, Fl. 97, Livro 15. Salvador, 2011.
2. Espaço através do qual ocorre o processo de comunicação e transmissão de informações entre os neurônios, processadas por substâncias químicas chamadas de neurotransmissores – adrenalina, noradrenalina, acetilcolina e epinefrina, entre outras – cuja função principal é realizar a ativação e a desativação de receptores para a síntese e o armazenamento de informações e a realimentação de aprendizagens (Kolb ; Whishaw , 2002).
3
. Espaço vivencial destinado por J. L. Moreno à dramatização e à representação de papéis.
4. Termo retirado do teatro, por J. L. Moreno, para referir-se ao paciente como ator e autor do seu drama.