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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.20 no.2 São Paulo dez. 2012

 

RESENHA

Review

 

 

 

Rodapés psicodramáticos: subsídios para ampliar a leitura de J. L. Moreno

 

Psychodramatic footnotes: subsidies to broaden our understanding of J. L. Moreno's work

 

Sergio Perazzo

Psiquiatra, psicodramatista, professor-supervisor-didata da Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP), autor de vários livros e artigos de psicodrama

 

WILSON CASTELLO DE ALMEIDA São Paulo: Ágora, 2012

Mais que rodapés, o edifício inteiro. Mais que psicodramatista, o médico, o psiquiatra, o teórico, o diretor de psicodrama, o terapeuta, o psicanalista, o pensador, o filósofo, o homem em todas as suas facetas, em todos os seus desdobramentos. Por isso mesmo, Wilson Castello de Almeida e este seu último livro, Rodapés psicodramáticos, seu raio X tomográfico, são indefiníveis, são poço de água cristalina que a trena do corriqueiro é incapaz de medir a profundidade.

Não há, em suas páginas, nenhuma hesitação em abordar o que, à primeira vista possam parecer, rachaduras da teoria psicodramática, para logo revelar que o cimento existe, apenas ficou esquecido em alguma gaveta do tempo ou apenas não foi bem colocado ou aplainado. Wilson, nesse livro que só posso chamar de abençoado, veste deliberadamente o macacão de operário, é isso o que, de fato faz, arregaça as mangas e vai juntando no mesmo amálgama sua erudição notável com seu pensamento consistente, ao qual não falta coração, não se negando a incursões ao percurso clássico e atualizado, tanto dos ensinamentos de Moreno quanto da trajetória psicanalítica de Freud a Lacan, sob os olhares atentos e seculares da imensa galeria de filósofos que circulam, direta ou indiretamente no papel e na tinta das páginas de seu livro.

E, assim, desenterra Prometeu e seu fogo eterno como emblema psicodramático da revolução criadora e do pensamento rebelde de Moreno, integrando partes de uma só mitologia, como partes de um discurso atuado no palco psicodramático em forma de catarse.

Essa obra abraça o mundo. Congrega e expressa os múltiplos interesses, a intensa curiosidade, a pontuação de esclarecimentos, a sede da compreensão sempre em aberto do seu autor, a nos deixar maravilhados com esta catarata de conhecimentos, ao mesmo tempo fluente e consequente, sem nenhum ranço de pedantismo ou arrogância, tão comum na linguagem acadêmica, que pasteuriza completamente o discurso intelectual.

Wilson não tem medo do enfrentamento. É um polemista nato. Talvez herança de Minas, seus profetas imortalizados em pedra-sabão, seus magníficos escritores em torno da mesa das leiterias entre café, queijo branco e biscoitinhos de polvilho, para adoçar a conversa e as divergências. Desse modo se insinua aos poucos na cabeça e na alma do leitor, abordando a ironia moreniana, como ele mesmo denomina e esclarece. Ou, em outra vertente, o sobrenome Moreno e seus significados mais sutis. Ora compõe notas sobre a sexualidade (sobre a qual todos nós precisamos saber, aula magnífica), ora define o inconsciente no psicodrama, ora traça suas pontes religiosas (como mineiro, isso não poderia faltar) e até mesmo o lugar do silêncio no diálogo psicodramático. Não vou repetir o que já está escrito. Só vou instigar a leitura devota desse condensado relacionar de conversas com o leitor, que não têm nada de jogadas fora, apesar de docemente despretensiosas.

Não resistindo a meter a colher, como o próprio Wilson me pediu que fizesse, só uma colherinha, além de me alinhar com ele ao time que se coloca ao lado do psicodrama como método de grupos, entendo também o psicodrama individual como validado, em sua díade, como uma representação grupal, em que, os instrumentos que faltam (egosauxiliares e plateia) são substituídos por funções ego-auxiliar e plateia, legítimas, do diretor.

Ainda, não resistindo à sua provocação, só um toque, para mim há de haver uma diferenciação entre a catarse do protagonista (só nele) e a catarse de integração (só no grupo), que somente podem ser entendidas e conceituadas se articuladas à noção de representatividade do protagonista dos dramas privados de cada membro do grupo e do drama coletivo grupal, com seu drama privado. Fica o aperitivo.

Fica o convite. Ou melhor, fica o café de Minas, conversa mineira em torno da mesa da leiteria e nesta resenha que se alonga além da conta. "Que trem, sô!"

 

 

Endereço para correspondência
Sergio Perazzo

Rua Artur de Azevedo, 1767 cj. 131. Pinheiros
São Paulo, SP CEP 05404-014
e-mail: serzzo@terra.com.br