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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.21 no.1 São Paulo  2013

 

ARTIGOS INÉDITOS

Original Articles

 

 

 

Intervenção sociopsicodramática: forma particular de exercício do poder político1

 

Socio-psychodramatic intervention: a particular form of exercising political power

 

 

Leila Maria Vieira Kim

Psicodramatista didata supervisora, com base Psicanalítica pela ANIMUS, Psicodrama e Educação, mestre em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP (IPUSP-SP) e terapeuta internacional credenciada em Análise Bioenergética.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, a autora questiona o lugar de esconderijo do verdadeiro drama, que precisa ser desvelado pelas intervenções sociopsicodramáticas. Para isso, busca o significado do poder político nas práticas sociais e sua legitimação por meio do poder do conhecimento. Considera a necessidade de criação de "espaços de locução" onde o psicodramatista possa aprender a construir a autogestão do conhecimento junto com a sociedade civil e apoiado pelo Estado. Propõe um projeto inovador de intervenção sociopsicodramática com um modelo de ações construtivas, que impulsiona um processo de conscientização da população, contribuindo para a implementação de um plano político; com condições projetuais aplicadas em limites espaçotemporais e a construção estratégica para ampliação irradiada desses efeitos no social e no tempo.

Palavras-chave: Intervenção social. Poder político. Sociedade civil. Estado.


ABSTRACT

In this article, the author searches for the hiding place of the true drama, which needs to be revealed by socio-psychodramatic interventions. In order to do so, the author searches for the meaning of political power in social practices and its legitimacy through the power of knowledge. She argues for the necessity of creating ‘spaces of expression' where psychodramatists can learn to self-manage knowledge, with the participation of civil society and the support of the Estate. She proposes a project of innovative socio-psychodramatic intervention based on a model of constructive actions, which promotes the awareness of the population, and contributes to the consolidation of a political plan; allowing this to be projected into space and time, and strategic development widening such effects further out in society and time.

Keywords: Social intervention. Political power. Civil society. State.


 

 

INTRODUÇÃO

Os conceitos revestem-se de significados que refletem concepções do mundo aplicadas no campo histórico e social. Portanto, para melhor captar o sentido de conceitos abstratos,como Poder Político, é preciso construir sua síntese semântica sob a forma de argumentos, que possam ser compartilhados de maneira pedagógica, no interior do processo de conhecimento. Assim entendido, podemos partir da seguinte proposição:

Se o conhecimento é um poder e, se o conhecimento foi sequestrado pelo sistema político, então, o poder do conhecimento tem-se mostrado como poder de legitimar a autoridade, que se manifesta como figura política.

Lebrun (1984) faz uma análise genealógica de vários sentidos do Poder Político, de onde podemos deduzir os significados de Política e Gestão nos novos tempos. Fundamentado em Aristóteles, parte da distinção entre "potência" (dunamis) e "efetivo" (ergon) para diferenciar uma predisposição virtual para um ato de uma capacidade determinada em condições de exercer-se a qualquer momento. Com isso, demonstra como a palavra "força" passou a ser utilizada para designar a canalização da "potência" na ordem das relações politicamente determinadas com o significado de "poder".

Do mesmo modo, WEBER (2004, p. 33-35) define "poder" como "toda oportunidade de impor a própria vontade, no interior de uma relação social, mesmo contra resistências, seja qual for seu fundamento", quando sua subsistência é garantida por ameaça e coação física.

Nessa linha de pensamento, deduzimos que "política" significa "atividade social que se propõe a garantir, pela força fundada pelo direito, a segurança externa e a concórdia interna" (FREUND apud LEBRUN, p. 177) e "poder político" significa "a aplicação de uma capacidade generalizada, que consiste que os membros de uma coletividade cumpram obrigações legitimadas em nome de fins coletivos" (PARSONS, op. cit.).

Parafraseando Borges (1995), a potência, que era também a possibilidade de todos os homens da comunidade articular-se com a experimentação sociopolítica da democracia foi confiscada quando Esparta conquistou Atenas. Para a autora, esse fato deu origem à ideia de um Poder Constitutivo da Cidade, que acabou se tornando uma marca da modernidade política por relacionar-se com as vantagens materiais que se tira dos bens do Estado no exercício do Poder Político.

De forma complementar, os homens passaram a necessitar de proteção da instância política, o que derivou sua menor participação e consequente despolitização, em novo esquema de representação social. Portanto, foi graças à tutela de um poder único e centralizador que os homens compensaram seu isolamento e reivindicaram sua condição de cidadãos: "indivíduo apolítico enquanto codificado pelo poder, determinado inteiramente por ele". E o Estado, para garantir a segurança de seus "súditos" restringiu suas liberdades às tolerâncias, sempre sujeitas à revisão outorgada pela instituição social. Segundo Weber (op. cit., p 35), o Estado é denominado instituição política,

[...] quando e na medida em que seu quadro administrativo reivindica com êxito o monopólio legítimo de coação física para realizar as ordens vigentes [...] esse caráter monopólico do poder coativo do Estado é uma característica tão essencial de sua situação atual quanto seu caráter racional, de "instituição".

Para Fornari (1989) as instituições sociais são uma função do ego para conter o coletivo. Elas deveriam estruturar e garantir a manutenção do contato com a realidade, favorecendo dessa forma a permanência do status quo. Todavia, em vez de prestar sua função racional, elas se mantêm com uma finalidade de "fachada", escondidas por detrás da burocracia e alicerçadas na complementaridade dos papéis sociais. Moreno (1993, p. 403), demonstra que o ego opera por meio dos papéis: "os aspectos tangíveis do que é conhecido como ego".

Para a autora, por meio deles a organização hierárquica do poder determina a linha de transmissão social pela definição de cargos mantidos pela sua funcionalidade. Geralmente, seus gestores "servem-se de todos os meios possíveis para alcançar seus fins. Entretanto, a ameaça e, eventualmente a aplicação da coação física são seu meio específico e constituem a última ratio sempre que falhem os demais meios" (WEBER, op. cit., p. 34).

Segundo Habermas, a intervenção social é uma possibilidade utópica de lidar com a questão do poder nos novos tempos. Ele propõe "a discussão política, sem restrições e sem coesões, sobre a adequação e a desiderabilidade dos princípios e das normas orientadoras da ação, à luz das ressonâncias socioculturais do progresso dos subsistemas da ação racional dirigida a fins" (HABERMAS, 1968-1994, p. 88).

A racionalidade das normas sociais seria caracterizada por um decrescente grau de repressividade e rigidez, com controle do comportamento fundamentado na aplicação de normas internalizadas, passíveis de reflexão, que transcendam os papéis sociais. Para isso, sugere a criação de "espaços de locução" nas diferentes instâncias, tendo o Estado como coparticipante.

Moreno (1889-1974) propõe a criação de um "espaço lúdico" de intervenção social, onde se desenvolve um "campo relaxado", que encoraja tomada de decisões revogáveis: o método sociopsicodramático em que podemos estudar como os papéis se formam espontaneamente e como emergem do status nascendi para sua forma plena e madura (MORENO, 1993, p. 399).

Naffah Neto (1979, p. 133) considera que a grande vantagem da metodologia psicodramática proposta por Moreno é "apreender e catalisar em ação e interação as tensões latentes in vivo em sua especificidade e particularidades próprias". A produção imaginária envolvida nos dramas encenados deveria permitir o "esforço da racionalidade e de construção que deve deter a atenção do epistemólogo" (BACHELARD, 1985), com isso, o conhecimento enfrentaria "a própria dialética, reexaminando seus pressupostos, supostos objetos e chegaria a novas sínteses" (GONÇALVES, 1990, p. 105). Kim (2009, p. 26) afirma que o saber psicodramático pôde institucionalizar-se como:

[...] técnica científica denominada intervenção social, na medida em que desenvolveu um conjunto de procedimentos ótimos para um fim prático. Constituiu-se como um projeto estratégico na direção da solução de problemas da realidade social e política, com o objetivo de construir um estado social futuro desejável. Introduziu novos parâmetros de produção e comunicação da criatividade do pesquisador, contribuindo na construção do pensamento científico.

Kim (2011) propôs um método de intervenção sociopsicodramática articulada à Psicanálise, que demonstra que o poder psicológico decorrente do lugar de autoridade ocupado pelo líder reflete as características interrelacionais dos participantes que constituem o seu grupo de referência. Nele, confirma que a participação só é possível em comunicação bidimensional, onde o ambiente físico interage como o ambiente psicológico e sociocultural. O procedimento proposto nesse método favorece o desenvolvimento da capacidade crítica de reflexão sobre o próprio pensamento e as próprias ações, em um espaço interno psíquico, que permite a construção do conhecimento de aspectos inconscientes que o líder desconhece sobre as bases profundas de conflitos, situaçõesproblema e suas resoluções nos novos tempos. A descentralização desse conhecimento por meio da aprendizagem cooperativa possibilita a criação de redes sociais autossustentáveis, que incluem a inovação. Com isso, o poder do conhecimento tem sido expandido e compartilhado pela sociedade civil. No entanto, ainda "pecamos" pela falta de participação da sociedade civil na decisão de gerenciamento de recursos do Estado, que a ela se destinam. A participação dos setores público e privado precisa se relacionar no nível das decisões, para que uma intervenção social seja efetiva, eficaz e provoque impacto. Assim, a sociedade civil apareceria cada vez mais abertamente como repolitizada e o sentido da palavra "cidadão" poderia adquirir um novo significado: indivíduo político, enquanto participante da esfera das decisões políticas.

 

INTERVENÇÃO SOCIOPSICODRAMÁTICA E EXERCÍCIO DO PODER POLÍTICO

A aplicação do projeto socionômico de Moreno nas práticas sociais transita entre intervenções psicossociodramáticas e sociopsicodramáticas, cuja escolha vai depender da "porta de entrada" que as necessidades da dinâmica grupal proporcionam. No entanto, parafraseando Greeb (2008, p. 10), questionamos se essas escolhas são mais voltadas ao protagonismo grupal ou ao lugar de esconderijo do verdadeiro drama.

Borges (1995) ressalta que nós, psicodramatistas, "para sermos coerentes com os pressupostos da linha que escolhemos [...] temos de contrapor a força de nossa potência à força do poder materializado nas conservas culturais no âmbito do exercício dessas práticas" (ibid., p. 20- 21). E, considera que "a existência do grupo é que viabiliza o exercício da potência de ajuda e cura por parte de todos os componentes, bem como a possibilidade de o terapeuta ser aquele que não sabe algo, sem com isso perder sua potência" (ibid., p. 22). Amado e Moura (1995) questionam os efeitos práticos da relação terapêutica que visa dois momentos: o indivíduo no grupo e a vinculação do poder do terapeuta às instituições sociais (notadamente a família, a escola e o Estado).

Monteiro (2004, p. 33, 44) aponta a importância da criação de espaço político de debate e troca de experiências, por meio do teatro espontâneo. Com ele, a metodologia psicodramática oferece um alcance social, na medida em que produz "mobilização que leva à mudança no pequeno grupo social ou no indivíduo" possibilitando "saídas ou soluções aos assuntos para os quais muitas vezes não encontramos respostas se nos mantivermos isolados"

Para Fleury e Marra (2008, p. 14), muitos psicodramatistas brasileiros relatam experimentações desenvolvidas com grupos, que mostram a necessidade de desenvolvimento de recursos para a autossustentabilidade de comunidades. Nelas, a educação informal inclusiva possibilita a emancipação do cidadão, na medida em que se "reelabora a noção e a prática da aprendizagem em seu sentido de reconstrução política". Desse modo, consideram

[...] que as políticas públicas são cada vez mais estimuladas pelas nossas práticas. Há a necessidade de agregar sistemas diferentes, instituições e fazeres profissionais, pois políticas tratam de questões coletivas. [...] A proposta de práticas grupais enfatiza a importância de encontrar o saber local para a construção do saber coletivo. [...] E, toda situação social que gera ampliação de consciência devido a uma ação-reflexão-ação é uma forma de intervenção (ibid., p. 15, 16).

Portanto, para essas autoras (ibid., p. 16, 20), a intervenção sociopsicodramática "não constitui um fim em si, mas uma possibilidade" de ampliação do conhecimento e da consciência dos cidadãos participantes, o que pode favorecer a organização da sociedade civil. Por outro lado, constatam "um Estado mínimo no que diz respeito às definições de políticas públicas que atingem a demanda de toda a população".

A atualização e a sistematização de recursos, métodos e técnicas para a aplicação de intervenções sociopsicodramáticas podem ser obtidas no artigo de Rodrigues (2008). Sua aplicação pode ser reconhecida, entre outros, em Almeida (2010) e Wechsler (2011), em que os recursos hídricos necessários ao atendimento das necessidades básicas da população apontam para a busca de soluções alternativas, que são "naturalmente" referenciadas por cidadãos. Motta et al. (2011, p. 36, 37) consideram a importância dos psicodramas públicos oferecidos a um público aberto, em função de vários objetivos, como o exercício de cidadania como um ato sociopolítico. Apontam suas possibilidades de desdobramentos, quando a ação dramática sob um tema de interesse comum busca alternativas de saída para o conflito social e não apenas mapeia o problema. Consideram a ação sociátrica dos psicodramas públicos como força motriz, ou seja, "reunião das intersubjetividades capazes de construir saídas e alternativas espontâneas e criativas para questões coletivas e singulares – um ato de cidadania" (ibid., p. 38). Para Moreno, "as tensões decorrentes desses problemas não podem ser aliviadas unicamente pela disseminação de informações factuais" (MORENO, 1993, p. 415), mas o sociodrama tanto as explora como as trata simultaneamente, propiciando a mudança comportamental da coletividade, pois no palco vivem-se e elaboram-se papéis vitais.

Em 21 de março de 2001, pela articulação da psicodramatista Marisa Greeb e da prefeita Marta Suplicy, mais de 150 eventos psicodramáticos simultâneos foram realizados na cidade de São Paulo, com o tema: Ética e Cidadania. Os cidadãos participantes deveriam responder à questão: "o que você pode fazer para ter uma Feliz-Cidade". Com o apoio do Conselho Regional de Psicologia (CRP) e da Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap), esse procedimento descortinou graves problemas de educação e saúde pública, camuflados por poderes não explicitados e repetidos pela conserva cultural. A força do empoderamento espontâneo criativo dos cidadãos participantes nos diferentes grupos possibilitou a aproximação da vida por meio das relações estabelecidas. As técnicas empregadas favoreceram a possibilidade de participação da sociedade civil nas discussões políticas em questões nas quais os populares estavam envolvidos, politizando-os. Por outro lado, a permissão de seu direito de opinar e participar das decisões tomadas elevaria esse procedimento ao nível de participação no planejamento.

 

PROJETO SOCIOPSICODRAMÁTICO PARA EXERCÍCIO DO PODER POLÍTICO

Em 2001, quando a autora desenvolvia as funções de articuladora entre a rede de psicodramatistas filiados e a diretoria da Febrap, presidida por Heloísa Fleury, foi realizada uma parceria entre a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e a Febrap, com acordo de trabalho com a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (Fusp), o Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Social, o Laboratório de Psicologia Socioambiental (Lapsi), com a proposição do projeto de pesquisa: Racionalizando o uso da água - Programa educacional construído a partir da visão da população da cidade de São Paulo sobre esta problemática (KIM; TASSARA; MÁXIMO, 2001). Esse projeto foi aprovado em todas as instâncias, porém, foi desativado após aguardar verbas do Estado até 2002. Ele foi apresentado na Regional São Paulo, mas abriu-se a possibilidade de sua adaptação e articulação com processos de planejamento participativos em todas as regionais da Febrap, na época.

Nesse projeto, o Psicodrama seria utilizado na ação pedagógica, para instrumentação de uma educação ambiental voltada para o uso racional da água. Sua mobilização era a esperança projetual de que a intervenção sociopsicodramática influenciaria na construção de um futuro desejável, como estratégia de ação política ampliada pelo teor dos seus efeitos de comunicação. Assim, o Psicodrama seria utilizado como método no planejamento estratégico de ações autossustentáveis para evitar que a questão da falta fosse ultrapassada para a escassez da água; construindo um mapeamento de diferentes visões, que projetariam as diferentes opiniões sobre a problemática, em sua heterogeneidade. Portanto, nele seria respeitado o princípio de identidade atuando nas relações intergrupais da sociedade adulta e, segundo Moreno (1993, p. 443) "o princípio de identidade de caráter dos membros exerce influência e poder muito grandes sobre a imaginação do homem".

Cem psicodramatistas interessados em participar do projeto seriam treinados para funcionar como emuladores culturais. Segundo Moreno (1993, p. 393-401), é muito importante o bom treinamento do egoauxiliar na maior diversidade possível de papéis sociais, considerando que teríamos a possibilidade da criação de:

– um modelo emancipatório, na primeira fase;

– uma rede de disparadores, para garantir uma autonomia no poder de difusão do conhecimento e na sua manutenção, por meio de redes autossustentáveis abertas para o futuro e para o exterior social, na segunda fase.

Nas quatro etapas da primeira fase seriam obtidas:

1ª etapa: Definição da estrutura do projeto e de suas condições de implementação considerando:

• concepção do projeto e seu detalhamento;

• definição dos centros propulsores/gestores/clientes, a partir dos dados obtidos com aos líderes representantes da Sabesp, na base cartográfica e no treinamento dos psicodramatistas participantes.

2ª etapa: Carta de Ação Única coconstruída em grupos formados pela amostra da população definida na 1ª etapa e, em seguida, pelos representantes de todos os grupos participantes.

3ª etapa: Expansão dos efeitos do programa por meio da divulgação da Carta de Ação produzida, para toda a população da cidade e do Estado de São Paulo, pelos meios de comunicação de massa.

4ª etapa: Avaliação incremental articulada do planejamento, visando adequação contínua de decisões do projeto.

Na Segunda Fase, a rede de disparadores (cem psicodramatistas da primeira fase) deveria garantir o conhecimento para psicodramatistas em formação e supervisionar a sua aplicação do método em toda a população possível.

 

RESULTADOS PREVISTOS

Nesse projeto, as relações entre grupos e seus representantes, pensando-se em uma pedagogia da expressão de seus resultados para outros núcleos e setores sociais, constituiriam uma rede de agentes engajados no processo de conscientização e de implementação de ações a ele pertinentes, relativos ao uso racional da água. O caráter inovador do projeto implicaria uma preparação do processo participativo de planejamento fundamentado por:

• aprofundamento da compreensão da problemática, segundo a leitura dos técnicos da Sabesp, para referenciar as ações do planejamento;

• auxílio de indicadores sociodemográficos para construir a base cartográfica da distribuição da água, no município e no Estado de São Paulo;

• preparação dos psicodramatistas para a ação de condução do processo de planejamento participativo, a ser aplicado nos diferentes grupos populares.

Desses processos resultariam os seguintes produtos materiais:

1) aumento da participação da população em processos que a ela se referem;

2) um conjunto de cartas que expressaria as visões de vários grupos submetidos ao processo;

3) carta síntese que expressaria a elaboração indutiva dos pontos consensuais e dissensuais contidos no conjunto de cartas acima referenciadas.

Produtos não materiais:

1) facilitação do processo de conscientização dos limites e das possibilidades do acesso aos recursos hídricos;

2) valorização humana do cidadão como sujeito participante da realidade sociopolítica.

3) contribuição que o envolvimento emocional do sujeito na problematização traria para o fortalecimento e a manutenção de sua participação neste e em outros programas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na opinião da autora, o processo de planejamento participativo conduzido por meio da aplicação de intervenções sociopsicodramáticas, no questionamento e na gerência de conflitos dele decorrentes, seria uma forma de sensibilização para o exercício do poder político. No projeto de pesquisa aqui apresentado, encontramos um modelo de ações construtivas para fazer face a essa problemática, por meio de um processo de conscientização da população, que contribui para a construção de um plano político. Proposições dessa natureza garantiriam o acompanhamento das necessidades imediatas da população acoplado a uma disponibilização comportamental, para submeter às consequências necessárias a sua implementação. Esses programas poderiam abrir formas pioneiras de articular o planejamento de ações políticas saneadoras, com as expectativas da população, contribuindo desse modo para que a eficiência das ações de planejamento persigam a eficácia de seus resultados no plano social. Entretanto, para cumprir essas metas, é necessário criar condições projetuais aplicadas em limites espaçotemporais e, construir uma estratégia para amplificação irradiada desses efeitos no social e no tempo. Desse modo, as intervenções sociopsicodramáticas devolveriam o livre-arbítrio aos representantes da sociedade civil, possibilitando a reorganização do caminho da construção coletiva do conhecimento. Sua vontade crítica seria impulsionada pelo trabalho dos conflitos existentes entre desejabilidade e realidade. No entanto, para isso é preciso que sejam revistos os procedimentos contidos nas intervenções sociopsicodramáticas, sabendo-se que:

• os modelos só sobrevivem se permitirem adaptação imediata para melhor;

• a seleção estabiliza características já existentes;

• quanto maior a variabilidade, maior a probabilidade de ampliação de possibilidades.

Assim comprometidos e, apoiados pelo Estado, aprenderemos a construir a autogestão do conhecimento junto com a sociedade civil. Todavia, conforme pudemos verificar no Fórum Social ocorrido em fevereiro de 2012 em Porto Alegre, projetos de intervenção social fundamentados em diferentes abordagens teóricas, em parceria com universidades de renome internacional, continuam requerendo o apoio do Estado. O que tem impedido esse apoio? Sabemos que, sem esse apoio, muitos pesquisadores buscam subsídios de empresas, que garantem a configuração de recortes em projetos de intervenção social, de acordo com interesses que garantem a geração de maior lucro para elas. Com isso, a soberania local determinada pela empresa e submetida ao poder global garantido pela hegemonia internacional mantém a equação:

Comunidade Política = Organização da dominação.

Desse modo, o poder político local continua, nos novos tempos, reforçando os interesses daqueles que o mantém, deixando assim de legitimar as preocupações da população. A submissão de populares e técnicos garante a manutenção desse poder pela complementaridade no exercício dos papéis sociais. Portanto, para reverter esse processo, é preciso ter o entendimento sociopolítico das intervenções sociopsicodramáticas verificando os aspectos a seguir.

• Qual a natureza do impacto produzido por sua implementação? Seus efeitos disparam processo sustentável?

• Sua ação pedagógica pode servir de instrumento para suscitar maior participação da população em processos nos quais ela esteja envolvida consolidando-a? • A participação como ato político da população, pode contribuir para o resgate do uso racional dos bens socioambientais por ela? • Como as dimensões éticas e da cidadania estão envolvidas nesse processo? Em outras palavras, na opinião da autora, a criação de espaços para a produção intencional da livre participação com autonomia contribui para a geração de movimentos emancipatórios. Desse modo, a intervenção sociopsicodramática poderá contribuir para desvelar o verdadeiro drama que se esconde por detrás das práticas sociais, assim como propunha Moreno, seu criador.

 

 

Referências

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Endereço para correspondência
Leila Maria Vieira Kim
Rua Roger Zmekhol, 184 Jardim Colombo
São Paulo, SP CEP 05629-030
e-mail:
leilanimus@terra.com.br

Recebido: 16/06/2012
Aceito: 20/03/2013

 

 

1. Esse artigo classificou-se em 2º lugar, no Prêmio Febrap 2012 (18º Congresso Brasileiro de Psicodrama), na categoria Artigo Científico de autoria de psicodramatista didata-supervisor titulado há mais de cinco anos.