SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número1Psicoterapia Psicodramática grupal em clínica privada: terapeutas e seus desafiosViolência de gênero. Testando um modelo: espontaneidade, bem-estar psicológio e depressão índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.21 no.1 São Paulo  2013

 

ARTIGOS INÉDITOS

Original Articles

 

 

 

Considerações sobre o processo de orientação de monografia em Psicodrama

 

Reflections on the mentoring process of preparing psycodrama dissertations

 

 

Daniel C. R. GulassaI; Cecília ZylberstajnII; Cristine G. MassoniIII; Denise Silva NonoyaIV

I Psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), psicoterapeuta, psicodramatista-didata, professor-supervisor em formação na Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP)
II Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), especialista em Psicologia Hospitalar no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), pós- graduada em Educação Comunitária pela Universidade Hebraica de Jerusalém, Israel, psicoterapeuta, psicodramatista-didata, professora-supervisora em formação (SOPSP).
III
Psicóloga (Mackenzie-SP), Psicoterapeuta, Psicodramatista-didata, professora-supervisora em formação na Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP)
IV Psicóloga pela Faculdade Farias Brito (FFB), Fortaleza, CE, atua nos focos Psicoterápico e Organizacional, psicodramatista-didata e professora-supervisora em formação na Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP).

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A literatura científica é escassa no que se refere aos aspectos subjetivos que influenciam as relações de orientador, orientando e parecerista, no processo de elaboração da produção teórica nos cursos de pós-graduação lato sensu. Considerando essas relações como determinantes para que o sujeito complete ou não sua pós-graduação, o intuito do texto é trazer à luz a alguns aspectos identificados a partir da literatura disponível, além de efetuar uma leitura socionômica do fenômeno referido. Com isso, pretendemos instrumentalizar os atores em questão para que logrem cuidar deste processo, a partir de uma perspectiva relacional, a fim de diminuir a ocorrência de desistências de entrega de monografias, e, dessa maneira, incrementar ainda mais o conhecimento científico e socionômico.

Palavras-chave: Monografia. Orientação. Psicodrama. Pós-graduação lato sensu.


ABSTRACT

There is very little academic literature available regarding the subjective aspects that influence how mentors, in their relationship with students, advise and review them while writing their theoretical dissertations for post-gradual courses in general. As this relationship is crucial in determining whether students will complete their post-graduate training, the aim of this study is to shed light on some aspects of this relationship through reflecting on the available academic literature, as well as to explore this phenomenon from a socionomic perspective. By this, we intend to provide tools for those involved, in order to be able and better manage this process using a relational perspective, to reduce the number of abandoned dissertations, and to thus further enhance scientific and socionomic knowledge.

Keywords: Dissertation. Mentoring. Psycodrama. Post-graduation.


 

 

INTRODUÇÃO

A ideia deste artigo surgiu durante o curso de formação, nível III, na Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP), quando constatamos a ausência de trabalhos sobre o viés socionômico do processo subjetivo de produção de uma monografia. Notamos que este é um tema pouco discutido, mas influente nos bastidores do universo acadêmico. Confirmamos esse fato a partir de depoimentos recolhidos, como, por exemplo (de orientandos): "Senti falta de uma relação mais focada e individualizada com meu orientador. O curso acabou, priorizei outras coisas e acabei desistindo de finalizar a monografia." "Minha orientadora me abandonou, não responde às minhas ligações"; (de orientadores) "Tive algumas experiências em que orientandos não me deixavam participar da monografia, sentiam-se invadidos e não conseguiam lidar com o não saber"; "Recebi uma monografia com trechos inteiros sem sentido e mal escritos. Senti-me profundamente desestimulada"; (de parecerista) "Critiquei uma monografia e perdi a amizade tanto com o aluno como com seu orientador".

Autores psicodramatistas (BRITO, 2006; MERENGUÉ, 2006) já identificaram essa dificuldade de que algo emperra a produção da monografia de conclusão de curso. Os alunos completam, muitas vezes, os requisitos práticos, e desistem de terminar a monografia.

Assim, nosso foco serão os aspectos subjetivos dos papéis envolvidos, corresponsáveis pelos sucessos e/ou fracassos de um processo completo de elaboração e apresentação de monografia. Pretendemos com isso organizar referenciais de conduta, no intuito de instrumentalizar as relações dessa importante matriz do papel de pesquisador que produz conhecimento socionômico por intermédio da pós-graduação em Psicodrama.

Partimos de uma pesquisa bibliográfica que priorizou artigos científicos e trabalhos de pós-graduação sobre a caracterização dos papéis e a relação entre orientador, orientando e parecerista, produção da monografia e apresentação, além das nossas discussões em grupo.

Encontramos produções científicas a respeito da relação orientadororientando em diversas áreas do conhecimento humano, porém focadas na produção científica strictu sensu.

Apesar das características formais serem claramente diferenciadas entre a pós-graduação strictu sensu e a lato sensu, acreditamos que as características subjetivo-afetivas das relações entre orientador, orientando e parecerista na produção do trabalho científico escrito sejam significativamente semelhantes, e por isso valemo-nos dos artigos, independentemente do tipo de pós-graduação.

Dada ausência de produções sobre o tema na perspectiva do Psicodrama, elegemos conceitos como: critério sociométrico, Teoria dos clusters, tele, transferência e narcisismo.

 

ELABORAÇÃO DE MONOGRAFIA

Com a expansão da pós-graduação no país, cresce também a preocupação de garantir a manutenção da qualidade dos cursos e dos alunos formados. Estudos indicam, no entanto, que a subjetividade, a heterogeneidade e a não padronização, muitas vezes, resultam na ocorrência de pouca clareza nos critérios de avaliação (PEZZI; STEIL, 2009).

O processo de orientação tende a ser construtivo quando as funções de cada uma das partes são bem estabelecidas. Caso contrário, cada um desempenhará sua função à sua maneira, baseando-se, em experiências passadas ou em juízo de valores, tornando frágil uma relação em que sua qualidade pode ser determinante para o sucesso ou o fracasso do aluno na pós-graduação (MARTINS apud LEITE FILHO; MARTINS, 2006).

A construção do conhecimento envolve a intersubjetividade e a complexidade da relação entre as partes para sua sistematização e consolidação. No entanto, as investigações sobre as condições em que esta ocorre são escassas (FREITAS apud LEITE FILHO; MARTINS, 2006), e orientadores e orientandos devem estar atentos às poderosas forças psicológicas que a permeiam (HEINRICH, 1995). Viana e Veiga (2010) sugerem abrir espaço na academia para a discussão sobre a relação orientador-orientando, concentrando-se no processo de formação continuada do orientador.

Papéis envolvidos: Para Viana e Veiga (2010), nem sempre orientador e orientando percebem o processo de orientação da mesma forma. O respeito às diferenças é uma condição fundamental para a qualidade das relações. Ambos têm direitos e deveres. Para Setubal (1995), cabe ao orientador tirar o aluno dos impasses diante das questões metodológicas de pesquisa. O aluno deve ser submetido a condicionamentos sociais, mas também ser estimulado em seu potencial criador.

Setubal (1995) baseia-se em depoimentos de orientandos para categorizar quatro formas de orientação: (1) enciclopédica: o orientador é visto como a luz e o saber, e o orientando como depositário do conhecimento; (2) contemplativa: a relação não é importante e orientando é visto como um "aparelho receptivo passivo" de conhecimento; (3) de latência: há envolvimento ativo, simétrico e equivalente entre orientador e orientando, tornando-os coautores da pesquisa (o que para Setubal pode ser prejudicial à autonomia do orientando); e (4) interativa: prioriza a relação entre ambos, mas de forma assimétrica – o orientando é mais ativo e faz a maior parte do trabalho. Setubal defende a quarta modalidade de orientação.

Para Viana e Veiga (2010), os desafios dos orientadores são de cunho afetivo, profissional e teórico-metodológico. Sobre o aspecto afetivo, muitos valorizam a necessidade de conhecer e trocar com o aluno suas histórias e expectativas em relação ao trabalho, proporcionando acolhimento e confiança. Quanto ao aspecto profissional, muitos orientadores valorizam um contrato de trabalho desde o primeiro encontro, com atribuições especificas de cada papel. Cada orientador deve esclarecer sua forma de trabalhar segundo os quesitos: atitudinal (responsabilidade, autonomia), cognitivo (delimitação do objeto de estudo, bibliografia adequada), administrativo (respeitar encontros definidos, facilitar acesso à bibliografia) e temporal (disponibilizar tempo) (VIANA E VEIGA, 2010).

Segundo Viana e Veiga (2010), para os orientadores as dificuldades dos orientandos são: má vontade, falta de domínio de literatura, metodologia, dedicação e cumprimento de prazos. Apontam ainda dificuldades de ordem institucional, como falta de infraestrutura adequada e apoio financeiro ao aluno para divulgação de sua pesquisa. É mencionada a "humildade acadêmica" para que, por exemplo, um orientando aceite uma eventual fragilidade na sua escrita acadêmica e as inúmeras correções propostas por seu orientador.

Viana e Veiga (2010) não esclarecem como o orientando visualiza as próprias atribuições para além do seu empenho pessoal. Em vez disso, reforçam a tendência de cada parte em exagerar a responsabilidade da sua contraparte. Enfatizam, ainda, como o orientando sente-se fragilizado quando busca e não encontra referência no orientador, acentuando a necessidade de delimitação clara entre ter autonomia e sentir-se abandonado.

Um terceiro papel envolvido na elaboração de uma monografia é o do parecerista, considerado avaliador de um trabalho científico ou banca em um processo de apresentação de monografia, dissertação ou tese, assim como avaliador de artigo para eventual publicação.

O processo de revisão por pares constitui o principal dispositivo para avaliar a qualidade de uma pesquisa antes de torná-la disponível. Deve-se avaliar vigor ou fragilidade científicos, apresentação, clareza, relevância e originalidade. Sua forma de fazê-lo deve identificar questões de ordem ética, ser imparcial e honesta, ter domínio do tema do trabalho, ter compromisso com o tempo/prazo de entrega do parecer, respeitar autor e texto, criticar de forma construtiva e nunca pessoal; recomendar e questionar de forma que contribua para um trabalho útil ao público alvo (VALE et al, 2008).

O parecerista pode recusar um convite, por exemplo, por não dominar o tema do trabalho ou por conflitos de interesse. Não deve manipular a revisão em beneficio dos próprios estudos. Por fim, o parecerista deve emitir um parecer de aceitação ou recusa do trabalho. Alguns dos motivos para a recusa são a violação de princípios éticos ou a constatação de que os estudos estão incorretos (VALE et al, 2008).

 

MOMENTOS DE PRODUÇÃO DE MONOGRAFIA

Início (processo seletivo): Os orientadores tendem a focar os projetos dos orientandos e negligenciar as características pessoais destes, enquanto os orientandos valorizam características afetivas dos orientadores. Quando já existe conhecimento prévio e amizade entre orientador e orientando em atividades anteriores na vida acadêmica, há uma chance maior de êxito do processo de orientação (LEITE FILHO; MARTINS, 2006).

Para escolha e aceitação da parceria orientador-orientando, um fator importante – e de particular sensibilidade ao orientando – é a diferença de posição ideológica. Existe uma diferença entre "ajustar o foco" em função da linha de pesquisa do orientador e ver-se obrigado a "mudar o projeto" em função dessa linha de pesquisa (VIANA; VEIGA, 2010).

Em relação à definição do tema de pesquisa, orientador e orientando concordam que o fator tempo é importante; alguns orientadores sugerem a definição antecipada do tema como forma de redução de desgastes e conflitos e como fator de impulsão do andamento das pesquisas (LEITE FILHO; MARTINS, 2006).

Processo: Os estudos de Leite Filho e Martins (2006) mostram que o contato periódico e a acessibilidade ao outro são facilitadores da relação apontados por ambos os lados, enquanto a ausência destes dificulta a atividade de orientação, particularmente para os orientandos, que podem sentir angústia e solidão. A pesquisa também revelou que há carência de sistematização dos encontros e uma parte tende a imputar responsabilidade na outra. Para Setubal (1995), o momento de orientação é potencialmente de crescimento pessoal e intelectual tanto para orientador como para orientando.

Segundo Heinrich (1995), duas formas de poder estão em jogo: o poder pessoal, associado às virtudes particulares de cada um e o poder legitimado, pertencente ao orientador, por seu status e posição perante o estabelecimento de ensino. Esse autor indica que a maneira com que orientandos se relacionam com orientadores se assemelha à maneira com que se deram suas relações primárias parentais.

Em seu estudo com mulheres, Heinrich (1995) identificou três formas de poder na relação orientadora-orientanda: (1) compartilhado: ambas cultivam seu poder pessoal; a relação é profissional, balanceada e afetiva; conflitos são resolvidos com negociação. (2) sobre o outro: orientandas abrem mão de seu poder pessoal e a orientadora detém o controle com autoridade e dominação; relação de proposição e execução de tarefas; orientadoras descritas como motivadas, agressivas e competentes, mas pouco afetivas, empáticas e acolhedoras; conflitos lidados com confrontação. (3) renegado: orientadora abre mão do seu poder legitimado e superestima a harmonia das relações em detrimento das tarefas; conflitos são evitados; orientanda recebe suporte afetivo, mas sem apoio em caso de confrontação com terceiros. A orientanda pode tornar-se superatarefada para compensar a negligência da orientadora, assumindo o papel de "boa filha" a fim de não decepcioná-la.

Apresentação/Avaliação: É escassa a produção científica sobre a elaboração de monografias em pós-graduação lato sensu. Portanto, foram consideradas colocações de autores em relação ao exame de grau em strictu sensu, equivalentes à apresentação de monografia, pelo aspecto comum de ambos constituírem uma avaliação final do período de esforço do aluno, de estudo e pesquisa revertidos em produção escrita e em apresentação oral do conhecimento adquirido por este.

Powell e McCauley (2003) citam como critérios para escolha dos avaliadores (pareceristas) ser especialistas no assunto ou na área em questão, bem como ter experiência prévia como avaliadores e orientadores. Pezzi e Steil (2009) concluíram que avaliadores menos experientes tendem a ser mais rigorosos, ao passo que os mais experientes, mais flexíveis. A heterogeneidade da banca ou sua inadequação, somadas a interpretações variadas dos critérios de avaliação, podem gerar pareceres sub ou superestimados.

Segundo Johnston (1997, apud PEZZI; STEIL, 2009), apresentações escritas deficitárias em sua ortografia, gramática ou nas referências bibliográficas tendem a aborrecer, distrair e fazer o avaliador perder a confiança e o interesse. Além disso, existe uma correlação entre teses recomendadas para aprovação e ausência de erros em sua apresentação. Esse autor ainda afirma que o avaliador também tende a aprovar teses com ideologias parecidas com a sua.

Mullins e Killey (2002) identificaram os seguintes critérios para avaliação de tese: originalidade, coerência, autonomia e independência; argumentação bem estruturada; possibilidade de publicação em revistas conceituadas; reflexão com avaliação crítica das contradições e entendimentos do significado da pesquisa.

Quanto à avaliação oral, estudos indicam três condutas básicas: avaliar a apropriação do autor em relação às habilidades desejadas e conquistadas durante a produção escrita; atestar a autenticidade da autoria; e servir como ritual de passagem (PEZZI; STEIL, 2009).

Sugere-se como estratégia para os orientandos que participem de apresentações de trabalhos acadêmicos como forma de aprendizado (LEITE FILHO; MARTINS, 2006).

Sugere-se que o feedback: considere que professor e aluno são aliados e têm o mesmo objetivo; seja esperado e ocorra em momento apropriado; seja baseado em informações de primeira mão; circunscrito a comportamentos que possam ser remediados; ocorra em tom descritivo e não avaliativo; fale de comportamentos específicos e não generalizações; que informações subjetivas sejam reconhecidas como tal; seja baseado em decisões e ações, não em intenções e interpretações (ENDE, 1983).

 

CONTRIBUIÇÃO DA SOCIONOMIA

Como vimos, Heinrich (1995) constatou que a interação entre orientador e orientando é baseada nas suas relações primárias parentais. A Teoria dos clusters de Bustos (2001) pode contribuir com a compreensão da dinâmica desses vínculos. Ele discrimina três clusters, associados a três formas de interação primordiais que experimentamos quando bebês e que, a partir do efeito cluster (cacho de papéis), tornam-se as três principais dinâmicas relacionais. Portanto, as relações entre orientador, orientando e parecerista ocorrem sob essas influências.

Os clusters um e dois compõem vínculos assimétricos, ou seja, papéis sem paridade. Há uma hierarquia que indica dependência de um dos papéis em relação ao outro. Dão origem a funções que serão partes constitutivas dos demais papéis, sendo receber (cluster um – materno) e dar (cluster dois – paterno) primordiais para a dinâmica humana (BUSTOS, 2001).

Uma vivência positiva da fase de desenvolvimento correspondente ao cluster um possibilita ao sujeito aprender a depender, receber, ser cuidado, viver junto momentos de vulnerabilidade, aceitar os erros e construir uma autoestima saudável (BUSTOS, 2001). Um orientador que ofereça uma relação nesses padrões permite ao orientando/psicodramatista se arriscar, ser confiante, humilde e curioso. Em contrapartida, um orientador pouco acolhedor ou negligente favorece um orientando inseguro, solitário ou angustiado, que poderá reproduzir o mesmo em seu texto, ou seja, negligenciá-lo ou até mesmo abandoná-lo. Por outro lado, o orientador superprotetor pode reforçar no orientando dependência e acomodação.

Bustos (2001) descreve como deve ser o desempenho do papel do terapeuta para a dinâmica do cluster correspondente. O papel de orientador comparado com o de terapeuta na dinâmica do cluster um sugere que, diante de um orientando mais vulnerável ou com dificuldades, deve ser mais cuidadoso e compreensivo, ativando a função materna ou holding.

Na etapa seguinte, uma experiência positiva de cluster dois está associada à conquista de autonomia, com experiências de amparo, autoridade e controle. Surge a demanda de normas que limitam e orientam, e o conceito de relação por critério, que expõe os valores e a infraestrutura da sociedade. Quanto mais complexa essa estrutura, maior o número de critérios. Assim como o terapeuta (BUSTOS, 2001), o orientador, na dinâmica do cluster dois, lida com um orientando que precisa de apoio e afirmação para que se sinta instigado a pesquisar, escrever e finalizar seu trabalho com qualidade: "A capacidade de ordenar os pensamentos e as ações, de dar forma a conteúdos é também produto desse período de aprendizagem" (BUSTOS, 2001, p. 154). Em contrapartida, um orientador negligente pode gerar um orientando confuso e inseguro, com alta probabilidade de abandono da escrita.

Na sequência, temos a introdução de relações de pares ou irmãos, que é a interação de forma simétrica, correspondente ao cluster três. Segundo Bustos (2001), este caracteriza a maior parte dos papéis que desempenhamos na vida adulta. Os vínculos simétricos carregam três dinâmicas: compartilhar, competir e rivalizar. "Compartilhar" significa construir o "nós" a partir da doação do "eu" para o bem comum. Contudo, somos estimulados a "competir" para ser melhor que os outros. Aprendemos a ser "o melhor que", e não o melhor possível. "Rivalizar" é o que acontece quando a competição visa o ganho a qualquer preço, o oponente se torna capaz até de colocar obstáculos para impedir que o outro vença. O orientando é, neste sentido, mais passivo e menos autônomo, pois está em uma posição hierarquicamente inferior. "Ao menor descuido, o simpático colega com o qual se convive pode-se converter em um ser desprezível, indigno de respeito" (BUSTOS, 2001, p. 163).

Essas são relações carregadas de conteúdos transferenciais. Moreno (1993) desenvolve o conceito de Tele associado a uma relação sadia, em oposição à transferência, seu correspondente psicopatológico. Nesse caso, o sujeito não se relaciona com a outra pessoa, mas com um papel que o outro representa para o próprio sujeito (MORENO, 1983).

Em relação a isso, Bustos (2007) relaciona a teoria de Moreno ao conceito de "narcisismo", uma vez que no primeiro universo da Matriz de Identidade não há distinção entre o "eu" e o "outro", o que, ocorrendo na vida adulta, pode ser considerado patológico. Segundo Bustos (2007), o sujeito "busca o aplauso e a aprovação para confirmar o valor de suas conquistas" (tradução livre do espanhol). O narcisismo, em seu aspecto doentio, pode contribuir com relações distorcidas, transferenciais. Kohut (1988) define o narcisismo como o investimento libidinal do Self. Este não se restringe ao indivíduo, "pode se expandir muito além dos limites do indivíduo ou pode encolher e tornar-se idêntico a uma só de suas ações e objetivos" (KOHUT, 1988, p. 103).

Moreno tem uma visão similar de Self: "Ele vai além da pele do organismo individual, notando-se que nesse ‘além' está o âmbito interpessoal" (MORENO, 2012, p. 28). Dessa forma, relações poderiam fazer parte do Self. Bleichmar (1987) nomeia esse fenômeno de possessões narcísicas do ego: "O sujeito pode estabelecer uma relação com os objetos, na qual a valoração que atribui a estes é vivida como se fosse somada algebricamente à do ego, o qual aparece assim compartilhando os méritos ou as falhas do objeto" (BLEICHMAR, 1987, p. 34). Isso significa que o ego se apossa de objetos, pessoas, relações, os quais atribuem importância a ele. Assim, a pessoa se sente valorizada pelo que ela tem, não pelo que ela é. Críticas a essas possessões são sentidas como uma agressão ao próprio ego.

Na situação de banca ou avaliação de uma monografia, o investimento emocional e intelectual pode gerar no orientando o encolhimento do seu Self, reduzindo sua percepção ao próprio papel de "escritor psicodramatista". Com isso, qualquer crítica à monografia pode ser vivida como agressão ao seu Self. O mesmo pode ocorrer com o orientador.

Dano, lesão ou ferida narcísica são reconhecíveis pelo penoso afeto de embaraço e vergonha: "o indivíduo narcisicamente vulnerável reage ao dano narcísico real (ou previsto) quer pela retirada envergonhada (fuga), quer pela raiva narcísica (luta)" (KOHUT, 1988, p. 137). O orientando ferido pode tanto fugir – desassociar-se da comunidade psicodramática e/ou desistir de escrever – quanto lutar. A raiva narcísica do orientando pode permanecer adormecida para, mais tarde, como orientador, repetir a experiência com seu orientando.

Os danos narcísicos podem estimular violência velada nas relações. Como disse Bustos (2007): "A contribuição para a comunidade, o nível e a qualidade dos vínculos estabelecidos são essenciais na formação da autoestima" (tradução livre do espanhol). Orientador, orientando e parecerista, inebriados por seus conteúdos narcísicos, podem relacionarse entre si de forma transferencial. É como se o processo da monografia fosse envolto em cenas passadas, revividas por seus integrantes. Os coatores não sabem que papéis estão desempenhando nesse drama. Isso gera tensão e é antiespontâneo.

Como podemos auxiliar orientador e parecerista a ter seu "aspecto narcísico" consciente e sob controle para que lidem construtivamente com seu orientando? Como o conhecimento da Teoria dos Clusters pode contribuir para um relacionamento saudável e a aproximação télica entre orientador, orientando e parecerista no processo da monografia?

 

RECOMENDAÇÕES ÉTICAS PARA A ELABORAÇÃO DE MONOGRAFIA

A monografia é um tipo ou modalidade de trabalho de conclusão de curso acadêmico, na forma de produção teórica individual, regulamentada pelo MEC e pela Febrap. Contudo, uma tendência atual da academia é substituir dissertações e teses por artigos publicados em revistas indexadas de qualidade internacional. O argumento (com o qual concordamos) é a acessibilidade da produção científica, que é maior por meio desses artigos do que pela monografia, Desse modo, os textos conferem à instituição mais relevância e visibilidade científica, beneficiando a comunidade psicodramática como um todo.

Para um processo de orientação bem-sucedido é importante que normas gerais e responsabilidades sejam esclarecidas para todos os envolvidos. É aconselhável pelo menos um contrato verbal e desejável um por escrito. Assim, cada parte sabe o que deve fazer e o que esperar da outra, sem gerar burocracia e obstáculos para a viabilidade do trabalho.

Existe uma variável política e afetiva na escolha e na indicação de parecerista, orientador e aluno. É aconselhável que se busque a compreensão dessas relações de poder. É desejável que estas estejam sempre a favor da qualidade e da inovação da produção científica e do respeito entre as pessoas. Sugere-se aos envolvidos clareza nos critérios desejáveis e indispensáveis (inclusão e exclusão) para a escolha de seus contrapapéis antes de um eventual convite.

É indispensável que pareceristas e orientadores realizem – antes de aceitar uma proposta e independentemente de qualquer ganho ou status – uma autoavaliação honesta de sua disponibilidade de tempo, interesse, competência e (in)compatibilidade ética para a empreitada. Orientador e parecerista não são obrigados a aceitar um convite, pois é provável que uma aceitação não desejada influencie negativamente a orientação/avaliação, atuando transferencialmente no vínculo. Empatia, compatibilidade de perfis e afinidades ideológicas são fatores subjetivos importantes na construção desse relacionamento.

Orientadores, pareceristas e alunos podem variar quanto à tolerância (cluster um, materno) e rigor (cluster dois, paterno) no método científico. É desejável que as partes produzam em regime de colaboração e procura de equilíbrio entre o cluster um e o cluster dois, na busca da realização de uma boa produção. O parecerista deve concentrar-se em particular na realização do feedback.

A relação entre os envolvidos (cluster três – de posição simétrica) pode ser positiva, de apoio e ajuda; negativa, com inveja e/ou afastamento; ou, ainda, indiferente. Pode ser benéfico que os pares criem contextos para se reunir com finalidade de apoio e busca de solução para problemas comuns.

É importante a definição clara do peso que tem a apresentação oral e a escrita na avaliação da monografia e a partir de que critérios. A negligência sobre o peso das avaliações pode ser revertida em distorção de empenho do aluno. Sugere-se que o parecerista que receba uma monografia que não aprovaria converse, antes da banca, com orientando e orientador, e explique-lhes os motivos de sua reprovação. Deve-se avaliar a troca de parecerista ou a correção da monografia em questão. Esse procedimento evita situações embaraçosas e antieducativas no momento da banca.

Uma relação tumultuada com o orientador pode ser uma variável drasticamente influente no atraso ou na desistência da entrega da monografia pelo orientando – fenômeno crônico e recorrente. Outros motivos para a não entrega da monografia no prazo podem ser relacionados a seu modelo e formato vigente.

Por fim, acreditamos que seja necessária a criação de um espaço específico e regular para a formação dos papéis de orientador e parecerista, em que sejam identificadas demandas da comunidade acadêmica psicodramática, bem como estratégias para seu manejo, que garantam um compromisso da instituição de cuidado com seus membros e com uma produção científica de qualidade.

 

Referências

BLEICHMAR, H. O Narcisismo: estudo sobre a enunciação e a gramática inconsciente. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.         [ Links ]

BRITO, V. Um convite à pesquisa: epistemologia qualitativa e psicodrama. In: BRITO, V; MERENGUÉ, D.; MONTEIRO, A. M. Pesquisa qualitativa e psicodrama. São Paulo: Ágora, 2006.         [ Links ]

BUSTOS, D. M. Perigo... Amor à vista! Drama e psicodrama de casais. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2001.         [ Links ]

__________. Narcisismo y vincularidad. Instituto de Psicodrama e máscaras. 2007. Disponível em: <http://www.institutodepsicodrama.com.br/?page=artigos&id=8>. Acesso em 22 mar. 2013.

CALVENTE, C. O personagem na psicoterapia: Articulações psicodramáticas. São Paulo: Ágora, 2002.         [ Links ]

CUKIER, R. Sobrevivência emocional: as dores da infância revividas no drama adulto. São Paulo: Ágora, 1998.         [ Links ]

__________. O psicodrama da humanidade: Utopia, será? In: COSTA. R. P. (org.). Um homem à frente de seu tempo: o psicodrama de Moreno no século XXI. São Paulo: Ágora, 2001.         [ Links ]

ENDE, J. Feedback in clinical medical education. Journal of American Medical Association (JAMA), v. 250, n. 6, p. 777-781, 1983.         [ Links ]

FERREIRA, L. M.; FURTADO, F.; SILVEIRA, T. S. Relação orientador-orientando. O conhecimento multiplicador. Acta Cirúrgica Brasileira, v. 24, n. 3, p. 167-172, 2009.         [ Links ]

HAZAN, M. G. Self: três abordagens psicológicas. In: COSTA. R. P. (org.). Um homem à frente de seu tempo: o psicodrama de Moreno no século XXI. São Paulo: Ágora, 2001.         [ Links ]

HEINRICH, K. T. Doctoral Advisement Relationships between Women: On Friendship and Betrayal. Journal of Higher Education, v. 66, n. 4, p. 447-469, 1995.         [ Links ]

KOHUT, H. Psicologia do Self e a Cultura Humana: reflexões sobre uma nova abordagem psicanalítica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.         [ Links ]

LEITE FILHO, G.; MARTINS, G. Relação orientador-orientando e suas influências na elaboração de teses e dissertações. Revista de Administração de Empresas, v. 46, p. 99-109, 2006.         [ Links ]

MERENGUÉ, D. Psicodrama e investigação científica. In: BRITO, V; MERENGUÉ, D.; MONTEIRO, A. M. Pesquisa qualitativa e psicodrama. São Paulo: Ágora, 2006.         [ Links ]

MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1975.         [ Links ]

__________. Fundamentos do psicodrama. São Paulo: Summus, 1983.         [ Links ]

__________. Psicoterapia de grupo e psicodrama – Introdução à teoria e à prática. 2. ed. Revisada. Campinas: Editorial Psy, 1993.

__________. Teatro da espontaneidade. 3. ed. São Paulo: Ágora Daimon, 2012.         [ Links ]

MULLINS, G.; KILEY, M. "It's a PhD, not a Nobel prize": how experienced examiners assess research theses. Studies in higher education, v. 27, n. 4, p. 369-386, 2002.         [ Links ]

PEZZI, S.; STEIL, A. V. A análise do processo de exame de grau na pós-graduação strictu sensu. Revista Educação e Pesquisa, v. 35, n. 1, p. 33-50, 2009.         [ Links ]

POWELL, S.; MCCAULEY, C. Research degree examining: common principles and divergent practices. Quality assurance in education, v. 12, n. 2, p. 104-115, 2002.         [ Links ]

SETUBAL, A. A. Pesquisa no serviço social: Utopia e realidade. São Paulo: Cortez, 1995.         [ Links ]

SEVERINO, A. J. Pós-graduação e pesquisa: o processo de produção e de sistematização do conhecimento. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 26, p. 13-27, 2009.         [ Links ]

VALE, E.; GONTIJO, B.; MARQUES, S. Deveres e responsabilidades dos pareceristas. In: Anais Brasileiros de Dermatologia, v. 83, n. 4, p. 281-282, 2008.         [ Links ]

VIANA C. M. Q. Q.; VEIGA, I. P. A. O diálogo acadêmico entre orientadores e orientandos. Educação, v. 33, n. 3, p. 222-226, 2010.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Daniel Gulassa
R. Monte Alegre, 428 conj. 76 Perdizes
São Paulo, SP CEP 05014-000
e-mail: danielgulassa@hotmail.com
www.psicodramaemsp.com

Cecília Zylberstajn
Rua Cardoso de Almeida, 313 conj. 61 Perdizes
São Paulo, SP CEP 05013-000
e-mail:cecilia@ceciliaz.com.br
www.ceciliaz.com.br

Cristine G. Massoni
Rua Catão, 128 conj. 124 Lapa
São Paulo, SP CEP 05049-000
e-mail: massoni.cda@uol.com.br

Denise S. Nonoya
Rua Vergueiro, 1803 sala 4 Paraíso
São Paulo, SP CEP 04128-080
e-mail: deninonoya@gmail.com

Recebido: 15/01/2013
Aceito: 27/03/2013