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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.21 no.1 São Paulo  2013

 

ARTIGOS DE REFLEXÃO

Reflective Article

 

 

 

Famílias brasileiras chefiadas por mulheres pobres e monoparentalidade feminina: risco e proteção

 

Brazilian families headed by poor women and being a single mother: risks and protective factors

 

 

Florença Ávila de Oliveira CostaI; Marlene Magnabosco MarraII

I Psicóloga e terapeuta conjugal e familiar pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUCGoiás), mestranda em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (UnB)
II Psicodramatista pela Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap), terapeuta de família pela Associação Brasileira de Terapia Familiar (Abratef); doutoranda pela Universidade de Brasília (UnB); membro do Board da International Association for Group Psychoterapy and Group Process (IAGP)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Tendo em vista que o Censo Brasileiro (2010) revelou uma variedade de arranjos domésticos e de configurações familiares, entre os quais a presença de famílias pobres monoparentais femininas, com significativa prevalência, resolvemos pesquisar os fatores de risco e de proteção dessas famílias. Formulamos alguns objetivos, como: identificar os dilemas, as dimensões e as problematizações do cotidiano dessas famílias; descrever e refletir sobre o seu funcionamento e a sua dinâmica; identificar processos e ressaltar fatores apontados como de risco e de proteção por vários autores, como Yunes, Szymansky, Junqueira, Deslandes, Pesce, Assis e Poletto, identificar como esses fatores interatuam e propor que essas reflexões sirvam como subsídio teórico/prático para quem trabalha com Psicodrama.

Palavras-chave: Famílias brasileiras. Monoparentalidade feminina. Risco. Proteção.


ABSTRACT

As the 2010 Brazilian Census revealed a wide range of domestic arrangements and family configurations, among which poor families run by single mothers are highly prevalent, we have decided to explore the risk and protective factors of such families. We set out the following aims: to identify the everyday dilemmas, dimensions and issues of these families; to describe and reflect on their functioning and dynamics; to identify their processes and emphasise risk and protective factors as described by authors like Yunes, Szymansky, Junqueira, Deslandes, Pesce, Assis and Poletto; to identify how these factors interact; and, to make these reflections available as theoretical and practical reference points for those who work with psychodrama.

Keywords: Brazilian families. Single mothers. Risk and protective factors.


 

 

CENSO DE 2010: A REALIDADE OFICIAL DA FAMÍLIA BRASILEIRA E A MONOPARENTALIDADE EM FOCO

As mudanças ocorridas no interior das famílias brasileiras, registradas no Censo 2010 (IBGE, 2012), apontam para uma diversidade de formas e organização, atribuídas aos novos tipos de união (entre os sexos), aumento de mães solteiras e de separações e divórcios, e a novos padrões de sociabilidade e relações de gênero.

Um dos efeitos das separações é o aumento do número de crianças em famílias monoparentais, mas essa é uma realidade histórica. Ao comparar a família brasileira do primeiro Censo geral do Brasil, em 1872, com o de 1996, Samara (2002) afirma que já no primeiro Censo, aproximadamente 30% das mulheres (de 35 a 59 anos) eram chefes de domicílio e mantinham suas famílias. Entre os motivos associados à chefia feminina está a migração masculina para outras áreas, em busca de novas terras e oportunidades econômicas, a falta de escravos e a inserção feminina no mercado de trabalho têxtil. Essas mudanças são decorrentes da colonização; da economia mineradora do século XVIII; das plantações de café durante o século XIX, de mudanças advindas da industrialização e do aumento da vida urbana e do fluxo migratório (SAMARA, 2002). A autora constatou, também, a tendência de aumento de mulheres em relação ao total de habitantes e a expectativa de vida destas superior à dos homens.

Em dez anos, de 2000 a 2010, o Censo destaca que o papel da mulher responsável pela família subiu de 22,2% para 37,3% (IBGE, 2012).

As mudanças nos arranjos familiares entre 1981 e 1989 mostram, respectivamente: 82,1% e 79,4% de famílias formadas por casais; 12,4% e 14,8% monoparentais e 5,5% e 5,8% de outros tipos de família (GOLDANI, 1989).

O aumento de famílias monoparentais é maior nas regiões mais pobres do país; o modelo de casal com filhos tem valores máximos na região Sul, e o Nordeste, região mais pobre do país, é onde mais aumenta a participação das mulheres chefes de família (IBGE, 2012). Em 1989, 3,3 milhões de crianças menores de 14 anos viviam apenas com a mãe, sem cônjuge (GOLDANI, 1989).

A pobreza se evidencia quando não se é capaz de gerar renda suficiente para ter acesso aos recursos básicos como: água, educação, saúde, alimentação, moradia, renda e cidadania que garantam uma qualidade de vida digna (GOMES; PEREIRA, 2005). Em famílias vulneráveis, principalmente as famílias monoparentais, a pobreza pesa em suas condições de sobrevivência, prejudicando os vínculos entre o casal.

Santos (2008) aponta que as famílias monoparentais demonstram habilidades na tomada de decisões e na superação de grandes desafios, mas ao mesmo tempo revelam suas fragilidades diante de circunstâncias opressivas do sistema social injusto.

Em virtude da complexidade das relações familiares, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (UNECE) sugere que seja feita uma classificação dos tipos de unidades domésticas e famílias de acordo com as relações de parentesco, dos membros da família em relação ao responsável. A distinção dos tipos está baseada na presença de filhos ou enteados do responsável e cônjuge, outros parentes, agregados, pensionistas e empregados domésticos (IBGE, 2012).

Mudanças na estrutura da família, maior participação da mulher no mercado de trabalho, baixas taxas de fecundidade e o envelhecimento da população influenciaram o aumento de casais sem filhos (com ou sem parentes) no período de 2000 a 2010, que passou de 14,9% para 20,2% do total de famílias. Aumentou em 1% a ocorrência de famílias monoparentais femininas (com ou sem parentes), de 15,3% para 16,2%, e as masculinas se mantiveram nos mesmos patamares (IBGE, 2012, p. 70). O percentual de famílias compostas por casais com filhos é superior na área rural e há menos famílias monoparentais femininas, 9,1% contra 17,4%, nas áreas urbanas (IBGE, 2012).

Em 2010, o tipo mais frequente entre as famílias conviventes é o formado pelas monoparentais femininas (53,5%) (IBGE, 2012).

O que mais chama atenção é o alto percentual de famílias sem rendimento no conjunto de famílias conviventes secundárias (21,8%), o que pode estar associado ao fato de que a maioria delas é composta por mulheres sem cônjuge com filhos, observando-se que a maioria dessas mulheres é constituída por filhas do responsável da família principal do domicílio. Quanto à provisão financeira, não necessariamente associada a uma questão de emancipação ou autonomia feminina (MENDES, 2002), a condição de pobreza e muitas vezes de miséria, o baixo nível educacional, de qualificação profissional e o quadro de precariedade de condição de vida são fatores que fazem vir à tona a chefia feminina.

Sabemos, entretanto, que as famílias pobres e monoparentais não são apenas formadas por mulheres que vivem sem seus maridos. O Censo de 2010 apresenta uma referência importante: nas famílias formadas por casais, a grande maioria dos responsáveis e cônjuges tem rendimento (62,7%), independentemente do sexo do responsável. Deve-se ressaltar, contudo, que esse percentual é um pouco superior em famílias nas quais a mulher é responsável – 66,4% contra 61,6% (IBGE, 2012).

Outro fato constatado foi a participação feminina com a parte maior dos rendimentos, inclusive nas famílias que contavam com a presença do cônjuge.

 

FATORES DE RISCO E PROTEÇÃO NA PERSPECTIVA DA FAMÍLIA MONOPARENTAL FEMININA

Na perspectiva sistêmica, a família é a matriz identitária de seus membros, conferindo-lhes um sentido de pertencimento e possibilitando a vivência da individuação em um movimento dialético. Somente a família pode mudar e, apesar disso, manter a sua continuidade (MINUCHIN, 1982). Para Minuchin, a família atende a dois objetivos diferentes: 1. externo: acomodação a uma cultura e transmissão dessa cultura; 2. interno: proteção psicossocial de seus membros. A família é um sistema dentro de outros sistemas e contém outros sistemas (MINUCHIN, 1982; ANDOLFI, 1981). É, portanto, a matriz de desenvolvimento psicossocial de seus membros (COSTA; PENSO, 2005).

Em uma perspectiva sociológica, as famílias são vistas como grupos sociais dinâmicos. Vivem processos de transformação constantes, em virtude dos movimentos demográficos como nascimento, casamento, morte e processos socioeconômicos. Estudar a família implica ter como foco de análise determinada estrutura familiar (nuclear, ampliada, chefiada por mulheres) em determinado momento do seu ciclo vital (sem filhos, com filhos pequenos e jovens) e inserida em um contexto socioeconômico (BRUSCHINI; RIDENTE, 1994).

Pobreza, exclusão e vulnerabilidade social, preconceitos e desigualdades, a luta pela sobrevivência, a emancipação feminina, a relação com o trabalho, e dimensões como gênero, classe, raça/etnia, idade/geração são aspectos que atravessam as famílias chefiadas por mulheres (CASTRO, 1990; GOLDANI, 1994).

Neste artigo focamos mulheres brasileiras pobres, chefes de famílias monoparentais no contexto urbano com filhos na infância ou na adolescência.

A família monoparental feminina é aquela em que vivem juntos mãe e filho, ou filhos, nas qual a mulher é mãe solteira, divorciada ou separada que não mais quis ou teve a oportunidade de uma união estável. Como apresentado anteriormente, pelo Censo 2010 (IBGE, 2012), nas famílias monoparentais predominam mulheres sem cônjuges e com filhos. Elas se responsabilizam pelo domicílio, pela manutenção, pela proteção e pela sobrevivência da casa e da família, pela educação dos filhos e pelo provimento das condições emocionais ligadas ao crescimento e ao desenvolvimento da família.

Essas condições as colocam em convivência com os fatores de risco e proteção. Fatores de risco são definidos como processos que contribuem para a manutenção de desigualdades, preconceitos e exclusão dessas famílias das situações de superação da condição estereotipada e determinista dos macrossistemas que dificultam suas possibilidades de resgate e fortalecimento de suas dimensões sadias (YUNES; SZYMANSKY, 2001).

Fatores de proteção constituem-se dos mecanismos que a família utiliza a fim de encontrar algum alívio para seus sofrimentos e angústias.São recursos que, junto a outros de resiliência familiar, possibilitam seu fortalecimento (YUNES; SZYMANSKY, 2001).

Estudos brasileiros destacam que famílias monoparentais chefiadas por mulheres mostram-se, muitas vezes, hábeis na tomada de decisões e na superação de grandes desafios, o que evidencia uma unidade familiar e um sistema moral bastante fortalecido diante das circunstâncias desfavoráveis da vida delas (YUNES, 2001).

É de extrema importância considerar a plasticidade do conceito de risco, avaliando cuidadosamente processos e mecanismos subjacentes ao que foi categorizado inicialmente, como condição de risco. Assim, será possível ter a dimensão da diversidade de respostas que podem ser observadas, principalmente quando se trata de riscos psicossociais e socioculturais (YUNES, 2001).

Pensar na pobreza ou em famílias e comunidades de baixa renda como grupos que sofrem uma diversidade de pressões e opressões faz parte do contexto brasileiro. Entretanto, não podemos apontar a pobreza como um fator de risco, pois acabaríamos por ratificar "concepções ideológicas arraigadas de que os muitos déficits sociais e sanitários seriam determinantes para condenar populações inteiras a uma subalternidade irrevogável" (JUNQUEIRA; DESLANDES, 2003, p. 232).

Não podemos desconsiderar ou negar que as condições indignas e a precariedade das contingências econômicas e sociais que castigam a maioria das famílias pobres brasileiras afetam de forma adversa o desenvolvimento de crianças, adolescentes e adultos. Entretanto, não podemos considerar uma regra sem exceção, pois algumas famílias desenvolvem processos e mecanismos que garantem sua sobrevivência e cumprem seu papel de proteção e cuidado com competência, tornando o contexto essencial para o desenvolvimento saudável dos seus membros (YUNES, 2001).

Os fatores de proteção são tomados como priorísticos e necessários para o restabelecimento do equilíbrio perdido, eles são importantes para a demonstração de competência, garantindo a sustentação da adversidade e do desenvolvimento em uma trajetória de risco (PESCE; ASSIS, 2004).

Essas famílias monoparentais que vivenciam fatores de risco não podem ser vistas simplesmente como vítimas de um sistema social injusto. Devem ser resgatadas e fortalecidas em sua dimensão sadia, possibilitando, desse modo, que lutem e superem as situações percebidas como risco, ultrapassando o determinismo social, o preconceito e os estereótipos macrossistêmicos (POLETTO, 2007).

 

MULHERES POBRES CHEFES DE FAMÍLIA E MONOPARENTALIDADE

O trabalho e a emancipação feminina são elementos que impulsionam as mulheres de classe média ao ingresso no mercado de trabalho, enquanto a luta pela sobrevivência é, na maioria das vezes, o elemento motivador das mulheres de camadas populares. Mendes (2002) aponta que entre as chefias femininas crescentes no país, destacam-se as mulheres mais jovens, separadas, negras, pobres e com baixo grau de escolaridade. Geralmente, essas mulheres de camadas populares estão inseridas no mercado informal e com péssimas condições de trabalho e salários.

As mulheres pobres chefes de família vivem posições consideradas tradicionais em relação ao poder de decisão no âmbito doméstico. O termo chefia guarda o peso da tradição que remete a valores machistas, pois sempre coube ao homem a chefia. Esta, em primeiro lugar diz respeito a autoridade e responsabilidade que englobam não só a família, mas os espaços públicos (SARTI, 1996).

Essas mulheres têm de se adaptar e remediar essas questões, uma vez que além de se responsabilizarem por toda a situação domiciliar, doméstica e de desenvolvimento dos filhos, elas ainda têm de se adaptar às normas tradicionais de códigos morais perversos, que delegam aos homens essa capacidade e a atitude considerada "chefe de família".

O preconceito e a atitude tradicional de que uma família sem a presença do homem (marido ou pai) se torna uma família sem autoridade e respeito, marca a experiência dessas mulheres. Esse preconceito as remete a uma concepção de mulheres sem precedentes e desmoralizadas, diminuindo seu potencial para lutar contra a sobrecarga dessa função de chefe de família. Essa questão que poderia potencializá-las como um fator de proteção converte-se em um fator de risco, pois diminui sua condição e seu empoderamento.

A família monoparental feminina pode se constituir por vários processos e dinâmicas vivenciais, como discutidos anteriormente. A dimensão em comum na constituição das famílias monoparentais femininas é a presença dos filhos, é a relação parental entre mães e filhos. Nos contextos de vulnerabilidade social, em que a chefia do lar se constitui primeiramente pela necessidade iminente da sobrevivência, a educação dos filhos torna-se uma tarefa árdua. Para Mariano e Carloto (2009), o fator monoparental acrescido à chefia familiar feminina constitui um grau a mais de vulnerabilidade.

A dificuldade de conciliação entre a vida familiar e a limitação financeira, agravada pelas extensivas horas de trabalho geralmente mal remuneradas, é uma questão relevante na vida dessas mulheres (SANTOS, 2011). Essas mulheres vivenciam um sentimento de culpa em relação aos cuidados com os filhos e à atenção que lhes dispensam, especialmente aquelas que trabalham fora em tempo integral. A sobrecarga de responsabilidades, que se expressa em um acúmulo de papéis (provedora, funções domésticas e criação dos filhos), gera um sentimento de mal-estar, de estar permanentemente em falta com seus filhos.

Pesquisa realizada pela Universidade Católica de Santos, com mulheres pobres chefes de família, mostrou que a capacidade de criar os filhos e de ter controle sobre o dinheiro, relacionada com a atribuição de dona de casa e chefe de família, enfatiza a força feminina. Embora o fardo seja pesado, o trabalho adquire um sentido de afirmação de si como mulher e provedora de seus lares (PINTO et al., 2011). A relação trabalho e cuidado com a família pode fortalecer a construção da identidade feminina e, portanto, constituir-se como fator de proteção e fortalecimento.

Paradoxalmente, a pesquisa aponta também para uma abdicação de sua feminilidade, de cuidados com sua saúde e de sua sexualidade em decorrência do estresse cotidiano pela sobrevivência (PINTO et al., 2011). A centralidade da vida dessas mulheres está na relação mãe-filho. Seria esse posicionamento uma maneira de não enfrentamento de limitações e frustrações vividas ao longo de suas histórias, em que seu valor como mulher se concentra apenas na maternidade?

A maternidade gera um sentido de vida, uma identidade no lar, sobressaindo seu papel de mãe ao papel de mulher. Azeredo (2010) afirma que um dos marcadores mais importantes da identidade feminina é a maternidade. A condição de mulher, associada ao papel de mãe, cuja responsabilidade no cuidado com os filhos aparece como uma imposição da ordem natural, pode limitar as oportunidades de construção de outros aspectos identitários. As consequências possíveis diante dessa limitação são: muitas dessas mulheres não insistem em relações conjugais ou trabalham apenas para sobrevivência e não como uma possibilidade de realização pessoal.

A condição da família monoparental feminina no contexto de pobreza é destacada por Brito (2008) em sua pesquisa, pois, ao trabalharem, essas mães ficam afastadas da vida cotidiana de seus filhos, retornando às suas casas apenas à noite. Os relatos evidenciaram a falta de tempo como um elemento nitidamente incorporado à rotina dessa mulher, que tem como prioridade sair de casa para trabalhar. Há uma dificuldade da mulher, mãe e provedora do sustento da família em preservar uma participação efetiva com seus filhos e com ambiente familiar, sendo o trabalho uma necessidade extrema, um sacrifício necessário para guiar e manter a unidade familiar.

Aqui se pode questionar o papel do Estado brasileiro na vida dessas pessoas. Mulheres, mães, chefes de família que precisam trabalhar mais de quinze horas diárias, com mais de um trabalho (formal e/ou informal) e não têm condições de participar efetivamente da vida de seus filhos, constituem grupos em exclusão social. Encontram-se em risco pessoal e social, excluídas das políticas sociais básicas (trabalho, educação, saúde, habitação, alimentação). Como afirmam Gomes e Pereira (2005), o poder público precisa pautar suas políticas públicas na ideia de erradicação da pobreza, pois se percebe que as atenções hoje voltadas à família são conservadoras, justificáveis no contexto da cultura tutelar.

Nesse sentido, espera-se que a família seja considerada concretamente na agenda política dos governos para que possa prover autonomia e que seus direitos sejam respeitados. É necessário que as políticas públicas venham em apoio à família pobre não apenas em relação à renda, mas também em relação ao acesso a bens e serviços sociais (GOMES; PEREIRA, 2005).

Um agravante na criação desses filhos também é a falta de participação paterna. É muito frequente nessas famílias a ausência do pai, que aparece como um obstáculo a ser superado pela família monoparental feminina (BRITO, 2008). Essa falta se caracteriza de maneira mais acentuada quando há simultaneamente a ausência financeira e presencial/afetiva do pai na vida dos filhos. Essa ausência pode constituir um sentido negativo da figura paterna e masculina na subjetividade dos filhos, especialmente quando mãe e pai vivenciaram experiências de violência ou gravidez indesejada.

Para muitas mulheres chefes de família, substituir a paternidade é um aspecto de orgulho e motivação, apesar de ser um agravante na criação dos filhos. Para elas isso evidencia força, superação e completude, e se constitui em fator de proteção e fortalecimento. Entretanto, muitas vezes, o pai de seus filhos representa um momento ruim da vida delas, o que fragiliza ainda mais a figura paterna e masculina para seus filhos. Muitos casos demonstram a concepção de que a autoridade masculina é inerente apenas, ou principalmente, à responsabilidade econômica (BRITO, 2008). Aqui se visualiza um fator de risco para a constituição subjetiva desses filhos, a limitação de processos identificatórios favoráveis quanto à figura paterna.

Um fator que pode amenizar alguns desses desafios parentais é a existência de uma rede social de apoio significativa na vida dessa família, o que se constitui como um fator de proteção. Para driblar as condições de vulnerabilidade social acumulada à dimensão parental, em busca de apoio, as mulheres tendem a tecer redes de solidariedade, em geral, com outras mulheres, sejam parentes ou vizinhas (AZEREDO, 2010).

A família extensa pode aparecer como um suporte que amplia a rede de solidariedade, pois desempenha papéis importantes do contexto doméstico e referencial para os filhos. A presença de uma rede social ampliada, que envolva instituições sociais como igreja, grupos comunitários ou a própria escola, também é um diferencial importante (ALMEIDA, 2011).

Nessa dinâmica de colaboração da rede de solidariedade, os filhos podem constituir tanto uma condição de risco quanto de proteção. Como fator de proteção, as crianças e os adolescentes participam muitas vezes no auxílio ao trabalho informal e contribuem para minimizar os agravos financeiros, assim como partilham dos serviços domésticos e da colaboração no cuidado dos irmãos menores. Enquanto fator de risco, os filhos se inserem no trabalho precocemente, para auxiliar nas necessidades financeiras do lar e, consequentemente, vivenciam prejuízos escolares ou até mesmo abandonam os estudos. Esse fator favorece a perpetuação da condição de pobreza e vulnerabilidade.

Diante desse cenário monoparental feminino, em que há a colaboração dos filhos na rotina do lar, as relações afetivas entre mães e filhos podem se expressar por meio da troca contínua, respeitosa e afetuosa (BRITO, 2008). Contudo, os mesmos fatores de colaboração dos filhos, aliados à ausência paterna, material e afetiva, podem constituir uma relação, aglutinada entre mães e filhos, de dependência afetiva, impedindo uma educação emancipatória. Ou seja, fortalecem-se tanto entre si, que a possibilidade de inserção de outro membro na família, seja um possível companheiro da mãe seja dos filhos, torna-se inaceitável.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realidade de mulheres em situação de vulnerabilidade social é permeada por contradições que afirmam sua complexidade, ao longo da história brasileira. A maternidade e a relação parental são dimensões significativas de sua identidade feminina e do sentido da vida, e as impulsionam ao trabalho, ao sustento do lar, à batalha de cada dia, à superação de desafios. A condição de chefia, por outro lado, as afasta de seus lares e de grande parcela do tempo da vida de seus filhos.

Percebemos, portanto, que muitos são os fatores de risco assim como os fatores de proteção que constituem a vida dessas mulheres, sejam eles fatores individuais, sociais, culturais sejam relacionais. Desse modo, há que qualificar as possibilidades de enfrentamento e sobrevivência de mulheres brasileiras pobres chefes de famílias monoparentais.

Não basta, porém, validar seus recursos pessoais, sua rede de apoio intrafamiliar e comunitária e não exigir do Estado, das políticas públicas, melhores condições de vida, de meios que concretizem seus direitos às condições básicas de vida, como cidadãs brasileiras. As políticas públicas atuais do Brasil exigem muito das famílias brasileiras, notadamente das monoparentais, lideradas por brasileiras pobres, mas pouco lhes oferecem. Muitos dos fatores de risco dessas famílias estão diretamente relacionados à exclusão e à desigualdade social, e não necessariamente aos aspectos individuais dessas mulheres.

Por fim, esperamos que esta reflexão sirva como referencial teórico para os psicodramatistas que trabalham com esses grupos ou pretendam vir a trabalhar, pois o Movimento Psicodramático tem uma contribuição significativa a dar na busca de amenizar, em curto e médio prazos, e de resolver essa triste mazela brasileira.

 

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Florença Ávila de Oliveira Costa

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Recebido: 03/03/2013
Aceito: 01/04/2013