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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.21 no.1 São Paulo  2013

 

COMUNICAÇÕES BREVES

Brief Communications

 

 

 

O mapa mundi do aqui e agora: um olhar socionômico e a sociometria imediata e compartilhada

 

The world-map of here-and-now: a socionomic perspective and the immediate and shared sociometry

 

 

Marisa GreebI; Úrsula HauserII

I Sociopsicodramatista pela Associação Argentina de Psicodrama, diretora e sócia-fundadora da Role Playing, Pesquisa e Aplicação Ltda. (1971) Coordenadora do Psicodrama da Cidade de São Paulo em 2001, que gerou o 1º Sociodrama da América Latina e a fundação do Instituto de Políticas Relacionais
II Professora de Etnopsicoanálise da Universidad de Costa Rica (UCR), da Universidade Nacional de Costa Rica (UNA) e em outros países. Psicodramatista e supervisora da Associação de Psicodrama, Sociometria e Teatro Espontâneo da Costa Rica (ASISTE C.R.) e em outras instituições de formação em Psicodrama em Cuba, no México, na Nicarágua, na Guatemala e na Suíça

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste breve artigo relatamos uma sessão com um grande grupo, ocorrida no XVIII Congresso da IAGP – Associação Internacional de Psicoterapia de Grupo e Processos Grupais, em Cartagena das Índias, Colômbia. A Sociometria, o Sociograma, o Sociopsicodrama e o Psicossociodrama, além do role-playing permearam a sessão, teórica e praticamente. As ações desvelam, a partir da interculturalidade do grupo e de um olhar socionômico, a atual situação político-social e econômica internacional com suas tensões e consequências.

Palavras-chave: Interculturalidade. Sociometria. Sociograma. Sociopsicodrama. Psicossociodrama.


ABSTRACT

This short paper is a report of a large group session that took place at the 18th International Conference of Group Psychotherapy in Cartagena das Índias, Colombia. Beyond role-playing, the theory and technique of Sociometry, Sociogram, Socio-psychodrama and Psycho-sociodrama have been applied in this session. Through the lenses of this inter-cultural large group and the socionomic perspective, the action unveiled the current international political-social and economic situation with its tensions and consequences.

Keywords: Inter-culturality. Sociometry. Sociogram. Socio-psychodrama. Psycho-sociodrama.


 

 

ESTADO DA QUESTÃO

Nosso referencial teórico, que se manifesta em nossas práticas – pensamento-ação-, vem se construindo, ao longo do tempo, a partir de pensamentos apreendidos na linhagem filosófica de Heráclito de Éfeso, Espinosa, Nietzsche, Foucault, Deleuze e Guattari e do Projeto Socionômico de J. L. Moreno, elaborado por Alfredo Naffah (descrito em seu livro Descolonizando o imaginário. São Paulo: Brasiliense, 1979), e permeou toda a sessão aqui descrita.

 

JUSTIFICATIVA

A possibilidade, há muito por nós desejada, de desenvolver um trabalho em parceria se concretizou com o espaço aberto para realizarmos um Sociodrama, no XVIII Congresso Internacional de Psicoterapia de Grupo, em Cartagena das Índias, Colômbia. Pudemos fazer o Sociodrama levantando, a partir da interculturalidade do grupo e de um olhar socionômico, a atual situação político-social e econômica internacional com suas tensões e consequências. Tendo em vista a importância da temática e do contexto em que foi realizado o Sociodrama, este trabalho se justifica, pois permite que socializemos a rica experiência.

O grande grupo foi dirigido por duas sociopsicodramatistas e psicossociodramatistas: uma brasileira (Marisa Greeb) e uma suíça, residente na Costa Rica (Úrsula Hauser).

Úrsula Hauser compartilha o sentimento de gratificação com o trabalho feito, dizendo que coordenar esse grande grupo, em conjunto com Marisa Greeb, foi um desafio maravilhoso: "ela não entendia bem meu espanhol/suíço, e eu não entendia nada de seu português/brasileiro! Como faríamos?" Depois de momentos de angústia e dúvidas, ocorreu-nos a melhor ideia: interpretar essa situação como parte da realidade de nosso congresso e nosso tema: Transculturalidade e mudanças. Então pedimos a um companheiro brasileiro, Ruddolf Wechsler, que fala fluentemente o espanhol, para ser nosso tradutor. Uma equipe de coordenação a três, que funcionou bem, demandou-nos mais tempo, como as viagens entre os países, mas representou a problemática no "aqui e agora", também entre os líderes do grupo. Nós nos sentimos aliviadas e, ao final, muito satisfeitas com a experiência.

 

OBJETIVOS DA PROPOSTA

Entre os vários objetivos de nossa proposta, destacamos os seguintes:

1. acentuado interesse em compreender as consequências dinâmicas dos povos a partir da atual situação político-social e econômica mundial, pois identificamos nos métodos morenianos, dada a forte carga emocional gerada nas vivências, um aspecto pré-monitório das cenas que gostaríamos de apreender para elaborar e facilitar os projetos políticos culturais nas ações transculturais;

2. socialização de uma técnica criada por uma de nós, Marisa Greeb, a partir do modo como Moreno propõe o sociograma.

 

METODOLOGIA

A técnica do sociograma, da forma como foi aplicada, facilita a leitura e o acompanhamento imediato da Sociometria e do sociograma do grupo, e seu desenho é feito pelo próprio grupo e, mais, apresenta todas as tensões existentes, imediatamente compartilhadas por todos participantes. Essa técnica exige um tempo de sofisticada elaboração que implica correr o risco de a dinâmica do grupo em questão mudar antes que se termine a interpretação realizada pela coordenação e, pior, distante e sem a participação do grupo.

Infelizmente, o sociograma moreniano já foi – e ainda vem sendo – usado nas escolas e em outras instituições como fator de manipulação das relações grupais.

Esta nova técnica inclui o grupo na reflexão e facilita a percepção imediata da Sociometria do grupo em questão, oferecendo-lhe a responsabilidade compartilhada com a coordenação na busca de soluções para os problemas que tenham emergido.

Lembramos, aqui, que o projeto Socionômico de Moreno desenvolveuse em três ramificações metodológicas principais: a Sociometria, a Sociodinâmica e a Sociatria.

A Sociometria se refere às escolhas e às rejeições que acontecem nos grupos que têm como método o Teste Sociométrico e o quadro final dessas relações é o Sociograma.

A Sociodinâmica funciona como um elo entre a Sociometria e a Sociatria e tem como método a interpretação de papéis: o role-playing. Este tem a função de iniciar uma pesquisa dinâmica que será retomada e ampliada pelos métodos da Sociatria: o Sociodrama e o Psicodrama. Embora do ponto de vista da práxis psicodramática possamos considerar a impossibilidade dessa cisão psico/sócio, em nossa técnica ela se concentra na interpretação, conforme explicamos no objetivo do trabalho, portanto nós a chamamos Sociopsicodrama ou Psicossociodrama.

 

O RELATO DA EXPERIÊNCIA

A Sociometria e o Sociograma

O Sociodrama realizado com 80 pessoas participantes do Congresso da IAGP, em Cartagena, teve como tema a proposta do próprio Congresso: transculturalidade e, para tanto, foi proposta ao grupo – que, a nosso pedido, caminhava pelo salão –, a construção do mapa-múndi, o que nos aproximava do tema do Congresso. O mapa-múndi foi desenhado no chão e os participantes se posicionaram em seus lugares de origem.

Distribuímos elásticos de 1,20 m para todos os participantes. Cada um deles teria de amarrar uma ponta ao próprio corpo (o que permite que se faça uma leitura, se for interessante para o momento, de que local de seu corpo parte a sua relação) e o outro extremo em outro participante, escolhido de forma voluntária, selecionado por seu desejo de aproximação da cultura que representava. Essa situação aparentemente caótica promove uma movimentação interessante e muito rica. Na sequência, pedimos que todos eles voltassem a seus lugares de origem no mapa-múndi.

Essa cena, além de revelar as escolhas realizadas, também mostra a tensão existente, desvelada pelo elástico, em virtude da distância ser compartilha o sentimento de gratificação com o entre os países que representavam, de origem, e os países escolhidos, representados pelos participantes em quem se ligaram. Pode também mostrar como cada um lida com essas tensões, como supera o desafio proposto, como atinge seu objetivo, se é marcado com gosto, com desejo, com indiferença, com alegria.

É dessa forma que o método sociométrico e seu respectivo Sociograma colaboram e desvelam imediatamente e para todos os participantes o momento vivencial do grupo em questão ou o que é representado.

Essa é uma vertente do Sociograma para trabalhos em grupo, nos quais o grupo participa da leitura sociométrica.

Para o tema do Congresso "Entre mundos e culturas – transformações culturais", tivemos a oportunidade de realizar um diagnóstico representativo da situação mundial atual, as tendências e as possibilidades de movimento do cenário internacional representado pelo grupo através da Sociometria e do Sociograma realizados.

Em uma leitura Socionômica: a Protagonização é sempre a confirmação das dinâmicas socioculturais.

 

A TEORIA E A PRÁTICA: A PRÁXIS SOCIONÔMICA

Primeiro momento

Marisa Greeb, na direção, pede a cada participante (80 pessoas) para personificar seu país e buscar no mapa-múndi esse espaço: seu lugar. Foi construída na sala uma figura que incluiu países do Norte: Ucrânia, Turquia, Suécia, Inglaterra, Alemanha, França, Espanha, Áustria, Itália, Israel e, com um espaço no entremeio, os países do Sul: Peru, Equador,Venezuela, Brasil, Chile, Argentina. À parte de todos se colocou os Estados Unidos da América (uma companheira).

 

O SOCIOGRAMA

Segundo momento

Marisa distribuiu os fios de elástico e pediu a todos(as) que colocassem uma das pontas em uma parte de seu corpo. Em seguida, solicitou que olhassem ao redor e buscassem um país com o qual queriam se conectar, a partir do seu país. Todos se movimentaram e se conectaram falando em voz alta o nome de seu país. Esse momento encantou o grupo e as conexões enredaram todos. Somente os Estados Unidos não quiseram se conectar e a sua representante disse: "Não me interessa ninguém aqui, quero conectar-me somente com Japão, Taiwan e México e esses países não estão aqui". De fato estes países e muitos outros participavam do Congresso, mas não estavam presentes ali, no Sociodrama.

 

O SOCIOPSICODRAMA

Terceiro momento

Todos estavam próximos do país escolhido e a consigna seguinte de Marisa: "Voltem para o lugar de seu país no mapa-múndi.", resultou em expressão de espanto, alegria e muito riso. Alguns países sentiam muito estresse (como acontece no momento), foram presos pelos elásticos, isto é, pelas conexões que foram múltiplas, como no caso da Ucrânia, que ficou dependurada e quase esquartejada pela tensão norte-sul. A representante dos Estados Unidos saiu da sala para resolver um problema pessoal, e quando voltou manifestou o sentimento de vergonha por seu país. Todos puderam observar que os países da União Europeia e do hemisfério Norte buscaram conexão com o Sul e queriam permanecer em contato com os países que expressam força, alegria de viver e felicidade!

Úrsula Hauser se aqueceu para a direção e interveio: "Vamos adiante!" Começou a cantar e a maior parte dos países do sul a acompanhou cantando. A Europa se sentiu aborrecida, cansada e incomodada, como tem acontecido na União Europeia na atualidade.

 

O PSICOSSOCIODRAMA

Úrsula Hauser assumiu a direção e pediu que os participantes falassem um pouco de seus sentimentos, a respeito de onde se viam ligados, e perguntou se queriam compartilhar algo. O que observamos de fora se reafirmou: as pessoas/países do norte se sentiam incomodadas, as do sul desfrutaram muitíssimo, os Estados Unidos se mostraram frustrados, silenciosos.

Como não existe o "sócio" descolado do "psico", surgiu o protagonista que comentou que odiara o exercício. Úrsula perguntou se poderiam dramatizar uma cena, e o protagonista concordou. Contou que nasceu na África do Sul e vivia há muitos anos na Inglaterra.

Úrsula lhe pediu para buscar alguém para representar a África do Sul, e outro ego-auxiliar para representar a Inglaterra: "Hable com ellos!... Cambia del rol" ("Fale com eles!...Troque de papel"). O protagonista tem uma catarse e chora. Diz que se sentiu muito triste porque sua irmã amada morreu em Cape Town há dois anos. Elegeu uma companheira para representar sua irmã morta, outra como sua irmã que vive em seu coração, e abraça ambas. É uma cena de dor muito emocionante e íntima.

Úrsula explicou que, por falta de tempo, não aprofundariam o seu processo de emigração. Ela pediu que todos(as) do grupo que emigraram fossem para o círculo interno e colocassem a mão no ombro de P., pensando e recordando a própria história. Alguns o abraçaram. Um grande grupo interpretou seus sentimentos e sentiu a nostalgia/saudade... E iniciou-se um processo de dor, com vozes baixas que cantavam e moviam-se suavemente...

Úrsula observou que, no grupo ao redor do círculo, muita gente estava com lágrimas nos olhos e pediu que fizessem um segundo círculo e compartilhassem suas emoções. O grupo do entorno se levantou e dessa maneira se formou uma figura grupal de diferentes expressões de choro, de recordações de perdas de seres queridos e de um país que se teria de deixar. Alguns falaram e compartilharam o que estavam sentindo, o protagonista se sentiu aliviado e todos cantaram: Cambia todo cambia.

 

UM OLHAR DO LUGAR "ENTRE" E O JOGO DE PAPÉIS NA COORDENAÇÃO

"Entre mundos e culturas", como tema, também estava presente na coordenação do Sociodrama. A necessidade da contribuição de um tradutor se colocou como fundamental porque na Torre de Babel corre-se o risco do aprisionamento.

 

CONCLUSÃO NA VOZ DO TRADUTOR EGO-AUXILIAR

Para finalizar este trabalho, transcrevemos como Ruddolf Wechsler se manifestou a respeito de sua participação no Sociodrama.

Um tradutor envolvido com o tema torna-se, inexoravelmente, um ego-auxiliar. E foi o que ocorreu nessa produção, com a consciência de que também pertencíamos ao grupo mesmo com a diferenciação de papéis.

Aprendi com essa vivência que a comunicação é um fatorimportante e que as regras devem e podem ser construídas conjuntamente com propostas claras, objetivas e passíveis de ser compreendidas por todos, dentro do possível. Além disso, fatores linguísticos, culturais, sociais, políticos, de um lado, podem propiciar um grande aprendizado, se conseguirmos construir um espaço favorecedor de compartilhamento, mas também podem se constituir em barreiras que dificultam esse compartilhar. Somente uma coordenação/direção amorosa, ética e comprometida política e socialmente com a autonomia e com a construção de cidadania entre seres e povos, poderemos superar as tensões e conquistar um aprendizado coletivo como o que vivemos. Depois de ter participado dessa vivência e refletido por meio dos relatórios de Úrsula e Marisa e, escrevendo estes comentários, consigo perceber que esse trabalho revelou com clareza um coinconsciente grupal: a dor e o medo de, ao abrir as fronteiras entre mundos e culturas, perdermos algo (real ou imaginário) e de sermos invadidos/colonizados por outras culturas, o que mantém, de forma nebulosa (não clara/evidente) a possibilidade de ganhos e aprendizados com essas trocas. Para de fato conseguirmos abrir fronteiras essas questões devem e podem ser desveladas, aprofundadas, trabalhadas para que conjuntamente seja possível encontrar possibilidades de efetivá-las.

 

 

 

Endereço para correspondência
Marisa Nogueira Greeb

Av. Higienópolis, 240 ap. 133B
São Paulo, SP CEP 01238-000
e-mail: marisagreeb@gmail.com

Úrsula Hauser
San Josè, barrio la granja, San Pedro
Costa Rica 00506 2234-0609 (residência)
e-mail: ursonio@hotmail.com, hauser_ursula@bluewin.ch

Recebido: 01/02/2013
Aceito: 03/04/2013