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Revista Brasileira de Psicodrama

On-line version ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.21 no.1 São Paulo  2013

 

CARTA AO EDITOR

Letter to the editor

 

 

 

Anna Maria Knobel

Psicóloga psicodramatista didata supervisora (foco psicoterápico e socioeducacional), mestre em Psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
professora e supervisora do Departamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae (DPSedes), autora de Moreno em ato e de diversos artigos sobre sociometria e grupos

Endereço para correspondência

 

 

 

Prezada Editora da RBP,

É com satisfação que lhe comunico que o livro Inconsciente Social1 – organizado pelos grupanalistas Earl Hopper, londrino, e Haim Weinberg, israelense residente na Califórnia (Estados Unidos) – do qual tivemos o prazer de participar focando o pensamento de Moreno acerca do coconsciente/coinconsciente, tem mobilizado muito interesse em profissionais que trabalham com grupos de diferentes regiões do mundo.

Na introdução, os organizadores delineiam o desenvolvimento do conceito de inconsciente social e identificam várias das atuais áreas de interesse em relação a esse conceito. Eles acreditam que a Grupanálise continua a mudar e a se desenvolver, validando a troca entre profissionais de diferentes culturas, o que tem levado a um aprofundamento e à continuidade desse processo de atualização teórica. Refletem sobre o uso da noção de uma mente inconsciente, antes de Freud, por filósofos como Spinoza, Leibniz, Schopenhauer e Nietzsche.

Ainda nas décadas de 1920 e 1930, psicanalistas consideraram limitado o foco apenas no "indivíduo" e seu corpo como a única ou mesmo a principal fonte de fenômenos não conscientes, inconscientes e pré-conscientes. Julgaram essencial dar mais ênfase à influência das inter-relações humanas durante a trajetória de vida (da concepção até a morte) no contexto da sociedade e da cultura.

Em paralelo ao trabalho de Foulkes e Bion, Hopper e Weinberg incluem Moreno, no contexto do Psicodrama, e Pichon-Rivière, no contexto de trabalhos em grupo como autores que também se concentraram nos processos recursivos da mente na sociedade e da sociedade na mente.

A parte inicial do livro expõe as origens do conceito inconsciente social, começando com as formulações de S. H. Foulkes, apresentadas pelo alemão Dieter Nitzgen, pelo conceito de coinconsciente na obra de J. L. Moreno, descrito pelas brasileiras Heloisa Fleury e Anna Maria Knobel, bem como pela tradição latino-americana de análise de grupo (Enrique Pichon-Rivière), registrado pelo mexicano Juan Tubert Oklander.

O livro traz ainda textos que abordam as perspectivas relacional ou interpessoal do inconsciente social, a matriz do sistema social desdobrada em sua ideologia e bases do inconsciente social (foundation matrix). Por fim, há alguns textos que consideram o numinoso e desconhecido, na perspectiva Junguiana e na da matriz do Sonho Social.

O reconhecimento de Moreno como um dos precursores na construção desse conceito expressa a amplitude do diálogo entre diferentes teorias, facilitando a identificação de muitas semelhanças entre conceitos consagrados nas duas teorias: a Grupanálise e o Psicodrama.

No capítulo acerca da teoria psicodramática Fleury e Knobel destacam que o inconsciente moreniano se define a partir de duas noções fundamentais: a de um inconsciente compartilhado, criado e vivido simultaneamente por várias pessoas e que ultrapassa os limites do espaço psíquico individual. Isto resulta no que Moreno chamou de inter-psique, uma rede de sentidos, de modos específicos de ser e de se relacionar interligados. Além disso, por se constelar entre pessoas, o coinconsciente moreniano, gera estados, ou seja, aglomerados móveis de qualidades e de características conjunturais que se organizam, em parte intencionalmente e em parte por acaso, na convivência estável e significativa. Segundo as autoras, a partir de uma complementaridade funcional entre esses estados cria-se certa comunicação entre acontecimentos inconscientes de diferentes pessoas. Quando a realidade familiar, social ou cultural é sentida como ameaça insuportável ao "eu" surgem modos específicos de evasão dos perigos, dos medos e das vergonhas. São os mitos familiares, sociais e culturais que, como mecanismos de defesa, contribuem para que perigos, medos, segredos, vergonhas, oriundos do passado, mantenhamse invisíveis no presente da relação. Como um jogo predefinido de repetições, mantêm-se vivas questões do lá então de outro tempo e de outro lugar, em detrimento do que poderia ser vivido espontaneamente no aqui e agora do vínculo.

As autoras discutem ainda como o Psicodrama opera com o coinconsciente. Iniciam com práticas psicodramáticas em realidade suplementar, que para Zerka Moreno é uma dimensão que vai além da realidade subjetiva e objetiva. É uma espécie de realidade cósmica (MORENO, BLOMKVIST, RÜTZEL, 2000, p.45-46)2 e, portanto, um dos espaços privilegiados para os estados coconscientes/coinconscientes. Definem, a seguir, a necessidade de focar temas grupais, o que pode ser feito conforme três vértices: protagônico, espontâneo e grupal.

As autoras destacam ainda que algumas técnicas específicas do Psicodrama também costumam ser úteis para desvelar o coinconsciente: a maximização e a concretização, pois os bloqueios coinconscientes tendem a se apresentar nos corpos dos participantes (campo intensivo pré-verbal).

Além de tais técnicas ressaltam que as práticas sociodramáticas (voltadas para o grupo) por serem um processo de produção coletiva imaginária, ajudam a decifrar o que até então era vivido como sintoma.

Nesse rico interjogo entre coconsciente e coinconsciente, muitos significados singulares, ligados a crenças e a costumes compartilhados aparecem, podendo ser elaborados pelos participantes no presente das relações.

Por fim gostaria de enfatizar a grande receptividade do movimento grupalista internacional, tanto em relação a nós psicodramatistas como aos latino-americanos no sentido de desenvolver um rico e complexo processo transcultural de construção do conhecimento.

 

São Paulo, 31 de março de 2013.

 

 

Endereço para correspondência
Anna Maria Knobel

Rua Pará, 65 - cj. 51 01243-020
São Paulo, SP
e-mail: mknobel@uol.com.br

 

 

Notas
1. HOPPER, E., WEINBERG, H. (Orgs.) The social unconscious in persons, groups, and societies. Londres, Reino Unido: Karnac Books, 2011.
2 . MORENO, Z. T., BLOMKVIST, L. D., RÜTZEL, T. A realidade suplementar e a arte de curar. São Paulo: Ágora, p. 45-46, 2000.