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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.21 no.2 São Paulo  2013

 

ARTIGOS INÉDITOS
Original Articles

 

 

Psicodrama como ação pedagógica no currículo do ensino fundamental em escolas da amazônia

 

Psychodrama as a pedagogical action tool in the curriculum of elementary schools in Amazonas

 

 

Paulo Bareicha

Socionomista, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), lider do Grupo de Pesquisa CNPq Dramaturgia Aberta e Educação Integral, doutor em Artes, mestre em Educação, psicólogo, presidente da Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap), conselheiro do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP-01).

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RESUMO

Pela primeira vez no Brasil a educação integral está sendo instituída como política pública de âmbito federal. Esta pesquisa foi realizada por consórcio interuniversitário e solicitada pelo Ministério da Educação. O objetivo foi mapear as experiências de jornada escolar ampliada no Brasil. Foram utilizados questionários, respondidos por 2.112 municípios brasileiros e pesquisa qualitativa em 20 municípios. Destacamos os resultados de Guarantã do Norte, MT, Palmas, TO, e Santarém, PA, onde foram observadas práticas de Sociodramas e teatros espontâneos, além de repertório em bibliotecas. O Psicodrama compõe a matriz curricular de escolas de educação integral do ensino fundamental na Amazônia, firmando-se como referência teórica e metodológica na educação de crianças e jovens.

Palavras-chave: Educação Integral. Ensino Fundamental. Currículo. Psicodrama. Sociodrama.


ABSTRACT

For the first time in the history of Brazil comprehensive education has been established as a public policy at federal level. This research was conducted by an inter-university consortium at the request of the Ministry of Education. The main objective was to map out the experiences of educational pathways in Brazil. Questionnaires were sent out and responded to by 2.112 Brazilian municipalities and a qualitative research was carried out in 20 municipalities. The results from Guarantã do Norte - MT, Palmas - TO and Santarém - PA are presented here, municipalities where sociodramatic methods and spontaneous theatre were used in education, beyond the books available in school libraries. Psychodrama forms part of the curriculum of elementary schools in Amazonia, having established itself as a theoretical and methodological reference point in the education of children and youth.

Keywords: Comprehensive Education. Elementary School. Curriculum. Psychodrama. Sociodrama.


 

 

INTRODUÇÃO

Como fato ou tendência, a educação integral tem se firmado como meta para a educação fundamental brasileira. Segundo Florestan Fernandes (2002), o educador Anísio Teixeira (1900-1971) foi quem primeiro lutou para que a educação não fosse um privilégio, mas um direito de todos os brasileiros. Sua extensa obra política e pedagógica defendeu o ensino laico, universal, gratuito e obrigatório. Fernandes (2002) ressalta que "ele sempre quis (com as ideias de educação integral) banir esse mal (o privilégio) do solo brasileiro, para que a educação fosse um valor universal, acessível a todos, capaz de criar uma revolução realmente democrática" (p. 57).

Entretanto, apenas em 2007, com a criação do Programa Mais Educação (BRASIL, 2007, 2009b), as atenções e os investimentos federais empregaram sentido de continuidade e levaram a educação integral como política pública ao âmbito nacional. Dentro do conjunto de iniciativas que desencadearam esse movimento, em dezembro de 2007, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), do Ministério da Educação (MEC), realizou seminário intitulado "Educação Integral e Integrada: Reflexões e Apontamentos". Desse evento nasceu a proposta de realização de um levantamento nacional de informações a respeito das experiências em ampliação da jornada escolar. O MEC instituiu um consórcio interuniversitário composto por Unirio, UFRJ, UFF, UFMG, UFPR e UNB, com o objetivo de realizar a pesquisa "Educação Integral/Educação Integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira" (BRASIL, 2009a, 2011). Desde que os estudos a respeito da Educação Integral se iniciaram, foi a primeira vez que universidades se uniram para pesquisar o assunto e foi a primeira vez que o tema foi investigado em âmbito nacional. A pesquisa teve três grandes objetivos: 1) Mapear experiências de ampliação da jornada escolar no ensino fundamental, em curso no Brasil; 2) Analisar as experiências mapeadas a partir da construção de critérios que evidenciassem suas concepções e práticas e; 3) Subsidiar a proposição de políticas públicas voltadas para a educação (em tempo) integral, em todo o país. Entretanto, o volume de informações coletado foi tão rico e diversificado, que permitiu diferentes recortes, entendimentos e desdobramentos em pesquisas, que foram muito além dos objetivos gerais.

Esta pesquisa foi conduzida em duas fases, uma quantitativa e outra qualitativa. A fase quantitativa ocorreu entre julho de 2008 e dezembro de 2009. Nela foram evidenciados dados gerais a respeito de diferentes experiências que, no conjunto, podem ser chamadas de "educação integral, integrada ou de tempo integral". Por causa da diversidade das experiências, foi fundamental sua continuação, desenvolvida como pesquisa qualitativa, promovendo o aprofundamento de alguns casos significativamente relevantes. A fase qualitativa foi iniciada em agosto de 2009 e concluída em dezembro de 2010. Em algumas experiências, em diferentes municípios, foi evidenciada a presença de atividades comuns aos referenciais socionômicos. Neste artigo apresentamos um recorte, no qual focalizamos a ocorrência de métodos sociátricos em escolas amazônicas de ensino fundamental. Essa evidência é descrita, discutindo-se a possibilidade de ampliação do diálogo e da participação das práticas sociátricas nos macrocampos da Educação Integral.

 

1. EDUCAÇÃO INTEGRAL

Praticamente tudo o que diz respeito à civilização ocidental tem como lócus nascendi a contribuição grega. Coelho e Portilho (2009) afirmam que os principais fundamentos a respeito da "formação do homem integral" se encontram na Paideia. Etimologicamente, a palavra nos remete à educação infantil e a um ideal de formação educativa que tinha como meta desenvolver as potencialidades do homem. Posteriormente, disse respeito ao treinamento da liberdade e da nobreza (hábitos cultivados), atributos que fizessem a pessoa ser mais digna e boa.

Com o tempo, a própria cultura deixada de geração em geração passou a ser chamada de Paideia. Nesse sentido, podemos entendê-la também como o lastro de "conserva cultural" (MORENO, 1975) que dá sentido e organização à vida social. Entretanto, a tensão entre "liberdade" e "hábitos" fez surgir o papel do pedagogo, personagem social que passou a ter a função de conduzir com sua lanterna iluminadora (alegoria bem teatral) o jovem aluno (a-lumno, sem luz) em seus caminhos pela sociedade. Percebeu-se que os "hábitos", as rotinas que aprendemos desde cedo a repetir, poderiam ser "bons" ou "ruins". E do radical grego da palavra hábito convencionamos referir às práticas boas o nome "virtudes" e às ruins, "vícios". Os vícios sempre foram associados ao sofrimento (JAEGER, 2001).

O pedagogo, que tinha identidade escrava, pôde reorganizar socialmente seu papel e exercer sua virtude como homem livre. Isso não foi pacífico, demandou luta, deposição da aristocracia e ressignificação da democracia. Então, passou a tutoriar os jovens nas assembleias e nos centros do conhecimento onde as virtudes eram ensinadas. Esse currículo participativo e vivencial era formado pela ginástica, pela música e pela gramática até o século V a.C., quando se tornou necessária também uma reforma no conceito de "integral", a fim de que o jovem pudesse desenvolver as habilidades de um bom cidadão (JAEGER, 2001).

Nesse ponto temos um impasse. Havia aqueles que consideravam a dimensão espiritual (o que hoje chamamos resumidamente de "humanidades"), mais importante; e havia os que consideravam a educação manual ou técnica, imprescindível. A dimensão espiritual estava ligada ao desenvolvimento das virtudes (em grego, Arete). No sentido que a palavra Arete emprega, a virtude coincide com a realização da própria essência – ou seja, fazer aquilo a que se destina. No plano objetivo significa "adaptar-se perfeitamente enfrentando adversidades" (sobreviver) e, no plano subjetivo, coincide com o significado que cada um tem da própria felicidade (viver). Sem dúvida, como afirmam Coelho e Portilho (2009), esse é o berço da ideia de Educação Integral. Essa é a matriz de identidade conceitual na qual todas as propostas e todas as discussões que temos tido atualmente originaram-se um dia.

No Século XX, com a deposição das monarquias, as recém-instituídas Repúblicas optaram, como estratégia de universalização da educação, pela adoção de Sistemas Nacionais de Ensino. No Brasil, o ensino da Língua Portuguesa em todo o território nacional viabilizou o projeto de País e de Nação, garantindo diversidade regional. A alfabetização passou a ser meta inquestionável e a erradicação do analfabetismo, uma necessidade. Mesmo sendo grande o desafio, os educadores sempre incluíram conteúdos e práticas à formação escolar, quer por necessidade de mercado, quer pela pretensão de alcançar uma formação integral (FERNANDES, 2002).

Cavaliere (2010) ressalta ainda que havia interesse de classes dominantes pelo controle social e pela distribuição hierarquizada de indivíduos na sociedade, como propunha, por exemplo, a Associação Integralista Brasileira (AIB), que se tornou partido político. Para a AIB a escola deveria sintonizar o Estado, a família e a religião, ampliando o horizonte cultural das pessoas e empregando uma reforma doutrinária moral que transformaria o mundo de maneira ideológica e filosófica. Tinha como lema "educação integral para o homem integral" e previa a criação de um Estado Integral com características centralizadoras e autoritárias.

Anísio Teixeira foi um dos criadores e signatários do "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova", em 1932, documento que norteou os rumos das discussões educacionais brasileiras no século XX. Ele não utilizou o adjetivo "integral" para qualificar suas propostas, muito provavelmente para não ser confundido com os integralistas. Desenvolveu uma concepção de educação que defendia a ampliação da jornada em todos os níveis de ensino, o acesso interdisciplinar à cultura, a preparação para o trabalho e a formação para a cidadania. Suas propostas, fundamentadas no pragmatismo norte-americano, encontram-se com maior ou menor amplitude em todos os projetos educacionais postos em prática no século XX, que buscaram o aprofundamento do caráter público, gratuito e universal da educação escolar (CAVALIERE, 2010; GADOTI, 2009; MOLL, 2012).

Em 2007, pela primeira vez na história da República, o governo federal brasileiro instituiu e adotou, através do programa "Mais Educação" (BRASIL, 2007), uma política de educação integral para todo o país, fomentando, desse modo, a ampliação da jornada escolar e a reorganização curricular conforme os projetos políticos pedagógicos de cada escola. Essa estratégia fomenta a ampliação de tempos, espaços, currículos e oportunidades educativas. Centrada na escola, promove o compartilhamento da tarefa de educar entre profissionais e demais atores da educação, especialmente a família.

Jaqueline Moll (2012) tem liderado, desde o início, a estratégia no Ministério da Educação e organizou coletânea de experiências realizadas em todo o Brasil, que reafirmam o direito constitucional de cada estudante a tempos e espaços educativos, que só podem ser assegurados mediante uma educação que "considere a integralidade do ser humano e a responsabilidade social, portanto coletiva, o que demanda, certamente, novos pactos entre educadores, sociedade e governo" (TITTON, 2012, p.122).

 

2. PESQUISA QUANTITATIVA

Como foi dito anteriormente, a pesquisa nacional foi desenvolvida entre janeiro de 2008 e dezembro de 2009. Foi construído questionário que versou a respeito de diferentes aspectos que puderam caracterizar uma jornada ampliada: 1) tempos; 2) espaços; 3) atividades; 4) sujeitos; e 5) gestão. Realizou-se pesquisa-piloto e, validado o instrumento, foi enviado por e-mail e carta a todos os 5.564 municípios brasileiros. No total, 2.112 representantes das Secretarias de Educação dos Municípios responderam ao questionário, o que representou 38% do total do país.

Como principais resultados, podemos destacar a desigualdade na distribuição de experiências. Quinhentos municípios relataram já possuir uma experiência com educação integral. Contudo, enquanto no Sudeste encontramos 37% dos relatos das experiências de ampliação da jornada escolar, observamos 25% no Sul, 21% no Nordeste e apenas 3% na região Norte. Ou seja, o amplo desenvolvimento demográfico e industrial encontrado nas regiões Sul e Sudeste reflete a diversidade de experiências praticada nessas regiões; enquanto na região Norte, onde se concentra a maior parte dos Estados que compõe a região amazônica, o relato de apenas 3% das experiências desperta curiosidade a respeito da natureza e da qualidade das atividades lá desenvolvidas.

Importante também ressaltar que três Estados agregam 52,3% de todas as experiências relatadas: Minas Gerais (29,7%), São Paulo (12,1%) e Rio Grande do Sul (10,5%). Os motivos que levaram à implantação das experiências de jornada escolar ampliada são variados: diagnóstico da realidade local, experiências bem-sucedidas em outros lugares, políticas públicas em âmbito federal, estadual e/ou municipal, além de propostas encaminhadas em projeto político-pedagógico pelas escolas (BRASIL, 2009a). Nesse sentido, os dados continuam apontando a necessidade de aprofundamento qualitativo na região Norte.

Observamos, ainda, que a principal atividade enfatizada no relato das experiências foi o esporte (65%), seguido por aulas de reforço (61,7%), música (57,1%), dança (54%), teatro (6,%), oficinas temáticas (44,9%), artesanato (40,5%) e auxílio nas tarefas de casa (40,2%) (BRASIL, 2009a). Aqui constatamos um dado importante que norteou a sequência da pesquisa: diferentes atividades compuseram cada categoria acima. Ou seja, a generalidade dos dados não destaca a especificidade. Por exemplo, na categoria "teatro" foram agrupadas atividades como jogos dramáticos, jogos teatrais, oficinas teatrais, teatro na sala de aula, dramatizações, encenações, apresentações dramáticas, teatro do oprimido, Sociodrama, entre outras. Outro dado importante é que, na categoria "oficinas temáticas" foram trabalhados diversos temas como meio ambiente, educação inclusiva, relação professor-aluno, disciplina, bullying, entre outros, contudo, sem especificar qual a metodologia utilizada pelo professor. Finalmente, os dados também não oferecem detalhes quanto à organização do trabalho pedagógico comum dos professores, não havendo informações suficientes sobre sua didática. Esses fatos nos chamaram a atenção porque poderíamos estar evidenciando a presença de práticas socionômicas nas escolas brasileiras, ocultas em dados comuns de pesquisa.

 

3. PESQUISA QUALITATIVA

A pesquisa qualitativa contou com visita in loco a escolas de vinte municípios, dos quais destacamos três, como recorte desta análise, por participarem da região amazônica: Guarantã do Norte (MT), Palmas (TO) e Santarém (PA).

Guarantã do Norte é a última cidade do Mato Grosso, às margens da BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), há dez quilômetros do início da floresta amazônica. Foi a primeira cidade oriunda de assentamento de trabalhadores rurais no início dos anos 1980. A educação local foi fundamentada na agricultura familiar, na fixação do homem no campo e na pedagogia da alternância. Na fundação da cidade, instituiuse a experiência de educação integral e a primeira escola, que se tornou técnica agrícola, integra com a experiência desde a educação infantil ao ensino médio. O primeiro diretor, em entrevista, apresentou a biblioteca, onde encontramos títulos de Psicodrama de J. L. Moreno, Maria Alicia Romaña, Alfredo Naffa; além de Jacques Ardoino (Psicologia da educação), Olga Penteado (Orientação educacional) e Danny Alves (Sociometria) – todos com edições dos anos 1970 e 1980. Professores que trabalhavam no início e outros mais recentes utilizam metodologias de ação dos referenciais socionômicos, inclusive Sociometria. Presenciamos uma atividade em sala de aula, em que a professora de artes delimitava bem os contextos, as etapas e utilizava algumas técnicas para dinamizála, às quais chamou de "Sociodrama". Em entrevista, explicou a diferença entre este, o Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, e os Jogos Teatrais, de Viola Spolin. Demonstrou leitura e iniciativa na direção da cena e afirmou que: "outros professores, como os de Português e de História, também utilizam o método; e que procuram agir de modo interdisciplinar" (sic).

Palmas, a capital do Tocantins, é uma cidade planejada, fundada em 1989. Segundo Souza (2010), seu projeto de educação integral foi iniciado em 2004. Desde então, procura oferecer diferentes experiências conforme a realidade do aluno: atividades diversificadas, jornada ampliada e educação integral. Na escola-padrão Padre Josimo Tavares, o planejamento arquitetônico e pedagógico levou Palmas a ser considerada referência nacional. Quando inaugurada, já contava com corpo docente qualificado e amplo equipamento técnico, inclusive bibliográfico, à disposição dos alunos e da comunidade escolar. Entre os autores de Psicodrama, encontramos Moreno, Maria Alicia Romaña, Alicia Fernández, Richard Courtney e Ronaldo Yudi K. Yozo. A biblioteca funciona como sala-ambiente, das 7h20min às 18 horas, onde a cada hora uma turma realiza alguma atividade. A "contação de histórias" às vezes é dramatizada, explicou a professora de Língua Portuguesa referenciandose em livros de Psicodrama. Já no auditório, ocorrem as oficinas de criação dramática, dirigidas pelo professor de artes entrevistado, que também referiu conceitos e práticas psicodramáticas. As atividades integram o diálogo interdisciplinar entre alunos e professores.

Santarém, no Pará, fundada em 1661, situa-se à margem direita do rio Tapajós, nome da tribo indígena dominante na época em que os jesuítas os catequizaram utilizando recursos teatrais. A implantação da educação integral na cidade obedece à chamada do programa "Mais Educação", de 2008. Há também os programas "A arte na escola da gente", "Escola da floresta" e "Casinha de leitura". A integração de conhecimentos e saberes é realizada por meio do projeto "Casinha de Leitura". Iniciado como complemento da educação integral, este projeto trouxe inovação à educação, por manter um grupo permanente de pedagogos e arte-educadores que transitam constantemente em todas as escolas. A experiência também é descrita por Pinheiro de Rodrigues (2012). A "Casinha de leitura" é uma biblioteca portátil, presente em todas as escolas. Quando aberta, os personagens dos livros são apresentados em forma de teatro, animações e recreações. Entre as atividades realizadas, pela narrativa dos entrevistados, consta repertório considerável de atividades teatrais e lúdicas, das quais destacamos: o teatro espontâneo, os jogos de papéis, os jogos dramáticos e os Sociodramas. Na biblioteca constam livros de Moreno e Maria Alicia Romaña. Observamos um Sociodrama em escola à margem do rio Tapajós, intitulado "A escola da vida e a vida na escola". Outra atividade ocorreu durante uma feira do livro, em que o animador contava suas "potocas" e o grupo aquecia turmas de alunos que vinham de escolas, ou mesmo visitantes, a comporem a ação pedagógica. Finalmente, na "Escola da floresta", em meio à selva amazônica, em uma oca, coordenações pedagógicas e treinamentos são realizados utilizando-se dinâmicas de grupo, Sociodramas e Psicodrama pedagógico.

 

4. DISCUSSÃO

Os caminhos do Psicodrama na Amazônia parecem desconhecidos até o momento. A Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap) agrega atualmente trinta associações, nenhuma pertencente a Estados amazônicos. Os polos mais próximos encontram-se há mais de 600 km de distância, em Brasília e Fortaleza. Curiosamente, nunca houve uma entidade federada nessa região. Entretanto, não há grilhões para o conhecimento, especialmente após o advento da internet. Os entrevistados relataram conhecer o site da Febrap. Afirmaram ainda que os livros, comprados em diferentes épocas, foram viabilizados por editais públicos oferecidos pelas Secretarias de Educação Municipais e pelo Ministério da Educação. O princípio da intersetorialidade (BRASIL, 2009a), adotado pelo "Mais Educação", oferece financiamento para capacitação e aquisição de material didático em editais de diferentes setores do poder público federal. Algumas capacitações realizadas por universidades públicas e privadas, presenciais e a distância, naqueles municípios, propiciaram o contato com o Psicodrama e a adoção da metodologia pelos professores. Há pelo menos trinta anos, a Socionomia tem sido incluída como conteúdo programático relevante às formações pedagógicas docentes.

Uma análise dos livros encontrados revela que houve uma procura tanto pela metodologia didática do ensino, quanto pela possibilidade de integração com alguma teoria da educação adotada. Os livros de Yozo (1996) e de Monteiro (1985) apresentam coletâneas de técnicas e jogos. Já os livros das pedagogas argentinas Romaña (1985, 1992) e de Fernández (2001) oferecem um referencial pedagógico construtivista e outro psicanalista, para interpretar a ação pedagógica. Alves (1974) versa sobre Sociometria, oferecendo cálculos estatísticos para os sociogramas. Do mesmo modo, Penteado (1976), que é orientadora educacional, possui capítulo a respeito de Sociometria na gestão de salas de aula. O livro do sociólogo francês Jacques Ardoino (1971) apresenta o Psicodrama moreniano e o triádico nas organizações e no ensino. Richard Courtney (1974) aproxima o Psicodrama do teatro, oferecendo capítulo didático sobre a prática. Moreno ocorre em todos os municípios, mas apenas com o livro Psicodrama, cuja primeira edição brasileira é de 1975.

A bibliografia encontrada demonstra que há mais de trinta anos existe interesse e procura pelo assunto. Contudo, apesar de ainda haver alguma continuidade nas práticas, não ocorre a aquisição de novos títulos. As publicações dos últimos dez anos, que apresentam mais de cinquenta teses e dissertações acadêmicas sobre o Psicodrama em contextos socioeducativos, muito acrescentariam à formação daqueles professores. A inclusão de projetos, ações e capacitações, especialmente se vinculada aos programas oficiais, poderia atualizar a cena psicodramática amazônica.

O último ponto a ser considerado diz respeito à noção de educação integral e a inclusão do Psicodrama nos projetos escolares. Moreno (1975, p. 197) afirma que o Psicodrama deve começar desde cedo, na infância, e que:

A continuidade do princípio do jardim de infância através de todo o nosso sistema educacional, desde a primeira série primária até a universidade, pode ser assegurada pela abordagem psicodramática dos problemas educativos e sociais. Toda a escola primária, secundária e superior deve possuir um palco de Psicodrama como laboratório de orientação que trace diretrizes para seus problemas cotidianos. Muitos problemas que não podem ser resolvidos na sala de aula podem ser apresentados e ajustados ante o fórum psicodramático, especialmente concebido para estas tarefas (MORENO, 1975, p.197).

A proposta moreniana é de que a educação em todos os níveis de ensino possa ser integrada pela linguagem psicodramática. O principal problema educativo não é ensinar e aprender, mas relacionar-se. Contudo, não apenas os problemas de relacionamento, como também os de aprendizagem, poderiam ser levados ao fórum psicodramático. Como na Paideia grega, Moreno propõe que se vá à assembleia, que se vá ao coletivo, e lá sejam resolvidos os problemas. O convite é ao enfrentamento do alcance e dos limites dos saberes pessoais e dos saberes grupais. De perceber o que "consigo com meus olhos", de reconhecer o que não consigo, de procurar ver e aceitar o que vejo, de outra maneira, com outros olhares.

Metas de uma educação integral são, como desde a proposta da Paideia, sobreviver e viver. Ou seja, aprender a agir. Por um lado, enfrentar e adaptar-se às adversidades e, por outro, realizar o sentido subjetivo e pessoal da felicidade. Em ambos os casos, a ação pedagógica por meio do Psicodrama oferece tempos, espaços e oportunidades de aprendizagem para que todos juntos, e cada um em particular, descubram e criem seu lugar no mundo – inclusive na Amazônia.

 

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Endereço para correspondência

Paulo Bareicha
Faculdade de Educação - Universidade de Brasília
SRTVS Q. 701 - Ed. Palácio do Rádio II, sala 409
Asa Sul – Brasília, DF
CEP 70340-902
E-mail: paulo.bareicha@gmail.com

 

Recebido: 23/8/2013
Aceito: 29/10/2013