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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.21 no.2 São Paulo  2013

 

COMUNICAÇÕES BREVES
Brief Communications

 

 

Sociodrama e conjugalidade: um estudo com um grupo de mulheres

 

Sociodrama and matrimony: a study with a group of women

 

 

Mônica Cristina GazzieroI; Wladinéia Campos DanielskiII

IPsicóloga pela Universidade Comunitária de Chapecó (Unochapecó), pós-graduanda em Avaliação Psicológica pela Celer Faculdades.
II
Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), especialista em Psicologia dos Processos Educacionais (PUCRS), professora no curso de Psicologia da Universidade Comunitária de Chapecó (Unochapecó), psicodramatista didata supervisora pela Conttexto Psicologia Clínica, PR.

Endereço para Correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa aplicada a um grupo de mulheres que manifestavam queixas relativas ao relacionamento conjugal. Através do desenvolvimento de um campo relacional descontraído, com troca de experiências, objetivou-se o resgate do papel conjugal dessas mulheres a fim de que pudessem ressignificar e criar uma nova complementaridade com seus parceiros, o que se comprovou no final do estudo. Foram realizadas dez sessões de Sociodrama com sete mulheres entre 25 e 38 anos.

Palavras-chave: Sociodrama. Conjugalidade. Vínculo.


ABSTRACT

This article presents the results of a research carried out with a group of women experiencing difficulties in their marital relationships. By creating a relaxed relational atmosphere for the exchange of experiences, the aim was to redeem the conjugal role of these women in order for them to be able and re-evaluate and create a new complementarity with their partners. The outcome of the study has shown that this has indeed been achieved. A total of ten Sociodrama sessions were conducted with seven women aged 25-38.

Keywords: Sociodrama. Matrimony. Relationship.


 

 

INTRODUÇÃO

Conjugalidade, segundo os autores pesquisados neste estudo, diz respeito aos padrões de interação que duas pessoas desenvolvem, fixando funções e regras que favorecem o seu funcionamento. Esses padrões interacionais existem nas mais variadas formas, dependendo dos sujeitos envolvidos na relação e dos contextos cultural e social em que os cônjuges estão inseridos. Dessa forma, a conjugalidade se transforma constantemente, e o resultado disso pode ser o crescimento ou o sofrimento do casal.

Durante a condução de um grupo de mulheres no Centro de Atendimento à Comunidade de uma Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), surgiu a ideia de realizar a pesquisa. O grupo apresentava como demanda para o atendimento sintomas depressivos e problemas conjugais. Através da ação sociodramática, objetivou-se o resgate do papel conjugal dessas mulheres para que pudessem ressignificar e criar uma nova complementaridade com seus parceiros, ou seja, objetivou-se constatar se o desenvolvimento do papel conjugal em uma das partes do vínculo leva, necessariamente, à reconfiguração da relação.

 

A CONJUGALIDADE NO DECORRER DO TEMPO

O estudo da conjugalidade nos mostra que o modelo de relacionamento conjugal foi se modificando ao longo dos anos. De acordo com Bassanezi e Del Priore (apud COUTINHO; MENANDRO, 2010), até meados do século XX, o casamento era tido como um dos objetivos centrais na vida das mulheres e o trabalho fora de casa era alvo de preconceito. Para os autores, mesmo diante das mudanças sociais que ocorreram na década de 1950, o casamento era visto como "destino inevitável", ou seja, as mulheres aprendiam que deveriam cuidar dos filhos, da casa e agradar o marido. E o casamento era visto como um modo de se libertarem da opressão de seus pais, saindo de casa para morar com seus parceiros.

Com o advento dos movimentos feministas e o ingresso mais intensivo da mulher no mercado de trabalho, delineava-se um novo papel para a mulher. No entanto, de acordo com Coutinho e Menandro (2010), o casamento ainda era visto como um dos grandes propósitos de vida para a maioria das mulheres, até mesmo para as que planejavam seguir uma carreira profissional e se estabilizar financeiramente. Portanto, por mais que se estivesse modificando o "ser mulher" na sociedade, o casamento ainda se mantinha como projeto primordial na vida feminina.

Com o passar do tempo, intensificadas as transformações sociais e com o surgimento de novos valores humanos, passou-se a olhar para o casamento como uma conjugalidade. Portanto, o termo "conjugalidade" surgiu a partir da ocorrência dessas amplas e profundas modificações sociais e culturais pelas quais o casamento, o papel do homem e o da mulher estavam passando. Segundo Coutinho e Menandro (2010), o termo aparece como um neologismo da palavra conjugar e nos dá a ideia de união, de ligação entre duas pessoas, sem que haja, necessariamente, a existência de um contrato formal entre elas.

O casal contemporâneo, a partir daí, se depara com uma série de possibilidades de viver sua conjugalidade. A individualidade anunciada pela sociedade moderna faz com que, segundo Coutinho e Menandro (2010), a conjugalidade seja guiada pela autonomia, e, como tal, seja passível de finitude e recomeço. Esse aspecto, segundo os autores, gera instabilidade no relacionamento íntimo e leva a constantes reformulações nos projetos conjugais, em que o ideal de casamento feliz contrasta com as dificuldades e as incertezas do dia a dia.

Para Comin e Santos (2011), constituir um casal requer a criação de uma interação que favoreça a construção de uma identidade conjugal, através do entrelaçamento dessas individualidades, em um espaço que se transformará continuamente e será construído pelos cônjuges de acordo com suas experiências a dois.

Vemos, portanto, que ao longo dos anos ocorreram modificações no que diz respeito aos papéis de homem/mulher e ao relacionamento conjugal como um todo, e a satisfação de cada cônjuge no relacionamento é critério determinante para a manutenção do vínculo.

 

VÍNCULO E ESCOLHA DO PARCEIRO

De acordo com os autores estudados, vemos que a escolha do parceiro ocorre a partir do vínculo. Aguiar (1990) propõe uma diferenciação entre três tipos de vínculos. Vínculo atual, vínculo residual e vínculo virtual. O vínculo atual refere-se à inter-relação entre indivíduos concretos que participam de determinada situação, cujo "projeto dramático" é definido pelo papel. Vínculo residual refere-se a uma relação que foi vivida no passado e se encontra desativada no presente, existindo somente no plano da fantasia. Vínculo virtual diz respeito a uma idealização das relações. Alguns vínculos residuais permanecem apenas como lembranças e outros se perpetuam, constituindo modelos relacionais para as vinculações atuais. Dessa forma, o vínculo atual constituído pelo casamento pode vir acompanhado por expectativas referentes às vinculações residuais.

Segundo Bustos (1990), o vínculo se produz por mutualidade de escolha, mas isso não implica que ambas as partes do casal tenham se escolhido com paridade de forças. Cada um dos parceiros se utilizará de diferentes critérios para essa escolha. Desse modo, todo vínculo é, ao mesmo tempo, um cárcere e uma libertação, pois nos liberta do isolamento, enquanto nos encarcera sob o olhar do outro. A individuação é acompanha pelo temor do isolamento e da solidão, e, para evitá-los, criam-se vínculos, os quais segundo Bustos (1990) se estabelecem entre papéis que possibilitam, assim, o Encontro.

Dessa forma, podemos compreender a dinâmica vincular, segundo Bustos (1990), a partir de dois conceitos: espontaneidade e tele. A espontaneidade é definida como a capacidade de dar uma nova resposta a situações antigas e/ou respostas adequadas a situações novas. Ou seja, um vínculo saudável dependerá da capacidade de ambos estimularem a espontaneidade, de modo que haja um equilíbrio entre o desenvolvimento do vínculo e o processo de individuação.

Ao analisar o vínculo de casal, Bustos (1990) diferencia três critérios intervenientes na relação: sexualidade, a qual se baseia na atração física; afeto, que é um dos pilares que sustenta a relação de casal em longo prazo; e o projeto comum, a partir do qual o casal elabora planos conjuntos.

Dias (2000) organiza essa "vincularidade" de outra forma. Conforme o autor, o vínculo conjugal é composto por três outros tipos de vínculos: amoroso, compensatório e de conveniência.

O Vínculo Amoroso se forma a partir da atração e então se instala um estado de paixão e encantamento. Com a convivência, esse estado evolui para uma fase de decepção e desencantamento, podendo, então, vir a evoluir para três formas possíveis: amor, ódio ou indiferença. O Vínculo Compensatório é aquele de dependência, no qual são delegadas ao parceiro funções psicológicas que deveriam ser de responsabilidade de si mesmo. Assim, o autor salienta que a tendência é a de que, através do vínculo compensatório, aconteçam cobranças e acusações mútuas de má vontade e de falta de amor em relação ao parceiro. O Vínculo de Conveniência é baseado nas relações de interesse entre os parceiros, como interesse financeiro, social, profissional, familiar etc. Para o autor, um desses três vínculos será mais intenso na relação do casal e os outros dois serão secundários.

 

A TEORIA DOS CLUSTERS

Partindo da Teoria de Papéis de Moreno, Bustos (1990) desenvolveu a Teoria dos Clusters. Estes são aglutinados de papéis de mesma dinâmica relacional em forma de cachos, que interagem suas experiências.

Segundo o autor, o cluster materno diz respeito à experiência infantil de ser cuidado pela mãe ou seu substituto, que resulta em aprendizagens de saudável dependência, de acolhimento desses cuidados, de convívio com as próprias vulnerabilidades, o que é essencial para a aceitação de carinho e de vinculações íntimas na vida futura.

À medida que novos organizadores emergem, surge gradualmente a vivência do cluster paterno. Segundo Bustos (1990), a criança passa a perceber a figura paterna como um representante que simboliza a autoridade. A saudável experiência nessa fase resulta em aprendizagens referentes aos códigos sociais, às relações com figuras de autoridade, ao sentimento de poder e às relações por critérios, visto que agora a criança começa a estabelecer escolhas.

Todo o processo de formação da identidade e as aprendizagens anteriores dão lugar ao surgimento do cluster fraterno, o qual corresponde à fase em que a criança aprende a compartilhar, competir e rivalizar saudavelmente, tendo em vista que diz respeito às relações simétricas com seus iguais. É nessa fase que se desenvolve a maior parte dos papéis da vida adulta, aqueles desempenhados com nossos pares.

Ao olharmos para a história das configurações conjugais, conforme citado no início deste estudo, predominava nas relações matrimoniais do passado a vinculação através dos clusters materno e paterno. A vida de casal era marcada pela dependência feminina e pela autoridade masculina, em uma vinculação assimétrica, com predomínio de um sobre o outro. Nos casamentos atuais, pela própria evolução da conjugalidade, esperase que a vinculação aconteça por intermédio do cluster Fraterno, em uma relação entre pares que compartilham uma vinculação simétrica de diálogo, sem predomínio de forças impositoras de poder.

 

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Segundo Nery, Costa e Conceição (2006), o Sociodrama, método utilizado nesta pesquisa, trabalha com os grupos e as relações intergrupais, privilegiando a participação dos sujeitos na intervenção das situações problemáticas do grupo, através da ação. As autoras (2006, p. 305) citam Moreno (1975), que diz que: "O verdadeiro sujeito do Sociodrama é o grupo [...], pode-se, na forma de Sociodrama, tanto explorar, como tratar os conflitos que surgem[...], e empreender a mudança de atitude dos membros de uma cultura a respeito dos membros da outra." Ainda segundo as autoras, os procedimentos metodológicos do Sociodrama enfatizam a vivência do drama através da dramatização de cenas pelos membros do grupo, interagindo os papéis sociais relativos ao sofrimento em questão e buscando a resolução dos conflitos

Para a formação do grupo desta pesquisa, foi realizado um processo de acolhimento individual, cujo objetivo foi identificar a demanda das mulheres. Observou-se que a queixa era semelhante: sintomas depressivos e problemas conjugais. Dessa forma, foram reunidas sete mulheres com idades entre 25 e 38 anos, situação socioeconômica média/ baixa, trabalhadoras em funções de nível médio de escolaridade e, a maioria, em sua segunda relação conjugal e com filhos do primeiro e do segundo casamento.

Foram realizadas dez sessões de Sociodrama, seguindo a metodologia da Socionomia de Moreno (elementos e etapas da sessão):

1ª sessão – Contrato grupal, levantamento de objetivos e expectativas em relação ao processo terapêutico, a partir da elaboração de um cartaz, no qual apareceram desejos de encontrar paz, harmonia e diálogo na relação conjugal, bem como desenvolver a autoestima

2ª e 3ª sessões – Compreender o que as participantes entendiam como conjugalidade, a partir de esculturas feitas com massa de modelar. Novamente apareceram expectativas de encontrar paz no relacionamento, com um olhar romântico sobre a vida a dois.

4ª sessão – Dramatização de cenas do primeiro encontro do casal.

5ª sessão – Dramatização de cenas que apresentavam o pai que tiveram, o marido que suas mães tiveram e o marido que elas têm.

6ª sessão – Montagem de cenas com projeção do relacionamento para daqui a dez anos.

7ª sessão – Dramatização de cenas do cotidiano conjugal, nas quais elas poderiam ter emitido uma resposta espontânea.

8ª sessão – Jogo pega-varetas gigante para significar como cada uma delas lidava com os emaranhados de sua vida.

9ª sessão – Atividade com ícones que simbolizam o que não deu certo no primeiro casamento, o que não está dando certo neste casamento, o que pode ser feito para melhorar.

10ª sessão – Retomamos com elas o cartaz confeccionado na primeira sessão, para efeito de avaliação do processo.

 

RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo das dez sessões propostas e efetivadas, pudemos perceber que a individualidade de um dos cônjuges estava sobressaindo-se em relação ao casal, visto que as vinculações eram assimétricas, com predomínio da autoridade do marido – cluster paterno. A vinculação estava contaminada por alguns conteúdos transferenciais referentes aos vínculos residuais com os seus pais e primeiros maridos, impossibilitando o reconhecimento do "eu" e do "outro" no casamento atual. A vinculação compensatória era bastante presente, delegando ao cônjuge a responsabilidade diante de suas questões pessoais, em uma relação de dependência. Sendo assim, a mudança no relacionamento era projetada como responsabilidade de seus parceiros, e as mulheres eximiam-se de suas coautorias na qualidade do vínculo.

Diante de todo o exposto, no decorrer das sessões, também pudemos observar algumas mudanças nas participantes: desenvolveram espontaneidade e criatividade no desempenho do papel de esposa, adquirindo, dessa forma, autoestima, segurança, e empoderamento. A vinculação com o cônjuge foi tornando-se mais simétrica, com o compartilhamento próprio do cluster fraterno. Através do contato com seu papel conjugal, desenvolveram uma percepção mais ampla de seu relacionamento, avaliando o que não estava dando certo e encontrando formas de agir espontaneamente. Desse modo, confirmamos com este estudo que o desenvolvimento do papel conjugal em uma das partes do vínculo leva à reconfiguração da relação.

 

REFERÊNCIAS

AGUIAR, M. O teatro terapêutico:escritos psicodramáticos. Campinas: Papirus, 1990.         [ Links ]

BUSTOS, D. M. Perigo... amor à vista! Drama e Psicodrama de casais. 2. ed. São Paulo: Aleph, 1990.         [ Links ]

COMIN, F. S.; SANTOS, M. A. dos. Satisfação com a vida e satisfação diádica: correlações entre construtos de bem-estar. Psico-USF (Impr.) 2011, v. 15, n. 2. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-82712010000200012&script=sci_arttext>. Acesso em: 31 ago. 2013.         [ Links ]

COUTINHO, S. M. S.; MENANDRO, P. R. M. Relações conjugais e familiares na perspectiva de mulheres de duas gerações: "Que seja terno enquanto dure". Psicologia clinica [on-line]. 2010, v. 22, n. 2, p. 83-106. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-56652010000200007&script=sci_arttext>. Acesso em: 31 ago. 2013.         [ Links ]

DIAS, V. R. C. S. Vínculo conjugal na análise psicodramática: diagnóstico estrutural dos casamentos. São Paulo: Ágora, 2000.         [ Links ]

NERY, M. P.; COSTA, L. F.; CONCEIÇÃO, M. I. G. O Sociodrama como método de pesquisa qualitativa. Paidéia. Ribeirão Preto, v. 16, n. 35, 2006, p. 305-313. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/7319/1/ARTIGO_SociodramaMetodoPesquisa.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2013.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência
Mônica Cristina Gazziero
Rua Nereu Ramos, 780
Centro – Xanxerê, SC
CEP: 89820-000,
Tels.: (49) 3433-2497 / (49) 8414-9810.
E-mail: monnyca@unochapeco.edu.br

Wladinéia Campos Danielski
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Bairro Palmital – Chapecó, SC
CEP 89814-750
Tel.: (49) 3322-2923
E-mail: wladineia@desbrava.com.br

 

Recebido: 9/5/2013
Aceito: 2/9/2013