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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.22 no.1 São Paulo  2014

 

ARTIGOS INÉDITOS
Original Articles

 

Diálogos com a liderança através do Sociodrama e da Socioantropologia: das cenas temidas ao desenvolvimento de competências

 

Dialogue with the leadership through the sociodrama: from feared scenes to the development of competencies

 

 

Georges Salim KhouriI; Mara SampaioII; Carlos Francisco Linhares de AlbuquerqueIII

I Psicólogo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), psicodramatista clínico e socioeducacional, didata e supervisor da Associação Bahiana de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo (ASBAP), pós-graduado em Psicopatologia Fundamental pela Universidade Castelo Branco (UCB-RJ) e coach certificado pela Sociedade Latino Americana de Coaching (São Paulo).
II Psicóloga social, psicodramatista socioeducacional, didata e supervisora da Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP), mestre em Qualidade de Vida no Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP) e Formação em Coach, certificada pela Comunidade Internacional de Coaching – ICC (São Paulo).
III
Psicólogo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (UFBA), doutor em Ciências Sociais e Saúde Pública pelo Instituto Saúde Coletiva (UFBA) e graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Salvador (UCSAL), Formação em Coaching no Integrated Coaching Institute – ICI (São Paulo).

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta uma intervenção processual implementada em uma empresa do setor Petrolífero com base na sinergia entre o psicodrama e a abordagem socioantropológica da liderança. Teve como objetivo identificar e reduzir a distância entre as competências desejadas para supervisores/gerentes e as competências constatadas no desempenho real do papel no contexto organizacional. O dispositivo grupal elaborado é inovador, pois facilita a alternância entre vivências sociodramáticas das cenas temidas e a abordagem cognitiva conceitual in situ e imediata da temática emergente. Toda a dimensão comportamental foi manejada por meio do sociodrama e do role-playing com base nas dimensões de aproximação intuitiva, afetiva, conceitual e funcional como preconiza a pedagogia do drama.

Palavras-chave: Psicodrama socioeducacional. Sociodrama. Role-playing. Desenvolvimento gerencial.


ABSTRACT

This paper presents an organizational intervention implemented in an oil sector company, based on the synergy between psychodrama and a social anthropological approach to leadership. Its goal was to identify the gap between the desired skills of supervisors and managers and the actual skills demonstrated in the real role performance within the organizational context. The suggested group approach is innovative, as it facilitates the switching between sociodramatic experiences of feared scenes and the 'in situ' and immediate cognitive conceptual approach of the emerging theme. The entire behavioral dimension was managed through Sociodrama and Role-playing, through the use of intuitive, affective, conceptual and functional approaches as recommended by the pedagogy of drama.

Keywords: Socio-educational psychodrama. Sociodrama. Role-playing. Management development.


 

 

INTRODUÇÃO

Atualmente, as empresas com o intuito de se adequar ao mercado internacional, extremamente competitivo, priorizam uma organização do trabalho com ênfase na racionalidade técnica que estimula a formação tecnocrata dos gestores e dificulta o entendimento da dimensão humana nas relações de trabalho. Foi com base nesse cenário e na análise dos indicadores revelados pela pesquisa de clima e ambiência realizada pela empresa, que foi desenvolvida uma metodologia com propósito de ressignificar a liderança na organização de forma profunda e abrangente.

A criação desse procedimento "antropodramático" do papel profissional inova tanto a contextualização sociológica da liderança na história da gestão no Brasil, como a leitura psicossocial dos dramas enfrentados pelas lideranças organizacionais e o desenvolvimento de competências organizacionais. Os diálogos foram desenhados sob a perspectiva de alternância pedagógica de conceitos e vivências psicodramáticas em encontros em que a dinâmica grupal é privilegiada com base em uma premissa andragógica em que o foco da educação de adultos é a não diretividade (KNOWLES; HOLTON; SWANSON, 2009). Na parte cognitiva, além da exposição teórica interativa, apoiada em artigos acadêmicos, a exemplo dos autores Roberto da Mata e Gilberto Freyre, foram utilizados textos literários e trechos de filmes. A dimensão comportamental foi trabalhada por meio do sociodrama e do role-playing. As vivências dramáticas foram estruturadas como preconiza a pedagogia do drama (ROMAÑA, 1996), em que a abordagem e a aproximação do conteúdo acontecem nos seguintes níveis: intuitivo e afetivo (dramatização da experiência do real – análise), conceitual (dramatização simbólica – síntese) e, no final, aproximação funcional (dramatização em nível da fantasia – generalização).

O papel profissional foi o eixo principal dessa intervenção visando à construção de um significado positivo e uma atuação criativa pelo protagonista. Quanto mais criativoespontâneo for o desempenho desses papéis, melhor a possibilidade de uma pessoa estabelecer relações saudáveis nos diferentes ambientes em que convive. O conceito de papel é entendido como a forma funcional que o indivíduo assume no momento específico, em que reage a uma determinada situação, na qual outras pessoas ou objetos estão envolvidos (MORENO, 1975). Nessa perspectiva teórica, compreende-se o homem como um ser relacional, cuja identidade social é formada pelo conjunto de papéis que uma pessoa desempenha.

O diálogo com a liderança foi um projeto local de uma empresa da indústria do Petróleo, que fazia parte de um programa corporativo denominado DGS (Desenvolvimento Gerentes e Supervisores), realizado no período de 2010 a 2012 com a participação de 40 gerentes e supervisores da organização. A estrutura das atividades foi desenvolvida com uma perspectiva processual em dois encontros de oito horas. Cada encontro foi conduzido por dois consultores, especialistas em psicodrama e socioantropologia, alternando a direção das atividades dentro das etapas da sessão de psicodrama. O dispositivo grupal elaborado é inovador, pois permite aproximação afetiva entre as cenas temidas (conflitos no contexto organizacional) e a aprendizagem cognitiva focalizada nos gaps de competências emergentes. O projeto foi desenvolvido em três momentos com 54 oficinas que atendia a temas do emergente grupal e introduzia novos conteúdos para ampliar o repertório pessoal visando ao desenvolvimento do papel profissional. Segue quadro-resumo dos temas centrais abordados nos encontros:

 

 

METODOLOGIA DA ALTERNÂNCIA: SOCIODRAMA E SOCIOANTROPOLOGIA

Os diálogos foram pensados sob a perspectiva da alternância entre vivências sociodramáticas e conceitos teóricos do pensamento socioantropológico sobre as relações de trabalho, privilegiando a dinâmica grupal com base em uma premissa andragógica em que o foco da educação de adultos é a não diretividade e a horizontalidade das relações. A andragogia é um conjunto de princípios de aprendizagem para adultos. Seus seis princípios são: (1) necessidade de saber, (2) autodireção, (3) experiência anterior, (4) prontidão para aprender, (5) orientação centrada no problema e (6) motivação interna para aprender. A andragogia proporciona melhores resultados quando adaptada às particularidades dos aprendizes e da situação de aprendizagem (KNOWLES; HOLTON; SWANSON, 2009).

A estrutura dos encontros teve como base as etapas da sessão do processo psicodramático, a saber: a) AQUECIMENTO – geralmente mental, utilizou os resultados da pesquisa de ambiência ou os recortes de textos e histórias relacionados com a temática da liderança, correlacionando-os ao contexto de trabalho. Ao emergir o protagonista e sua cena temida, passamos para a etapa seguinte; b) DRAMATIZAÇÃO – com base nas cenas dramatizadas, as dificuldades comportamentais e conceituais que afloravam se tornaram objetivadas, visíveis in situ, revelando ao grupo seus gaps de competências; c) COMPARTILHAMENTO – aconteceu em continuidade ao processo dramático, e as lacunas de competência conceitual/comportamental foram tratadas imediatamente (teorização e reflexão). A ação cognitiva da intervenção teórica estava muito próxima da experiência vivida, garantindo, assim, um aprendizado mais rápido e efetivo, conforme modelo de Romaña (1992); e d) PROCESSAMENTO de tudo o que aconteceu em termos de ação e cognição. Surgiram novas construções, novas reflexões, muitas vezes, apresentando possibilidades de novas formas de atuação. A Figura 1 apresenta um esquema que ilustra esse processo.

A alternância de abordagem visa garantir que aspectos cognitivos e comportamentais estejam presentes na condução do trabalho de grupo com as lideranças. A parte cognitiva, além da exposição teórica interativa, foi apoiada em artigos acadêmicos, análise de textos e filmes de autores de referência, a exemplo de Roberto da Mata, Gilberto Freyre, M. Friedman, Lívia Barbosa etc., enquanto a dimensão comportamental foi vivenciada por meio de sociodramas e role-playing contextualizado pelo setting organizacional. A ligação entre as duas abordagens foi fundamentada pela pedagogia do drama, que proporcionou a leitura e a estruturação da ação com base nas dimensões de aproximação intuitiva e afetiva, a aproximação conceitual e a aproximação funcional (ROMAÑA, 1992). O diferencial dessa intervenção reside na articulação no status nascendi das cenas temidas, vivenciadas nos sociodramas (ação) e as temáticas correspondentes do Pensamento Social Contemporâneo (cognição – as lentes da socioantropologia).

É nesse momento que o esquema metodológico sociodramático em relação ao conhecimento, conforme Romaña (1992), se faz valer pela aproximação racional que implica a elaboração do conceito e, posteriormente, a aproximação funcional em que ocorre cognitivamente o emergir de novos esquemas, novos circuitos de ideias e novas associações à procura de novo conhecimento para viver o papel profissional de forma saudável.

O eixo principal dessa intervenção foi desenvolver o papel profissional visando à construção de um significado positivo e uma atuação criativa dos gestores. O conceito de papel que permeou todo o projeto considera o papel como a forma funcional que o indivíduo assume no momento específico em que reage a uma situação específica, na qual outras pessoas ou outros objetos estão envolvidos (MORENO, 1975). Os papéis não são máscaras que a pessoa escolhe ou não desempenhar. Os papéis constituem o Eu, e a identidade pessoal surge dos papéis que o indivíduo desempenha na vida. Entre os elementos fundamentais no jogo de papel, o contexto é o privilegiado na abordagem socioantropológica, pois as análises dos aspectos socioculturais e das transformações sociais interferem nas relações de trabalho, principalmente no mundo contemporâneo.

 

Depois das mudanças ocorridas nos últimos trinta anos, que achataram o mundo, transformando o globo em um prato, de acordo com a metáfora de Friedman (2005)2, o modelo tradicional de gestão nas empresas passou por alterações significativas de achatamento, principalmente no mundo ocidental. As novas competências esperadas para os gestores de pessoas na pós-modernidade entram em conflito com o caldo cultural advindo do "imaginário do coronel" da cultura brasileira, cujo referencial centralizador, arbitrário e autoritário é incongruente com a contemporaneidade. Ajustar as lentes em relação a essa ótica e promover a reflexão, bem como criar novas formas de desempenho no papel de liderança foram o foco da alternância de abordagem nesse projeto.

As etapas de aquecimento e de processamento tiveram especial importância nessa proposta de abordagem. O aquecimento foi uma etapa estratégica com o intuito de instigar o grupo a um tema predefinido, identificado e escolhido pelos consultores na análise da pesquisa de clima, sob o olhar socioantropológico, e da leitura sociodramática do grupo de gestores. Em um aquecimento tematizado pelo diretor, o grupo tem a oportunidade de se conectar a ele e com sua própria realidade. A abordagem de um tema pelo relato inicial do diretor na etapa de aquecimento leva o grupo a buscar situações pessoais semelhantes e criar um ambiente de proximidade e acolhimento ao temido, ao novo. Por mais que o tema tenho sido planejado com base na análise de pesquisa de clima na organização e de conhecimento do processo grupal, sempre existe o risco de ser julgado pelo grupo: é como se lançar no escuro. Esse tipo de aquecimento aproxima os participantes dos diretores, pois também se sentem da mesma forma – em risco – no início de cada sessão. Desse jeito, todos se igualam no contexto grupal, todos estão expostos (WILLIAMS,1998).

Considerando que a criatividade e a espontaneidade ficam restritas quando as pessoas têm medo de se expor, a escolha desse aquecimento facilitou a expressão, a abertura para experimentação e novos modos de pensar e agir entre os participantes. Aquecer para quê? Nesse modelo de trabalho, o aquecimento tem um propósito de estimular o grupo com disposição para mudanças e desenvolver seu papel de liderança alinhada criticamente com novos temas do mundo contemporâneo (WILLIAMS, 1998).

O processamento foi incluído como etapa posterior ao compartilhamento que foca a identificação com o tema de maneira emocional e subjetiva. O procedimento do processamento baseia-se na observação direta dos acontecimentos vividos durante a sessão pelo diretor, pelos protagonistas e pelos participantes, todos são convidados a ouvir o feedback e aprender novas competências relativas ao papel em foco (KELLERMANN, 1998). Um pequeno intervalo de tempo é necessário para marcar a passagem entre as duas etapas, pois a energia empenhada no compartilhamento é emocional, e o processamento exige uma dimensão racional. Sem esse cuidado, pode ocorrer um sentimento de quebra de ritmo, e o processamento pode ser percebido como oposto e não complementar a etapa de compartilhamento. Na atuação do psicodramatista no contexto organizacional, é fundamental que a etapa de aprendizado seja valorizada da mesma forma que as anteriores, pois leva o participante a pensar criticamente sobre o que foi feito e compreender seu estágio de desenvolvimento do papel.

O processamento como etapa final no contexto socioeducacional e organizacional passa a ter um significado importante, pois é um momento de reflexão em que se cria a possibilidade de o grupo se dar conta de seu próprio funcionamento e das relações estabelecidas entre os participantes naquele contexto e em outros de sua vida (ANDALÓ, 2006). O diretor faz uma apreciação geral do encontro de forma direta e sensível, fundamentando seus comentários na experiência profissional e nos conceitos que subsidiam o tema vivenciado pelos participantes, atendendo ao propósito desencadeado pelo aquecimento temático.

 

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E COMENTÁRIOS FINAIS

O diálogo com a liderança emerge como uma robusta forma de intervenção para o desenvolvimento gerencial. Favorece a aprendizagem organizacional, um processo contínuo de apropriação e geração de novos conhecimentos em âmbitos individual, grupal e organizacional, envolvendo todas as formas de aprendizagem – formais e informais – no contexto organizacional (RUAS; ANTONELLO; BOFF, 2005). Esse aprendizado somente pode ser gerado a partir da iniciativa das pessoas e da interação com seus pares de trabalho em grupos organizados para esse fim. Toda aprendizagem no contexto organizacional é influenciada pela organização e tem consequência para ela, ao incluir nesse processo uma metodologia que combina o desenvolvimento da espontaneidade e da criatividade pelo sociodrama com a análise socioantropológica como base para reflexão coletiva. Esse dispositivo grupal propiciou aos envolvidos (pessoas e organização) uma ampliação do entendimento dos papéis gerenciais e o fortalecimento da competência da organização diante da pressão constante de inovação e da competitividade do mercado. Segue alguns recortes de depoimentos e percepções de gestores participantes, que testemunharam as possibilidades andragógica do modelo da alternância no desenvolvimento do papel profissional:

"É bom poder sentir como o outro nos vê, é como nos ver no outro e como ver a si próprio."; "Vimos estratégias de atuação no papel de gestor que sempre buscamos."; "Tratamos de um caso real. Foi muito interessante. Discutimos e saímos com uma proposta."; "Avançamos muito com treinamentos desse tipo. Amadurecemos."; "Temos problemas que geralmente geram conflitos. Ficamos muito presos às metas de cada gerência sem nos dar conta de que temos uma meta comum. E os diálogos nem sempre se efetivam por falta de uma visão compartilhada."; "Não vimos na nossa formação disciplinas como essas que nos ajudariam na relação com as pessoas, e os conflitos internos enfrentados pelos gerentes são difíceis de resolver."; "O gestor tem que dar uma de assistente social, de psicólogo, de pai, de mãe. Na maioria das vezes, não estamos preparados para isso."; "A importância dessa metodologia está na oportunidade de nos enxergar e nos ver nas cenas trazidas, de uma forma que ainda não nos percebíamos. Com isso, vimos novas formas de conduzir os problemas de gestão de pessoas."3.

A dinâmica dos papéis é caracterizada pela capacidade de modificação ampla e flexível. De acordo com a teoria moreniana, os papéis são aprendidos e podem ser revistos, contemplando a dimensão individual e social como ponte entre a pessoa e a sociedade. Uma pessoa pode variar, modificar ou redefinir papéis (BLATNER, 1996), visando a seu desenvolvimento criativo e saudável em um contexto. Como os papéis, em especial os profissionais, são, em sua maioria, um contrato social consciente ou não, em que as pessoas envolvidas aceitam interagir de maneira recíproca, implicam que cada papel tenha uma função complementar necessária para sua existência. É nessa dinâmica interacional entre as pessoas e seus complementares que pode surgir conflitos e dificuldades para viver os diversos papéis que se desempenha socialmente. Conforme Khouri (1996), em uma dimensão sistêmica, o papel profissional a ser desenvolvido também requer: a) um suplemento de conhecimentos (caráter conceitual); b) uma contextualização com base na cultura e nas subculturas que permeiam a empresa (ética, valores, princípios, missão, meta); c) uma homogeneização das percepções acerca das ameaças e das oportunidades do papel e da empresa no cenário atual; e d) uma conscientização e uma visão de empregabilidade interna e externa. A pessoa, que tem seu papel desenvolvido no jogo relacional, deve ter plena consciência sociométrica de sua rede social em cada contexto manifesto e, como consequência, deve saber quais dos conhecimentos utilizados foram apreendidos e capturados na experiência de outros papéis jogados em outros contextos sociais. Isso é o que denominamos Consciência do Conhecimento do Papel Social em ação. Quanto mais se amplia essa consciência, mais "higienizado" e sem contaminação o papel social fica na relação complementar.

Para Moreno (1975), duas capacidades são fundamentais para o bom desempenho de papéis. A primeira é a capacidade de perceber seu papel e o do outro (clareza do contra papel correspondente). A segunda é a capacidade de responder adequadamente, representar com espontaneidade (KHOURI, 1996). Conforme Khouri (1996), as empresas tendem a produzir muitos padrões de comportamento específico, não exigidos fora do ambiente institucional (subculturas). Os gestores de empresas com forte cultura organizacional, dentro da cadeia de poder, tendem a reproduzir formas de comportamento do gestor hierarquicamente superior. A vivência nas empresas nos mostra claramente que as normas e os valores impostos por quem detém o universo simbólico das organizações (alta administração) estabelecem limites para atuação de qualquer papel profissional. Dessa forma, o diálogo possibilitou aos participantes a ampliação do autoconhecimento e da consciência sociométrica de suas relações de trabalho alinhado com a apropriação das heranças culturais e históricas.

A sociologia assinala que, até pouco tempo atrás, a sociedade era hierarquizada de modo que havia sempre um único lugar de destaque. Ele podia ser ocupado por Deus, seu representante na Terra, o papa, pelo pai ou pelo chefe. Ser gerente ou supervisor há algum tempo pertencia a esse esquema mental. Essa ideia foi se desfazendo progressivamente, uma nova autoridade teve de ser pensada e experimentada na contemporaneidade. Uma autoridade que divulga um novo conceito de poder, intimamente relacionado com o saber e a criatividade nas relações. Liderança tomou o rumo do espírito crítico e da inovação. Líder é quem tem senso crítico mais consistente a ponto de impregnar de sentido as ações e inspirar seus colaboradores. Pragmaticamente, o gerente/supervisor, preso a esse modelo mental, tem dificuldade de ver que a organização não está mais constituída como pirâmide, e sim como rede. E na rede não existe lugar diferenciado, que antes era reconhecido imediatamente como tal e que conferia autoridade aos chefes.

São muitas as rupturas e as mudanças que promovem impactos e determinam alterações nos papéis e nas formas de se relacionar. Essas mudanças atingem alguns valores que entram em crise e promovem novos valores, que passam a influenciar novas escolhas e decisões. A natureza dos papéis é sistêmica, e uma intervenção ajuda a redefinir o sistema pessoal de dentro para fora, assegurando-se de que a mudança cria alternativas de ampliar a espontaneidade no desempenho de novos papéis adequados ao novo contexto organizacional. Nesse caso, estamos falando de um sociodrama estratégico (WILLIAMS, 1994) que modifica a lógica interna do protagonista preservando sua autonomia, suas conexões relevantes no contexto organizacional e de vida. Trata-se de um novo código em que a espontaneidade possa florescer.

Os novos arranjos do capital pressionam instituições, grupos e pessoas a se tornarem cada vez mais responsáveis pelo próprio destino, sem contar com as antigas redes de proteção e de segurança do Estado, cuja presença deve ser progressivamente menos provedora e previdente. A responsabilização pelo sucesso é individual e cada qual, em particular, deve se reposicionar e assumir o valor de sua autonomia na sociologia líquida, conforme expressou Bauman (2001). O cidadão passa a ser medido pela capacidade de cuidar de si mesmo, de tornar-se empreendedor de si, praticando um gerenciamento de sua existência que pode tanto ser positiva como extrapolar os muros empresariais e se diluir em outros papéis, disseminando, assim, uma mentalidade de racionalidade gerencial para tudo e para todos. Tudo isso está alinhado com o que Moreno (1975, p. 28) preconiza e enfatiza: "o indivíduo anseia por encarnar muito mais papéis do que aqueles que lhe é permitido desempenhar na vida e, mesmo dentro do mesmo papel, uma ou mais variedade deles".

A implementação desse modelo com base na alternância pode ser identificada como uma intervenção transdisciplinar, pois seu propósito foi compreender as relações de trabalho de gerentes e supervisores no mundo presente e, para isso, foi necessário recorrer a diversos enfoques, a diferentes abordagens e proposições sobre relações humanas. Os profissionais envolvidos experimentaram constante processo de educação, disponibilidade para mudanças e abertura para novas práticas e novos modelos de intervenções que não constituíram um fim em si mesmo, e sim uma possibilidade de ampliar a consciência dos participantes sobre seu papel profissional em uma perspectiva relacional, social e cultural (MARRA; FLEURY, 2008).

 

REFERÊNCIAS

ANDALÓ, C. Mediação grupal: uma leitura histórico-cultural. São Paulo: Ágora, 2006.         [ Links ]

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.         [ Links ]

BLATNER, A. Uma visão global do psicodrama: fundamentos históricos, teóricos e práticos. São Paulo: Ágora, 1996.         [ Links ]

FRIEDMAN, T. L. O mundo é plano: uma breve história do século XXI, Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.         [ Links ]

KELLERMANN, P. O psicodrama em foco e seus aspectos terapêuticos. São Paulo: Ágora,         [ Links ] 1998.

KHOURI, G. Desenvolvimento de papéis nas organizações: "Do sociodrama tematizado ao role-playing". 14 f. Monografia (Conclusão do curso de Psicodrama Socioeducacional). CEPS (Centro de Psicodrama e Sociodrama – Bahia) – Salvador – Bahia, novembro de 1996. Disponível em <http://www.asbap.com.br/producao/psicodrama_org.pdf.>. Acesso em: 3 jul. 2014.

KNOWLES, M. S.; HOLTON, E. S.; SWANSON, R. A. Aprendizagem de resultados: uma abordagem prática para aumentar a efetividade da educação corporativa. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.         [ Links ]

MARRA, M; FLEURY, H. (orgs.). Grupos: intervenção socioeducativa e método sociopsicodramático. São Paulo: Ágora, 2008.         [ Links ]

MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1975.         [ Links ]

_____________. Quem sobreviverá? Fundamentos da sociometria, psicoterapia de grupo e sociodrama, v. 1, 2 e 3. Goiânia: Dimensão Editora, 1992.         [ Links ]

ROMAÑA, M. A. Do psicodrama pedagógico à pedagogia do drama. Campinas: Papirus, 1996.         [ Links ]

_______________. Construção coletiva do conhecimento através do psicodrama. Campinas: Papirus, 1992.         [ Links ]

RUAS, R; ANTONELLO, C; BOFF, L. Aprendizagem organizacional e competências. Porto Alegre: Bookman, 2005.         [ Links ]

WILLIAMS, A. Psicodrama estratégico: a técnica apaixonada. São Paulo: Ágora, 1994.         [ Links ]

_____________. Temas proibidos: ações estratégicas para grupos. São Paulo: Ágora, 1998.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência

Georges Salim Khouri
ATO Psicologia Psicodrama e Desenvolvimento Humano
Av. ACM, 811 – sala 302
Centro Empresarial Joventino Silva
Itaigara – Salvador, BA
CEP 40280-000
Tel.: (71) 8725-1137 / 9219-8956
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Mara Sampaio
Manaca Comunicação e Educação Ltda.
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CEP 01420-000
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Carlos Francisco Linhares de Albuquerque
Rua Rômulo Serrano, 141 ap. 1104
Rio Vermelho – Salvador, BA
CEP 40220-005
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E-mail: bohno@uol.com.br

 

Recebido:15/03/2014
Aceito: 24/05/2014

 

 

NOTAS

2 De acordo com Friedman, no século XXI entramos em uma era na qual o mundo deixou de ser "pequeno" para se tornar "ultrapequeno e achatado". A globalização é vista por ele como uma inevitabilidade histórica que tem o mesmo peso que o desenvolvimento do capitalismo.
3 Recortes de depoimentos dos gestores a partir de gravação em vídeo feita pela própria empresa e com suas devidas autorizações. Essa gravação foi apresentada no Ibero Americano de Psicodrama em Buenos Aires (2013) e encontra-se com os autores.