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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.22 no.1 São Paulo  2014

 

RESENHAS
Book reviews

 

E se o psicodrama tivesse nascido no cinema?

 

And what if psychodrama had been born at the cinema?

 

 

GERALDO MASSARO SÃO PAULO: ÁGORA, 2014

 

 

Devanir Merengué

Psicólogo pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - Assis/SP (Unesp- Assis), psicodramatista, professor supervisor do Instituto de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo de Campinas (IPPGC/Febrap) e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Violência, Imaginário e Juventude (Violar) da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp).

Endereço para correspondência

 

 

O cinema nasceu no final do século XIX e marcou de modo indelével o século que começava. Desde seu aparecimento, avançava em relação às imagens estáticas da fotografia, dava mais realismo a algo que a humanidade sempre buscou: a representação do mundo, o espelhar-se de um modo ou de outro. Se o início do cinema foi impregnado por certo exotismo, representando apenas mais uma atração para produzir sensações, logo foi afetado por outra arte, cuja origem se esconde nos tempos: o teatro. Para o Ocidente, o teatro grego foi fundamental. As tragédias e as comédias afetaram o modo de elaborar os mitos, o direito, a política. Um teatro que dialogou com a filosofia, a religião, a vida. E, portanto, com a polis e o mundo.

Em determinado momento da história, portanto, o cinema descobriu a narrativa, os atores, os cenários e, em função do crescente avanço da tecnologia, maior sofisticação da imagem, da iluminação, dos enquadres. Em determinado ponto, o cinema produziu ficção influenciando a cultura ocidental. Logo foram descobertos, todavia, modos de transformar a invenção também em entretenimento e em um meio de ganhar dinheiro. No início deste século, dispomos exatamente dessas possibilidades: o cinema de arte, feito de invenção e disposto a se imiscuir em questões densas da existência humana, e o cinema de entretenimento, cuja função básica é divertir. Nada, no entanto, é obviamente tão rígido assim, e, tantas vezes, os gêneros se namoram e produzem novos produtos mesclados. Esses cinemas sempre respondem a uma demanda cultural, as necessidades da humanidade, e também ativam e criam o desejo, objetivizam os indivíduos em sua imensa capacidade de produzir imaginários. Assim, imagem e imaginário confundem-se cada vez mais, em um mundo fascinado pelas telas.

No começo do século XX, a psicanálise ganhava corpo e, um pouco mais à frente, foi a vez do psicodrama, influenciado pela psicanálise, mas com pretensões menos elitistas, mais próximo das ciências sociais, como a sociologia e a antropologia, e, claro, do teatro. Paradoxalmente, posiciona-se contra a psicanálise e o teatro tradicional, inventando um teatro, espontâneo e criativo, no qual as narrativas seriam criadas pelos próprios atores, agora seres humanos comuns sem formação teatral.

E se o psicodrama tivesse nascido no cinema?, do psicodramatista Geraldo Massaro, é sensível, de um modo ou de outro, a essas questões. Propõe uma pergunta que, digamos, "complica" a história do psicodrama como a conhecemos, deslocando e psicodramatizando o problema: e se?

O resultado é um ensaio instigante que problematiza e abre novos caminhos para se refletir sobre a prática e a teoria. O leitor não deve esperar algo muito acadêmico, com citações precisas e coisas assim. O autor é, antes de tudo, um apaixonado pelo cinema e pelo psicodrama. Desse modo, ele vai construindo e dando forma a uma obra, fruto dessa paixão. Não se trata, no entanto, de algo caótico. Não! São seis capítulos, antecedidos por uma introdução, nos quais o autor esboça seu projeto para fornecer ao leitor informações e transmitir um propósito.

O jovem psicodramatista tem muito a ganhar, pois pode iniciar seu percurso de modo menos enrijecido. Já o psicodramatista mais maduro colocará questões originais em seu sabido cotidiano. O autor, com a presente obra, mostra seu atual modo de atuar na clínica, oferecendo-nos a chance de adentrar em seu espaço de trabalho, fornecendo generosamente a todos pistas e informações muito contemporâneas. Temos, desse modo, as indicações de uma prática, na qual a preocupação não está tão focada na resolução de conflitos, e sim nos processos de subjetivação. As técnicas de cinema são utilizadas para facilitar esse processo, o uso do épico e do lírico contrapostos ao drama operacionalmente.

É evidente a influência dos filósofos da diferença (dois deles citados na bibliografia, Michel Foucault e Gilles Deleuze) quando se desloca o sentido do projeto psicodramático da cura para modos de subjetivação. Essa intenção, presente desde o início da história do psicodrama (especialmente nos trabalhos de Moreno nos primórdios, em Viena), mas frequentemente escamoteado pelo desejo de tudo controlar (na experiência mais científica, nos Estados Unidos), fica plenamente explicitada. No momento em que a noção de cura está bastante desacreditada e a função do trabalho psicodramático é outra, o livro chega em excelente hora.

Portanto, este livro é menos uma obra acabada, fechada e mais algo que nos proporciona pistas, nos faz pensar e, quem sabe, inventar.

Não me parece pouco.

 

Endereço para correspondência

Devanir Merengué
Rua Nhandeara, 275
Chácara da Barra – Campinas, SP
CEP 13090-650
Tel. (19) 3251-3343
E-mail: dmerengue@uol.com.br

 

Recebido em 13/05/2014
Aceito em 24/05/2014