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Revista Brasileira de Psicodrama

versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.23 no.1 São Paulo  2015

 

ARTIGOS INÉDITOS

 

Grupo autodirigido: tecendo sobre e fluindo com...

 

The self-directed group: weaving over and flowing with...

 

El grupo autodirigido: tejer sobre y fluyendo con...

 

 

Mariângela Pinto da Fonseca WechslerI,*; Dirce Fátima VieiraI,**; Vera Lucia RolimII,III,***

IDepartamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae
IISociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP)
IIIPontifícia Universidade Católica de São Paulo(PUC-SP)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo nasceu da experiência inovadora das autoras com a implementação de Grupo Autodirigido em um curso de Psicodrama, da pesquisa qualitativa feita sobre esse tema e das experiências singulares adquiridas na trajetória de ser Psicodramatista de todas as autoras. O Grupo Autodirigido é um dispositivo de aprendizagem, em que confluem aspectos psicoterápicos e de aprendizagem. Pode ser realizado institucionalmente ou em consultório privado. Este artigo se propõe a mostrar as diferenças e as semelhanças entre essas abordagens e também entre o GAD, nos focos socioeducacional e psicoterápico. Discute ainda a possibilidade de acolher outros papéis profissionais, além da formação de psicodramatista, e enfatiza a Pesquisa-Ação com seu fundamento político e ideológico como a precursora filosófica desse dispositivo de aprendizagem.

Palavras-chave: Grupo Autodirigido. Psicodrama. Pesquisa-Ação


ABSTRACT

This text is the result of the authors' innovative experience with the implementation of a SelfDirected Group in a Psychodrama training course, a qualitative research project on this subject, and the individual experiences of the authors acquired during their careers as Psychodramatists. The self-directed group is a learning tool, combining psychotherapeutic and training aspects, and it can be applied in institutional settings or in private practice. This paper reflects on the similarities and differences of the use of the self-directed group in these settings, as well as their use with a socio-educational and psychotherapeutic focus. It explores the potential of developing other professional roles, besides of that of the psychodramatist, and emphasizes Action-Research with its political and ideological background as the philosophical forerunner of this learning device.

Keywords: Self-Directed Group. Psychodrama. Action-Research.


RESUMEN

Este texto es el resultado de la experiencia innovadora de los autores con la implementación del Grupo autodirigido en un curso de formación de psicodrama, un proyecto de investigación cualitativa sobre este tema y las experiencias individuales de los autores adquiridas durante sus carreras como psicodramatistas. El grupo autodirigido es uno dispositivo de aprendizaje, combinando aspectos psicoterapéuticos y formación, y puede ser aplicado en entornos institucionales o en la práctica privada. Este artículo reflexiona sobre las similitudes y diferencias de uso del grupo autodirigido en estos contextos, así como su utilización con un enfoque socio-educativo y psicoterapéutico. Se explora el potencial de desarrollo de otros roles profesionales, además del de psicodramatista y hace hincapié en la investigación-acción con su trasfondo político e ideológico como el precursor filosófico de este dispositivo de aprendizaje.

Palabras-clave: Grupo autodirigido. Psicodrama. Investigación-acción.


 

 

INTRODUÇÃO

Escrever sobre Grupo Autodirigido é primeiramente conceituá-lo, resgatar a história sobre seu nascimento no movimento psicodramático e o contexto institucional no qual ele, pela primeira vez, foi implementado nos níveis II e III da formação de psicodramatista no DPSedes.

Grupo Autodirigido pode ser considerado um modo singular de ensinar psicodrama, no qual as aprendizagens se dão no "aqui e agora", com conteúdos trazidos dos próprios participantes, nos quais os papéis de Diretor, Ego-Auxiliar, Protagonista e Processador são desenvolvidos.

Em Beacon, em 1965, esse método já acontecia com grupos itinerantes com duração de uma a três semanas, tendo os Morenos como coordenadores, J. L. e Zerka. Naquela época, a escolha do protagonista era feita por autoindicação e ele mesmo escolhia um colega para dirigi-lo. No outro período do dia, havia o processamento do vivido. Alguns brasileiros participaram dessa experiência, e o psicodramatista argentino Dalmiro Bustos, ao trazer esse método para a América Latina, fez adaptações para grupos de maior duração – semanais ou mensais – e, sobretudo, atualizou os conceitos morenianos, dando coerência entre os conceitos e a prática, pois a finalidade era a formação. Dessa maneira, ao propor sessões mensais ou semanais em grupo, focalizava a importância do aquecimento, do qual emergia o protagonista de uma dada sociodinâmica grupal. Daí o trabalho da dramatização era dirigido por um colega, seguindo-se o compartilhar e o processamento. Assim, a ênfase era dada aos papéis de Diretor, Ego-Auxiliar, Protagonista, Processador e membro do grupo (plateia), e o batismo para esse método foi Grupo Autodirigido (GAD), embora sempre existisse um metadiretor.

Rastreando outras experiências de GAD no Brasil, temos:

O Instituto J. L. Moreno São Paulo (1997-2002) foi uma experiência de ensino de Psicodrama Clínico – Nível I – no qual o GAD ocupava um papel central no projeto educacional e foi a primeira experiência de GAD institucional no Brasil na formação de psicodramatistas. Os temas trabalhados no GAD eram desdobrados para outros espaços curriculares, buscando uma integração entre teoria e prática. Uma experiência inovadora no movimento psicodramático. A autora Vera Rolim foi uma das integrantes da equipe2.

Na Sociedade de Psicodrama de São Paulo, em 2013, depois de constatada a necessidade de um espaço de aprendizagem teórico-vivencial, com base nas próprias questões existenciais e nas experiências dos docentes com GAD, formou-se um grupo de trabalho para pensar sobre propostas de implementação desse dispositivo3. A regulamentação deu-se em 2014, na qual haverá obrigatoriedade de GAD nos Níveis II e III, foco psicoterápico e optativo para o Nível I.

Para nós, o GAD é um dispositivo que tem dupla perspectiva: ensino-aprendizagem teórico-metodológica da abordagem moreniana e pós-moreniana e psicoterápica, na medida em que os personagens protagônicos vividos traduzem as necessidades de reorganização intrapsíquica e interpsíquica do próprio grupo trabalhado.

Para o leitor melhor nos acompanhar teceremos, neste artigo, múltiplas perspectivas: dos metadiretores e dos psicodramatistas em formação que vivenciaram esse método.

 

I-AÇÃO DE IMPLEMENTAÇÃO DE GAD NO DPSEDES

Implementamos, pela primeira vez, o Curso de Nível II (Didata) e III (Supervisor) da formação em Psicodrama em 2008 no DPSedes4. Ao gestarmos o projeto educacional, deparamo-nos com demandas específicas para essas titulações. Como formar um Didata e/ou um Supervisor sem a obrigatoriedade de psicoterapia psicodramática dada a regulamentação da Febrap? Como formar um Didata e/ou um Supervisor sem a possibilidade de um espaço de experimentação dos papéis que ancoram o projeto psicodramático, quer sejam os de Diretor, Ego-Auxiliar, Protagonista, Redator – Processador e membro do grupo (plateia)? Como ensinar psicodrama sem a possibilidade de viver as transformações geradas pelo próprio método? Acreditamos, naquele momento, que o GAD responderia a essas questões. De fato, nosso projeto educacional referendou o GAD pela primeira vez no movimento psicodramático para Níveis II e III, conjuntamente com a Supervisão e o Seminário de Pesquisa, e formou os três eixos integrados de aprendizagens. Consideramos importante também que simultaneamente ao GAD os alunos fizessem psicoterapia psicodramática, pois as questões pessoais trabalhadas no GAD precisam ser continuamente iluminadas e elaboradas.

Da perspectiva dos metadiretores, podemos pontuar semelhanças e diferenças entre GAD institucional e privado (consultório) e entre direções com focos socioeducacional e psicoterápico.

Quais são as diferenças e as semelhanças? Falamos que GAD é um método, por excelência, de aprendizagens vivenciadas e reflexivas, fundamentando-se nos princípios da metodologia socionômica com seu tripé dos contextos, dos instrumentos e das etapas. Dessa maneira, quer seja GAD institucional ou privado, no foco socioeducacional ou psicoterápico, o caminho é o mesmo. Ora, quais as diferenças então?

Em instituições cujos objetivos são de formação do Psicodramatista, em seus diferentes níveis, diferentemente do consultório, os Papéis de Diretor, Protagonista e Processador necessitam de uma aprendizagem vinculada aos focos específicos: socioeducacional e psicoterápico. Isso quer dizer que nós, metadiretores, ajudamos o Diretor, na abordagem do foco socioeducacional, a integrar suas vivências e seus conhecimentos à metodologia psicodramática, criando personagens que desenvolvam a relação entre o drama apresentado pelo protagonista, a sociodinâmica grupal e a iluminação de ações no social. Dessa maneira, nós, meta-diretores, facilitamos que o trabalho possa ser focado nos seus diversos vértices – dimensões do mesmo fenômeno: individual, grupal e social. Ora, isso não seria a própria interligação dos contextos – dramático, grupal e social – que Moreno já nos anunciava? Acreditamos que sim.

No entanto, qual seria o manejo específico para um GAD socioeducacional? Poderíamos dizer que no GAD socioeducacional o protagonista embora seja o foco, os múltiplos sentidos do grupo é a tônica a serviço da horizontalidade, da corresponsabilidade grupal.

Exemplificando: em uma direção do socioeducacional, o manejo foi com base no tema protagônico – o cansaço do grupo ressoado pela trajetória vivida nas duas disciplinas dadas anteriormente – seminário de pesquisa e supervisão. No aquecimento, delineia-se um tema grupal. Vários participantes oferecem-se como possíveis protagonistas. O tema protagônico emerge na escolha de um representante grupal, quando este é referendado pelo próprio grupo. Observa-se nessa escolha a confluência da problemática pessoal com o grupal e o social. Na cena dramática, o tema do "cansaço" desdobra-se no conflito entre um personagem forasteiro que não pertence, significando impotência, e o outro que quer aprender e pertencer, significando potência. O Diretor com o foco no socioeducacional opta pelo manejo do personagem impotente no "aqui e agora", por intermédio das ressonâncias singulares dos membros do grupo. Com base nessa cocriação, emergem possibilidades de transformações no contexto dramático que puderam ser absorvidas e rejeitadas pela própria representante grupal, favorecendo a discriminação daquilo que poderia empoderar o personagem protagônico – o cansaço do forasteiro.

O manejo no foco psicoterápico poderia seguir o conflito interno entre a impotência versus potência, desdobrando-se para sua matrix. Nesse processo, o diretor ajuda o protagonista, por meio de personagens, a vivenciar e transformar suas experiências afetivas. Qualquer que seja o foco, após a dramatização, há o compartilhar em que todos podem dar visibilidade às suas vivências ressoadas pelo trabalho dramático. Seguindo adiante, temos sempre um relator que se responsabiliza pela transcrição da sessão do grupo e um processador do trabalho. Durante a exposição do processamento na aula seguinte, nesse exemplo, após o processamento do diretor sobre sua direção e sua leitura da sociodinâmica grupal, os metadiretores, juntamente com o grupo, refletiram e ampliaram o que havia sido esboçado nas dimensões individual e grupal, capturando a temática que perpassava pelas dimensões institucional e social. Pontuava, assim, também uma leitura da eficácia do trabalho do GAD não só como um laboratório de vivências e subjetivações, mas como potencializador de uma ação mais eficaz nessas dimensões.

Dessa forma, nossas reflexões pontuam o efeito terapêutico do GAD socioeducacional.

Nossa metadireção no foco psicoterápico aponta, sobretudo, para o desenvolvimento do papel de Diretor que integra o conhecimento das psicodinâmicas e seus respectivos manejos. Trabalhamos o intrapsíquico articulado ao interpsíquico com base na criação de personagens, personagens complementares saudáveis, patológicos, perspectivas de transformação pela compreensão da lógica afetiva vivenciada e possibilidades de outras vivências na realidade suplementar. Dessa maneira, no foco psicoterápico buscamos, também, o locus nascendi, o status nascendi e a matrix do conflito apresentado, abrindo para transformações. Além de facilitarmos o que já havíamos pontuado para o metadiretor do foco socioeducacional.

Como exemplo, podemos citar uma sessão de GAD psicoterápico5, na qual o tema protagônico foi o "desamparo no crescimento", e o personagem protagônico foi a dificuldade de escolhas de uma jovem de sair do jogo de sedução dos pais que impedia seu crescimento. O diretor ao trabalhar com o protagonista vai desenhando a cena do conflito inter-relacional: mãe, pai e filha e desdobra-o para a dimensão intrapsíquica, na qual o personagem filha faz o papel de não querer crescer – papel complementar interno patológico. O metadiretor incentiva o Diretor a criar uma cena na qual os pais possam presentificar a sociodinâmica familiar, referendando a percepção e os sentimentos da filha – "nós temos dificuldade, sim, de deixar você crescer... afinal, se você vai cuidar da sua vida, como ficamos"? – e a criar uma cena reparatória na qual esses pais pudessem pedir desculpas. Nomeamos essas cenas cocriadas de Realidade Suplementar, assim como Zerka Moreno, Blomkvist e Rützel (2001) nos ensinou, visto que a cena abre possibilidades de devolver ao sujeito o que lhe era de direito e lhe foi tirado – a própria mais valia de Marx, inaugurando, dessa maneira, outro padrão relacional que incentivasse a própria autonomia do personagem filha.

Terminada a cena dramática o grupo foi convidado a compartilhar as ressonâncias singulares; na aula seguinte, houve o processamento feito pela própria Diretora com base no relato de um membro do grupo que havia se responsabilizado e ampliado pela metadiretora e grupo. Pontuamos como fundamental a disponibilidade do grupo de serem Egos-Auxiliares dos personagens apresentados em cena, a serviço de uma reorganização do padrão relacional inter e intrapsíquico – efeito psicoterápico, diferentemente do foco socioeducacional.

Tendo pontuado até agora algumas diferenças marcantes nos manejos de GAD em ambos os focos de trabalho, passaremos a identificar as diferenças entre GAD institucional e privado.

Dessa maneira, pensamos que o GAD institucional é balizado por um projeto educacional que tem seus objetivos de formação e, especificamente, de uma formação teóricovivencial. No entanto, sabemos que qualquer Instituição é atravessada por várias instâncias com suas leis e suas regras, podendo dificultar ou não a implementação dos diversos projetos educacionais. Diferentemente do consultório, onde há mais liberdade para os acordos estabelecidos nas inter-relações entre o metadiretor (coordenador do grupo) e os profissionais psicodramatistas que tenham demandas para participarem desse dispositivo de aprendizagens. Outra diferença que ressaltamos é a questão da escolha do metadiretor, uma vez que na instituição já há uma predefinição dos professores para cada disciplina. No consultório, por sua vez, o metadiretor, o próprio coordenador, é escolhido ativamente pelo profissional que tem essa demanda. Aqui estamos falando ainda do profissional psicodramatista que busca uma formação continuada sem o compromisso institucional que implica a participação conjunta em complexas tarefas.

No entanto, também existe outra demanda de profissionais, não psicodramatistas, que podem ser beneficiada com esse dispositivo GAD, sobretudo os profissionais de coaching, experiência da autora Dirce Fátima Vieira. Nesse processo, o objetivo é o desenvolvimento dos papéis de Diretor, Protagonista, Ego-Auxiliar e Processador a serviço de um autoconhecimento, condição necessária para as desconstruções de um papel cristalizado e reconstruções de um papel profissional mais flexível, criativo, humanizado e ético, com base no qual as transformações sociais podem advir. Ressaltamos a importância de o metadiretor, desse tipo de demanda específica, ter formação de Supervisor e experiências em trabalhos socionômicos organizacionais, em que a filosofia moreniana, seu pressuposto de homem, teoria e metodologia estão integradas nessa práxis.

 

SOBRE A PESQUISA QUALITATIVA FEITA PELA PRIMEIRA AUTORA

Dar visibilidade para essa pesquisa (apresentada no 19º Congresso Brasileiro de Psicodrama, 2014), nesse momento do artigo, é mostrar o ponto de vista dos psicodramatistas (alunos em formação e psicodramatistas já formados) que participaram de GAD, quer institucional (DPSedes), quer privado, (metadiretores: Dalmiro Bustos e Mariângela P. F. Wechsler). No total, tivemos 28 sujeitos convidados, 20 sujeitos pertencente ao GAD institucional, uma vez que somente 7 responderam (35%), e 8 sujeitos pertencentes ao GAD privado, e 4 efetivamente responderam (50%).

O objetivo geral foi refletir sobre as respostas dos participantes para construir indicadores que pudessem nortear avaliações sobre a implementação de GADs. E o objetivo específico foi dar visibilidade para diferenças encontradas entre GAD institucional e GAD privado. A justificativa foi a constatação da necessidade do movimento psicodramático em tecer mais fios sobre esse dispositivo. A finalidade fundamenta-se na contribuição para o desenvolvimento da formação do Psicodramatista em ambos os focos: socioeducacional e psicoterápico, desencadeando processos de subjetivação.

Podemos dizer que é pelas trocas recíprocas e fraternas, sobretudo no momento do compartilhar, que se pode viabilizar o "projeto utópico" moreniano que aponta para as transformações sociais, pois nesses microcosmos, locus do Grupo Autodirigido, plantam-se sementes de humanidade e aprendizagens com base nesse reconhecimento e nessa corresponsabilidade.

Foram feitas três perguntas:

1) Qual foi sua impressão sobre o processo que vivenciou no GAD? Cite as facilidades e as dificuldades. Pelas respostas, apreendemos:

GAD é um espaço de confiança onde as aprendizagens acontecem sem cisões entre prática e teoria; o grupo desenvolve o clúster fraterno e ameniza as dificuldades de enfrentar o erro; o metadiretor deve manejar no clúster materno (continência) e paterno (visibilidade às regras do manejo específico, quando necessário); a necessidade de psicoterapia fora da sala de aula, sobretudo para iniciantes. Essas respostas referendam o ponto de vista das metadiretoras (autoras) já esboçadas.

2) Se pudesse escolher hoje, faria novamente um GAD em um Curso Institucional? Por quê? Ou o que levou você a buscar esse dispositivo (formato de grupo)?

Pelas respostas, apreendemos:

Dos 11 sujeitos, 7 alunos de GAD institucional responderam que fariam GAD em um Curso de formação: 100% de adesão; dos 4 sujeitos entrevistados de GAD privado, as respostas apontaram para: curiosidade (esse sujeito já fazia supervisão com a coordenadora do GAD e foi convidado, por ela mesma, a integrá-lo); desejo de aprendizagens com um coordenador específico; boas aprendizagens anteriores com terapia de grupo (também com um diretor específico); riqueza de aliar teoria e prática em um espaço que se torna terapêutico (esse sujeito foi recomendado pela sua terapeuta em processo individual para se incluir no GAD). Também acreditamos que esses pontos de vista levantados pelos psicodramatistas estão em consonância com aqueles esboçados pelas autoras (metadiretoras).

3) Na sua opinião, há diferenças e semelhanças entre um GAD institucional e privado? Quais? Pelas respostas, apreendemos:

Não tem diferenças – depende do contrato e da demanda trabalhada; pensava que poderia ser a escolha do Coordenador, mas pensa-se que o papel comum a ser desenvolvido que o GAD institucional garante é vantajoso; pensa-se que é a escolha do Coordenador, garantindo o acolhimento; a diferença seria as regras norteadas pela Instituição para a realização da proposta; o GAD institucional visa ao processo de aprendizagem institucional e à formação. Aqui podemos observar que algumas respostas mostram uma despreocupação com as diferenças.

As reflexões sobre a pesquisa feita apontam para a conceituação desse dispositivo, em consonância com nossa definição e referendando a escassa bibliografia sobre o tema: "GAD como um laboratório de experimentações vivas, permitindo o desenvolvimento do Papel de Diretor, Protagonista, Ego-Auxiliar e Processador, aliando teoria e prática, ao mesmo tempo, em um ambiente protegido, disparando processos de subjetivação". Apontam também para a importante questão de o GAD institucional funcionar mais livremente da figura do Coordenador – metadiretor – e mais focado no grupo. Parece que os dados quantitativos sobre os sujeitos que responderam confirmam essa hipótese (35% GAD institucional e 50% GAD privado).

Os indicadores construídos que poderiam nortear as avaliações de GADs foram:

1. Como o GAD privado tem maior tendência de se iniciar em torno da figura do Coordenador, ele precisa trabalhar incessantemente sua questão narcísica para poder ajudar no desenvolvimento da autonomia dos participantes;

2. Como o GAD institucional está inserido em um Curso de Formação, este precisa ter um projeto educacional que articule o dispositivo GAD às outras disciplinas em favor da formação total do aluno, podendo ser o locus onde aparece a sociodinâmica institucional;

3. É conveniente que os alunos, sobretudo os iniciantes, estejam em processo de psicoterapia para participarem de GAD institucional.

Dessa maneira, finalizamos os pontos de vista dos psicodramatistas que fizeram GAD, e essas reflexões são referendadas por nós, autoras e metadiretoras.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento, gostaríamos de tematizar sobre alguns pontos: Por que nomeamos GAD como um dispositivo? Qual o fundamento político e ideológico desse dispositivo de aprendizagem? O GAD pode ser considerado uma Pesquisa-Ação?

Dispositivo, segundo Agamben (2009), na esteira de Foucault é: "Qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes" (p. 40). Ainda para Agamben, o resultado da relação entre os seres viventes (substâncias) e os dispositivos é o próprio sujeito, lugar de múltiplos processos de subjetivação. No entanto, compreender os dispositivos é entender que ele próprio, pela sua genealogia teológica, separa ser e ação, ontologia e práxis. Ora, por que então estamos chamando de dispositivo o Grupo Autodirigido? Ainda, segundo Agamben, esse tipo de sagrado promovido pelo contexto histórico que os dispositivos veiculam só poderá ser transformado com base na reunificação entre ser e ação, por intermédio das profanações, do lúdico, do jogo (WECHSLER, 2014). Agamben (2009, p. 44-45) nomeia esse processo de contradispositivo:

[...] a estratégia que devemos adotar no nosso corpo a corpo com os dispositivos não pode ser simples, uma vez que se trata de liberar o que foi capturado e separado por meio dos dispositivos e restituí-los a um possível uso comum [...] a profanação é o contradispositivo que restitui ao uso comum [...]

É dessa forma que nomeamos GAD como dispositivo; no entanto, seu fundamento político e ideológico é um contradispositivo, uma vez que funciona como um laboratório de integração entre ser e ação, por intermédio da espontaneidade e da criatividade desenvolvidas no processo. O campo do jogo com sua ludicidade e sacralidade favorece o movimento espontâneo, ações instituintes, saindo das conservas culturais, o instituído.

Pensamos ainda que o processo GAD, além de funcionar como um contradispositivo pode também ser considerado aquele que promove Pesquisa-Ação, uma vez que é um lugar privilegiado para a vivência dos métodos socionômicos, e eles, por excelência, têm todas as características e as especificidades da Pesquisa-Ação existencial (WECHSLER, 2004). Concordamos com a autora que a Pesquisa-Ação Existencial ou a Pesquisa Socionômica, ao ter a finalidade de uma transformação social, leva em conta a necessidade de uma transformação de todos os envolvidos no campo de pesquisa; concordamos que o processo educativo ou psicoterápico do GAD pode ser visto como objeto de pesquisa; concordamos ainda sobre a natureza social desse objeto e a necessidade de nos corresponsabilizarmos pelas consequências das transformações em curso, uma vez que nossa metodologia socionômica nos conduz para a tríplice leitura dos contextos social, grupal e dramático; por último, concordamos que a natureza social do nosso objeto outorga aos nossos métodos a categoria de atividades social e política e, dessa forma, ideológica.

 

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, G. O que é contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó (SC): Argos, 2009. BUSTOS, D. M. Nuevos rumbos em Psicoterapia Psicodramática. La Plata: Editorial Momento, 1985.         [ Links ]

_____. O Psicodrama: Aplicações da técnica psicodramática. São Paulo: Summus, 1982.         [ Links ]

_____. Perigo... Amor à vista! Drama e Psicodrama de Casais. São Paulo: Aleph, 1990.         [ Links ]

MORENO, Z. T; BLOMKVIST, L. D.; RÜTZEL, T. A Realidade Suplementar e a Arte de Curar. São Paulo: Ágora, 2001.         [ Links ]

AMATO, M. A. A poética do Psicodrama: O grupo Autodirigido e a Dinâmica de Cena. São Paulo: Aleph, 2002.         [ Links ]

CONTRO, L. Nos Jardins do Psicodrama. Campinas (SP): Alínea, 2004.         [ Links ]

WECHSLER, M. P. F. "A Pesquisa-Ação e os Métodos Socionômicos: uma conexão possível". In: Anais IV Congresso Brasileiro de Psicodrama. Belo Horizonte (MG): Atividade Temas em Debate, 9 p, 9 a 12 junho de 2004.         [ Links ]

_____. "Preço e/ou apreço: Jornal Vivo como dispositivo ou contradispositivo?". In: WECHSLER, M. P. F; MONTEIRO, R. F. (orgs.). Psicodrama em Espaços Públicos: Práticas e Reflexões. São Paulo: Ágora, 2014.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência

Mariângela Pinto da Fonseca Wechsler
Email: maripfwe@gmail.com
R. Senador Otavio Mangabeira, 85
São Paulo, SP.
CEP: 05662-000.
Tel.: (11) 3746-9137, cel.: (11) 9-8266-1865.

Dirce Fátima Vieira
Email: difavi@ig.com.br
R. Tabapuã, 1123 – cj. 23 e 24.
São Paulo, SP.
CEP: 04533-014.
Tel.: (11) 3709-2124, cel.: (11) 9-8331-6920.

Vera Lucia Rolim
Email: verarolims@gmail.com
R Purpurina 155 – cj. 51
Vila Madalena – São Paulo, SP
CEP 05435-030.
Tel.: (11) 3034-6372.

 

Submetido em: 17/04/2015
Aceito em: 26/09/15

 

 

* Doutora em Psicologia Escolar pela Universidade de São Paulo (USP); psicodramatista/didata/supervisora pela Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap); especialista em Terapia Familiar pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) coordenadora-geral da DPSedes, gestão 2015-2017 e professora supervisora nos Cursos de Psicodrama do DPSedes e do convênio entre a Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); autora de livros e artigos na Revista Brasileira de Psicodrama e em outras especializadas na área.
** Dirce Fátima Vieir Psicodramatista/didata/supervisora pela Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap); especialista em Psicologia Clínica (PUC-SP); professora supervisora nos Cursos de Psicodrama do DPSedes; especialista em Psicoterapia Junguiana (DJCSEDS); autora do livro do Vício do Sofrimento.
*** Psicodramatista/didata/supervisora pela Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap); especialista em Psicologia Clínica pelo CRP-SP; professora supervisora no Curso de Educação Continuada em Psicodrama – Níveis II e III (SOPSP); professora convidada no Curso de Formação em Psicodrama, Nível I, da Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) convênio com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).; autora de artigos na Revista Brasileira de Psicodrama e no livro Lacaneando, organizado por C. Saltini e H. Flores.
2 Integrantes da equipe fundadora: Anna Knobel, Dalmiro Bustos, Pedro Mascarenhas, Rosa Cukier e Vera Rolim.
3 Grupo de trabalho: Adelsa Cunha, Anibal Mezher, Maria Angelica Sugai, Maria Célia Malaquias, Maria de Lourdes Sgorbissa, Mariângela Wechsler, Pedro Mascarenhas (coordenador) e Vera Rolim.
4 Equipe: Anna Knobel, Dirce Vieira, Luiz Amadeu Bragante, Mariângela Wechsler (coordenadora), Milene Féo e Vera Rolim.Equipe: Anna Knobel, Dirce Vieira, Luiz Amadeu Bragante, Mariângela Wechsler (coordenadora), Milene Féo e Vera Rolim.
5 Curso desdobrado dos Níveis II e III, nomeado de Curso Integrado (2013-2014), recebendo alunos de todos os Níveis. Docentes: Anna Maria Knobel, Dirce F. Vieira, Heloisa Fleury, Herialde Silva, Maria Rita Seixas, Mariângela Wechsler, Milene Féo (coord.), Rose Miyahara, Ruy de Mattis, Teresinha Tomé Baptista.

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