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Revista Brasileira de Psicodrama

versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.23 no.1 São Paulo  2015

 

ARTIGOS INÉDITOS

 

Ressonância corporal – uma proposta de intervenção psicodramática

 

Body resonance – a proposal for a psychodramatic intervention

 

Resonancia del cuerpo – una propuesta psicodramática para intervención

 

 

Natália Regina Giro*; Melissa Marques Torres Oliveira**; Maher Hassan Musleh***; Wendy Prado****

Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Para este trabalho, especificamente apresentamos uma proposta de intervenção grupal psicodramática intitulada de "Ressonância Corporal", fundamentada no estudo e na prática de ações que utilizam a linguagem não verbal – comunicação corporal –, objetivando desvelar aquilo que é falado e sentido, bem como potencializar a capacidade expressiva do corpo inerente às pessoas. A vivência apresentada promove o resgate e a consciência da linguagem corporal, a partir da prática e da reflexão da relação comunicação-corpo. A ressonância corporal pode ser classificada como uma intervenção psicodramática que implica duas ou mais pessoas "ressoarem" a mensagem emitida por um indivíduo ou um grupo por meio de uma ação corporal executada.

Palavras-chave: Corpo. Comunicação. Socionomia. Teatro.


ABSTRACT

This paper introduces a specific psychodramatic group intervention, namely "Body Resonance", which has its foundations in the study and practice of action using non-verbal language – body communication – and aims to unveil what is spoken and felt, as well as enhance the body's inherent expressive power in people. The here described experience promotes the revival and awareness of body language, by exercising and reflecting on the relationship between body and communication. Body resonance can be understood as a psychodramatic intervention that involves two or more people "resonating" the messages issued by an individual or group, through performing bodily action.

Keywords: Body. Communication. Socionomy. Theatre.


RESUMEN

Para este trabajo, proponemos un psicodrama de la intervención de grupo específico que titulado "Resonancia corporal" basado en las acciones del estudio y la práctica que utilizan lenguaje no verbal – comunicación corporal – desvelando así lo que se habla y dirección, así como mejoran el cuerpo de fuerza expresiva inherente en las personas. La experiencia presentada promueve el rescate y conocimiento del lenguaje corporal, de práctica y reflexión de la comunicación de la relación del cuerpo. La resonancia del cuerpo se puede clasificar como una intervención de psicodrama que consiste en dos o más personas "resuenan" el mensaje emitido por un individuo o grupo a través de una acción corporal.

Palabras-clave: Cuerpo. Comunicación. Socionomía. Teatro.


 

 

INTRODUÇÃO

O Homem é um ser social, inserido desde o nascimento em diferentes grupos: família, trabalho, lazer etc. A comunicação faz-se presente nas relações pessoais e/ou profissionais por diferentes meios: oral, corporal, virtual, escrita. O estudo desse processo de comunicação é instigador e oferece diversas possibilidades para aprofundamento teórico e prático. Para este trabalho, especificamente escolhemos apresentar uma proposta de intervenção grupal psicodramática intitulada Ressonância Corporal, fundamentada no estudo e na prática de ações que utilizam a linguagem não verbal – a comunicação por meio do corpo objetivando desvelar aquilo que é falado e sentido, bem como potencializar a capacidade expressiva corporal inerente as pessoas.

A ressonância corporal pode ser classificada como uma intervenção psicodramática que implica duas ou mais pessoas expressarem, "ressoarem" a mensagem emitida por um indivíduo ou um grupo por meio de uma ação corporal executada, a priori, pela concretização de imagem ou escultura estática, mas que aos poucos ganha movimentos e/ou interferências (inserções, exclusões, transformações etc.) do emissor da mensagem ou mesmo de quem compartilhou a escuta desta. Essa ação é inserida como mediador para personificar o que é comunicado e interliga as pessoas envolvidas no momento presente sustentado pelas sensações e pelos sentimentos manifestados. Cada um tem a oportunidade de se reconhecer a partir do sentimento do outro, e esses sentimentos se tornam únicos e vivenciais, ocorridos no tempo do "aqui e agora" proposto por Moreno (1984).

Muitas vezes, a linguagem do corpo não é reconhecida como parte integrante da mensagem relegando-a a um aspecto subjetivo: "tenho impressão de", "algo me diz" ou "achei que". O que é dito (oral) é identificado, o não dito (corpo) é sentido. O fenômeno provocado pela ressonância corporal revela o impacto que a mensagem causou a partir da ação, do dizer corporal. Quando trazemos a mensagem para o corpo, o subjetivo torna-se objetivo e consciente para reflexão e compreensão do indivíduo e do grupo. Levando-se em consideração a dicotomia entre mente e corpo, para Chauí (2002), a alma do indivíduo constitui-se por sensações e pensamentos. Por sua vez, a linguagem corporal expressa conteúdos objetivos e subjetivos da personalidade do homem. A forma objetiva do homem caracteriza-se pela função racional, e a forma subjetiva mostra-se em sua função sensitiva, processo consciente no ser humano. Portanto, a proposta de intervenção grupal apresentada caracteriza-se pela construção de uma imagem corporal – coletiva ou individual –, constituída por sensações e sentimentos que resultam em uma mensagem ou uma expressão de conteúdos objetivados pelo corpo, o que permite ao emissor e ao receptor a consciência, a aprovação ou a reprovação da mensagem comunicada.

A ressonância corporal pode desencadear outras ações, resultando em uma multiplicação de ressonâncias corporais, assim como Mascarenhas (1996) ressalta que as ressonâncias de sentimentos e sensações desencadeiam a multiplicação dramática. Pode-se entender que o ressoar corporal repercute no Eu, no Outro e em Nós, consequentemente, toca o sujeito profundamente por meio da expressão ocasionando uma comunicação entre corpos presentes.

Desde 2011, a unidade funcional6 responsável por este estudo e pesquisa realiza vivências a partir da proposta de intervenção apresentada. Essas vivências são fundamentadas pelo estudo e pela pesquisa da Socionomia, caracterizada por Moreno (1984) como a ciência dos grupos, estuda o movimento relacional entre o indivíduo e o coletivo, e do Teatro, a partir de seus jogos, permitindo a pessoa reencontrar-se com seu corpo expressivo e reconhecer a expressividade corporal do outro.

Por meio da liberdade dos movimentos, cada participante é convidado a entrar em contato com seu mundo interno, sentimentos e sensações, constituindo um clima livre de tensão, abrindo condições para o surgimento de situações espontâneas e criativas. Partindo de movimentos individuais, em duplas, trios e grupais, as pessoas percorrem, de forma gradativa, por atividades que possibilitam o reconhecimento do corpo – membros, articulações, sentidos e conjunto corporal. Esse processo delineia ações do individual para o coletivo e o olhar, a percepção e a reflexão sobre o conjunto expressivo corporal possibilitarão a compreensão de uma mensagem, uma informação. Permeando esse processo de comunicação e linguagem corporal, a ressonância corporal atua como facilitador para reconhecimento, validação e propriedade da mensagem comunicada.

Os momentos já vividos a luz deste estudo e prática revelam a sensibilidade e a assertividade das vivências propostas, no que diz respeito à personificação corporal dos sentimentos e das sensações manifestadas oralmente pelos participantes e expressadas por meio da ressonância corporal executada pelos egos-auxiliares7: "o grupo captou a mensagem" ou "mexeu com os sentimentos". Como experiência a ser compartilhada neste artigo, foi selecionada uma vivência realizada na cidade de São Paulo, no ano de 2012, em uma instituição religiosa.

De acordo com as etapas psicodramáticas, a unidade funcional planejou e executou um encontro de três horas de duração com a temática "integração" para alunos de diferentes turmas dos cursos oferecidos pela instituição. Aproximadamente cinquenta pessoas estavam presentes, sendo a grande maioria alunos com idades entre 14 e 21 anos, e em menor parte, professores com idade superior a 21 anos.

 

DESENVOLVIMENTO

No aquecimento inespecífico, realizou-se o mapeamento sociométrico do grupo, os participantes agruparam-se com base na faixa etária. Cada turma recebeu a missão de construir uma imagem corporal ou fotografia que as representasse e pudesse apresentá-los aos demais. Um tempo para elaboração da tarefa foi estabelecido e, ao final da representação da imagem, foi solicitado ao grupo criador um nome para a imagem representada. Após esse primeiro momento, a direção deu continuidade ao mapeamento sociométrico com base nos gostos artísticos (música, dança, teatro), nos esportes praticados (vôlei, futebol, judô etc.) e na preferência de lazer (balada, amigos, leitura etc.). Não foi pedida a imagem/fotografia. Encerrado o mapeamento, foi proposta ao grupo a construção de duas fileiras, lado a lado, para a vivência de um "telefone sem fio corporal" – uma pessoa transmite uma mensagem corporal para o integrante seguinte da fila. Os demais permanecem de costas para o emissor da mensagem, assim não veem esta. Recebida a mensagem corporal, é retransmitida ao próximo da fila e assim sucessivamente, até a chegada final desta e a constatação sobre a semelhança (ou não) entre a comunicação corporal inicial e final expressadas. O processo e o resultado dessa ação revelaram um grupo tímido em suas ações, mensagens com pouca exploração de movimentos ou partes do corpo, risadas nervosas e falas que revelavam a resistência em passar a mensagem ao outro. A próxima atividade exigiu a divisão em agrupamentos (critério livre de escolha). Assim como um brinquedo infantil conhecido8, os participantes constroem os objetos solicitados, assumindo-se corporalmente como parte do objeto (não podem assumir pessoas, somente objeto). Ao final do tempo dado para criação, cada agrupamento apresenta sua construção – um único objeto formado pelos seus integrantes. Nesse momento, ocorreu uma integração, tocaram-se, exploraram as partes do corpo. O clima era de descontração e euforia. Durante a apresentação de cada objeto criado foram realizadas intervenções, provocando respostas espontâneas.

Buscando um contato maior entre o corpo e os sentimentos, no aquecimento específico, foi proposto ao grupo para formarem duplas: um integrante assumindo o papel de argila ou massinha de modelar e o outro, escultor ou modelador. A comunicação entre esses papéis é obtida por meio das mãos do escultor movimentando o corpo de seu parceiro – a argila – evitando a fala ou a demonstração do que deseja esculpir. O sentimento ou a sensação sobre o que a instituição representa na vida da pessoa-escultor corresponde a inspiração para a criação. Portanto, primeiramente a emoção é provocada do lugar de aluno da instituição, para depois do lugar fictício ou do personagem de escultor, a ação acontecer. Após o tempo dado para a modelagem, todos os escultores são convidados a "visitar" a exposição, ou seja, as esculturas ficam expostas enquanto cada visitante entra em contato com a subjetividade presente naquela exposição: "como o outro se sente". Finalizada a observação, é solicitada à dupla para que inverta os papéis, e o processo de modelagem e a exposição são repetidos. Inicialmente, durante o processo da modelagem, o grupo mostrou-se inibido. Na exposição, ficaram mais confortáveis durante a observação das esculturas.

As atividades propostas nos aquecimentos, inespecíficos e específicos, têm como objetivos: 1. Resgatar a liberdade de expressão por meio da movimentação corporal e da valorização dos sentidos, despertando a espontaneidade e a criatividade em toda a sua plenitude; 2. Permitir ao sujeito a consciência de seus sentimentos, muitas vezes inibidos pela expressão verbal ou ocultados por comportamentos que se mantêm idênticos, "cristalizados";

3. Colaborar para manifestação das emoções e sua expressão genuína, possibilitando o desempenho de ações criativas e espontâneas diante da conserva cultural. Berthold (2003) ressalta que o homem primitivo nas cerimônias religiosas cantava, dançava, imitava os animais, a fim de incorporar suas energias ou representar as características dos antepassados para que fossem invocados e ajudassem a comunidade. Com o passar do tempo, com a chegada do mundo moderno e contemporâneo, a riqueza expressiva corporal deu lugar para a execução de movimentos, em grande parte, repetitivos, previsíveis e condicionados. Atualmente, estamos inseridos na Era da Informação Tecnológica. As relações entre as pessoas são estabelecidas virtualmente, proporcionando a cada um estar em vários locais simultaneamente. Nesse universo virtual, deixamos de utilizar nosso corpo no processo da comunicação, pois as palavras escritas, em grande parte, atuam como nosso meio de expressão. Teclamos e, por que não dizer, "camuflamos" nossos sentimentos e nossas sensações. Buscar os objetivos citados por meio das atividades propostas na etapa de aquecimento mostra-se essencial para o reencontro dessa essência primitiva do Homem Criador, possuidor de um corpo que fala, se expressa e carrega sentimentos. Somente com esse resgate aflorado, trabalhado, aquecido é possível adentrar o universo da ressonância corporal, inserida na dramatização de acordo com a estrutura de etapas de intervenções psicodramáticas.

Já sentados em círculo, formando uma grande roda, preparando-se para a dramatização (ainda no processo de aquecimento), cada participante é convidado a fechar os olhos e resgatar situações ou momentos que fazem parte de sua história e foram vividos naquela instituição ou proporcionados por ela. Dentre as várias situações refletidas, é solicitado para que escolha aquela que, no momento, representa algo importante, significativo. A partir dessa escolha, a direção orienta que percebam a si mesmo, com quem está, onde e o que acontece, qual a justificativa das ações visualizadas no momento escolhido. Em seguida, já com a clareza do momento escolhido, é pedido que abram os olhos (pouquíssimos permaneceram de olhos abertos o tempo todo). A direção abre espaço para aquele que deseja contar o momento escolhido. Algumas pessoas se voluntariam, e, após cada narração, o grupo de ego-auxiliares personifica corporalmente uma imagem representando como percebe em seu corpo, os sentimentos ou as sensações reveladas pelos narradores – aqui o grupo se encontra na etapa da dramatização, constituída pela narração e pela ressonância corporal dos momentos citados que revelavam: perdas (mortes); relações familiares focando os papéis de pai, irmão, mãe vinculados à superação de conflitos; conforto, compreensão e respostas obtidas pelas pessoas daquela instituição; ensinamentos e conhecimentos adquiridos, mas principalmente do sentimento de amizade presente nas turmas pertencidas.

A cada história narrada e ressoada corporalmente era percebida a emoção provocada no grupo – olhos brilhantes e atentos aos conteúdos, manifestação de admiração ou cumplicidade por meio das palmas reveladas voluntariamente. Para a compreensão da intervenção psicodramática apresentada, segue descrição do processo vivido nessa etapa de dramatização: – Ao final da narração, a direção solicita a equipe de egos-auxiliares que construa a ressonância corporal correspondente aos sentimentos ou às sensações provocadas em si mesmos, informando a todos que a construção representa como a equipe sente o que foi narrado. Um a um, cada integrante da equipe se comunica corporalmente compondo uma imagem com movimentos e possibilitando aos observadores a visualização de diferentes ressonâncias corporais. A direção pede o congelamento da imagem, provocando um registro estático do momento e, após breves segundos, encerra-se aquela ressonância coletiva. Primeiramente, o narrador e o grupo somente observaram a ressonância corporal manifestada pela equipe. Posteriormente, o grupo foi convidado a fazer parte da imagem, trazendo sua ressonância corporal sobre o que fora ouvido (narração) e observado (ressonância corporal). Pouco a pouco iniciativas tímidas foram sendo reveladas e no palco do "como se" integrantes do grupo dão vida corporal aos sentimentos e às sensações percebidos. Por meio dessa proposta de intervenção, é possível colocar em ação a personificação corporal protagonizada pelos egos-auxiliares (unidade funcional e participantes). Essa ação se mostra como importante meio de expressão e interação entre o narrador e o grupo, constituindo uma imagem que melhor represente, no "aqui e agora", a subjetividade não verbalizada.

Quando ninguém mais se manifesta para narrar o momento escolhido ou uma palavra que o representasse, a direção situa o grupo sobre o término do trabalho dramático, mas indaga aos participantes sobre como se sentem naquele momento ou quais sentimentos e sensações o encontro como um todo provocou. Inicia-se então a etapa do compartilhar. Uma participante começa a falar e logo se emociona, chorando ao mesmo tempo em que censura seu ato de chorar. A direção aproxima-se e aos poucos são pronunciadas, pela participante, palavras que revelam a importância daquele grupo, daquelas pessoas e da instituição em sua vida. O valor da amizade é verbalizado mais de uma vez. Após esse compartilhar, a direção volta ao grupo, aguardando outras falas, porém o silêncio prevalece no espaço. Diante dessa situação, faz-se um solilóquio expressando que, durante o encontro, todos foram aquecidos e convidados para perceber a linguagem do corpo, mas naquele momento a linguagem verbal estava sendo solicitada. Pede-se, então, para que todos, corporalmente, expressem os sentimentos ou as sensações presentes naquele momento e representam o encontro vivido. O grupo inicia movimentos, individuais, em duplas, trios ou pequenos agrupamentos, revelando expressões corporais que dão vida ao compartilhar. Surgem imagens de pessoas abraçadas, mãos unidas, entre outras que remetem a união, a reflexão, a fé, a amizade etc. Por último, a direção solicita ao grupo uma grande roda, informando que, sem soltar as mãos e coletivamente, devem virar a roda ao avesso, caracterizando aquele momento como um desafio grupal. O desafio é vencido. Todos aplaudem e o encontro é encerrado – a direção ressalta que agora é levar o vivido internamente para suas vidas – para o cotidiano, para o externo, para ação diária.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O estudo e a reflexão dos resultados obtidos por meio da intervenção psicodramática proposta evidencia a importância da linguagem corporal como meio sensibilizador para a leitura consciente dos sentimentos e das sensações expressadas pela fala. A ressonância corporal representa os efeitos decorrentes dessa percepção, do olhar e da tomada de consciência protagonizados pelo corpo. Ressoar é perceber o outro e perceber-se. A ressonância não é a ação em si, mas o efeito provocado nos participantes.

Muitos participantes ficaram encantados com a construção espontânea dos egos (unidade funcional) logo após ouvirem a narração e/ou a palavra solicitada pela diretora. Para esses jovens, os egos construíam assertivamente no corpo o significado do sentimento de que a pessoa falava. Aquecidos para o contato com a linguagem do corpo puderam vivenciar os papéis de espectadores e protagonistas durante todo o encontro, e não somente na ressonância. O Grupo em campo relaxado permitiu a manifestação da espontaneidade e da criatividade durante todas as etapas da vivência tornando aquele momento de contato com seu corpo e do outro em uma referência positiva para o processo de comunicação e autoconhecimento. A ação da transmissão de uma mensagem corporal esteve inserida em um campo lúdico e proporcionou aos participantes novas percepções sobre si mesmo: "Percebi que escolhi ser o tapete e que muitas vezes as pessoas me fazem de tapete". (emoção) "Escolhi ser Privada kakakaka (risos). Fala sério quer dizer que eu fico recebendo (merda) do mundo. Nossa que louco agora caiu a ficha". O lócus da comunicação do corpo é caracterizado pela descontração e pela superação vividas pelos participantes. Para a unidade funcional, a ressonância corporal perpassa por outros caminhos que não são os da verbalização, é preciso fazer que a plateia – grupo – possa expressar corporalmente suas sensações e suas emoções, as palavras poderão até vir posteriormente, mas se faz necessário dar vazão as expressões corporais para que possa ocorrer a conjunção entre corpo e mente. Como se pode perceber na descrição a seguir: ao observar as imagens resultantes das ressonâncias, uma participante, atendendo ao convite feito para alteração, dirigiu-se até a imagem e mexeu na posição do rosto de um ego-auxiliar e nos braços do outro. Nesse momento, um solilóquio protagonizado do grupo foi ouvido: "Ficou lindo! Queria ter feito o mesmo no meu". Com isso, percebe-se que dentre os membros do grupo havia desejo e necessidade de modificar algumas imagens, porém não foi revelado decorrente de abordagem verbal. A tomada de consciência desse desejo só aconteceu quando manifestada pela ação não verbal, pela ação do movimento, do corpo. Segundo Fernandes (2006), pesquisas contemporâneas confirmam que o comportamento não verbal corresponde a mais de 80% de toda a comunicação humana – a comunicação corporal é a expressão do pensamento e da ação.

Na ressonância corporal, o narrador pode ser ativo e participar de sua própria imagem, modificando-a se achar necessário. A equipe de egos-auxiliares faz as primeiras ressonâncias, e, posteriormente, o grupo de espectadores participantes realiza ressonâncias das histórias contadas. No entanto, o inverso também pode acontecer: o grupo de participantes a partir do que ressoou em cada um, pode construir uma imagem em movimento, e, ao final, a equipe de egos pode adentrar a imagem, trazendo sua ressonância. Segundo os jovens, quando a direção pediu para o grupo começar a ressonância e a equipe de egos-auxiliares acrescentou a sua, foi a imagem mais bonita e tocante de todo o trabalho.

Finalizando este artigo, são apontados a seguir aspectos importantes para o estudo e o aprofundamento teórico-metodológico da intervenção de grupo proposta:

1) O processo de criação dos egos para a ressonância corporal se dá pela percepção dos sentimentos e das sensações captados ao ouvir a palavra ou a história/situação narrada. Ele (ego) precisa estar atento à mensagem corporal manifestada pelo narrador. Por meio dela, é possível extrair elementos para sua criação – a ressonância. Caso o corpo do narrador não ofereça elementos para a criação, se faz necessário buscar em seu repertório situações vividas correspondentes ao sentimento/sensação captado, recorrendo a "memória emotiva", presente nos estudos do diretor russo Stanislavski (1995).

2) Caso não tenha referência corporal do narrador nem da memória emotiva, é preciso recorrer a criação imediata de uma situação fictícia, algo inventado, porém mantendo-se o foco em dar vida, por meio do corpo, a um sentimento ou uma sensação, atento a criações de personagens estereotipados, rotulados ou superatuações.

3) O papel do diretor é fundamental para favorecer a leitura corporal do narrador por parte dos egos. É ele quem entrevista e acolhe esse narrador (que sai do contexto grupal), inserindo-o no "palco" e fazendo a intermediação palco-plateia ou narrador-grupo. Portanto, é preciso cuidar dessa relação favorecendo ao grupo e aos egos a visibilidade necessária para emergir a telegrupal e a criação da ressonância dos egos (oficiais: unidade funcional/emergentes: grupo). Noções de marcação cênica, grupo, protagonista e ação protagônica são elementos importantes para o estudo dos desdobramentos dessa reflexão.

4) Considerando o processo de estudo, a unidade funcional acredita que a escultura fluída tem semelhanças com a ressonância corporal, ambas se complementam, porém se diferenciam. De acordo com Barberá e Knappe (1999), na escultura, como qualquer outra técnica, sua aplicação deve seguir as etapas de um psicodrama, iniciando, portanto, pelo aquecimento. Este se faz necessário para preparar o grupo para uma aplicação da técnica produtiva, promovendo maior espontaneidade, interesse, clima adequado para dramatizar (escultura) e estabelecer vias de comunicação no grupo. Na escultura fluída, o protagonista assiste à sua história apenas sem interferir na imagem. A escultura fluida congela a imagem e descongela-a rapidamente. A ressonância corporal diferencia-se ao fazer o que participante valide o que foi ressoado, concordando ou não com a proposta corporal representada modificando ou até mesmo incluindo mais elementos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Ressonância Corporal caracterizada como proposta de intervenção psicodramática atua na capacidade da comunicação por meio do corpo, ou seja, com base no que o corpo é capaz de expressar quando está inserido em uma relação com um indivíduo ou um grupo, de forma que possa demonstrar sentimentos, reconhecer expressões entre os envolvidos nessa relação e observar o que é despertado. Dessa forma, temos acesso à dinâmica grupal que se cria durante a intervenção da proposta, concretizada no "aqui e agora".

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência

Natália Regina Giro
Email: contato.nataliagiro@gmail.com

Rua Lacerda Marques, 93
Lauzane Paulista – São Paulo, SP.
CEP02441-200.
Tel.: (011) 4561-9315

Melissa Marques Torres Oliveira
Email: melaranja@gmail.com
Rua Dona Antonia de Queirós, 504 – conj. 121
Consolação – São Paulo, SP.
CEP: 01307-010.
Tel.:(11) 2361-7682.

Maher Hassan Musleh
Email: mahermusleh@ig.com.br
Rua Cubatão, 929 – conj. 132
V. Mariana – São Paulo, SP.
CEP: 04013-043.
Tel.: (11) 5083-1244.

Wendy Prado
Email: wendy.prado@ig.com.br
Rua Cubatão, 929 – conj. 132
V. Mariana – São Paulo,SP.
CEP: 04013-043.
Tel.: (11) 5083-1244.

 

Recebido: 02/01/2015
Aceito: 29/09/2015

 

 

* Arte educadora, psicodramatista didata pela Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) convênio com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), atriz (DRT 14208) e professora de Teatro e Psicodrama pela Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) convênio com a PUC-SP.
** Melissa Marques Torres Oliveira Psicóloga pela Universidade São Marcos (USM), psicodramatista pela Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) convênio com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e atriz pelo Teatro da Universidade Católica (Tuca-PUC-SP).
*** Maher Hassan Musleh Psicólogo, mestre em Psicologia Social, psicodramatista pela Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) convênio com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), com formação em Terapia de Casal.
**** Psicóloga, com formação em Terapia de Casal, psicopedagoga, psicodramatista pela Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) convênio com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
6 Constituída por uma psicodramatista didata do foco socioeducacional e três psicodramatistas do foco psicoterápico.
7 Primeiramente profissionais psicodramatistas e/ou atores que compõem a unidade funcional de trabalho e posteriormente membros voluntários do próprio grupo de participantes.
8 Lego – peças de encaixe, brinquedos de montar.

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