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Revista Brasileira de Psicodrama

Print version ISSN 0104-5393On-line version ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.24 no.1 São Paulo June 2016

http://dx.doi.org/10.15329/0104-5393.20160007 

ARTIGOS INÉDITOS

 

Relacionamentos amorosos e pós-modernidade: contribuições psicodramáticas

 

Loving relationships and postmodernity: psychodrama contributions

 

Las relaciones amorosas y la posmodernidad: las contribuciones de psicodrama

 

 

Rafael Diniz de LimaI; Thiago de AlmeidaII

ICentro Universitário Central Paulista (Unicep) - e-mail: rafaelldiniz11@hotmail.com
IIInstituto de Psicologia da USP (IPUSP) - e-mail: thiagodealmeida@thiagodealmeida.com.br

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi evidenciar a contribuição do Psicodrama na forma como as pessoas têm se relacionado amorosamente na pós-modernidade. Para contemplar esse objetivo foi realizada uma busca computadorizada da literatura nas bases de dados dos indexadores BvsPsi, MedLine, Lilacs e PsycINFO. A partir disso, discutiu-se o conceito de amor e como este é construído na pós-modernidade. Por fim, pode-se verificar que, embora o tema amor e relacionamento amoroso estejam em discussão no âmbito das ciências humanas e sociais, como a Psicologia, incipientes estudos foram conduzidos pelo Psicodrama que tratam desse tema tão importante.

Palavras-chave: pesquisa bibliográfica, amor, intimidade, psicodrama, pós-modernidade.


ABSTRACT

The aim of this study is to demonstrate how Psychodrama contributes to the way people form loving relationships in postmodernity. To accomplish this objective a computerized search was conducted in the databases of indexers BvsPsi, Medline, Lilacs and PsycINFO. From this the concept of love was discussed and how it is formed in Post-Modernity. Finally, it can be seen that while the theme of love and loving relationships are being discussed in the context of human and social sciences, such as Psychology, very few studies were conducted using Psychodrama to address this important issue.

Keywords: bibliographical research, love, intimacy, psychodrama, postmodernism.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue demostrar la contribución del Psicodrama sobre la forma de cómo las personas se han relacionadoamorosamente en la posmodernidad. Para abordar este objetivo se llevó a cabo una búsqueda bibliográfica informatizada en las bases de datos de los indexadores BvsPsi, MedLine, Lilacs y PsycINFO. A partir de esto, se discutió el concepto de amor y cómo se ha consolidado en la posmodernidad. Por último, se puede observar que, aunque el amor y la relación de amor son temas objeto de debate en las ciencias humanas y sociales, como la psicología, los pocos estudios se llevaron a cabo por el Psicodrama abordar esta importante cuestión.

Palabras-clave: investigación bibliográfica, amor, intimidad, psicodrama, posmodernidad.


 

 

O Psicodrama é uma abordagem psicoterapêutica cuja importância para a Psicologia é indiscutível, uma vez que compreende o ser humano e seu desenvolvimento do ponto de vista relacional (Vieira & Vandenberghe, 2014). Para Alves (2011), o Psicodrama é visto como uma proposta de investigação do imaginário, de conflitos, do jogo de papéis e personagens que permeiam a convivência humana, tendo como objetivo o desenvolvimento da espontaneidade e a possibilidade de soluções criativas. Moreno (1975) identifica como o ser humano é dependente das redes sociais nas quais está inserido, sendo essas redes chamadas de sociométricas. Complementarmente, como aponta Nery (2011), o amor é a base das redes sociométricas, sendo o elo das redes sociais que construímos. Sendo o amor o resultado de um encontro entre duas individualidades. O amor consiste em um fenômeno que pode ser identificado em algumas relações interpessoais, pois o ser humano possui uma necessidade de fusão com o alter.

Este estudo busca tratar sobre a relação entre dois seres enamorados no contexto pós-moderno. Sendo assim, a abordagem psicodramática torna-se eficiente e fundamental para esta discussão por contribuir, principalmente, na reflexão acerca da construção dos papéis que vivemos dentro de um contexto social. O objetivo desta discussão é evidenciar qual é a contribuição do Psicodrama para a forma como as pessoas têm se relacionado amorosamente na pós-modernidade. O propósito a ser atingido com este artigo é o de conscientizar a sociedade sobre como a influência pós-moderna está direcionando o modo de vida e as nossas relações.

 

MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

Apesar de o termo Modernidade já estar na história desde o século XVI, no período da Revolução Francesa, a utilização desse termo de forma consolidada ocorre no século XVIII, marcada por trabalhos intelectuais dos iluministas frente à ciência, à moral, às leis e à arte. "Foi, sobretudo, um movimento secular que procurou desmistificar e dessacralizar o conhecimento e a organização social para libertar os seres humanos de seus grilhões" (Harvey, 2008, p. 23). Nesse período, a sociedade Moderna promoveu uma cultura de limpeza, beleza e organização social, ou seja, determinando onde, como e quando as coisas devem ser realizadas, passando a crença de que a exatidão de algo, a obediência frente ao que está determinado e o alienar-se promovem harmonia e perfeição (Bauman, 1998). Com essas considerações, observa-se que a modernidade possui como característica a racionalização: quantificando tudo em seu entorno e promovendo sujeitos alienados ao que está estabelecido como padrão. Segundo Harvey, nesse período ocorrem as produções industriais e o consumo em massa.

Por volta dos anos de 1968 e 1972, emergiu o movimento Pós-modernista, que pôde promover a reafirmação sobre a existência de Deus, abandonada na modernidade, sem a existência e a importância da razão (Harvey, 2008). Giddens (1991) compreende que no pós-modernismo "uma nova agenda social e política surgiu com a crescente proeminência de preocupações ecológicas e talvez de novos movimentos sociais em geral" (p. 52). O novo, na pós-modernidade, foi expresso através da aceitação do efêmero, da ausência, da dispersão, do acaso, do físico, do indeterminado; o que, na modernidade, era imposto pelos conceitos de permanência, presença, centração, projeto, romantismo, do determinado (Harvey, 2008).

Complementando as diferenças existentes do Modernismo em relação ao Pós-modernismo, esta passagem entre modernidade e pós-modernidade foi marcada por três concepções de identidade diferentes descritas por Hall (2001). A primeira consistiu no aparecimento de um sujeito moderno, ou sujeito do iluminismo, centrado no núcleo do eu interior e dotado de razão, consciência e ação. Nos anos de 1960, pode-se encontrar uma nova identidade que surge com a crise do modernismo, a qual consiste em um sujeito sociológico que possui a essência do núcleo do eu interior, mas este sofre interferências do mundo exterior, através da cultura e das possibilidades que o mundo oferta.

A segunda concepção, de acordo com esse autor, consistiu no aparecimento de um sujeito sociológico, que refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e autossuficiente, mas formado, de acordo com Hall (2001), na relação com "outras pessoas importantes para ele" (p. 13), que mediavam para o sujeito os valores, os sentidos e os símbolos - a cultura - dos mundos que ele/ela habitava.

A terceira concepção, de acordo com esse autor, consistiu no aparecimento de um sujeito contextualizado, que não possuía uma identidade fixa, essencial ou permanente. Dessa forma, a identidade desse sujeito, de acordo com Stuart Hall (2001), torna-se uma "celebração móvel" (p. 25): formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1997) e, assim, definida historicamente e não biologicamente.

Feitas essas considerações, passaremos a identificar as contribuições do Psicodrama para a questão dos relacionamentos amorosos pós-modernos.

 

MÉTODO

O objetivo deste trabalho foi identificar na literatura acadêmica conteúdos relacionados com a questão norteadora desta pesquisa, qual seja, o manejo do terapeuta psicodramatista na lida com os conflitos amorosos atuais da pós-modernidade e como estes prejudicam os atuais relacionamentos estabelecidos.

Partindo-se desse objetivo foi realizada uma busca computadorizada da literatura, utilizando dados dos indexadores BvsPsi, MedLine, Lilacs e PsycINFO, sem limite de tempo, com os termos/palavras-chave: "psicodrama" e "amor", e os seus correspondentes em inglês, psychodrama e love, que forneceu um total de 189 trabalhos. Desses, foram excluídas 180 pesquisas que fugiam do tema aqui proposto, por se referirem a trabalhos literários, ou livros não considerados neste estudo, restringindo-se a busca apenas a artigos científicos que tinham como descritores, pelo menos, dois dos termos buscados, o que resultou, portanto, em nove referências. Dentre essas, oito se referiam ao tema proposto pelo artigo, lembrando, contudo, que para a discussão dos dados foram incluídas referências adicionais que corroboram diretamente com os crivos deste estudo. Aproveitou-se também das intersecções entre as categorias para discorrermos sobre estas. A seguir, serão pormenorizadamente comentados os nossos achados.

 

AMOR E AS RELAÇÕES AMOROSAS

Moreno estava convencido de que, para ser amoroso e bom, o homem precisava tentar imitar as qualidades de Deus, pois só Ele era bom (Moreno, 1989/1997). As principais correntes ideológicas do século XX rejeitavam a religião e repudiavam a ideia de uma comunidade que fundamentasse os seus princípios no amor, no altruísmo, na bondade e na santidade. Dessa forma, contrariamente aos paradigmas ideológicos da época, Moreno colocou-se ao lado dos princípios positivos da religião. A ideologia de Moreno (1989/1997) fundamentava-se em três princípios. O primeiro afirmava que a espontaneidade e a criatividade são as verdadeiras forças motrizes do progresso humano, mais importantes, em sua opinião, que a libido e as causas socioeconômicas. O segundo dizia que o amor e o compartilhar mútuo são o fundamento da vida em grupo. Por fim, o terceiro afirmava sua posição filosófico-religiosa, à qual sempre se manteve fiel, embora sua linha de pensamento fosse relegada, por algum tempo, em segundo plano pelos círculos intelectuais.

No entanto, sua filosofia era o princípio teórico das técnicas da sociometria, do Psicodrama e da terapia de grupo, que foram universalmente aceitas fora do contexto ideológico que as inspirou. Dizia que se podia construir uma comunidade dinâmica fundamentada nesses princípios. Moreno observa que a relação interpessoal envolve aspectos como afinidade, ser escolhido e escolher esse outro e ter sentimentos semelhantes dirigidos a esse alguém (Paese & Holanda, 2012). É comum que ocorra um envolvimento sentimental, sendo esse envolvimento motivado por vários aspectos inerentes ao indivíduo, e quando este se envolve conosco podemos dizer que, a partir de então, está estabelecida uma relação (Nudel, 1994). Para Moreno (1975; 1997), eventuais dificuldades na relação acontecem quando os indivíduos nutrem sentimentos distintos um pelo outro, deixando de haver uma correspondência entre eles. Moreno ressalta que essas dificuldades são inerentes à relação, e o encontro entre duas individualidades gera esse impasse, sendo cada um dos parceiros responsável por isso.

Consequentemente, uma das principais contribuições de Moreno para o entendimento das dificuldades associadas ao relacionamento amoroso é que os problemas possivelmente identificados, como ciúme, infidelidade ou mesmo o desamor, não poderiam ser localizados na pessoa em particular, mas sim na interação entre os pares constituídos. Ambos são responsáveis por aquilo que produzem conjuntamente e que os une, o que pode ser saudável ou não para a manutenção e a continuidade da própria relação. Entende-se por relacionamento amoroso a existência de uma relação entre duas pessoas de vínculos familiares diferentes que se amam, podendo se tornar namorados, cônjuges, companheiros, amantes ou ficantes (Carneiro & Rasera, 2012; Carvalho, Politano & Franco, 2008). A propósito do amor, Fonseca Filho (2008), referindo-se a Buber (2006), escreveu: "Os sentimentos habitam no homem, mas o homem habita no amor" (p. 59). O amor é um sentimento que existe entre o Eu e o Tu, é um agir no mundo, é um Eu que assume a responsabilidade de um Tu. Para esse autor, "O amor não é uma única forma de relacionamento, mas, em uma relação verdadeira, sempre há alguma espécie de amor" (p. 60).

Quando fala em "tele", Moreno propõe que esse conceito é a capacidade de a pessoa poder se conscientizar dos aspectos que estão presentes nas relações com o outro, sendo esse processo semelhante àquele de percepção que nos acompanha desde crianças. Nas palavras do próprio autor: "Tele... é o cimento que mantém os grupos unidos... estimula as parcerias estáveis e relações permanentes" (Moreno, 1975, p. 36). Sendo o fator tele o grande responsável por esse processo, já que só somos capazes de responder às estimulações que percebemos. Contudo, a tele não se delimita à irrestrita percepção que nos é concedida pelos órgãos dos sentidos, mas diz respeito a uma capacidade integral, na qual operam diversas áreas como as sensações corporais, o pensamento, o sentimento e a sociabilidade.

Desde o nascimento e à medida que a criança estabelece relações com o seu entorno, o potencial para a tele vai se desenvolvendo, ou seja, a pessoa vai evoluindo paulatinamente essa capacidade. Nesse ínterim, no transcorrer de sua vida, podem surgir dificuldades que perturbarão o funcionamento da tele e, consequentemente, se originará uma percepção alterada e distorcida de diversas situações. Moreno denominou esse fenômeno transferência - fenômeno secundário que pode ser entendido como um desvirtuamento da tele. Logo, a transferência pode ser entendida como uma patologia da tele. Enquanto a transferência está vinculada a episódios passados que obscurecem a situação atual, a tele opera neste momento e para cada situação, conformada e ajustada com o momento presente. Nesse sentido, o Psicodrama tem como meta eliminar ou reduzir a influência de elementos transferenciais nas relações interpessoais, propiciando um maior grau de tele.

A diferença dos relacionamentos, mediante esse conceito, é que relações positivas podem ser estabelecidas quando os indivíduos nutrem sentimentos positivos um pelo outro, ou, diferentemente dessa situação, uma relação negativa pode ocorrer quando os sentimentos não são correspondidos, e o fator tele tem como influência direta, unicamente, a percepção do indivíduo. Logo, o fator tele é um componente inato, e com o passar do tempo vamos ampliando-o e desenvolvendo-o. O fator tele tem relação com a capacidade de vinculação de cada um, já que supõe uma reciprocidade de escolha. Quando escolho alguém e esse alguém me escolhe, pode-se dizer que existe um encontro télico, sendo essa reciprocidade de percepção ou até mesmo de comunicação. Na mútua recusa também há tele, apesar de não haver vinculação.

Em concordância com Moreno, Bauman (2004) aponta que o amor é um sentimento transcendente que impulsiona o ser humano para o seu processo criativo. Assim, quem ama permite abrir-se para o destino, o sublime sentimento da condição humana, em que o medo se funde à alegria numa ambivalência imutável. "Abrir-se ao destino significa, em última instância, admitir a liberdade no ser: aquela liberdade que se incorpora no outro, o companheiro no amor" (Bauman, 2004, p. 21). Para Chaves (2010), os relacionamentos atuais são marcados pela flexibilização tanto de regras como de maneiras de se relacionar, fatores como autossatisfação e autorrealização são levados em consideração, sempre com foco no tempo presente, na liberdade individual. Para Smeha e Oliveira (2013), os relacionamentos atuais foram descritos com características como predominância da individualidade, da superficialidade, pouco investimento e instabilidade, e existe um desejo de conciliar a vivência amorosa com todas as exigências da vida cotidiana.

 

RELAÇÕES AMOROSAS NA PÓS-MODERNIDADE

O sujeito pós-moderno está caracterizado atualmente pelo individualismo, que decorre da lógica em torno do mutável e da necessidade de escolhas singulares (Castells, 2000). Esta característica se sustenta por meio da sociedade tecnológica e capitalista (Schmitt & Imbelloni, 2011). Neste contexto em que se vive, há uma degradação da subjetividade do sujeito, trazendo, consequentemente, um vazio existencial que busca ser preenchido através da tecnologia e do consumo desenfreado (Pereira &Gonçalves, 2010).

Smeha e Oliveira (2013) em sua pesquisa, de acordo com o relato dos participantes, demonstraram que, na pós-modernidade, os parceiros tendem a ser mais individualistas e acabam por priorizar a vida profissional. Para os pesquisados, os relacionamentos duradouros e significativos devem ser vivenciados em uma idade mais avançada.

Segundo Schmitt e Imbelloni (2011), uma das formas encontradas para suprir o vazio existencial é através dos relacionamentos on-line, tendo em vista que a percepção que se tem do outro é puramente manipulada pelos usuários dos diversos sites e aplicativos, através de um perfil que ele cria de si e não de uma percepção própria que se estabelece num contato direto com o outro. Esta é uma das formas que o sujeito pós-moderno encontrou de se relacionar e se preencher. Por consequência, há um sentimento de insegurança, que progride nestas relações, uma vez que não condiz com o sujeito virtual (sujeito-perfil), com o sujeito real, fragilizando e aniquilando estes vínculos humanos.

Para Bauman (2004), a necessidade de se relacionar virtualmente é explicitada pela necessidade de fazer surgir e desaparecer um romance quase que de modo instantâneo. Guedes e Assunção (2006) entendem que "a ausência de uma interação 'real' (face a face), sob o privilégio das relações virtuais (como relações mantidas via chat), parece facilitar uma comunicação psicologicamente distante entre os interlocutores" (p. 416). A explicação para essa facilidade deve-se à escassez de fidelidade numa interlocução dessa natureza. Essa escassez permite que a relação virtual seja uma relação desarmoniosa e, por isso, fadada ao fracasso.

É fundamental ressaltar que em todas as hipóteses existe uma dúvida que permeia o indivíduo: é necessário e gratificante relacionar-se amorosamente de forma permanente? De acordo com o entendimento da sociedade pós-moderna, como foi visto acima, a resposta é não.

O relacionamento amoroso passa a obter o mesmo fluxo de funcionamento de uma mercadoria: as pessoas suprem suas necessidades como sujeito-objetos e, quando não forem mais eficientes, serão trocadas por algo melhor (Guedes & Assunção, 2006). Schmitt e Imbelloni (2011) entendem que essa lógica funciona muito bem para o sistema capitalista, pois uma vez que se quer um relacionamento breve, sem causar danos, a tecnologia oferece esta relação amorosa consumista (custo-benefício). Segundo Guedes e Assunção (2006), o capitalismo está tão enraizado nos relacionamentos amorosos que os indivíduos estão supervalorizando o corpo e as aquisições de bens, influenciados pela mídia para suprir sua fantasia narcísica, sentindo-se desejados. Como consequência, o produto dessa dinâmica é uma sociedade pós-moderna capitalista, onde os sujeitos e suas relações são puramente comerciáveis. Nesse contexto se estabelece uma dificuldade de obter um vínculo mais íntimo numa relação amorosa, até mesmo porque as mudanças que foram feitas na sociedade, mudanças culturais e educacionais, privam os seres humanos de tomar uma postura diferenciada.

Percebe-se que as mudanças que ocorreram nesse período foram de substancial importância para esses tipos de relacionamento amoroso. As mudanças nos papéis de homem e mulher, a facilidade com que hoje as relações podem ser rompidas e, logicamente, a grande influência da tecnologia, como os meios de comunicação e a própria internet, foram importantíssimos para que esse tipo de relacionamento fosse estabelecido (Schmitt & Imbelloni, 2011).

Para Smeha e Oliveira (2013), apesar do pouco investimento em muitas relações, os indivíduos ainda mantêm a expectativa de encontrar parceiros que correspondam a todas as suas expectativas, e também de que essas relações tenham o poder de atender a suas necessidades e compreender seus estilos de vida e de investimento profissional. Nessa perspectiva, as vivências amorosas parecem estar sustentadas na garantia dos próprios interesses em detrimento do alheio.

No que consiste aos papéis do homem e da mulher, Moreno (1997) nos traz a influência social que se estabelece não somente nesses papéis, mas em todos os papéis desempenhados pelo sujeito: "a gama de papéis de um indivíduo representa a inflexão de uma cultura nas personalidades que lhe são pertencentes" (p. 215). Isso nos faz compreender a forma como vivemos, ou seja, onde está o ponto de alienação do sujeito. Moreno (1997) ainda nos traz o papel como uma representação passível de treino, quando não bem ajustado ao modelo ideal. A sociedade pós-moderna é construída por uma fragmentação do sujeito, ou seja, para cada relação ele estabelece um novo papel social, que vai sendo moldado cultural e biologicamente, podendo vir a ter características diferenciadas do self do sujeito em questão. Existem, nesse contexto, alguns padrões relacionais que estão predeterminados biologicamente, norteados pela questão de gênero.

Echenique (2004) descreve que o homem se relaciona através do desejo funcional, que tende a caminhar para a posse sexual, como forma de sentir-se seguro e de se autoafirmar na indiferenciação. Em outras palavras, é por meio do ato sexual que o homem se discrimina do sexo feminino, assegurando sua masculinidade. Para as mulheres, há a necessidade de fusão com o seu amado, por isso valorizam abraço caloroso e beijos carinhosos, tendo pouco valor a relação sexual, se ausente de aconchego e intimidade.

Os papéis vinculados ao relacionamento amoroso estão envoltos dos aspectos de cuidado e de desejo de proximidade, sendo estes enraizados por meio do sistema cultural em que se vive. Nessa situação, é esperado que o sujeito-amante seja doador de amor, uma vez que o amor é um sentimento puro, que permeia a vontade de se doar. Contudo, os sujeitos-amantes tendem a enfatizar seu lado receptivo na relação, o que leva ao atrito por haver uma espera de doação do outro (Montoro, 2004).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora o amor e os relacionamentos amorosos não sejam centrais na obra de Moreno e do Psicodrama, muitas estratégias podem ser úteis para entender o amor e produzir encaminhamentos para os psicodramatistas, ao lidarem com as pessoas que acorrem para a clínica com queixas relacionadas a este tema. Este estudo não pretendeu solucionar a problematização que se levanta sobre a configuração pós-moderna dos relacionamentos amorosos, tampouco discutir sobre os tipos de casais que se formam na atualidade e as opções sexuais na constituição do relacionamento amoroso.

Sendo o relacionamento amoroso o tema principal deste estudo, foi necessário compreender o que é amor, qual é a relação de amor primária do ser humano e quais são as formas de relacionamento amoroso. Como se pode observar, o relacionamento amoroso pós-moderno constitui uma relação, quando não instantânea, fragmentada, que traz muitos conflitos ao consultório do psicodramatista. Infelizmente, o Psicodrama conduziu incipientes estudos que tratam desse tema tão importante, que poderia dar um respaldo às pessoas com conflitos nos relacionamentos amorosos que estabelecem, bem como gerar um suporte para o psicodramatista que lida com essas questões.

Desse modo, pode-se concluir que um relacionamento amoroso desfragmentado só é possível numa dinâmica de enfrentamento do sistema pós-moderno, aceitando o amor de forma procriadora e costumeira como parte de um grupo de formas de amar necessárias e indispensáveis. Também se faz indispensável a construção de um relacionamento amoroso duradouro, através da necessidade interna de doar-se para o ser amado sem esperar nada em troca.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 18/05/2016
Aceito: 17/07/2016

 

 

Rafael Diniz de Lima. Psicólogo pelo Centro Universitário Central Paulista (Unicep). Rua: Mario Pistelli, 222, Jardim Mariana, CEP 14815-000. Ibaté, SP. Tel.: (16) 3343-4451 (16) 99273-2962.
Thiago de Almeida. Psicólogo pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre pelo Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP (IPUSP) e Doutorando pelo Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da USP (IPUSP). Rua Dom Pedro II, 2066, Vila Monteiro (Gleba I), CEP 13560320. São Carlos, SP. Tel.: (16) 3374-7534.

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