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Revista Brasileira de Psicodrama

versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.24 no.1 São Paulo jun. 2016

http://dx.doi.org/10.15329/0104-5393.20160011 

RESENHAS

 

Teatro de Reprise: Poiesis e Ciência

 

Replay Theater: Poiesis and Science

 

Teatro de Reprise: la Poiesis y la Ciencia

 

 

Valéria Cristina de Albuquerque Brito

Centro Universitário UDF - e-mail: leilakim.animus@gmail.com

 

 

Rodrigues, R. (2016). Improvisando com e para grupos. São Paulo: Ágora.

Resenhar o livro de Rosane Rodrigues, ainda recém-saído do prelo, é um privilégio e um prazer, e também a realização de um projeto poético. Há muitos anos, em um dos intermináveis, e sempre atuais, debates sobre autoria na práxis psicodramática e sobre as fronteiras entre arte e ciência, desafiei Rosane: "Escreva, publique suas ideias, apresente o Teatro de Reprise como ele é, para você!". Não sei se as palavras foram mesmo essas, mas, se não foram, poderiam ser e servem como iniciador para novas palavras: "Que bom que você escreveu, Rosane! E que seu livro foi escrito a partir de uma pesquisa, de sua tese em Artes Cênicas! Evoé!".

O desafio, repetido sempre que nos encontrávamos em um ou outro evento nacional no correr dos anos, surgia de minha admiração por Rosane, uma colega psicóloga, mulher, artista, brasileira que ousa criar um método de intervenção em grupos. Parecia-me necessário que essa história incomum fosse contada para plateias mais amplas, em diversos contextos. É necessário advertir aos leitores que, muito frequentemente, eu admiro pesquisadores e profissionais que pensam e atuam em posições filosóficas distintas das minhas e das que comungo com outros pesquisadores ou profissionais. Valorizo profundamente o dissenso12 como potência de descoberta e de encontro, de ação política. Rosane Rodrigues e também Heloisa Fleury, atual diretora da RBP que me convidou a redigir esta resenha, sabem disso. Então nós, essas três mulheres, estamos aqui proferindo palavras que criam. Espero que essas palavras compartilhadas gerem possibilidades de apreciação da obra de Rosane, que não se limitem a reconhecer seus méritos, já bem reconhecidos pelos seus pares nas Artes Cênicas, que lhe concederam a titulação como doutora, mas como contribuição à práxis de todos os que intervêm com grupos, ao campo metodológico do Psicodrama.

O livro é dividido em quatro partes que podem ser lidas independentemente, porque tratam de dimensões distintas da metodologia do Teatro de Reprise, mas se beneficiam de uma apreciação na sequência, em consonância com as etapas desse Teatro (p. 117).

O primeiro capítulo aquece-nos para a leitura dos demais ao desenvolver conceitos da matriz teatral e sociopsicodramática do Teatro de Reprise e já apresenta algumas das proposições originais da autora, como o conceito de "cristalização vazia" (p. 52), que, infelizmente, é explicitado em uma nota de rodapé e, para meu olhar moreniano, mereceria maior destaque e talvez uma diferenciação em relação ao conceito de "conserva cultural". Esse detalhe é menor frente ao esforço, bem realizado, de articular o referencial conceitual do Teatro de Reprise à produção conceitual de psicodramatistas contemporâneos, na cena paulistana.

O segundo capítulo, que a autora identifica como Ação Dramática e para mim foi ainda um "aquecimento vincular" e "dramatúrgico", permitiu que eu, que não atuo na cena paulista/paulistana, me unisse a grupos e referências do Teatro de Reprise, notadamente a concepção da autora sobre o Playback Theatre e sobre o termo sociopsicodrama e suas técnicas.

O terceiro capítulo, intitulado por Rosane Rodrigues "Compartilhamento", foi para mim, que apenas uma vez participei de uma intervenção do grupo Improvise, mais propriamente a Ação Dramática. As vinhetas das intervenções, as fotos, as narrativas me levaram ao texto original da tese13 em busca de mais detalhes sobre a pesquisa, para constatar que o livro apresenta esse capítulo em sua riqueza original, com o auxílio luxuoso da versão colorida das fotos. Entretanto, mesmo com a versão em preto e branco dos registros fotográficos, a transcrição de cenas e palavras de diretora/atores/narradores/plateia nos conduz ao "ciclo de diálogo intercênico" do Teatro de Reprise aguça a imaginação de quem lê, propiciando um inter-agir com Rosane e os demais componentes do grupo Improvise. Tendo me implicado e afetado por suas histórias, faço minhas as palavras de um dos narradores para agradecer a Rosane: "Parece que é como a formação de um diamante" (p. 222).

No quarto e último capítulo, Rosane lança seu convite para que visitemos com mais frequência e prazer as fronteiras entre nossos saberes e fazeres nos campos de interesse/atuação da Arte e das Ciências Humanas e da Saúde:

Espero ter contribuído para diminuir a distância entre a psicologia e a arte, de tal forma que os artistas possam estudar seus personagens como ressonâncias estéticas e não somente pelo viés racional ou da mistura com seus preconceitos, principalmente com os doentes mentais. Cada um de nós tem qualquer grau de "loucura" que nos torna mais ricos e diferentes uns dos outros, e, na medida do possível, não devemos temer nossos monstros e sombras, mas dialogar metaforicamente com eles. (Rodrigues, 2016, p. 229).

Diferentemente de uma saída do Teatro, nas diversas modalidades em que dialoga com a filosofia e as ciências sociais desde Brecht e Sartre e também nas formas híbridas com que se manifesta na cena contemporânea, ou da saída de uma intervenção sociátrica, em suas múltiplas variedades clínicas e pedagógicas, ao encerrar a leitura de Teatro de Reprise, mais do que a fruição estética ou cura/transformação, o que se apresenta é a contemplação da produção de conhecimento, da criação que é típica da ciência em sua concepção fundamental. Ou como a define Moreno, ancorado nas concepções fenomenológico-existenciais: "Mais importante do que a ciência é o seu resultado/Uma resposta provoca uma centena de perguntas/Mais importante do que a poesia é o seu resultado/Um poema invoca uma centena de atos heroicos".

Que o livro de Rosane Rodrigues, como produção científica, provoque mais perguntas e, como uma boa obra artística, um poema, invoque a nós, psicodramatistas, na nossa multiplicidade de matrizes científicas, papéis profissionais e contextos de atuação, a escrever suas criações, a compartilhar suas histórias, a fazer da ciência um recurso criado por muitos para o desenvolvimento de todos. Evoé!

 

 

Recebido: 20/09/2016
Aceito: 23/09/2016

 

 

Valéria Cristina de Albuquerque Brito. Professora no Centro Universitário UDF. Psicóloga no Ministério da Saúde. SGAS 610, Centro Médico Lucio Costa, sala T25, CEP 70200-715. Brasília, DF. Tel.: (61) 81454-9282.

 

 

12 "Dissenso, no sentido mais originário do termo: uma perturbação no sensível, uma modificação singular do que é visível, dizível, contável" (Rancière, J. (1996). O dissenso. In Novaes, A. (Org.). A crise da razão. São Paulo: Companhia das Letras).
13 Rodrigues, R. (2013). O teatro de reprise: conceituação e sistematização de uma prática brasileira de sociopsicodrama (Tese de Doutorado em Artes Cênicas).Universidade de São Paulo (USP). Recuperado em agosto, 2016 de www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/.../tde-22082013.../RosaneRodriguesCorrigida.pdf.

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