SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.24 issue2Episteme of Sociodrama in the Brazilian Journal of PsychodramaSociodrama as an intervention methodology for convicts author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Brasileira de Psicodrama

Print version ISSN 0104-5393On-line version ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.24 no.2 São Paulo Dec. 2016

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20160020 

ARTIGOS INÉDITOS

 

O recurso psicodramático na intervenção com o adulto autor de ofensa sexual

 

Psychodramatic resource in the intervention for adult sex offender

 

El recurso psicodramático en la intervención con ofensores sexuales adultos

 

 

Lana dos Santos WolffI; Eliane Salzano de OliveiraII; Marlene Magnabosco MarraIII; Liana Fortunato CostaIV

ISecretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES/GDF). lanawolff@gmail.com

IISecretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES/GDF). eliane.salzano@gmail.com

IIIPrograma de Pós Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília (PPGPSIC/UnB). marlenemarra1@gmail.com

IVPrograma de Pós Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília (PPGPSIC/UnB). lianaf@terra.com.br

 

 


RESUMO

Este texto tem por objetivo propor a utilização do objeto intermediário e do "como se" como mediadores reflexivos necessários em uma intervenção psicossocial dirigida a autores de violência sexual contra crianças e adolescentes. Trata-se de pesquisa documental realizada em uma instituição de saúde. Os participantes foram 14 adultos ofensores sexuais, que integraram uma intervenção psicossocial grupal com oito sessões, que estão aqui descritas. A introdução do "como se" diminui a tensão na discussão dos temas e possibilita oportunidades de maior expressão na ação. A adoção do objeto intermediário constrói um ambiente lúdico que auxilia na interação entre os participantes. A orientação teórica e prática do Psicodrama permite o desvio da atenção para temas que têm grande comprometimento social e moral.

Palavras-chave: abuso sexual, psicodrama, intervenção psicossocial


ABSTRACT

This text aims to propose the use of an intermediate object and the "as if" technique as reflexive mediators needed in a psychosocial intervention addresses to perpetrators of sex violence against children and adolescents. It is a documentary research carried out in a health institution. Fourteen adult sex offenders participated of this study and joined a psychossocial intervention in group, developed in eight sessions, that are described herein. The introduction of the "as if" decreases the tension during the discussion of the themes and also provides opportunities for greater expression during action. The adoption of the intermediate object creates a recreational context that assists the interaction among the participants. The theoretical and practical orientation of psychodrama allows focused on themes that have great social and moral commitment

Keywords: sexual abuse, psychodrama, psychosocial intervention


RESUMEN

Este texto tiene por objetivo proponer la utilización del objeto intermediario y del "como si", como mediadores necesarios en una intervención psicosocial centrada en autores de violencia sexual contra los niños y adolescentes. Se trata de una investigación documental realizada en una instituición de salud. Los participantes fueron 14 ofensores sexuales adultos, que formaron parte de una intervención psicosocial grupal desarrollada en ocho se siones, descritas en el presente trabajo. La aplicación del "como si" disminuye la tensión en la discusión de los temas, y posibilita oportunidades de mayor expresión en la acción. La adopción del objeto intermediario contribuye a crear un entorno lúdico que auxilia en el proceso interactivo entre los participantes. La orientación teórica y práctica del psicodrama permite centrar la atención en temas con gran compromiso social y moral.

Palabras clave: abuso sexual, psicodrama, intervención psicosocial


 

 

INTRODUÇÃO

Este texto tem por objetivo propor a inserção do objeto intermediário e do "como se" como mediadores reflexivos necessários em uma intervenção psicossocial grupal dirigida a autores de violência sexual contra crianças e adolescentes. Trata-se de uma pesquisa documental realizada em uma instituição pública, em parceria com uma universidade pública.

No Brasil, existe ainda pouco conhecimento sobre o adulto ofensor sexual, sendo exceções pesquisas da área médica (Baltieri & Andrade, 2009) e da área psicológica (Meneses, Stroher, Setubal, Wolff & Costa, 2016).

 

O ADULTO AUTOR DE OFENSA SEXUAL

O autor de ofensa sexual contra crianças e adolescentes não pode ser considerado, em princípio, um pedófilo (Seto, 2009), e a tendência atual é que seja mais efetiva a identificação do interesse pedofílico desse adulto. O interesse pedofílico é a presença de um interesse prioritário, intenção e ação, por manter contatos sexuais com crianças (Marshall, 2007; Miranda & Corcoran, 2000).

Em termos estatísticos, não há dados oficiais em nosso país sobre o número de autores de violência sexual especificamente contra crianças e adolescentes, sejam adultos ou adolescentes ofensores. O relatório Infopen (Ministério da Justiça, 2014) informa o número de presos por crimes contra a dignidade sexual em todo o território nacional, que é de 12.811, todos adultos inseridos no sistema prisional. No Distrito Federal, o Informativo sobre as Notificações de Violência Interpessoal/Autoprovocada (2015) da Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Governo do Distrito Federal (GDF) informa que, em 2015, foram registrados, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), 915 casos de abusos sexuais contra meninas e meninos, com idades entre 1 ano e 18 anos.

O oferecimento de intervenção terapêutica para essa população é amplamente defendido (Lambie & Johnston, 2015; Marshall, 2007), por se mostrar uma situação que proporciona resultados efetivos no circuito de proteção e prevenção à violência sexual contra crianças e adolescentes. Marshall (2007) indica que essa intervenção pode ser individual ou grupal, porém, se for este o caso, o grupo deve conter elementos comuns para que se consiga organizar uma intervenção que traga possibilidades iguais para todos os participantes.

Um dos aspectos mais importantes no processo de responsabilização do ofensor sexual (adulto ou adolescente) é a reflexão necessária sobre a presença da distorção cognitiva apresentada nas entrevistas ou nas intervenções. A distorção cognitiva constitui uma percepção distorcida da realidade, ou seja, o ofensor sexual acredita que não cometeu crime, mas sim que é vítima de artimanhas de sedução da criança e/ou do adolescente. Isso ocorre por força da tentativa de diminuir seus sentimentos de vergonha, ansiedade e medo, acerca do ato violento cometido (Lambie & Johnston, 2015; Marshall, 2007).

 

A INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL GRUPAL PARA ADULTOS OFENSORES SEXUAIS

Atualmente, constituem uma preocupação do Ministério da Saúde (Brasil, 2008) os programas voltados ao desenvolvimento de modos de atuação direcionados para a atenção integral em saúde à pessoa adulta que comete violência sexual. No documento de implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (Brasil, 2008), foi apontada a situação de vulnerabilidade do homem à violência, seja como autor, seja como vítima.

Algumas experiências de intervenção destinadas a esse público já foram descritas por Café e Nascimento (2012); Costa, Costa & Conceição (2014); e Meneses, Stroher, Setubal, Wolff e Costa (2016).

 

O OBJETO INTERMEDIÁRIO E O "COMO SE"

O método psicodramático oferece dois recursos importantes para o trabalho com ofensores sexuais: o "objeto intermediário" e o "como se". Esses dois recursos ocorrem simultaneamente e estão conectados e vinculados à experiência realizada, e dispõem de um enorme poder de atração da atenção do protagonista e dos demais participantes do grupo.

O objeto intermediário, por ser inócuo, é ideal para o trabalho terapêutico, porque, além de cativar a atenção dos participantes, é um valioso elemento para a comunicação grupal e entre equipe e participantes. O objeto intermediário tem uma influência favorável na manutenção do aquecimento, impedindo o participante de sair do papel que está em pauta (Bermúdez, 1968; Moreno, 1972). Trata-se de um recurso aplicável a todos os casos em que existem papéis pouco desenvolvidos e sobre os quais se deseja atuar terapeuticamente, e/ou estados de alarme, que mantêm o "si mesmo" expandido, podendo também ser usado como estímulo para evidenciar aspectos inconscientes ou condutas conflitivas evitadas de acordo com os papéis que são postos em funcionamento (Bermúdez, 1968).

Em relação ao "como se", a experiência de viver o mundo no contexto psicodramático permite ao protagonista, indivíduo ou grupo, viver diferentes dimensões invisíveis da realidade. A dimensão invisível deve ser entendida do ponto de vista de cada pessoa na cena que naquele momento está sendo representada. Nesse sentido o protagonista pode abandonar-se sem nenhum constrangimento às suas emoções, às suas percepções e aos seus sentimentos (Moreno, 1972).

Este texto busca, portanto, propor, por meio de uma investigação nos registros da intervenção psicossocial grupal, que a adoção de construtos teóricos e práticos do Psicodrama - o "como se" e o objeto intermediário - seja efetuada como instrumentos para facilitar o surgimento de uma reflexão individual e grupal com relação à conscientização do ato violento praticado, havendo, assim, um enfrentamento mais efetivo e menos doloroso da distorção cognitiva.

Nesse caso, considera-se que o processo reflexivo pode ser realizado através da ação, e não somente da verbalização (Bermúdez, 1968; Marshall, 2007). Uma ação reflexiva não figura como uma modalidade abstrata nessa intervenção A ação aparece em sua totalidade, pois a dinâmica do momento, do aqui e agora, é enfatizada com todas as suas implicações físicas, pessoais, sociais e culturais. O objeto intermediário e o "como se", ao trazer a realidade suplementar, ou seja, os aspectos intangíveis e invisíveis da dimensão da vida inter e intrapsíquica, torna real, tangível e concreto o mundo do sujeito e, assim, ele pode rever suas práticas.

 

MÉTODO

Escolha do método - Trata-se de uma pesquisa documental (Hodder, 1994) baseada nos registros dos atendimentos grupais oferecidos por uma instituição da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Essa instituição, Programa de Pesquisa, Assistência e Vigilância em Violência (PAV Alecrim), pertence à rede de proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e recebe ex-detentos que já cumpriram pena por abuso sexual de crianças e adolescentes e que são encaminhados pela Vara de Execuções Penais (VEP) e/ou pela Vara de Execução de Medidas Alternativas (Vepema). A escolha pelo método da pesquisa documental deve-se ao fato de que os participantes do programa não aceitam se identificar espontaneamente, pois temem que essa atitude seja denunciadora da ação violenta.

O contexto - Os atendimentos são conduzidos pela equipe formada por um psicólogo com especialização na área de saúde, uma psicóloga com especialização na área de família, uma psicóloga com Mestrado e especialização na área clínica, uma assistente social com especialização na área de família. A equipe conta ainda com a presença de uma assistente social, que atua como observadora e registradora das sessões grupais, e com a supervisão de duas psicólogas, que são psicodramatistas e doutoras em psicologia clínica.

O processo de atendimento dos participantes tem início com um período no qual se realiza uma avaliação psicossocial, que consta de entrevista individual e entrevista familiar (Marshall, 2007), preenchimento de um instrumento de avaliação de risco de reincidência da conduta violenta (Andrés-Pueyo & Hilterman, 2005), confecção do genograma (McGoldrick, Gerson & Petry, 2012) e avaliação psiquiátrica. Informa-se que, juntamente com o encaminhamento dos adultos ofensores vindos das varas criminais já mencionadas, tem-se acesso a uma parte do processo criminal, especialmente os testemunhos da(s) vítima(s).

Participantes - Participaram dos atendimentos grupais 14 homens com idades entre 35 e 57 anos (média de 47 anos), dos quais oito eram solteiros, e seis, casados ou em união estável. Em relação à escolaridade, dois participantes não eram alfabetizados, nove tinham o ensino fundamental incompleto, um tinha ensino médio incompleto, um tinha ensino médio completo e um ensino superior incompleto. A maioria deles realizava trabalho braçal (agricultor, pedreiro, eletricista, auxiliar de serviços gerais, ferreiro), um era microempresário e um, policial militar. A violência sexual ocorreu, na maioria dos casos, contra filhos(as) ou enteados(as). Das 19 vítimas, 14 eram do sexo feminino, com idades entre 4 e 13 anos, e cinco eram do sexo masculino, com idades entre 5 e 9 anos. Em um caso, o autor praticou violência sexual contra crianças de ambos os sexos. Todos os participantes cumpriram pena por ofensa sexual (artigo 214 do Código Penal Brasileiro) (Brasil, 1940). O instrumento utilizado para a análise são os registros das oito sessões grupais oferecidas no segundo semestre de 2015, descritas na Tabela 1.

Procedimentos - Após a fase das entrevistas, inicia-se o oferecimento da intervenção psicossocial grupal propriamente dita. É o registro dessas sessões grupais que será o centro da discussão produzida neste texto. Os participantes e os membros da equipe se reúnem em um auditório, que, embora tenha cadeiras fixas, apresenta um bom espaço livre. Com exceção da observadora (assistente social que registra), os demais membros da equipe atuam na coordenação da intervenção. Todos os encontros são registrados por essa observadora, presente em todas as sessões.

Análise das informações e cuidados éticos - A análise dessas informações teve início com uma leitura exaustiva de todos os registros, seguida de um cotejamento desses registros com os conceitos e as orientações presentes em autores que produzem conhecimento sobre o adulto ofensor sexual, bem como em autores que são referências na intervenção psicodramática. Seguiu-se uma organização dessa análise nos moldes preconizados por Minayo (1993). O projeto foi submetido ao Comitê de Ética do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília, via Plataforma Brasil, e recebeu o parecer nº 972.246, datado de 19/02/2015.

 

RESULTADOS

Compreende-se que os resultados constituem o registro da evolução dos temas tratados em grupo, bem como da descrição da ação que continha o propósito da adoção do objeto intermediário e do "como se". A partir desse registro, propõe-se compreender como essas estratégias podem facilitar o surgimento de um estado reflexivo estimulado e mais espontâneo.

Primeira sessão grupal - Apresentação de cada participante a todos do grupo e recurso do objeto intermediário: todos os participantes são convidados a imaginar que, daquele momento em diante, estão entrando juntos em um barco e que farão uma pequena viagem que os levará a um porto importante. Em seguida, os participantes sentam-se em círculo e observam fotografias e figuras fixadas nas paredes do ambiente. Essas figuras mostram barcos em diferentes situações, por exemplo, em uma tempestade, em um mar calmo etc. O coordenador, então, pede que escolham uma figura que represente os sentimentos e os pensamentos presentes naquele momento de início dessa "pequena viagem".

Segunda sessão grupal - Os participantes apresentam seus apelidos, se os têm, e inicia-se, desse modo, o aquecimento com o pedido de que todos se locomovam pelo ambiente. À medida que vão caminhando, vai sendo colado, em suas testas, um adesivo, "rótulo", com diferentes possibilidades de como podem estar sendo vistos pela sociedade: criminoso, abusador sexual, tarado etc. O objetivo é que possam se dar conta do efeito de se colocar no lugar de quem os vê dessa maneira.

Terceira sessão grupal - Nesse dia, propõe-se uma atividade que faça uso de objeto intermediário. São oferecidos recortes de revistas/propagandas que contenham figuras ameaçadoras, situações de violência, e pede-se que cada um escolha uma figura que mostre uma violência já vivida por eles.

Quarta sessão grupal - Nesse dia, todos observam um pequeno filme retirado do YouTube (TV Jornal, 2014), que mostra um autor de violência sexual sendo identificado, bem como alguns comentários sobre a violência praticada. Essa sessão, na qual se enfoca a responsabilidade dos participantes na perpetração de violências, segue-se à anterior, em que se buscou uma reflexão sobre violências sofridas. Faz-se necessário retomar e valorizar o sofrimento dos participantes em relação a essas violências.

Quinta sessão grupal - O tema dessa sessão é a expressão da sexualidade. Retoma-se a experiência de iniciação sexual e da atualidade da vida sexual. São colocados cartões no chão com diferentes cores. Nesse momento, adota-se a Sociometria (Moreno, 1972) para organização de pequenos grupos, por meio da escolha por uma cor. Desse modo, eles se reúnem para conversar sobre os impasses atuais na organização e na expressão da vida sexual após a saída do sistema prisional.

Sexta sessão grupal - O objetivo desse encontro é refletirem sobre o controle de suas ações, e o aquecimento tem início com o pedido de que todos experimentem andar em ritmos diferentes. Assim, são feitas duas filas, a dos casados e a dos solteiros. Cada fila deve andar, e vai ganhar a brincadeira aquela que chegar por último. O objetivo é perceber o ritmo e como se sentem quando perdem. A reflexão solicitada é sobre a necessidade de aprender a se controlar em todos os momentos da vida, pois se viram envolvidos em acontecimentos (a violência sexual cometida) que os obrigaram a parar um pouco para pensar na família e prestar mais atenção no caminho que cada um estava seguindo. Esse encontro visa proporcionar reflexão sobre o momento atual de reconstituição da vida, sobre a família e sobre as relações conjugais.

Sétima sessão grupal - O aquecimento tem início com a consigna de pedir que todos andem pela sala pensando nas pedras do caminho da vida. Quais problemas têm que enfrentar? Enquanto isso acontece, um membro da equipe escreve, em uma folha de papel fixada na parede, o que os participantes vão dizendo: precisam de emprego, problemas de saúde, necessitam de consulta médica na rede de saúde, trânsito dificulta a vida, têm problemas com as companheiras, têm dívidas, preocupam-se com a educação dos filhos, a política está ruim, têm problemas com a justiça, foram acusados de cometer violência sexual. Esses foram os itens elencados por eles. A equipe, porém, acrescenta um último item: sentir atração sexual por crianças, e este é o tema da sessão: são responsáveis por causar dano a uma pessoa.

Oitava sessão grupal - Os participantes, logo ao chegarem, lembram que esta será a última sessão grupal. Utiliza-se de um objeto intermediário: imagens de grades filmadas em ambientes prisionais, que são reproduzidas, nesse momento, na televisão. A partir desse estímulo, é feita a pergunta: O que cada um precisa que permaneça "preso" dentro de si mesmo na memória? O que cada um precisa libertar para continuar sua vida?

 

DISCUSSÃO

As orientações para configuração de intervenção para autores de violência sexual (Holland, Pointon & Ross, 2007; Marshall, 2007; Miranda & Corcoran, 2000) enfatizam métodos mais dinâmicos e recusam as abordagens prioritariamente verbais. Alguns aspectos, como a presença de empatia e a criação de um clima de não julgamento, tornam-se essenciais para o bom andamento do trabalho, na modalidade individual ou grupal (Marshall, 2007). Há ainda uma recomendação de que não se estabeleça um clima de confronto sobre verdade/mentira entre participantes e a equipe técnica; por isso, não se questiona sobre inocência e/ou culpabilidade. Desde o primeiro contato do participante com a equipe da instituição, informa-se que todos estão ali por terem sido responsáveis por violência sexual contra crianças e/ou adolescentes. Na inexistência de confronto, pode-se estabelecer um ambiente de empatia, compreensão e aceitação, por parte da equipe, da condição de agressores dos participantes (Marshall, 2007).

A introdução do "como se" diminui a tensão na discussão dos temas e possibilita oportunidades de maior expressão, seja verbalmente seja na ação. A adoção do objeto intermediário constrói um ambiente lúdico que auxilia na interação entre os participantes, e entre estes e a equipe (Marshall, 2007). O "como se" desvia a atenção do aspecto mais comprometedor do tema da discussão, a responsabilização pela vitimização, pois um aspecto muito delicado presente desde o início da avaliação, até o momento das sessões grupais, é o fato de que todos são "inocentes" (Meneses et al., 2016).

Baseando-se na sua qualidade de objeto e na sua função de intermediário, o "objeto intermediário" e o "como se" possibilitam ao ofensor relatar suas experiências e dar respostas que não são conseguidas quando o contato é tentado diretamente de pessoa para pessoa. Isto ocorre principalmente quando os participantes estão em estado de alarme intenso ou com alterações do esquema corporal, e o temor de serem invadidos ou penetrados pela pessoa que os indaga, ou pelo profissional que busca ajudá-los (Bermúdez, 1968; Marra, 2016; Marshall, 2007).

O "objeto intermediário" e o "como se" são utilizados, nesse caso, para ativar o esquema de papéis dos participantes. A interpretação de papéis vivida nas cenas trazidas pelos participantes, ou propostas pelos terapeutas, através do "como se", acaba desembocando em aspectos conscientes ou inconscientes da história do sujeito, possibilitando a expressão cênica de suas fantasias. Esse inconsciente compartilhado é constituído pela e na interação entre as pessoas. Os papéis são prolongamentos do Eu e é por intermédio deles que se relaciona com os papéis complementares (Moreno, 1972). O esquema de papéis corresponde ao limite do "si mesmo", o qual, como uma espécie de membrana celular, envolve totalmente o Eu. O "si mesmo", como limite da personalidade, tem uma função protetora e, nesse sentido, está intimamente relacionado com o mecanismo de defesa dos participantes. O "como se" é concretizado através do objeto intermediário, e o espaço vivencial por inteiro é trazido para uma concretização. Os locais imaginários na mente do sujeito são postos em nível de visualização.

A sessão grupal com o ofensor sexual adulto tem uma dimensão muito delicada, que é a admissão de responsabilidade, já que, até aquele momento do processo (incriminação, recebimento da sentença, cumprimento da sentença em regime fechado), a autoria do ato violento sexual não é admitida publicamente. Observa-se que cada indivíduo tem uma distância mínima para colocar seu interlocutor e essa distância varia de acordo com o momento psicológico em que se encontra e com o estímulo utilizado (Bermúdez, 1968; Marra, 2016; Moreno, 1972).

Os autores que propõem intervenções para essa população centram suas orientações em aspectos prioritários na escolha temática presente na intervenção: percepção do sofrimento da vítima, controle da impulsividade, reconhecimento do ato violento, identificação dos pródromos (condutas preliminares) do ato violento, reconhecimento de interesse por manter atividade sexual com crianças/adolescentes (Marshall, 2007; Seto, 2009). A adoção de estratégias de ação e a orientação teórica e prática do psicodrama permitem que se consiga adentrar esses temas por meio de diminuição de tensão emocional e do desvio da atenção para temas que têm grande comprometimento social e moral.

A criação de um ambiente lúdico, no qual se fala sério sob a forma de brincadeira, facilita a aproximação entre os participantes, pois os coloca priorizando a imaginação, meio pelo qual é mais fácil aceitarem sua condição comum (Costa, Ribeiro, Junqueira, Meneses & Stroher, 2011).

Um caminho mais imaginativo e lúdico também facilita a direção que os participantes precisam adotar, de realizar uma inversão de papel com a vítima, sendo essa questão a mais difícil de ser realizada, pois inclui a admissão de responsabilidade (Marshall, 2007; Meneses et al., 2016).

E, por outro lado, há ainda uma questão fundamental, que é o reconhecimento do próprio sofrimento, nos casos em que os adultos ofensores sexuais foram também vítimas de abuso sexual na infância (Lambie & Johnston, 2015).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se descrever a adoção de estratégias de ação para a intervenção psicossocial com adultos ofensores sexuais com base na abordagem psicodramática, em vista do reconhecimento de que se trata de uma iniciativa pioneira e ainda sem outros parâmetros para discussão.

A decisão de adotar esse recurso para a construção de uma intervenção surgiu das dificuldades expostas por autores estrangeiros na construção de ação grupal, porque, basicamente, os adultos ofensores sexuais apresentam impedimentos de admissão de responsabilidade pelo ato cometido, em face de sua condição perante o sistema jurídico e social (Marshall, 2007).

O limite da discussão deste texto está na dificuldade da gravação das informações obtidas, tendo-se que ficar restrito ao registro em prontuário.

 

REFERÊNCIAS

Andrés-Pueyo, A., & Hilterman, E. (2005). SVR-2.0: Manual de valoración del riesgo de violence sexual (versión española). Barcelona: Universitat de Barcelona.         [ Links ]

Baltieri, D. A., & Andrade, A. G. (2009). Treatment of paraphilic sexual offenders in Brazil: Issues and controversies. International Journal of Forensic Mental Health, 8(3),218-223. Doi: http://dx.doi.org/10.1080/14999010903362369        [ Links ]

Bermúdez, J. R. (1968). Introdução ao Psicodrama. São Paulo: Mestre Jou.         [ Links ]

Brasil (1940). Código penal brasileiro. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm        [ Links ]

Brasil (2008). Política nacional de atenção integral à saúde do homem: Princípios e diretrizes. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado de http://www.saude.ba.gov.br/novoportal/images/stories/saudedetodosnos/arquivos/politica_nacional_atencao_saude_homem.pdf        [ Links ]

Café, M. B., & Nascimento, N. I. (2012). O psicodrama e o atendimento aos autores de violência sexual. Revista Brasileira de Psicodrama, 20(2),127-139. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicodrama/v20n2/a09.pdf        [ Links ]

Costa, F. A. O., Costa, L. F., & Conceição, M. I. G. (2014). O adolescente que cometeu abuso sexual extrafamiliar: Motivação e sofrimento. Subjetividades, 14(1),97-103.         [ Links ]

Costa, L. F., Ribeiro, A., Junqueira, E. L., Meneses, F. F. F., & Stroher, L. M. C. (2011). Grupo multifamiliar com adolescentes ofensores sexuais. Psico, 42(4),450-456. Recuperado de php/revistapsico/article/view/10729/7448        [ Links ]

Hodder, I. (1994). The interpretation of documents and material culture. In N. K. Denzin, & Y. S. Lincoln (Eds.), Handbook of Qualitative Research (pp. 393-402). Thousands Oak, CA: Sage.         [ Links ]

Holland, S., Pointon, K., & Ross, S. (2007). Who returns to prison? Patterns of recidivism among prisoners released from custody in Victoria in 2002-03. Melbourne: Department of Justice.         [ Links ]

Informativo sobre as Notificações de Violência Interpessoal/Autoprovocada (2015). Boletim Epidemiológico: Violência Interpessoal e Autoprovocada, 1(2). Recuperado de http://www.saude.df.gov.br/images/Programas/InfEpiViol_definitivo_28052015.pdf        [ Links ]

Lambie, I., & Johnston, E. (2015). "I couldn't do it to a kid knowing what it did to me": The narratives of male sexual abuse victims resiliency to sexually offending. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, 60(8),1-22. Doi: 10.1177/0306624X14567664        [ Links ]

Marra, M. M. (2016). Conversas criativas e abuso sexual: Uma proposta para o atendimento psicossocial. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Marshall, W. L. (2007). Treatment of sexual offenders and its effects. In K. Aizawa (Ed.), Annual Report for 2006 and Resource Material Series nº 72 (pp. 71-81). Tokyo: Unafei.         [ Links ]

McGoldrick, M., Gerson, R., & Petry, S. (2012). Genograma: Avaliação e intervenção familiar (3a. ed.). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Meneses, F. F. F., Stroher, L. M. C., Setubal, C. B., Wolff, L. S., & Costa, L. F. (2016). Intervenção psicossocial com o adulto autor de violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes. Contextos Clínicos, 9(1),98-108. Doi: 10.4013/ctc.2016.91.08        [ Links ]

Minayo, M. C. S. (1993). O desafio do conhecimento: Pesquisa em Saúde (2a. ed.). Rio de Janeiro/São Paulo: Hucitec/Abrasco.         [ Links ]

Ministério da Justiça (2014). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen Mulheres. Relatório 2014. Recuperado de https://www.justica.gov.br/noticias/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf        [ Links ]

Miranda, A. O., & Corcoran, C. L. (2000). Comparison of perpetration characteristics between male juvenile and adult sexual offenders: Preliminary results. Sexual abuse: A Journal of Research and Treatment, 12(3),179-188. Doi: http://dx.doi.org/10.1177/107906320001200302        [ Links ]

Moreno, J. L. (1972). Psicodrama. São Paulo: Cultrix.         [ Links ]

Seto, M. C. (2009). Pedophilia. Annual Review of Clinical Psychology, 5,391-407.         [ Links ]

TV Jornal (2014). Foragido de São Paulo por abuso sexual é preso em Moreno. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=O7iOgit-Dfw        [ Links ]

 

 

Recebido: 08/11/2016
Aceito: 1º/12/2016

 

 

Lana dos Santos Wolff: Psicóloga e Mestre em Psicologia Clínica e Cultura - Programa de Pesquisa, Atenção e Vigilância à Violência (PAV Alecrim), Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES/GDF). Rua 20 Sul, lote 8, bl. B, apto. 501, Ed. Porto das Águas, Águas Claras, CEP 71925-360, Brasília, DF. Tel.: (61) 98520-6615.
Eliane Salzano de Oliveira: Assistente social e Treinanda em Serviço - Programa de Pesquisa, Atenção e Vigilância à Violência (PAV Alecrim), Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES/GDF). SHIS QI 7, conjunto 03, casa 2, CEP 71615-230. Brasília, DF. Tels.: (61) 3577-3234 e (61) 99244-5318.
Marlene Magnabosco Marra: Psicóloga e Doutora em Psicologia Clínica e Cultura. Pesquisadora Associada do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília (PPGPSIC/UnB). SQSW 100, bl. B, apto. 203, Sudoeste, CEP 70670-912. Brasília, DF. Tels.: (61) 3344-8961 e (61) 98122-2294.
Liana Fortunato Costa: Psicóloga e Doutora em Psicologia Clínica. Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília (PPGPSIC/UnB). SQN 104, bl D, apto. 307, CEP 70733-040. Brasília, DF. Tel.: (61) 3328-7439.

Creative Commons License