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Revista Brasileira de Psicodrama

versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.24 no.2 São Paulo dez. 2016

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20160026 

RESENHAS

 

Psicodrama público na contemporaneidade: cenários brasileiros e mundiais

 

Public psychodrama in contemporary times: global and Brazilian scenarios

 

Psicodrama público en la contemporaneidad: escenarios brasileños y mundiales

 

 

Marcia Almeida Batista

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). e-mail: mab5151@hotmail.com

 

 

Wechsler, M. P. F., & Monteiro, R. F. (Orgs.) (2016). Psicodrama público na contemporaneidade: Cenários brasileiros e mundiais. São Paulo: Ágora.

Durante muito tempo, havia uma fala corrente de que o Psicodrama não tinha teoria e de que os psicodramatistas não escreviam. Esse panorama mudou muito nos últimos tempos, porém ainda há temas cuja produção, apesar de necessária, é pequena. Entre os temas que necessitam de maior produção está a teorização sobre o Psicodrama público.

O livro aqui apresentado é o segundo sobre o tema trazido pelas organizadoras, desta feita incluindo autores estrangeiros, o que enriquece a discussão.

O prefácio, de Luís de Moraes Altenfelder Silva Filho, fala das sessões de Psicodrama aberto, em Nova York, dirigido por J. L. Moreno e Zerka Moreno, como inspiração dos psicodramas públicos propostos por José Fonseca, e do Psicodrama da cidade, realizado em março de 2001, em 150 diversos locais da cidade, organizado por Marisa Greeb, como a semente desses trabalhos.

Além disso, há muitos anos, os congressos brasileiros propõem o "Em Cena", atividade que viabiliza a realização de muitas ações, durante a construção do congresso, em diferentes comunidades e na cidade onde ele se realiza, concomitantemente com outras atividades do congresso.

A Associação Internacional de Psicoterapia de Grupo e Processos Grupais (IAGP) também tem proposto atividades semelhantes em seus congressos. Essas ações demandam reflexão sob diferentes aspectos, alguns deles propostos nessa obra.

As organizadoras apresentam o livro e discutem o que entendem por contemporaneidade com base em vários autores, como Agamben, Bauman, Lyotard e outros que sustentam sua concepção de contemporaneidade, definindo-a como a capacidade de uma relação singular com o próprio tempo. Os autores, sustentando em seus relatos questões atuais que emergem dos psicodrama realizados, parecem reforçar essa concepção e ver nessa forma de trabalho uma possibilidade de trazer os participantes do Ato para uma posição contemporânea de leitura do mundo em que vivem.

Ronaldo Pamplona traz a perspectiva histórica do Psicodrama público no Brasil, relembrando trabalhos tanto dele quanto de Regina Monteiro em momentos políticos importantes, discutindo sobre diretas já, Aids, luta manicomial, entre outros.

Pensar o Psicodrama público leva a como se faz, o que é apresentado pela Mascarada, criada por Mario Buchbinder, pelo método Vagas Estrelas, apresentado por Anna Knobel e Camila Gonçalves, e pelo Teatro-Debate, apresentado por Ângelo Borim e Moysés Aguiar.

Os capítulos mostram que, além do sociodrama e do sociodrama temático, como o sociodrama transgeracional, presente na escrita de Leandra Perrotta, há várias formas de trabalho discutidas pelos autores. Além das citadas, também são apresentados o Teatro de Reprise, através do texto de Rosane Rodrigues, e o Teatro Espontâneo, no relato de André Dedomenico.

Buschbinder fala do recurso da máscara para a busca de novos papéis e, com eles, a possibilidade de mudanças importantes que favorecem revelar outros aspectos impostos pela máscara e o trabalho corporal associado ao seu uso.

Tanto no Vagas Estrelas quanto no Teatro-Debate e no teatro espontâneo, os recursos teatrais são usados de formas diferentes: o primeiro começa por um script predeterminado apresentado pelo grupo; o segundo caminha pela possibilidade da construção de um diálogo cênico entre os participantes do grupo; e o terceiro permite que tudo vá sendo coconstruído pelos participantes sem que se tenha como certo aonde se chegará. Todos, no entanto, favorecem a emergência de outro olhar para o já estabelecido no grupo.

O trabalho com o Psicodrama público faz com que os diretores se deparem com temas contemporâneos, o que os leva a se debruçar sobre esses temas, discutindo questões como homofobia e homossexualidade, presentes no texto de Carlos Borba, e racismo, no texto de Pedro Mascarenhas.

Esse trabalho ocorre em vários locais, além do Centro Cultural São Paulo, que tem sido palco de muitos psicodramas há mais de 13 anos. São relatados no livro trabalhos nas ruas, em escolas, em hospitais e várias outras instituições, e até mesmo através da TV, como relatam Ronaldo Pamplona e Carlos Borba.

Alguns autores como Ursula Hauser e Pedro Mascarenhas dialogam com outras teorias, como a psicanálise e a esquizoanálise, o que enriquece a discussão sobre o ocorrido, sem, no entanto, trazer mudanças metodológicas explícitas na forma de conduzir a sessão. Moreno, que validava o trabalho grupal, acreditava que o aporte de diferentes teorias seria sempre um enriquecimento para o trabalho, o que parece coincidir com o que esses dois autores nos apresentam.

O Psicodrama público leva-nos a questionar sobre o mundo em que vivemos e, é claro, a fazer a pergunta que Yuyu Belo e Ursula Hauser se fazem: Qual o efeito deste trabalho? Enquanto Ursula nos fala de reencontrar participantes de um de seus trabalhos e de um depoimento positivo sobre ele, Yuyu brinda-nos com uma linda fábula sobre o beija-flor que tenta apagar um incêndio carregando uma gota d'água.

Georgia Vassimon relata o efeito do trabalho não só para os participantes, mas também para o próprio diretor, que se recria como pessoa no trabalho em grupo.

Como podemos perceber, os capítulos desse livro nos trazem múltiplas possibilidades de reflexão e permitem que entendamos a importância desse trabalho nos dias atuais, saindo das questões patológicas do indivíduo para questionar os movimentos patologizantes de nossa sociedade. Assim, o diálogo com os autores ajuda-nos a pensar este instrumento ainda pouco explorado e nem sempre valorizado corretamente: o Psicodrama público.

Moreno sonhava com um Psicodrama mundial para tratar a humanidade, o que, em tempos conturbados como o nosso, acredito ser de fato uma necessidade. E Mariângela e Regina, com os autores por elas convidados, trazem-nos uma importante contribuição nessa direção.

 

 

Recebido: 08/12/2016
Aceito: 10/12/2016

 

 

Marcia Almeida Batista: Psicóloga, Psicodramatista e Doutora em Psicologia Clínica. Diretora da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Associada à Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap) pelo Grupo de Estudos e Trabalhos Psicodramáticos (Getep). Membro do board da International Association of Group Psychoterapy (IAGP). Rua Guarará, 529, cj. 65, Jardim Paulista, CEP 01425-001. São Paulo, SP. Tels.: (11) 3885-0837 e (11) 99145-9742.

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