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Revista Brasileira de Psicodrama

versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.25 no.1 São Paulo jun. 2017

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20170015 

RESENHAS

 

Conversas criativas e abuso sexual: uma proposta para o atendimento psicossocial

 

Creative conversation and sexual abuse: a proposal for psychosocial care

 

Conversaciones creativas y abuso sexual: una propuesta para la atención psicosocial

 

 

Silvia Renata Lordello

Universidade de Brasília (UnB). E-mail: srmlordello@gmail.com

 

 

Marra, M. M. (2016). Conversas criativas e abuso sexual: Uma proposta para o atendimento psicossocial. São Paulo: Ágora.

Uma proposta inovadora no campo das intervenções psicossociais: assim podemos definir a obra de Marlene Marra, fruto de sua desafiadora pesquisa de doutorado. A relevância social do texto é indiscutível, pois integra sua atuação com famílias que sofreram violência sexual intrafamiliar e a adoção do referencial construcionista social. Há um belo encontro de um método de pesquisa dialógico, que contém extremo valor às narrativas dos participantes e uma riquíssima oportunidade de compreensão dos discursos e das significações de uma vivência tão secreta e complexa como a violência sexual intrafamiliar. As temáticas que surgem em seus resultados configuram-se em material precioso para os profissionais que atuam nessa área.

Inicialmente, a autora ressalta a importância do construcionismo social para o atendimento de natureza psicossocial. Constata-se que populações vulneráveis, até pouco tempo, eram diagnosticadas exclusivamente por suas deficiências e disfuncionalidades. Defendendo uma posição oposta, a autora pratica em sua pesquisação uma entrevista narrativa, com 15 famílias atendidas pelo Centro de Referência em Assistência Social, cujo foco privilegia as potencialidades de seus membros, promovendo um espaço conversacional no qual seja possível elaborar novas narrativas e produzir novos sentidos para suas vivências. Assim, os princípios que fundamentam o construcionismo social são ilustrados no trabalho: ser fiel a uma ética relacional que integra conhecimento e ação e comprometer-se a construir contextos de diálogos e relacionamentos colaborativos que enfatizem os processos, as novas possibilidades e os exercícios de autoria que empoderem e façam emergir mudanças.

A obra traz também elucidações metodológicas que permitem uma compreensão aprofundada sobre a pesquisa qualitativa e a diversidade e riqueza de seus instrumentos. Há argumentos esclarecedores sobre a opção pela análise hermenêutica dialética, baseada em Habermas e Gadamer, e detalhamentos sobre a formulação de categorias analíticas.

A autora ressalta três aspectos fundamentais no processo de conversação/entrevista narrativa: a construção do problema, a mudança e como promover a mudança. O processo inclui os discursos dominantes sobre o abuso sexual presentes na cultura e passa a ser transformado com as narrações que propiciam a externalização do problema e o autoagenciamento ou agenciamento social.

A obra, de forma muito sensível, apresenta o universo das mães das vítimas de violência sexual, que se sentem paralisadas ao entrar em contato com o sofrimento das filhas. A autora revela diferentes sentidos atribuídos ao processo de revelação, que reedita nas mães muitas vivências, mas apresenta reinterpretações no processo dialógico. Há menção detalhada às intersecções na conjugalidade, parentalidade e fraternidade que são ilustradas pelas falas das participantes ao tratarem da violência sexual intrafamiliar e que representam conteúdos muito significativos para serem incluídos nas intervenções psicossociais que tratem do tema.

O livro, em sua conclusão, adota um tom propositivo: como desenvolver nas famílias hábitos de conversação? A questão se coloca como desafio aos produtores de conhecimento científico que podem construir metodologias conversacionais em suas intervenções com potencial terapêutico. Instrumentalizar as famílias na vertente dialógica pode representar um grande avanço na proteção da criança e do adolescente e no atendimento de suas necessidades desenvolvimentais.

O aprendizado que a obra de Marlene Magnabosco Marra proporciona ao leitor transcende o âmbito cognitivo que motiva uma investigação científica. É uma leitura que nos compromete com a realidade social e nos convoca ao posicionamento de responsabilidade relacional, tão bem desenvolvido pela autora na condução da pesquisa. Apesar do tema difícil, não há nenhuma aproximação com atitude paternalista ou assistencialista. A postura da pesquisadora inspira-nos a ver nas famílias sua potencialidade para a transformação, a autonomia, o empoderamento e o protagonismo em seus projetos futuros. Não se trata de esquecer do abuso sexual ou minimizar seus impactos, mas reconhecer processos de mudanças recursivos e presentes nas famílias, que podem ser ativados por meio de uma mediação comprometida com o diálogo e a reflexão.

 

 

Recebido: 22/05/2017
Aceito: 30/05/2017

 

 

Silvia Renata Lordello: Doutora em Psicologia Clínica e Cultura. Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Coordenadora do Laboratório de Famílias, Grupos e Comunidades (LABFAM). SMPW Quadra 16, conjunto 06, casa 02, CEP 71741-606. Brasília, DF. Tel.: (61) 3107-6834.

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