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Revista Brasileira de Psicodrama

versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.25 no.2 São Paulo dez. 2017

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20170017 

ARTIGOS INÉDITOS

 

Inventário de espontaneidade revisado (SAI-R): análise da estrutura fatorial da adaptação brasileira

 

Revised spontaneity assessment inventory (SAI-R): analysis of the factor in brazilian sample

 

Inventario de espontaneidad revisado (SAI-R): análisis de la estructura factorial de la adaptación brasileña

 

 

Maria Eveline Cascardo RamosI; Cláudia Cristina FukudaII; Paulo Henrique Souza RobertoIII; Alexandre Cavalcanti GalvãoIV

ICentro de Psicodrama de Brasília (CPB). E-mail: evelinecascardo@yahoo.com.br
IIUniversidade Católica de Brasília (UCB). E-mail: claudiafukuda@hotmail.com
IIIUniversidade Católica de Brasília (UCB). E-mail: paulohenriqueroberto88@gmail.com
IVUniversidade Católica de Brasília (UCB). E-mail: alexandregalvao.ucb@gmail.com

 

 


RESUMO

Neste estudo, objetivou-se identificar evidências de validade e confiabilidade do Revised Spontaneity Assessment Inventory (SAI-R). Participaram da pesquisa 439 adultos e adolescentes, divididos nos grupos clínico e não clínico, compostos, respectivamente, por usuários de duas clínicas-escola de Psicologia do Distrito Federal e por estudantes universitários e acompanhantes de pacientes. Para a verificação da estrutura fatorial do SAIR, utilizou-se a Análise Fatorial Exploratória; a solução com um fator mostrou-se adequada para os dois grupos. A consistência interna avaliada por meio de Alfa de Cronbach foi 0,93 para o grupo clínico e 0,92 para o não clínico. O teste também foi capaz de discriminar os grupos. O SAI-R apresentou boas evidências de validade e fidedignidade na amostra pesquisada.

Palavras-chave: espontaneidade, Revised Spontaneity Assessment Inventory, SAI-R, validação


ABSTRACT

The purpose of this study was to identify validity and reliability evidences of the Revised Spontaneity Assessment Inventory (SAI-R). A total of 439 adults and adolescents, divided into clinical and non-clinical groups, were composed, respectively, by users of two psychology clinics-school in Brasília (DF), and by college students and patient's companions. In order to verify the factorial structure of the SAI-R, the Exploratory Factor Analysis was used; the solution with one factor was adequate for both groups. The internal consistency assessed using Cronbach's alpha was 0.93 for the clinical group and 0.92 for the non-clinical one. The test was also able to discriminate the groups. The SAI-R has presented good validity and reliability evidence in the sample studied.

Keywords: spontaneity, Revised Spontaneity Assessment Inventory, SAI-R, validation


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo identificar la evidencia de la validez y fiabilidad del Inventario de Evaluación de la Espontaneidad Revisado (SAI-R). En la investigación participaron 439 adultos y adolescentes, divididos en los grupos clínico y no clínico, compuestos, respectivamente, por usuarios de dos clínicas escuelas de Psicología del Distrito Federal y por estudiantes universitarios y acompañantes de pacientes. Para la verificación de la estructura factorial del SAI-R se utilizó el Análisis Factorial Exploratorio, la solución con un factor se mostró adecuada para los dos grupos. La consistencia interna evaluada por medio de Alfa de Cronbach fue 0,93 para el grupo clínico y 0,92 para el no clínico. La prueba también fue capaz de discriminar a los grupos. El SAI-R ha presentado buenas evidencias de validez y fiabilidad en la muestra investigada.

Palabras clave: espontaneidad, Inventario Revisado Evaluación Espontaneidad, SAI-R, validación


 

 

O termo espontaneidade de que se trata neste artigo foi definido e explorado por Moreno, que via nele um dos aspectos fundamentais da saúde mental. Nas suas palavras, em uma "teoria do comportamento e da motivação humanos, o lugar central deve ser dado à espontaneidade" (Moreno, 1944, p. 155). A espontaneidade podia também ser vista como um agente terapêutico ou, como relatam Kipper e Hundal (2005), um fator de cura específico, que Moreno acreditava ampliar a abertura à experiência, reduzir as inibições e promover o bem-estar psicológico.

Com o intuito de tornar a espontaneidade um constructo passível de mensuração, Moreno, na construção de sua teoria, criou diversos formatos para estudo do fenômeno, que, quase sempre, implicavam provas resolvidas presencialmente e na prática pelos avaliados. Nas décadas que se seguiram à morte de Moreno, houve várias tentativas de construir testes que medissem a espontaneidade, de forma econômica e replicável. Desse modo, o advento de uma medida de espontaneidade oferece novas oportunidades para explorar empiricamente proposições teóricas (Kipper & Shemer, 2006).

Dentre os testes psicométricos de avaliação da espontaneidade, destacamos dois: o Personal Attitude Scale (PAS), que foi desenvolvido por Collins, Kumar, Treadwell e Leach (1997) e passou por uma revisão, o PAS II (Kellar, Treadwell, Kumar, & Leach, 2002). O PAS II apresentou evidências de validade de constructo e confiabilidade satisfatórios. O segundo instrumento, mais recente, é o Spontaneity Assessment Inventory (SAI) (Kipper & Hundal, 2005), e sua versão revista, o SAI-R (Kipper & Shemer, 2006), trata-se de uma medida simples e direta da espontaneidade, feita por 18 itens respondidos em escala tipo Likert de cinco pontos.

Considerando a atualidade e a simplicidade do SAI-R, este estudo tem como objetivo identificar evidências de validade e de confiabilidade da versão brasileira do SAI-R. Além disso, buscou-se verificar diferenças nos escores do SAI-R por gênero e por usuários e não usuários de serviços de saúde mental.

 

ESPONTANEIDADE: CONCEITUAÇÕES TEÓRICAS

Moreno (1941) definiu espontaneidade como a capacidade de dar respostas novas e adequadas para situações novas ou antigas e de responder, à forma antiga, a situações novas. Aponta que, na sociedade, ela é menos desenvolvida, visto que frequentemente é desencorajada e reprimida por artifícios culturais (Moreno, 1992). À medida que a criança cresce, ela é contida nas suas explorações do ambiente, na emissão de respostas criativas que denotam alguma insubordinação aos modelos familiares vigentes. Segundo Moreno (1992), "grande número de patologias psicológicas e sociais do Homem pode ser atribuído ao desenvolvimento insuficiente da espontaneidade" (p. 154).

Os seres humanos são dotados de espontaneidade em algum grau e precisam usá-la nas respostas necessárias à interação interpessoal, grupal e social. Nos casos em que as pessoas foram cerceadas na sua expressão, pode haver diminuição da adequação das respostas, insatisfação pessoal e ansiedade. Tem-se visto que a ansiedade resulta da perda ou coartação da espontaneidade. A espontaneidade é a principal força motriz que afeta o comportamento humano. Dessa forma, uma das principais reivindicações teóricas de Moreno relativas à espontaneidade é de que todos são dotados desta característica. A espontaneidade é associada com a motivação intrínseca, a autoeficácia e as atribuições de autoestima, sendo assim, essas descobertas caracterizam a espontaneidade como um processo psicológico interno e justificam sua medida para o entendimento da satisfação e do sofrimento humano (Christoforou & Kipper, 2006; Kipper & Shemer, 2006).

 

SAI-R

Originalmente, Kipper e Hundal (2005) desenvolveram o Spontaneity Assessment Inventory (SAI), revisado um ano depois por Kipper e Shemer (2006), resultando no SAI-R. Na adaptação para o Brasil, o teste tem sido chamado de Inventário de Espontaneidade Revisado, cujo objetivo é medir categoricamente a intensidade da presença da espontaneidade.

Para a construção do inventário, foram consultados 20 especialistas em espontaneidade e Psicodrama, europeus e americanos, com pelo menos 25 anos de experiência, a quem foram pedidas listas de adjetivos que descrevessem a sensação de estar espontâneo (Kipper & Hundal, 2005). A partir desse material, foram desenvolvidos itens que, após sucessivos estudos e melhoramentos, deram origem ao SAI-R.

Há várias razões para a construção de uma medida padronizada de espontaneidade, dentre elas destaca-se a necessidade de justificar aspectos referentes ao conceito de espontaneidade e de considerar a espontaneidade como recurso e referência para medir o progresso terapêutico. Sem essa medida, o conceito perderia seu valor como ferramenta clínica (Kipper & Shemer, 2006).

Para análise das propriedades psicométricas do SAI-R no estudo original foi utilizada uma amostra de 81 estudantes de pós-graduação, em que 65 (80%) eram mulheres. Encontraram-se correlações positivas entre o SAI e o SAI-R e entre este e bem-estar. A confiabilidade do teste foi avaliada por Alfa de Cronbach, apresentando um índice elevado de 0,91 (Kipper & Hundal, 2005). Também foram encontradas correlações positivas do SAI-R com medidas de motivação intrínseca, autoeficácia e autoestima (Davelaar, Araujo, & Kipper, 2008).

O SAI-R apresentou Alfa de Cronbach de 0,79 em uma amostra de 105 adultos canadenses. Também foram encontradas correlações positivas entre o SAI-R e uma medida de bem-estar que variava entre 0,38 e 0,60. Por outro lado, o SAI-R apresentou correlação negativa de 0,45 com medida de percepção de estresse (Kipper & Shemer, 2006).

Em um estudo com 117 estudantes americanos foram encontradas correlações entre o SAI-R e medidas de criatividade e impulsividade (Kipper, Green, & Prorak, 2010). A versão portuguesa do SAI-R correlacionou-se com o bem-estar, a autoestima, os cinco grandes fatores de personalidade e a presença de doenças como psoríase e lúpus (Gonzalez, 2012).

Em outro estudo de validade do SAI-R desenvolvido com 262 estudantes universitários italianos (N = 116) e austríacos (N = 146), foram encontrados índices de consistência interna de 0,81 e 0,91, respectivamente. Análises fatoriais confirmatórias realizadas separadamente com os dois grupos de estudantes demonstraram a adequação do modelo unifatorial. Nesse estudo, também foram encontradas correlações negativas do SAI-R com outras medidas de sofrimento psíquico e de depressão (Testoni et al., 2016).

 

MÉTODO

Participantes

Participaram da pesquisa 439 adultos e adolescentes divididos nos grupos clínico (270; 61,5%) e não clínico (169; 38,5%). O grupo clínico (GC) foi composto por pacientes de uma clínica-escola e de um instituto de formação de psicoterapeutas do Distrito Federal (DF). Já o grupo não clínico (GNC) foi formado por acompanhantes dos pacientes (22; 13,0%) e estudantes universitários (147; 67,0%). No GC houve uma ligeira predominância de homens (51,5%), enquanto no GNC a predominância foi de mulheres (63,9%).

A idade do GC variou entre 13 e 69 anos e do GNC entre 14 e 62 anos. Os participantes do GC (M = 38,05; DP = 11,9) eram, em média, significativamente mais velhos que os participantes do GNC (M = 27,6; DP = 10,5) [t = 9,35; p < 0,001].

Da mesma forma, os grupos se diferenciaram em relação à escolaridade; a maioria dos participantes do GC tinha ensino médio completo (28,5%) ou ensino fundamental incompleto (22,2%). Já o GNC foi constituído principalmente por pessoas com ensino superior incompleto (65,1%), visto que parte da amostra não clínica era composta por estudantes universitários.

Instrumento

O Revised Spontaneity Assessment Inventory (SAI-R) é um inventário autoaplicável constituído por 18 adjetivos e frases que descrevem diferentes sentimentos e pensamentos que as pessoas podem vivenciar em um dia típico (Kipper & Shemer, 2006). Apresenta escala de resposta tipo Likert com cinco pontos, iniciando-se em (1) muito fraca e terminando em (5) muito forte.

Para este estudo, utilizou-se a versão portuguesa do SAI-R desenvolvida por Batista (2009). A autora relata que, em um estudo com 84 adultos portugueses com lúpus, a versão portuguesa do SAI-R apresentou um elevado índice de consistência interna (α = 0,94).

Procedimentos de coleta de dados

Os procedimentos de coleta de dados para o GC iniciaram-se com o contato com os supervisores dos atendimentos psicoterápicos e psicossoais de duas clínicas-escola do DF, onde foi feita a apresentação do projeto de pesquisa e solicitada autorização para treinar os estagiários de psicologia e psicólogos em formação para convidar os pacientes a participar da pesquisa e para a aplicação do SAI-R.

As aplicações do SAI-R foram realizadas individualmente no início (até o terceiro encontro) do atendimento. Após o término da sessão, era entregue ao paciente o inventário com os dados sociobiográficos já preenchidos. Os pacientes eram solicitados a responder ao SAI-R e depositar o instrumento respondido em uma caixa lacrada.

Já a coleta de dados do GNC foi feita de forma coletiva para os estudantes universitários e de forma individual para os acompanhantes. A aplicação entre os estudantes que concordaram em responder foi realizada em sala de aula, após autorização do professor. Os acompanhantes de pacientes das clínicas-escola foram abordados nas salas de espera, e aqueles que concordaram em participar da pesquisa foram encaminhados para uma sala da clínica e responderam individualmente ao inventário.

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Conselho de Ética em Psicologia da Universidade Católica de Brasília (CAAE: 080761123.3.0000.0029).

Análise de dados

Os dados foram tabulados e analisados por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences for Windows versão 18 (SPSS 18.0). Inicialmente foi feita uma limpeza dos dados, e seis casos que apresentaram mais de 50% de respostas em branco foram excluídos. Não foram identificados outliers univariados.

Para a verificação da estrutura fatorial foram utilizadas: a Análise Paralela de Horn para identificação do número de fatores a serem extraídos e a Análise Fatorial Exploratória método Principal Axis Factoring (PAF). A consistência interna foi avaliada por meio do índice de fidedignidade Alfa de Cronbach. Essas análises foram feitas separadamente por grupo (GC e GNC).

Para a comparação entre grupos (GC e GNC; sexo e escolaridade), utilizou-se teste t, análise de variância (ANOVA) e análise de variância multivariada (MANOVA). Para as comparações múltiplas, foi utilizado o teste post hoc Tukey.

 

RESULTADOS

Foram utilizados o critério de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Teste de Esfericidade de Bartlett para verificar a adequação dos dados para a análise fatorial. Para o GC, o KMO foi de 0,94 e para o GNC de 0,89, que, de acordo com Damásio (2012), é um resultado bom e adequado para uma análise fatorial. O teste de Bartlett foi significativo para os dois grupos.

Os resultados da análise paralela indicaram a existência de apenas um fator nos dois grupos. A Tabela 1 mostra que apenas o primeiro componente da matriz dos dados empíricos apresentou um eigenvalue evidentemente maior do que os eigenvalues da matriz dos dados aleatórios pelo critério da média dos eigenvalues aleatórios (GC e GNC). Portanto, para a análise fatorial exploratória, utilizou-se como critério um fator. Além disso, considerou-se que as cargas fatoriais dos itens deveriam ser superiores a 0,30 (Laros, 2012).

Os resultados das análises fatoriais exploratórias mostraram que a solução de um fator foi adequada para o SAI-R em ambos os grupos. A variância total explicada foi 44,1% no GC e 40,3% no GNC. No entanto, o item 7 (Eufórico) apresentou carga fatorial inferior a 0,30 tanto no GC quanto no GNC. No GC, a carga fatorial do item foi bastante baixa (0,19); já no GNC houve um ligeiro aumento (0,23).

Comparando-se as duas soluções fatoriais, é possível observar que elas foram semelhantes, evidenciando a estabilidade da solução fatorial. Osborne e Fitzpatrick (2012) propõem dois critérios para a comparação entre as análises fatoriais exploratórias produzidas por grupos diferentes: (1) os fatores devem ser formados pelos mesmos itens; e (2) a diferença entre os valores das cargas fatoriais dos itens não deve ser maior que |0,20|. Como a solução proposta foi unifatorial e todos os itens, com exceção do item 7, apresentaram cargas fatoriais altas no fator nos dois grupos e a maior diferença entre as cargas fatoriais foi |0,14|, considera-se que os critérios propostos pelos autores foram atendidos (Tabela 2).

A análise da consistência interna resultou em elevados valores de Alfa de Cronbach, 0,93 e 0,92, respectivamente para o GC e o GNC. Verificou-se ainda que o valor do Alfa não se modifica caso o item 7, que apresentou baixa carga fatorial nos dois grupos, seja retirado da análise. Por outro lado, o item apresentou baixa correlação item-total, inferior a 0,30, nos dois grupos.

A média dos 439 respondentes no SAI-R na primeira aplicação foi 3,4, com desvio padrão de 0,61. O menor escore foi um e o maior 4,89, e metade dos participantes teve escores inferiores a 3,48. Os homens (M = 3,58; DP = 0,65) apresentaram em média escores maiores que as mulheres (M = 3,26; DP = 0,71) (t = 4,94; p < 0,001). Não foi encontrada correlação significativa entre os escores no SAI-R e a idade. Da mesma forma, a escolaridade não afetou os resultados no SAI-R.

Para a comparação entre os grupos, o GC foi dividido por tipo de serviço: psicoterapia de grupo (N = 41), psicoterapia individual (N = 20), terapia familiar (N = 97) e socioterapêutico (N = 42). Não foi possível, na amostra do GC, a identificação do tipo de serviço utilizado por 70 (25,9%) dos participantes, porque estes usuários não preencheram as afirmativas que permitiriam diferencia-lós. A Tabela 3 apresenta a média e o desvio padrão do GC por tipo de serviço, do GC sem identificação do tipo de serviço e do GNC.

 

 

Considerando a diferença significativa entre gênero e os escores no SAI-R, para verificar se havia diferenças significativas entre o tipo de serviço do grupo clínico, foi realizada uma análise de variância multivariada, em que o escore no SAI-R foi a variável dependente, e o tipo de serviço e o gênero foram as variáveis independentes. Diferenças significativas entre as médias de espontaneidade por serviço (F[433:5] = 7,74; p < 0,001) e por gênero (F[437:1] = 8,55; p < 0,005) foram identificadas.

O menor nível de espontaneidade foi encontrado entre os usuários do serviço de psicoterapia individual (M = 2,86; DP = 0,80) em relação a todos os demais grupos, incluindo os pacientes não psiquiátricos, com exceção dos usuários de psicoterapia de grupo (M = 3,05; DP = 0,64), que não se diferenciou significativamente da média dos usuários de psicoterapia individual. Entretanto, usuários de psicoterapia de grupo apresentaram médias menores que os usuários de psicoterapia de família (M = 3,57; DP = 0,73), socioterapêutico (M = 3,73; DP = 0,63) e GNC (M = 3,39; DP = 0,65). Um efeito de interação entre tipo de serviço e gênero foi encontrado (F = 2,25; p < 0,05), de forma que os usuários masculinos (M = 2,63; DP = 0,79) dos serviços de psicoterapia individual apresentaram menores médias que as usuárias femininas (M = 2,93; DP = 0,81), enquanto nos demais grupos as mulheres apresentaram médias menores (Figura 1).

 

DISCUSSÃO

As análises fatoriais exploratórias do SAI-R realizadas separadamente para o grupo clínico e não clínico resultaram em uma estrutura de um fator para ambas as amostras. Esse resultado corrobora a análise fatorial confirmatória desenvolvida por Testoni et al. (2016) em amostras não clínicas de estudantes universitários italianos e austríacos. Além disso, os índices de consistência interna encontrados (α = 0,93 e α = 0,92) foram superiores aos valores reportados na literatura, que variaram de 0,79 (Kipper & Shemer, 2006) a 0,91 (Kipper & Hundal, 2005; Testoni et. al., 2016). Assim, considera-se que o SAI-R demonstrou boas evidências de validade de constructo e fidedignidade na amostra brasileira pesquisada.

No entanto, o baixo valor da carga fatorial do item 7 (Eufórico), não identificada no estudo de Testoni et al. (2016), pode indicar uma dificuldade na compreensão do item para a amostra pesquisada. Esse fato pode estar relacionado à tradução do termo em inglês (Euphoric), visto que a palavra "eufórico" pode ter uma conotação diferente da original e não é uma palavra usual entre os brasileiros. A baixa carga fatorial foi identificada nos dois grupos, sendo que no GC predominavam pessoas com escolaridade inferior ao ensino médio e no GNC, estudantes universitários, de forma que a dificuldade do item pode não estar relacionada à escolaridade. Kipper e Shemer (2006) já apontaram dificuldades na adaptação do inventário para outras línguas, o que para os autores justificou a eliminação de dois itens na versão revisada do SAI. Contudo, como não houve impacto significativo da retirada do item na consistência interna do SAI-R, sugere-se a permanência do item na adaptação brasileira.

O SAI-R também se mostrou capaz de diferenciar grupos de participantes em diferentes modalidades de atendimentos psicoterápicos e de grupos da população geral. Usuários de serviços de psicoterapia individual e de grupo apresentaram menores níveis de espontaneidade medidos pelo SAI-R que usuários de outras modalidades de atendimento e da população geral. É razoável inferir que pacientes de psicoterapia individual e de grupo apresentem níveis mais baixos de espontaneidade, corroborando estudos anteriores (Christoforou & Kipper, 2006; Kipper & Shemer, 2006).

 

CONCLUSÃO

Os objetivos deste estudo foram verificar a estrutura fatorial do SAI-R, sua consistência interna em amostra clínica e não clínica e verificar a capacidade do inventário de discriminar grupos usuários e não usuários de serviços de saúde mental.

Os resultados demonstraram, de forma coerente com o constructo e com pesquisas anteriores, que os itens do SAI-R formam um único fator que apresenta elevado nível de consistência interna e que é capaz de separar grupos usuários de diferentes serviços em saúde mental e grupos não usuários desses serviços. Portanto, considera-se que foram apresentadas duas importantes evidências da qualidade psicométrica da versão brasileira do SAI-R.

As amostras pesquisadas, no entanto, eram provenientes apenas do Distrito Federal, de forma que se fazem necessários estudos sobre o SAI-R em outros Estados brasileiros e com grupos maiores. Além disso, a influência do gênero, da escolaridade e da idade na espontaneidade ainda carece de maiores esclarecimentos.

O SAI-R demonstra ser um instrumento com forte potencial tanto para pesquisa quanto para avaliação de psicoterapias.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 29/06/2017
Aceito: 04/10/2017

 

 

Maria Eveline Cascardo Ramos. Graduada em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Terapia de Famílias e de Casais pelo Instituto de Pesquisa e Intervenção Psicossocial. Especialista em Curso de Formação em Psicodrama pela Associação Brasiliense de Psicodrama.
Cláudia Cristina Fukuda. Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Psicologia Social e do Trabalho pela Universidade de Brasília (UnB). Graduada em Psicologia. Especialista em Psicometria.
Paulo Henrique Souza Roberto. Graduado em Psicologia pela Universidade Católica de Brasília (UCB).
Alexandre Cavalcanti Galvão. Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Mestre em Psicologia Social pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Psicologia Clínica da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Gestalt-Terapia pelo Instituto de Gestalt-Terapia de Brasília.

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