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Revista Brasileira de Psicodrama

Print version ISSN 0104-5393On-line version ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.25 no.2 São Paulo Dec. 2017

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20170019 

ARTIGOS INÉDITOS

 

Supervisão socioeducacional: compartilhando a construção do papel de supervisor em Psicodrama

 

Socio-educational supervision: sharing the construction of the supervisor role in Psychodrama

 

Supervisión socioeducativa: compartiendo la construcción del papel de supervisor en Psicodrama

 

 

Luiza Maria Soares Barros

Gaya - Centro de Psicologia. E-mail: luizamariasoaresbarros@gmail.com

 

 


RESUMO

Neste artigo, são compartilhadas experiências e reflexões que aconteceram durante a construção do papel de psicodramatista didata supervisor e que favoreceram o processo de tomada de papel. São descritos os passos para assumir o lugar de poder assimétrico que a supervisão tem na orientação de projetos e construção coletiva de saberes, com base na Socionomia e na Pedagogia Psicodramática. Por meio dessa experiência também foi possível visualizar como o trabalho de supervisão pode fortalecer os vínculos internos da escola e a rede sociométrica dos psicodramatistas, contribuindo para a expansão e a perpetuação da Socionomia, que é uma das funções do papel de supervisor.

Palavras-chave: supervisão psicodramática, matriz de identidade, papel, vínculo, rede sociométrica


ABSTRACT

In this article, experiences and reflections that occurred during the construction of the role of supervising psychodramatist and that favored the role-taking process were shared. It is described the steps to take the place of asymmetric power that the supervision has in the orientation of projects and collective construction of knowledge, based on the Socionomy and the Psychodramatic Pedagogy. Through this experience it was also possible to see how supervisory work can strengthen the school's internal links and the sociometric network of psychodramatists, contributing to the expansion and perpetuation of Socionomy, which is one of the functions of the supervisor role.

Keywords: psychodramatic supervision, identity matrix, role, link, sociometric network


RESUMEN

En este artículo, se comparte experiencias y reflexiones que se produjeron durante la construcción del papel de psicodramatista didata supervisor y que favorecieron el proceso de toma de papel. Se describen los pasos para asumir el lugar de poder asimétrico que la supervisión tiene en la orientación de proyectos y construcción colectiva de saberes, con base en la Socionomía y en la Pedagogía Psicodramática. Por medio de esta experiencia también fue posible visualizar cómo el trabajo de supervisión puede fortalecer los vínculos internos de la escuela y la red sociométrica de los psicodramatistas, contribuyendo a la expansión y la perpetuación de la Socionomía, que es una de las funciones del papel de supervisor.

Palabras clave: supervisión psicodramática, matriz de identidad, papel, vínculo, red sociométrica


 

 

"Lo esencial puede dejar de ser invisible si nos dejamos guiar por la curiosidad y la intuición en un camino que nos permita acceder a las alegrías que celebran la vida."

Ana María Mothman y Guillermo Augusto Vilaseca

 

O CENÁRIO

Em março de 2012, um grupo de psicodramatistas assumiu a formação1 de Psicodrama em Campo Grande, MS, já existente desde os anos de 1990, criando uma forma de gestão coletiva da escola. A rede ali estava - um pouco adormecida - e a partir dela definiu-se um novo caminho: a criação do Núcleo de Psicodrama Gaya. Na cidade, tínhamos os quatro diretores e alguns dos participantes das cinco primeiras turmas do curso de formação. Muitos deles não haviam concluído integralmente as etapas de formação e, portanto, não eram titulados, e outros 15 psicodramatistas eram titulados como psicodramatistas - Nível I pela Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap). Assim, reativamos uma rede sociométrica com aqueles que aderiram ao critério de, numa perspectiva sócio-histórica, reconstruir a identidade dessa escola (Moreno, 2008). Estávamos vivendo, naquele momento, a retomada da primeira fase de uma nova matriz da identidade e do ensino da Socionomia na região (Moreno, 1889-1974).

Éramos duas psicodramatistas didatas supervisoras tituladas pela Febrap, uma do foco psicoterápico e outra do socioeducacional, e uma psicodramatista didata. Para que pudéssemos atingir o principal objetivo de disseminar a Socionomia, seria preciso formar didatas e, em especial, supervisores, por serem estes os mais diretamente envolvidos com a sobrevivência e a perpetuação do Psicodrama (Dias, 2012. Como fruto de sua pesquisa com psicodramatistas didatas supervisores, Dias (2012) lembra-nos de que a ação do supervisor é um alicerce para essa perpetuação. É do supervisor a função de estimular a prática e de contribuir para reflexões entre a teoria e a prática e para a coerência da aplicação do método desde as primeiras atuações do psicodramatista em fase de formação. A autora correlaciona, ainda, a evolução da sociedade psicodramática com a qualidade dos vínculos e dos papéis dos supervisores nos pequenos grupos de que fazem parte: em suas escolas, seu átomo e suas redes sociais. Isso nos faz refletir sobre a importância da continuidade dos grupos de supervisão (e sobre a responsabilidade das escolas de promover esses espaços), mesmo após a formação, cultivando, assim, um locus de pesquisa e desenvolvimento das práticas psicodramáticas em seus diversos campos.

Nesse status nascendi nasceriam novos psicodramatistas e novos papéis para os psicodramatistas titulados, refazendo as cenas na escola (Moreno, 1975). Essa foi nossa oportunidade de aprofundar a experiência de ser diretora de Psicodrama em diversos palcos. O convite era o de viver intensamente esses vários papéis e assim foi acontecendo: de imediato o role taking de diretora da escola, seguido pelo role playing de didata; e, com a fase de estágio do primeiro grupo de formação Nível I, atuar como ego auxiliar e aprendiz do papel de supervisor (Moreno, 1975).

 

O PAPEL

Assumir a direção da escola levou-nos ao exercício intenso das funções do diretor de Psicodrama para dar conta das várias frentes e atividades necessárias ao revigoramento da instituição (Moreno, 1975). Como analista social, pesquisar registros e informações históricas e estudar como refazer a conexão da rede. Como projetista, propor e administrar novos planos, criar espaços para divulgar e formar turmas. E como diretor, terapeuta, atuar nas aulas; como didata e ego auxiliar, tratar os grupos de formação, além de acompanhar as sessões de supervisão na fase de estágio supervisionado do curso.

As experiências de analista social e projetista, ações de "bastidores", que fazem parte do processo de formação do papel de supervisor são também muito importantes. Além disso, assumir a direção no palco é vital para o didata supervisor e é preciso exercer consistentemente as três funções do diretor: terapeuta principal, analista social e produtor. Melhor ainda se este entrar no palco e dirigir acontecer de forma plena, natural e entusiasmada. Coube aqui criarmos novas oportunidades para ampliar o role playing e dirigir eventos em Congressos brasileiro e ibero-americano, dirigir mais aulas e atos psicodramáticos abertos, entre outras, intensificando a absorção do método e a apropriação da ciência socionômica.

Cada supervisor tem seu estilo próprio e diverso de atuação, não existindo forma padronizada de desempenho; os psicodramatistas didatas supervisores têm como base comum a Socionomia e seus métodos. Algumas preocupações com a atividade de supervisão se referem tanto aos modelos de intervenção, como ao uso de dramatização como método de supervisão e aos resultados a serem percebidos no supervisionando e em seus clientes (Hannes & Fürst, 2013). Assim, o processo de formação desse novo papel pede um movimento de ação e reflexão.

O que concluímos sobre contexto social e o papel de psicodramatista didata supervisor é que a reconstrução de uma escola fortalece o papel institucional da Febrap, e, nessa perspectiva, o supervisor é o protagonista. Para a escola em Campo Grande, nosso contexto grupal, é importante e necessário formar mais didatas supervisores, pois disso depende sua sobrevivência e expansão. Quanto às questões do contexto dramático do supervisor, que só a decisão ativa e consciente, o role taking (tomar e assumir o papel) e o início da prática - role playing (entrar em ação, atuar no papel) - podem fazer superar e construir as respostas.

 

O PODER DO CONFLITO

A palavra supervisão traz um incômodo: o pretenso lugar de super ou de quem tem uma superioridade de visão. A palavra, vista como símbolo de poder, pode constranger quem quer ocupá-lo e criar confusão em relação à natureza do vínculo, se for tomada absolutamente com um caráter autoritário ou de prevalência de uma pessoa sobre a outra. Por outro lado, assumir esse super como vínculo assimétrico (Nery, 2003) entre supervisor-supervisionando é precisamente o conflito emergente que necessitava ser tratado. Aprender a atuar nessa assimetria com as diferenças de papéis e funções foi e ainda é um desafio para os supervisores. Quando e como sugerir sem sugestionar? Qual o momento de perguntar e qual o momento de responder às indagações do supervisionando? Como orientar considerando a orientação e o senso do outro?

Buscando um modo de intervenção horizontal ou mais interativo, encontramos no livro de Maria Alícia Romaña (1998, pp. 31-37) o relato de um modelo chamado co-visão, de autoria do psicodramatista argentino Guillermo Vilaseca. O autor, aparentemente na mesma busca, encontrou no recurso de intensificar o efeito dramático não verbal uma forma de ampliar possibilidades do grupo de ver e viver seu protagonismo, reduzindo a intervenção do diretor como figura de autoridade. Foi uma hipótese. Ao procurar atualizar o assunto pesquisando no site2 que anuncia seu trabalho em 2017, não encontramos nenhuma referência ao método chamado co-visão. Na primeira página do referido site, está anunciado seu grupo de supervisão. O uso da palavra aparece mantido como tem sido feito em nosso meio psicodramático até hoje: supervisão. O bom de ter caminhado por essas reflexões e conhecido o método co-visão foi o alimentar sobre as questões de autoridade e sobre a hierarquia dos papéis e dos vínculos. No entanto, mais importante ainda foi perceber que o ponto essencial não estaria no método, pois já o tínhamos (Psicodrama e Sociodrama). O caminho seria assumir e entrar em ação no papel de supervisor; lidando com as relações e por meio delas, vivendo e tratando conflitos que a posição de poder traria.

A Socionomia aplica-se integralmente na constituição do papel de supervisor. A Sociodinâmica nos ajuda com a teoria de papéis e de momento a valorizar nos recolocarmos na posição de aprendiz e viver o role taking do novo papel. A Sociometria possibilita-nos a clareza sobre as escolhas e os vínculos pertinentes. A Sociatria oferece o palco psicodramático para compreender e tratar clinicamente nossos conflitos de poder. Podemos decidir, como foi nosso caso, a investir no processo de psicoterapia psicodramática e, assim, levar os efeitos do tratamento para este e para outros papéis sociais que desempenhamos.

Estar no lugar de diretora de Psicodrama, aquecer o protagonista no palco e perceber o protagonismo, ter hipóteses no construir e intervir nas cenas dramáticas são propriedades do papel do diretor de Psicodrama. É um "estar real", entregando o poder ao protagonista. Tornar-se supervisor foi uma oportunidade de buscar uma nova resposta para uma velha questão: como é esta "entrega" de poder nesse novo papel? É um momento de revisão do próprio modelo de dirigir e de intencionalmente influenciar alguém através dele. Aqui temos um ponto de partida, algumas vezes difícil de enxergar e encarar, e necessário à tomada desse simbólico lugar de poder - o poder de supervisor. Assumi-lo é necessário para seguir o caminho para o próximo passo: o de chegar a um "encontro" com o supervisionando. Afinal, a supervisão e a orientação de trabalhos implicam uma relação de saber e poder, movida pela busca de boas práticas e conhecimentos, objetivando produzir benefícios para pessoas e grupos atendidos (Nery, 2003).

O desejo de reconstruir a rede Gaya de Psicodrama de forma consistente (contexto social) e o desafio de enfrentar nossos conflitos (contexto dramático) nos impulsionaram para a decisão de avançar no caminho da formação como supervisor. É aqui, nas práticas de supervisão que relatamos a seguir, que ocorre a constituição real (contexto grupal) do novo papel de supervisor em Psicodrama. No dizer de Moreno, a única realidade factível é o grupo, e nele construímos e reconstruímos nossos papéis (Fleury, 1999; Moreno, 2008).

CENA 1 - Programa Comunidades de Autocuidado

Esta foi uma proposta bastante estimulante e ambiciosa. Um programa socioeducativo, desenvolvido por uma médica, psicodramatista, cientista, voltado para o autocuidado, a saúde e a autonomia. O programa já era reconhecido e admirado na comunidade pela qualidade de suas pesquisas, seus princípios, seus resultados e seus ensinamentos que disseminava. O objetivo da psicodramatista era revisar e fortalecer princípios e práticas do programa, com base na Socionomia de Jacob Levy Moreno e na Pedagogia Psicodramática de Maria Alícia Romaña. O programa estava em fase de renovação de sua marca, suas cores e seus valores, o que nos indicava um momento e uma disposição para experimentar novos caminhos.

A psicodramatista em supervisão desejava fortalecer sua base científica em termos de método e processos grupais por meio de uma pedagogia compatível - optamos pela Pedagogia Psicodramática (Romaña, 2009). A filosofia do programa já era congruente com os princípios morenianos. Podemos citar a não sujeição às conservas culturais sobre alimentação e excesso de medicamentos e a busca de ser autor e diretor de sua saúde, para exemplificar apenas dois dos temas tratados pelo programa (Moreno, 1975). Tanto Moreno (1975) como Romaña (2012) partilham, em seus fundamentos e métodos, de uma proposta libertária, contrapondo-se a uma sociedade de controle. A psicodramatista tinha dois objetivos: (1) o de maior efeito de aprendizagem para os participantes, alguma forma pedagógica que facilitasse a absorção de um volume elevado de informações junto com uma mudança de atitude e comportamento esperados; e (2) o de aprimoramento de seu programa3, acreditando que essa melhoria poderia fortalecer o alcance de objetivos de expansão do programa, de aumento de escala, de execução e de sustentação técnica para ser encampado ou patrocinado por instituição ainda maior, como a Organização Mundial da Saúde.

"Saber e poder se implicam mutuamente" (Nery, 2003, p. 109). Assim, fomos atuando nos novos papéis de supervisora e psicodramatista em supervisão e realizando as sessões, sob orientação, diante de uma oportunidade preciosa: um projeto e uma pessoa queridos e desafiantes. Sabíamos que enfrentaríamos conflitos naturais, de ordem conceitual, didática e do papel, e aprenderíamos com eles. E assim foi. Como diz Nery (2003) "o desenvolvimento ou a origem de novos papéis sociais dependem, entre outros fatores, do exercício de algum tipo de poder no estabelecimento do vínculo" (p. 108). Nossos encontros aconteceram para "viver e experienciar um ao outro, como atores, cada um à sua maneira" (Moreno, 2008, pp. 83-84). Éramos duas pessoas num mesmo espaço em que havíamos decidido estar movidas pela busca da espontaneidade e da criatividade em nossos papéis e conscientes de nossos objetivos mútuos. Um verdadeiro treino de lidar com nossos poderes - centelhas divinas que somos - de perceber o outro e aprimorar nossos vínculos por meio daqueles encontros.

Estávamos ambas - supervisora e psicodramatista em supervisão - exercitando a espontaneidade, a humildade para aprender numa relação em que os saberes estavam em campos diversos. Lidando com nossas realidades afetiva e cognitiva, organizando ideias, planejando e avaliando ações em conjunto, reconstruímos o programa. Da supervisora, tínhamos o conhecimento do método (Pedagogia Psicodramática) e a experiência e o conhecimento de processos grupais; e da criadora do projeto, a clareza da construção de suas bases filosófica, ideológica e científica, com domínio do conteúdo programático da medicina do autocuidado.

No período de oito meses, além de supervisora, desempenhamos dois outros papéis junto à psicodramatista em supervisão: o de ego auxiliar do programa e membro do grupo do programa (além do papel de paciente, previamente existente no vínculo). Tivemos então as complementaridades: supervisora-supervisionanda; diretora e ego auxiliar; diretora e membro do grupo; e médica e paciente. Jogar nessa diversidade de papéis nos fez treinar a capacidade de inversão. O papel de supervisora era exercido antes e depois de cada encontro do programa. O de ego auxiliar foi útil no apoio e no incentivo iniciais e na experimentação de métodos e técnicas. O de membro do grupo nos dava uma perspectiva de compartilhar os resultados, convivendo e avaliando como os demais participantes. A condição de supervisionar e acompanhar cada encontro em vários papéis trouxe uma facilidade de avaliar o resultado da supervisão ao longo do processo e em conjunto com a supervisionanda.

O principal instrumento terapêutico desse vínculo foi, então, a capacidade de inversão de papéis: lidamos com nossas diferenças e aprendemos com elas; a partir daí pudemos generalizar e inverter com pessoas e grupos em outros vínculos (Moreno, 1999). A psicodramatista em supervisão decidiu fazer a formação de didata em 2016 (Nível II), além de apresentar seu projeto no Congresso Ibero-Americano de Psicodrama, em Lisboa, 2017, aproximando-se mais da rede psicodramática e recolocando o estudo da Socionomia em seu campo de pesquisa.

CENA 2 - Oficina para Educadores

Ao Núcleo de Psicodrama Gaya foi demandada uma atividade que envolvia 200 professores da rede pública de ensino de um município em nosso Estado. Propusemos realizar um Encontro Sociodramático, a ser dirigido pelos estudantes do curso de Nível I do foco socioeducacional, em fase inicial de estágio supervisionado. Era um evento de um dia, com oito horas de duração, em dois turnos com todo o grupo, para marcar o início do ano letivo de 2017.

Nosso desafio agora era construir, em grupo, uma boa forma de intervenção para aquele momento, aqueles educadores, aquele município. O prazo era curto e o trabalho estava sob a responsabilidade da escola. Os estudantes, em fase de consolidar a identidade de seu papel de psicodramatista, não tinham ainda plenas condições de elaborar uma proposta e fazer escolhas de métodos e técnicas sozinhos. Convidados para assumirem o trabalho, aderiram de imediato à ideia e ficaram animadíssimos mesmo sem saber ainda exatamente o que fariam. Naquele momento, a escolha do supervisor foi uma intervenção diretiva (inspirada na técnica do duplo), adequada para aquele contexto de iniciantes que estavam vivendo: a primeira fase da matriz do papel de psicodramatistas. A atividade foi delineada como uma oficina temática, com o título "Traçando caminhos para 2017", propícia à demanda de ajudar os professores a se fortalecerem em seus papéis para iniciar o ano letivo consciente deles e de seus vínculos. O roteiro completo foi projetado e apresentado a eles na primeira sessão de supervisão. A aderência ao que foi proposto e os diálogos de esclarecimentos das técnicas organizaram o grupo de estudantes.

O duplo do diretor foi o instrumento adequado à fase de indiferenciação grupal, dando uma direção assertiva para a momento de role taking dos supervisionados como diretores e egos (Fonseca, 2010; Moreno, 1999). Esclarecidos os propósitos e as propostas, os estudantes passaram com naturalidade para o processo de escolha dos papéis, quem seria o diretor e quem seriam os egos auxiliares - utilizando critérios importantes, como prontidão, disposição para trabalhar com grandes grupos, posição de representante institucional, entre outros.

Os estudantes de formação em Psicodrama, como adultos, graduados, profissionais que são, já planejam e dirigem seus trabalhos com desenvoltura. Quando o supervisor utiliza o duplo como instrumento de intervenção na relação com eles, pode gerar nele um sentimento de ir além da autoridade, "impondo" um roteiro previamente pronto, de cuja elaboração eles não tinham participado. A oportunidade foi preciosa para refletir e perceber que a construção coletiva é parte de um processo para o qual eles ainda não se sentiam nem estavam preparados. Assim, uma percepção diagnóstica do grupo com base na teoria de papéis (role taking) e na matriz de identidade (identidade do eu) foi uma excelente orientação técnica para cada momento de supervisão.

Eles se entregaram de corpo e alma e com segurança aos papéis de diretores e egos, pelo apoio dado por uma partitura pronta, como se fossem músicos iniciantes aprendendo a tocar seu instrumento. Foram duas sessões de supervisão antes do evento, a primeira iniciando com a leitura de cenário ou contextos que envolviam a atividade: prefeitura, grupo de professores e temas protagônicos propostos (reflexões sobre o papel de cada um e os caminhos para 2017). Na segunda, com a leitura conjunta, utilizamos o role playing, ensaiamos, treinamos papéis e imaginamos as possibilidades de improvisação e adaptação no momento real em que as demandas do grupo assim solicitassem. Agregamos contribuições com base nesse ensaio e reafirmamos os papéis de diretor e ego em cada momento. Para dar mais proteção tanto para o grupo de estudantes como para o grupo a ser atendido, tivemos como integrante da equipe um psicodramatista já formado e experiente. Abraçaram com entusiasmo aquela tarefa e partiram para a ação, uma missão que envolvia também uma viagem juntos de cerca de quatrocentos quilômetros, pernoite, contato institucional, realização do trabalho e volta para casa juntos.

Na percepção e na avaliação da equipe de estudantes psicodramatistas, no compartilhar que foi registrado da oficina e nos contatos posteriores com os contratantes (grupos de professores e coordenadora pedagógica), tivemos um retorno muito positivo sobre o processo e os resultados do evento. Os estudantes demonstraram alegria em fazer o trabalho e voltaram bem nutridos com a experiência de conviverem e atuarem juntos.

 

FUNDAMENTOS E REFLEXÕES

A nossa escola assume a Socionomia como a ciência das relações sociais para tratar e desenvolver grupos e sociedade e se inspira com a essência de sua filosofia e teoria: somos seres em relação, centelhas divinas, fontes de espontaneidade e criatividade, vivendo papéis em diversos momentos e cenários, e também somos capazes de dirigir nossas vidas. Seu método de ação, enriquecido com as conexões da Pedagogia Psicodramática, norteia, há mais de dez anos, nosso trabalho psicodramático e traz possibilidades renovadas para a escola, os vínculos e a rede. A Pedagogia Psicodramática de Romaña (2009) é o referencial pedagógico para o ensino do Psicodrama no Núcleo de Psicodrama Gaya e está presente nos cursos e nas práticas socioeducacionais que dirigimos, orientamos e supervisionamos. Ela parte da visão filosófica moreniana de ser humano - um ser social e um ser em relação - e utiliza a estrutura do Psicodrama (pedagogia moreniana), integrando contextos, etapas e instrumentos, aplicando-os como elementos pedagógicos a diversas situações grupais, sejam processuais, sejam pontuais, como uma reunião, uma aula, um curso ou um evento. Usamos esses mesmos princípios, conceitos e métodos tanto para a supervisão do programa comunidades de autocuidado, como para a oficina dos educadores.

Nessas duas experiências de supervisão, aqui descritas, fizemos diagnóstico com base na matriz de identidade como fundamento para acolher e compreender o momento do psicodramatista ou dos estudantes e intervir de forma produtiva em seu processo de aprendizagem. Para orientação dos trabalhos propriamente ditos, utilizamos os conceitos de plano afetivo aparente (tema aparente) e plano afetivo profundo (tema de fundo) (Romaña, 1992, citada por Weinstein & Fantini, 1973), o que facilita projetar o conjunto de atividades e identificar o protagonismo de cada encontro ou grupo. Os chamados temas aparentes correspondem ao programa do curso, e os temas de fundo são os temas protagônicos grupais efetivamente trabalhados, ou seja, aqueles que mobilizam o grupo a estar ali, que fazem parte de seu universo afetivo mais profundo e que devem ser tratados com base nos métodos socionômicos e nos vínculos grupais.

Ser supervisor é estar desafiado a exercer a autoridade do papel, considerando hierarquias e posições e sem a arrogância do autoritarismo. É para quem estiver disposto a momentos de aprendizagem, na busca de respostas novas e espontâneas para a vida e para o trabalho com grupos, e a entrar em outra concepção de poder - o poder do encontro, da centelha divina que vive, convive, se trata e se transforma por meio das relações. Perazzo (2010) afirma que uma supervisão psicodramática bem realizada é uma "ponte bem pavimentada entre a teoria e a prática e revestimento pessoal, a serviço da espontaneidade e criatividade do psicodramatista" (p. 252). Ele reforça o sentido da construção, da atitude de compartilhamento e do acolhimento, sendo caminhos que levam a um "movimento múltiplo de liberação existencial" (Perazzo, 2010, p. 252).

Vamos seguir refletindo sobre as questões de poder relativas à supervisão como: em que grau a ação conjunta com seu complementar acontece? Quanto de simetria existe no produto gerado pelo vínculo assimétrico? Quanto de autoria o supervisionando está assumindo e produzindo?

Como aprendizes das relações democráticas em sociedade, temos arraigados modelos mentais do autoritarismo. Fiquemos atentos para o momento em que pessoas e grupos, sob supervisão, avançam no desenvolvimento de seu papel e não mais precisam de duplo, e sim de espelho e de inversão, para continuarem se fortalecendo como diretores de Psicodrama. Sejamos o caminho para a continuidade de seu desenvolvimento, por meio de um de encontro de dois (pelo menos) e na direção da simetria no vínculo, quando existirá mutualidade nas práticas de poder (Nery, 2003).

Continuemos em grupos e por meio deles evoluindo como seres sociais que somos. A Socionomia e a Pedagogia Psicodramática são fontes de inspiração e de recursos que nos parecem inesgotáveis, visto que se baseiam na espontaneidade e criatividade humanas. Vamos seguir experimentando e construindo práticas compartilhadas que agreguem benefício a todos e que contribuam para a propagação do Psicodrama. Esse é o papel do supervisor.

 

REFERÊNCIAS

Dias, A. R. (2012). O papel do supervisor: Possibilidades e perspectivas (Trabalho de Conclusão de Curso). ABPS/Febrap, São Paulo.         [ Links ]

Fleury, H. J. (1999). A dinâmica do grupo e suas leis. In W. Castello Almeida (Org.), Grupos: A proposta do psicodrama. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Fonseca, J. (2010). Psicoterapia da relação: Elementos de psicodrama contemporâneo. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Hannes, K., & Fürst, J. (2013). Psicodrama na supervisão de alunos em formação: Impacto na aplicação de intervenções verbais e dramatização na aprendizagem. Revista Brasileira de Psicodrama, 21(2),117-132. Retirado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-53932013 000200010        [ Links ]

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Moreno, J. L. (2008). Quem sobreviverá? Fundamentos da sociometria, psicoterapia de grupo e sociodrama (Edição do estudante). São Paulo: Daimon.         [ Links ]

Nery, M. P. (2003). Vínculo e afetividade: Caminhos das relações humanas. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Perazzo, S. (2010). Psicodrama: O forro e o avesso. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

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Weinstein, G., & Fantini, M. D. (1973). La enseñanza por el afecto: Vida emocional y aprendizaje. Buenos Aires: Paidós.         [ Links ]

 

 

Recebido: 21/09/2017
Aceito: 20/11/2017

 

 

Luiza Maria Soares Barros. Psicóloga especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho (CRP/SP). Coordenadora de grupos pela Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos (SBDG). Psicodramatista Didata Supervisora pelo Gaya - Centro de Psicologia, Campo Grande, MS.

 

 

1 Aqui estamos nos referindo à formação em Psicodrama, que cumpre os princípios normativos e é institucionalizada pela Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap).
2 http://guillermovilaseca.com.ar.
3 Sobre o Programa de Autocuidado: www.institutoaleema.com.br.

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