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Revista Brasileira de Psicodrama

versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.25 no.2 São Paulo dez. 2017

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20170020 

ARTIGOS INÉDITOS

 

Significações atribuídas ao ócio nas oficinas psicodramáticas numa organização não governamental

 

Significations attributed to idleness in psychodramatic workshops in a nongovernmental organization

 

Significaciones atribuidas a la ociosidad en los talleres de psicodrama en un organización no gubernamental

 

 

Eloisa Vilas Boas RosasI; Jacinta Maria Grangeiro CariocaII

IUniversidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: eloisa@pradorosas.com
IICentro Universitário Estácio do Ceará. E-mail: jacinta.carioca@estacio.br

 

 


RESUMO

Este artigo objetivou identificar as significações atribuídas ao ócio a partir de oficinas psicodramáticas junto à equipe da Associação dos Voluntários do Hospital São José. As necessidades emergentes aos comportamentos organizacionais e pessoais foram protagonizados em várias expressões dos participantes: no brincar, na entrega, na escuta de si e do outro, na busca de conciliar necessidades individuais e organizacionais, evitando a dicotomia e rebuscando o movimento de integração alinhado a um tempo que age na verdade e na presença. A pesquisa de cunho bibliográfico e estudo de caso focou na análise qualitativa evidenciando a riqueza do processo grupal. Os resultados apontam que a metodologia psicodramática favoreceu a significação do ócio numa dimensão criativa, respaldando a pedagogia do ócio.

Palavras-chave: psicodrama, organização não governamental, trabalho, ócio


ABSTRACT

This article aimed to identify the significations attributed to idleness based on psychodramatic workshops together with the team of the Association of Volunteers of Hospital São José. The emerging needs of organizational and personal behaviors were performed in various expressions of participants: in playing, delivering, listening to oneself and the other, searching the reconciliation of individual and organizational needs avoiding the dichotomy and scouring the integration movement aligned with a period that acts in truth and in presence. The bibliographic research and case study focused on the qualitative analysis showing the richness of the group process. The results show that the psychodramatic methodology has promoted the signification of idleness in a creative dimension supporting the pedagogy of idleness.

Keywords: psychodrama, non-governmental organization, work, idleness


RESUMEN

Este artículo objetivó identificar las significaciones atribuidas al ocio a partir de talleres de psicodrama con el equipo de la Asociación de los Voluntarios del Hospital São José. Las necesidades emergentes a los comportamientos organizacionales y personales se protagonizaron en varias expresiones de los participantes: en el juego, en la entrega, en la escucha de sí y del otro, en la búsqueda de conciliar necesidades individuales y organizacionales evitando la dicotomía y rebuscando el movimiento de integración alineado a un tiempo que actúa en la verdad y en la presencia. La investigación de cuño bibliográfico y estudio de caso se centró en el análisis cualitativo evidenciando la riqueza del proceso grupal. Los resultados apuntan que la metodología de psicodrama ha favorecido la significación del ocio en una dimensión creativa, respaldando la pedagogía del ocio.

Palabras clave: psicodrama, organización no gubernamental, trabajo, ocio


 

 

INTRODUÇÃO

Autores como Marx (2006), Antunes (2000, 2014) e Albornoz (2012) e outros concordam que pelo trabalho o homem transforma a si e o mundo, mas reconhecem que o advento da Revolução Industrial, que demarca o final do século XVIII, ao equiparar o trabalho a uma mercadoria, limitou essa dimensão criadora apartando o trabalhador dos meios de produção e do produto, elementos que consolidaram o capitalismo industrial.

Dessa forma, na contemporaneidade, faz-se imperioso discutir o ócio, visto que o trabalho, ao contrário das projeções otimistas, ao invadir múltiplas esferas da vida humana, pode desencadear processos de sofrimento e adoecimento. Portanto, intervenções grupais no âmbito organizacional, a exemplo do psicodrama, podem contribuir no resgate ao ócio, entendido como a vivência do tempo com qualidade. Questiona-se, por conseguinte, se as oficinas de psicodrama realizadas com a equipe da Associação de Voluntários do Hospital São José - AVHSJ, no Ceará, favoreceram reflexões e expressões sobre as significações do ócio.

A ONG em tela tem como missão oferecer atendimento humanizado aos portadores de HIV/AIDS na área de assistência e promoção humana, de prevenção em DST/HIV/AIDS, além do atendimento aos pacientes internados nos leitos do HSJ, por meio do Grupo Girassol, formado exclusivamente por voluntários (Associação de Voluntários do Hospital São José -AVHSJ, 2017).

Instigadas pela riqueza dos conteúdos emergentes das oficinas realizadas na referida ONG e pela identificação com os estudos do ócio e o psicodrama, intencionamos com aporte na pesquisa bibliográfica e estudo de caso identificar os significados atribuídos ao ócio a partir das oficinas psicodramáticas na AVHSJ, o que constitui o objetivo geral deste artigo.

De modo específico, buscamos discutir as correlações entre o trabalho e o ócio na modernidade, ressaltar desafios e peculiaridades das organizações não governamentais no Brasil e discorrer sobre a amplitude das técnicas vivenciais, em especial o psicodrama, no estímulo à participação, à criação, à diversão e à aprendizagem.

 

MODERNIDADE, TRABALHO E O DESAFIO DO ÓCIO

Ianni (2005) e Malvezzi (2000) citado por Borges & Yamamoto (2014), apontam trilhas que nortearam as cruciais transformações no mundo do trabalho as quais sustentam a concepção do trabalho como construção sócio-histórica. Para Ianni (2005), o primeiro ciclo da produção capitalista foi marcado em moldes nacionais, revolucionando a vida local, regional e feudal ao estabelecer a produção de mercadorias, de valores de troca e a cisão entre o trabalhador e a propriedade dos meios de produção. O segundo manteve as bases nacionais, mas atravessou fronteiras e expandiu mercados via colonialismo e imperialismo. E o terceiro, ainda em curso, atingiu a esfera global com intensidade na concentração e na centralização do capital invadindo cidades e continentes, formas de trabalho e de vida, modos de ser e pensar.

Malvezzi (2000), citado por Borges & Yamamoto (2014), refere-se que o termo genericamente denominado "globalização" desenha a conjuntura atual socioeconômica do mundo do trabalho a partir de cinco pilares: (1) mudanças nas noções de espaço pela possibilidade de conduzir eventos à distância e armazenamento de dados de forma compacta; (2) elevada circulação do capital financeiro e tecnológico; (3) crescente imprevisibilidade política, social e cultural; (4) bombardeio de informações e transformações de significados; e ainda (5) criação da possibilidade de se viver múltiplas identidades.

Mais recentemente, esse autor, segundo a Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RS, 2013), em palestra apresentada no Congresso de Gestão de Pessoas da ABRH-RS de 2013, ratificou o poder das novas tecnologias no modo de ser das pessoas, a partir da virtualização do fazer, da tecnologia digital e da fragmentação das atividades econômicas e sociais. Defendeu, entretanto, a conciliação entre competitividade e felicidade. Embasado no filósofo alemão Peter Sloterdijk, explicou que ao longo da história o ser competitivo, aliado ao ser feliz, tiveram suas regras alteradas, conforme as modificações do cenário ao qual estão inseridos. Ao introduzir a felicidade na sociedade atual, utilizou os termos gregos chronos e kairós para definir o tempo. "Chronos " um tempo linear relacionado à produção que pode ser perdido, potencial fonte de ansiedade, e o kairós que é sempre presente, diferenciado pela contemplação e pelo aproveitamento da vida. O segredo está no equilíbrio desses dois tempos: o de executar e o de contemplar.

Entretanto, essa advertência contradiz valores predominantes na sociedade em voga. O senso de urgência, a velocidade e a preocupação constante com a superação de resultados incitam a contínua tensão, enquanto para Francisco (2008) o tempo livre pode ser um tempo de desenvolvimento pessoal (e o ócio será a melhor maneira para o conseguir), mediante a participação livre e autônoma de cada um em diversas ações (realizadas com prazer e satisfação), as quais podem incitar a participação, a criação, a diversão e a aprendizagem. No campo organizacional, algumas especificidades podem implicar configurações na vivência do ócio, como nesse estudo que trata de profissionais vinculados a uma ONG e seus desafios.

 

ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS: DESAFIOS E ESPECIFICIDADES

Haag (2012) assevera que, em termos de Brasil, mesmo que os programas de transferência de renda tenham tirado 1,3 milhão de pessoas da miséria, os indicadores multidimensionais revelam a permanência de uma alta vulnerabilidade de inserção no mercado e de acesso aos serviços públicos básicos.

Embora o Brasil seja um país com elevada dívida social, esse fenômeno é o reflexo da concepção Neoliberal que reduz o papel do Estado em escala mundial, restando à sociedade civil atenuar parte dos problemas sociais decorrentes da desigualdade social. Para Meireles & El-Aouar (2002), "a própria sociedade civil tem-se organizado para, por meio de entidades não governamentais e 'sem fins lucrativos' (ONGs), prover necessidades coletivas" (p. 8).

Para esses autores, tais iniciativas são uma alternativa de programas sociais com menores custos, maior agilidade e eficiência na consecução dos objetivos, cabendo ao Estado um papel coadjuvante. Esse movimento cria um novo campo de trabalho: o trabalho social voltado aos mais pobres que envolve voluntários, apoiadores da iniciativa pública e privada, além dos empregados, foco dessa investigação. Mesmo sendo notória a contribuição das ONGs na melhoria de vida da população assistida, a instabilidade financeira, a escassez de recursos e a natureza do trabalho, de cunho predominantemente imaterial, mobilizam intensamente os estados biopsicossocial e espiritual desses trabalhadores.

Dessa forma, Dal Rosso (2008) reitera que o crescimento do setor de serviços em detrimento das atividades industriais - marca da sociedade contemporânea - delimitando a transição do trabalho material para o imaterial. Embora encontremos em alguns trabalhos de natureza imaterial equiparações ao trabalho industrial, a exemplo, a prestação de serviços pessoais, é no trabalho imaterial que se torna mais difícil mensurar o dispêndio de energias por um maior apelo às capacidades intelectuais e relacionais do trabalhador; dentre estes estão os serviços de educação e cultura, os de saúde e serviços sociais.

Pela própria razão de ser, as Organizações do Terceiro Setor, nas quais estão inseridas as ONGs, contratam pessoas que vivenciam demandas oriundas do sofrimento humano e mobilizam saberes e práticas para resgatar elementos de cidadania.

 

TÉCNICAS GRUPAIS, OFICINAS PSICODRAMÁTICAS E A VIVÊNCIA DO ÓCIO

Notadamente nos ambientes organizacionais, onde frequentemente não escolhemos nossos pares, Moscovici (2004) lembra que as diferenças individuais podem desencadear discordâncias quanto à percepção da tarefa, das metas, dos meios e dos procedimentos implicando tensões, insatisfações e conflito aberto, ativadoras de emoções mais ou menos intensas que afetam e transformam o clima emocional dos grupos e das equipes.

Outrossim, o ativismo, a necessidade imperiosa de consumo e as incertezas nas relações, corroboram para o afastamento da pessoa de seus objetivos e papéis, dentro e fora da organização. Nesse âmbito, as técnicas grupais representam uma alternativa para promover novos aprendizados, mudar comportamentos e atitudes. No entanto, Moscovici (2004) adverte que "não há método, técnica, recurso ou instrumento excelente por si. A excelência é determinada pelo uso que deles se faz, competente ou incompetentemente" (p. 190).

O psicodrama traduz uma das configurações para o trabalho em grupos que conta com vasta produção teórica, reconhecimento da comunidade acadêmica que, segundo Rojas-Bermúdez (2016), tem suas origens no teatro, na psicologia e na sociologia. Do ponto de vista técnico, constitui, em princípio, um processo de ação e interação tendo como recurso a dramatização. Para Bustos (2005), "trabalhando com técnicas dramáticas, o tempo deve ser maior do que com técnicas verbais, já que o relato verbal, por mais detalhado que seja, pode ser referido brevemente; a ação dramática requer um tempo muito maior" (p. 51).

A dimensão criativa do ócio aproxima o tempo de contemplar e executar que, na vivência grupal acontecem na experiência de fazer, de contemplar, de conduzir e ser conduzido. A riqueza propiciada pela socialização grupal se aproxima da vivência do ócio, uma vez que, para Cabeza (2009), o ócio que se vive como experiência satisfatória tem um efeito benéfico que vai mais além da própria vivência, incidindo em todo o ser e refletindo em muitos aspectos da vida, das relações e com o entorno.

 

METODOLOGIA

Com aporte na metodologia psicodramática, as oficinas foram conduzidas por uma das autoras com formação em psicologia e psicodrama, no período de janeiro a setembro de 2016, com frequência quinzenal, duração de duas horas e realizadas nas instalações da AVHSJ. Utilizaram-se de recursos instrucionais: objetos intermediários (música, expressão corporal, jogos de encaixe e montagem, jogos de empresas e outros) trilhando as etapas: aquecimento, desenvolvimento e compartilhamento, além de um leque de técnicas psicodramáticas, na direção de situações-problemas, a exemplo: inversão de papéis, entrevista no papel, duplo e outras. O aquecimento grupal fora mediado por sons orquestrados com exercícios corporais ao que Pousada (2017) afirma que a prática da música em sessões de psicodrama foi estudada e difundida por Bermúdez como um recurso técnico operacional disponível ao psicodramatista.

Segundo Mills, citado por Oliveira (1998), algumas características dos pesquisadores estão aquém dos manuais, promovendo a associação de fenômenos variados num dado cenário social. Portanto, neste estudo de caso, as múltiplas expressões e relações foram analisadas com aporte do método qualitativo que, segundo Parga Nina et al. (1985, citados por Minayo, 2006), "é o que se aplica ao estudo da história, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam" (p. 57). Assim, neste estudo o método qualitativo busca retratar a riqueza das falas, dos gestos e demais expressões manifestas pelos participantes, individual e coletivamente, apontando sentidos, interpretações, descrições e correlações com os objetivos da pesquisa e os teóricos que subsidiam a fundamentação teórica.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ressalta-se o cuidado com a programação de cada encontro com predomínio das temáticas: as identidades pessoal e coletiva; a confiança em si, no outro e no grupo; a autoestima x a auto e heteropercepção; a linguagem simbólica; a compreensão do trabalho de cada um e o todo da AVHSJ; o fortalecimento dos compromissos; a resistência à frustração; e os ajustes à realidade organizacional, buscando conciliar as necessidades individuais e organizacionais, conforme sintetiza o Quadro 1:

 


Quadro 1 - Clique para ampliar

 

A proposta era trabalhar as "necessidades" emergentes, salientando-se que não se constituía num grupo de terapia, mas de tratativa de comportamentos organizacionais e conteúdos pessoais relacionados ao ambiente da AVHSJ, cujas questões germinadoras dessa intervenção, apresentadas pelo presidente da ONG, estavam ligadas à baixa produtividade, maior comprometimento e pouca aspiração de desenvolvimento pessoal e profissional.

Nesse alvo, as práticas grupais favoreceram à imersão de conteúdos significativos às pessoas, ao grupo e à organização, visto que as vivências são mais eficazes se comparadas a outros recursos educativos por atingirem o campo emocional, além do auditivo e verbal. Uma dessas propostas está vinculada aos usos de objetos intermediários que, segundo Rojas-Bermúdez (1970), arrola oito classificações referentes a suas qualidades: existência real e concreta, inocuidade, maleabilidade, transmissibilidade, adaptabilidade, assimilabilidade, instrumentabilidade e identicabilidade. Adicionalmente, Pousada (2017) cita que o objeto intermediário oferece algo estável e simples no que fixar a atenção sem o ofuscador fluxo de estímulos da comunicação natural. Ao diminuir o estado de alarme se retrai em si mesmo o psicológico e emergem papéis com os quais poderá vincular-se.

A seguir, registra-se o uso de objetos intermediários em uma das sessões cuja proposta era que relacionar características individuais aos animais apresentados com o objetivo de elucidar a auto e heteropercepção, a aceitação de si e do outro.

 

 

Para se ter ideia de quanto a pessoa se expõe sem sentir exposta, eis algumas falas colhidas no decorrer da atividade: Sujeito 1 - "Sou como as aves. Gosto de liberdade, de voar para onde desejo, desfrutar da natureza. Também tenho um lado selvagem como o tigre, o leão, a girafa e a zebra e a inquietação do peixe no mar, do coelho na mata, do esquilo na árvore, a caçar o que precisa [...]". Sujeito 2 - "Sou mais companheira, amiga e mais doméstica, como os cães e os gatos. Mas tenho também o lado fugitivo e oportunista do rato, que sabe aproveitar as situações para obter o que necessita [...]". Sujeito 3 - "Sou manso, como o carneiro, o poodle, o sapo, o burrico; devagar como a cobra, mas esperto para ficar em alguns lugares pronto para agir. Tenho também do rato, que é sabido e precisa se cuidar para não ser pego [...]". E, após o compartilhamento dos participantes, a facilitadora convidou-os a elegerem os animais que melhor representavam o grupo. Esse movimento ressaltou a unidade e a diferença, uma vez que o grupo não é apenas a soma das individualidades.

Outros sentidos foram atribuídos a essa vivência do quão valoroso fora falar sobre si e como haviam se surpreendido com os conteúdos expressados. Ao final, comemorava-se o alcance de objetivos relacionados ao fortalecimento dos elos, ao trabalho em equipe produtivo e colaborativo, à motivação e à satisfação no trabalho.

Assim, a pedagogia do ócio foi protagonizada em várias falas e outras expressões dos participantes num contexto de maior flexibilidade, no brincar, na entrega ao encontro, na escuta de si e do outro, na busca de conciliar necessidades individuais e organizacionais, evitando a dicotomia e rebuscando o movimento de integração tão saudável e alinhado a um tempo que não apenas reage ao que está posto, mas age na verdade e na presença.

No último encontro, após várias etapas e movimentos que sinalizavam ganhos qualitativos, num entorno de maior confiança, os presentes foram convidados a fazer um "balanço" das oficinas. Várias manifestações que evocam as significações de ócio foram verbalizadas como: descontração, alegria, brincadeira, rever a vida corrida, proximidade, aceitação das diferenças, aprendizados e humanização das relações. Também revelam o apelo significativo de celebrar a alegria, o contentamento, o lúdico, palco em que o psicodrama emerge. Sobre tal questão, Moscovici (2003) defende que:

A brincadeira, como suspensão temporária das regras racionais, relaxa essa prisão racional deixando a pessoa à vontade para explorar outras ideias e alternativas de comportamento.... As atividades lúdicas são reconhecidamente benéficas em todas as idades. Para as crianças são a própria aprendizagem de vida. Para os adultos, modalidades de lazer, prazer, espontaneidade e alívio de tensão. (p. 58)

O ócio na perspectiva do mundo corporativo está baseado nas imagens e nas representações que cada integrante constrói de si e de suas relações interpessoais. As intervenções que realizamos com as equipes multiprofissionais favorecem a criação lúdica de expressões das experiências vivenciadas do trabalho e resultam na maior qualidade de vida no trabalho (Cubo, 2016). Evidentemente, por mais profunda que essa intervenção seja, não atinge a todos na mesma dimensão e nem pode se comprometer em solucionar todos os problemas evidenciados ou que surgirão no decurso, visto a dinamicidade das relações humanas e organizacionais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As oficinas realizadas na AVHSJ ao estimularem a participação, o autoconhecimento e novos aprendizados fomentaram as significações da vivência do ócio como uma necessidade humana libertadora, respondendo ao objetivo primeiro da pesquisa. Em acolhimento aos demais objetivos tivemos: o entendimento do contexto da negação do ócio com a discussão entre ócio e trabalho na modernidade; a sinalização da ameaça à qualidade das relações de trabalho nos empregados das ONGs diante dos desafios à sustentabilidade e da magnitude das vivências grupais, em especial apoiadas no psicodrama como potencializadoras de melhorias pessoais e organizacionais.

No ímpeto de novas investigações, visualizamos a inclusão de outras ONGs identificando especificidades que se impõem à vivência do ócio. Como limitações, pontuamos as eventuais ausências de participantes e a inexistência de outro facilitador. A metodologia psicodramática se mostrou adequada, fomos apenas facilitadoras ao desenvolvimento do potencial humano e organizacional já existente, uma vez que a maior parte das demandas foi contemplada, inclusive ratificadas com feedback do presidente da ONG sobre a melhoria nos aspectos relacionais e de pertencimento.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 08/02/2017
Aceito: 14/09/2017

 

 

Eloisa Vilas Boas Rosas. Mestre em Administração pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Psicodramatista pelo Centro de Estudos Psicodramáticos de Brasília (CEPB). Psicóloga pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB).
Jacinta Maria Grangeiro Carioca. Docente do Centro Universitário Estácio do Ceará. Mestre em Administração pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Psicóloga pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Assistente Social pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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