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Revista Brasileira de Psicodrama

versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.25 no.2 São Paulo dez. 2017

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20170024 

COMUNICAÇÕES BREVES

 

Três artes no Teatro de Reprise em um psicodrama público

 

Three arts at Teatro de Reprise in a public psychodrama

 

Tres artes en el Teatro de Reprise en un psicodrama público

 

 

Rosane Avani RodriguesI; Alexandre de Oliveira e AguiarII; Eduardo Tessari CoutinhoIII; Luciana Souza NakayamaIV; Adriana Glock TimonerV

IGrupo Improvise. E-mail: rosateatros@gmail.com
IIGrupo Improvise. E-mail: aaguiar@uni9.pro.br
IIIGrupo Improvise. E-mail: edumimo@usp.br
IVGrupo Improvise. E-mail: lucianasnakayama@gmail.com
VGrupo Improvise. E-mail: a.gtimoner@gmail.com

 

 


RESUMO

Esta comunicação descreve um psicodrama público, realizado em São Paulo - SP, no projeto de Psicodramas Públicos que acontecem no Centro Cultural São Paulo. Foi utilizada metodologia do Teatro de Reprise e o tema proposto foi CRIsE, buscando a criatividade que pode surgir de uma crise ou quanto essa oportuniza criar. Como experimentação um artista gráfico esteve presente durante todo o evento criando e registrando suas impressões. Teatro, música e arte gráfica se completaram no evento.

Palavras-chave: teatro, cidadania, psicodrama; artes


ABSTRACT

This communication describes a public psychodrama held in São Paulo - SP, in the project of Public Psychodramas that takes place at Centro Cultural São Paulo. The Teatro de Reprise methodology was used and the proposed theme was CRIsE (a pun in Portuguese for CRISIS/CREATE), seeking the creativity that can arise from a crisis or how it brings opportunity for creation. As experimentation a graphic artist was present throughout the event creating and recording his impressions. Theater, music and graphic art have completed each other at the event.

Keywords: theater, citizenship, psychodrama, arts


RESUMEN

Esta comunicación describe un psicodrama público realizado en São Paulo - SP, en el proyecto de Psicodramas Públicos que ocurren en el Centro Cultural São Paulo. Se utilizó la metodología del Teatro de Reprise y el tema propuesto fue CRIsE, buscando la creatividad que puede surgir de una crisis o lo que esta permite crear. Como experimentación un artista gráfico estuvo presente durante todo el evento creando y registrando sus impresiones. Teatro, música y arte gráfico se completaron en el evento

Palabras clave: teatro, ciudadanía, psicodrama, artes


 

 

INTRODUÇÃO

A metodologia do Teatro de Reprise (Rodrigues, 2016) tem buscado, entre outros objetivos, integrar a experiência estética com a saúde e a aprendizagem, principalmente em intervenções com grandes grupos. Ela é considerada aqui uma modalidade de Teatro Espontâneo (Aguiar, 1998).

Na literatura psicodramática, a reflexão sobre como a experiência estética "conversa" com a metodologia é dificilmente encontrada nas comunicações escritas, ainda que recursos artísticos sejam fartamente usados para aquecimento e como objetos intermediários. Um texto sobre psicoterapia bipessoal de Echenique (1983) é uma rara e honrosa exceção, que trata de uma psicoterapia que se beneficia da arte para um despertar da potência de uma cliente.

Esta comunicação relata uma experimentação da metodologia do Teatro de Reprise, que já utiliza a estética das artes do teatro e da música, num psicodrama público, com a presença de um artista gráfico que, durante a intervenção, criou um painel.

Os psicodramas públicos, realizados no Centro Cultural São Paulo (CCSP) em São Paulo-SP, existem há 14 anos (Wechsler & Monteiro, 2014). São eventos semanais abertos e gratuitos nos quais a cada sábado um diretor diferente é o responsável. A temática que se busca é a coconstrução e a reflexão psicodramática sobre questões atuais do grupo presente e que desenvolvam novas maneiras de articulá-las. Não há intenção psicoterápica, embora haja inúmeros relatos individuais de impactos transformadores (Vassimon & Malaquias, 2014). O objetivo do Grupo Improvise, ao propor a temática CRIsE, foi disparar a criatividade que pode surgir de/em uma crise. Como objetivo adicional, houve o convite para o artista gráfico, que não faz parte da trupe, registrar o evento.

 

A INTERVENÇÃO

A intervenção com o Grupo Improvise1 teve a direção de Rosane Rodrigues e, como convidado para integrar o Grupo, o artista gráfico Renan Duarte.

Aquecimento vincular com foco na plateia

Vários procedimentos foram realizados visando constituir a grupalidade das cerca de 80 pessoas presentes e contagiá-las com o coinconsciente (Knobel, 2011) da trupe e dos frequentadores. A plateia foi recebida ao som de música ao vivo. Em seguida, a direção apresentou o projeto dos psicodramas públicos no CCSP, o Grupo Improvise e o facilitador gráfico.

A direção fez um mapeamento buscando identificar a audiência pela frequência. Apesar da presença de frequentadores ocasionais e assíduos, a maioria estava ali pela primeira vez.

Aquecimento dramatúrgico da plateia

O aquecimento dramatúrgico foi realizado em três fases:

a) Fase descristalizadora

A direção usou um recurso de duas rodas inclusivas, para que os frequentadores da roda interna convidassem de maneira criativa os novatos para dentro da roda. Formou-se gradualmente uma grande roda com todos os participantes. A direção solicitou que todos, ainda em roda, ficassem bem próximos e que "rebolassem" e "girassem em torno do próprio corpo". Em relação à sensação de ficar naquela formação, surgiram manifestações como "abraço", "acolhimento", "vontade de sair", "vontade de rir" etc. Foi pedido que se separassem em dois grupos: quem se considerava criativo e quem não se considerava. As pessoas do grupo dos criativos foram instruídas a formar frases iniciando com "Eu transformei___em___" e as pessoas do grupo dos não criativos, frases com "Eu quero transformar___ em ___". Os grupos foram se alternando nas frases, até que espontaneamente alguém respondeu à frase do outro grupo. Então a direção instruiu que os grupos continuassem o diálogo e que, a partir daquele momento, quando alguém falasse algo, seu grupo deveria repetir em voz alta como um grande coro grego. Foi solicitado a cada grupo que formasse uma imagem que o representasse. Quando o grupo dos "supostos" não criativos formou sua imagem, foi pedido que aos poucos tentassem se mover mais e fossem criativos, trazendo falas e movimentos diferentes. E foi pedido ao grupo dos criativos que aos poucos fossem entrando na imagem do outro grupo e se misturando com eles. A emoção, assim como a criatividade, era muito grande. Com todo o grupo junto novamente, foi formada uma roda, e a direção sugeriu que os participantes fossem atravessando a roda de um lado ao outro de forma criativa. Eles cruzavam sozinhos e, por vezes, convidando alguém, dançavam ou mancavam ou apenas atravessavam. Quando a maioria das pessoas havia cruzado, foi dito para que voltassem aos seus lugares de forma criativa.

b) Fase de códigos teatrais

A direção pediu que algumas pessoas compartilhassem emoções que estavam sentindo naquele momento, para que o Grupo Improvise as expressasse em escultura fluída (Rodrigues, 2016). A Figura 1 mostra as emoções e os extratos de discurso que as caracterizam. A Figura 2 mostra algumas das imagens produzidas.

c) Mergulho no conflito

Foi solicitado aos participantes que fechassem os olhos e assim foi iniciada a fantasia dirigida, com a instrução de que deixassem vir cenas de diferentes momentos da vida. Acredita-se que qualquer cena que surja é "autorizada" pelo coinconsciente grupal, que protagonizará o tema do grupo e que o protagonista teatral representado pelo ego-ator "carrega" o protagonista psicodramático, que é o narrador.

Ação dramática

Três cenas foram oferecidas por narradores voluntários.

 

Figura 3

 

Compartilhamento e Comentários

A diretora retomou toda a trajetória do grupo e o que haviam vivido, abordando o tema "CRIsE", pontuando que as cenas mostraram as surpresas que a vida pode trazer repentinamente e como temos de ter flexibilidade. Os compartilhamentos foram muitos e emocionados, principalmente identificados com a cena 2 do rapaz com sua avó. Também houve comentários de como a crise do País e do judiciário nos desafiava a ter muita criatividade. A diretora convidou o artista gráfico a mostrar o resultado de seu trabalho e convidou a todos a assinarem a obra. A maioria assim o fez.

A facilitação gráfica foi capaz de reproduzir diversos dos momentos importantes, e parece ter tido um papel essencial no compartilhamento ao permitir uma retrospectiva e ser quase outro "espelho ressonante" do evento como um todo. A Figura 4(a) mostra o resultado geral da peça produzida. Na Figura 4(b), podem-se observar diversos detalhes da fase de aquecimento, como convites para participação como "vem", referência à organização em roda e aos grupos "criativo" e "não criativo". Também estão presentes as emoções que foram oferecidas para as esculturas fluidas, como "medo que paralisa" e "esperança para mudar na crise". Também há a referência ao mergulho no conflito em que se vê "agora fechem os olhos" e, no canto inferior direito, à primeira música tocada para a preparação da cena 1 no trecho "... eu não sabia que doía tanto...".

A Figura 4(c) detalha referências às cenas, por exemplo, com a representação da avó e do neto com os dizeres "xodó de vó" e da cena 3 com os três meninos e a narradora, incluindo palavras-chave. A inclusão de falas ou palavras-chave parece aproximar a representação gráfica da linguagem dos quadrinhos.

 

DISCUSSÃO

Os assuntos desdobrados do tema CRIsE que surgiram foram medo, culpa, violência e falta de atenção que são criativamente transformados em afeto, atenção e gratidão. Nesse projeto é muito comum o grupo trazer questões de gerenciamento de crise do contexto sociopolítico, relacionadas à crise econômica e política. O tema emergente trouxe crises pessoais e a necessidade de transformação dos relacionamentos para sua superação. O tema político só surge explicitamente no compartilhamento.

A facilitação gráfica foi feita como "experimentação", em que, conforme ressaltam Douglas e Gulari (2015), o artista busca fugir do caos absoluto e do arbitrário e também fugir daquilo que já é conhecido. No resultado, nota-se o predomínio de uma linguagem próxima a dos quadrinhos, dada a frequente presença de balões com falas que o artista quis destacar. Isso se confirma também no estilo do desenho, que em vários momentos apresenta figuras em movimento, característica da intervenção basicamente teatral. Douglas e Gulari (2015) defendem que a improvisação ligando o cênico, a música e o desenho pode ser memorizada como um todo, e enfatizariam por esse caminho a via estética e o estar presentificado no momento da experiência.

Um aspecto que ficou pouco discutido foi o diálogo entre plateia e artista gráfico durante e ao longo da intervenção. Por um lado, trata-se de uma movimentação que pode chamar a atenção, embora colocada ao lado do palco ao alcance apenas da visão periférica da audiência concentrada em atores e músicos. Por outro lado, dado o tamanho do pano/papel usado como base para o desenho, nem todos podiam ver em detalhes o resultado.

Essa experiência mostrou, no entanto, que o resultado da arte no painel capturou o som, o teatro, o clima emocional, num espaço compartilhado e de muita expressão estética. Goethe (citado por Douglas & Gulari, 2015) nega-se a acreditar na divisão entre a arte e a ciência. E propõe o desenho sonoro e a produção de um conhecimento coletivo sob a forma de pesquisa transdisciplinar.

Destacou-se, ao final, a importância de a plateia se reconhecer nos desenhos, o que contribuiu para dar um "fechamento" conciso e consensual à intervenção, contribuindo para um último laço afetivo e para uma sensação geral de bem-estar ao final do evento.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A facilitação gráfica criou um registro muito interessante do evento e, de alguma forma durante a intervenção, aguçou a curiosidade das pessoas. Também proporcionou um fechamento afetivo da intervenção. No entanto, ainda é preciso investigar mais formas de aproveitar esse recurso.

Novas experimentações poderiam trazer artistas de estilos diferentes, a fim de verificar quais outras linguagens, além daquela próxima dos quadrinhos, emergem. Poderiam também intensificar o diálogo entre o artista gráfico e a plateia por meio de uma inspeção mais próxima do trabalho ao longo da intervenção. Por fim, a plateia poderia ser provocada a interferir no trabalho do artista ao longo das atividades e poderia ser investigado o impacto dessas novas alternativas no aquecimento e como manejar a migração entre linguagens coconstruindo transdisciplinaridade.

Sob esse ponto de vista a pesquisa artística integrada à metodologia psicodramática oferece um campo fértil a ser explorado como produção de conhecimento no processo de transformação do relacional, assim como autocompreensão de trajetória de grupos, sua história, recriando possibilidades novas para sua existência.

 

REFERÊNCIAS

Aguiar, M. (1998). Teatro espontâneo epsicodrama. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Douglas, A., & Gulari, M. N. (2015). Understanding experimentation as improvisation in arts research. Qualitative Research Journal, 15(4),392-403.         [ Links ]

Knobel, A. M. A. A. C. (2011). Coconsciente e coinconsciente em Psicodrama. Revista Brasileira de Psicodrama. 19(2),139-152.         [ Links ]

Echenique, M. (1993). Utilização de recursos gráficos na terapia psicodramática - Grafograma. Revista da FEBRAP. IV Congresso Brasileiro de Psicodrama, 6(1),40-42.         [ Links ]

Rodrigues, R. (2016). Teatro de Reprise. Improvisando com e para grupos. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Vassimon, M. A., & Malaquias, M. C. (2014). Parece mágico. É que a vida é mágica: envolve, contagia e transforma. In M. P. F. Wechsler, & R. F. Monteiro, Psicodrama em espaços públicos. Práticas e reflexões (pp. 19-32). São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Wechsler, M. P. F., & Monteiro, R. F. (2014). Psicodrama em espaços públicos. Práticas e reflexões. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

 

 

Recebido: 14/11/2017
Aceito: 20/12/2017

 

 

Rosane Avani Rodrigues. Psicóloga pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Psicodramatista Didata Supervisora nos focos socioeducacional/psicoterápico pelo Departamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae (DPSedes). Doutora em Pedagogia do Teatro pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Diretora de Teatro de Reprise (Grupo Improvise).
Alexandre de Oliveira e Aguiar. Engenheiro Químico. Mestre e Doutor em Saúde Pública. Professor da Universidade Nove de Julho (Uninove) no Programa de Mestrado Profissional em Administração - Gestão Ambiental e Sustentabilidade e no Programa de Pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis.
Eduardo Tessari Coutinho. Ator-mimo. Mestre e Doutor em Artes. Professor do Departamento de Artes Cênicas, da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo e no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (ECA-USP).
Luciana Souza Nakayama. Atriz. Bacharel em Artes Cênicas com especialização em Teatro pela Universidade São Judas Tadeu (USJT). Personal & Professional Coach pela Sociedade Brasileira de Coach.
Adriana Glock Timoner. Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Aluna do Curso de Especialização em Psicodrama - Departamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae (DPSedes). Psicóloga Clínica. Acompanhante Terapêutica com foco na área de Educação.

 

 

1 Neste dia, o Grupo Improvise foi formado por: no elenco Andrea Suplicy, Eduardo Coutinho, Flávia Prado, Janaína Barêa, Luciana Souza, Mairton Bezerra, Marco Túlio Garcia e Patrícia Franco; na música, Alexandre Aguiar e Valéria Pinheiro; e na produção, Adriana Timonner.

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