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Revista Brasileira de Psicodrama

Print version ISSN 0104-5393On-line version ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.25 no.2 São Paulo Dec. 2017

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20170029 

RESENHAS

 

Psicodrama: apontamentos e criação

 

Psychodrama: notes and creation

 

Psicodrama: apuntos y creación

 

 

Maria Célia Malaquias

Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP). E-mail: mcmalaquias@uol.com.br

 

 

Gottlieb, L., & Perazzo, S. (Orgs.) (2016). Psicodrama: Apontamentos e criação. São Paulo: FiloCzar.

O universo do Psicodrama é amplo e permite múltiplas abordagens. Ao longo da coletânea de artigos Psicodrama: Apontamentos e criação, é possível encontrar múltiplos caminhos, e muitos deles acabam se encontrando sob diversos aspectos, principalmente quando ocorre a aproximação entre a prática do Psicodrama e a produção artística.

Nesta resenha, vamos passear pelos 14 capítulos da obra, num percurso não linear, marcado por aproximações subjetivas em que as interações e o raciocínio estão conduzidos por subjetividades e por afinidades eletivas baseadas na maneira como os artigos enfocam muitas questões de um universo amplo, multifacetado.

Nesse aspecto, alguns capítulos, como o primeiro, "Cores e tintas da tela psicodramática: Onde Moreno e Jung se encontram", de Cybele Ramalho, e o sexto, "Mafalda e a comunicação dialógica de Moreno e Buber", de Liana Gottlieb, lidam com os complexos, fantasmas e mitos de cada um de nós e como eles podem ser articulados com questões psicanalíticas.

Se Jung valoriza muito a imagem, um dos depósitos mais ricos dos mitos, que é um dos tópicos mais sutis e peculiares que o autor Quino traz em Mafalda e seus amigos, Moreno trata do corpo como um local essencial na prática psicodramática. Essas instâncias dialogam entre si. Assim, o Psicodrama e a Psicologia analítica podem muitas vezes se aproximar e trocar ações e pensamentos, num processo que traz beneficios para todos os envolvidos.

Um dos mais importantes personagens de histórias em quadrinhos já criados, Mafalda apresenta muitas vezes insuspeitadas potencialidades na esfera psicanalítica. Elas são exploradas como ponto de partida para treinamento de professores, alunos e pais, integração entre comunicação e educação no ambiente educacional, exercícios para repensar a própria estrutura da escola e ainda motivação inicial para discutir um melhor relacionamento da escola com a comunidade num contexto de elaboração de novas propostas em educação.

Mara Sampaio vai nessa mesma direção no seu artigo "Alice, o Gato Risonho e a magia do psicodrama". Parte de uma escultura dos personagens de Lewis Carroll no Central Park, em Nova York, para revelar como conviver com esses seres imaginários introduz nossa mente num universo em que "a liberdade prevalece e mundos são construídos pela criatividade".

A construção do sujeito passa por esses aspectos da arte e por muitos outros, apontados no capítulo 2, por Devanir Merengué. Suas reflexões envolvem Foucault, com suas abordagens da chamada loucura, assim como Fernando Pessoa, com seus homônimos e heterônimos em constante diálogo.

Já o capítulo 8, de Luís Falivene, ao começar com uma sessão "(ficcional o suficiente para não identificar nenhuma pessoa real)", retoma a questão do mito, no caso, o de Narciso. Dessa maneira, cristaliza-se a observação de que o mito e o Psicodrama podem e devem caminhar juntos, numa conversa que pode ter dificuldades e dúvidas, mas se revela proveitosa na maior parte dos casos.

O Psicodrama tem, entre as vertentes tratadas pelos articulistas, uma que parece extremamente importante, a da inclusão das diferenças. A contribuição se dá de maneira muito significativa por Elisabeth Sene-Costa. O artigo se debruça sobre a velhice, com uma bela reflexão inicial sobre as distintas maneiras de lidar com o tema em momentos diferentes, com mais ou menos dificuldade dependendo da faixa etária e da situação.

O fato é que a nossa velhice não é a dos outros, ou seja, nossa dor, assim como a do outro, é sempre única. Trata-se de uma questão que Sergio Perazzo traz ao escrever o capítulo "O homem que só chorava: um intermezzo para a realidade suplementar", sobre um homem que chorava nas sessões "numa intensidade angustiante e repetida".

Os dois temas (o da velhice e o da dificuldade do existir, expresso no pranto) apontam para como o Psicodrama poderia exercer um papel muito importante na Educação Pública.

Esse é o assunto do capítulo 4, de Georgia Vassimon e Maria Christina de Magalhães Silvestre, uma abordagem significativa e propositiva.

As autoras defendem o conceito da criação de um espaço em que alunos e educadores pudessem lidar com emoções, reflexões e pensamentos, além das já mencionadas diferenças, para gerar uma "ação mais espontânea e criativa no mundo". Trata-se, no entanto, de uma proposta que demanda um processo contínuo dos diversos setores envolvidos, como educadores, pais, alunos e sociedade civil, além das diversas esferas do governo, do municipal ao federal.

Conseguir colaborar, com o Psicodrama, para a construção de uma sociedade mais criativa e com maior qualidade de vida também é o objetivo das autoras do capítulo 5, Heloisa Fleury, Marlene Marra e Anna Knobel em "Terapia social no Brasil". Existe aqui a preocupação de fomentar ações em grupo que valorizem contribuições locais e estabeleçam interações entre diversas abordagens teóricas e distintas realidades.

Todos esses processos descritos não significam que as mudanças sociais e individuais propostas possam ocorrer de maneira harmoniosa, equilibrada e sem conflito. No capítulo 7, "A dramatização de um delírio", os autores Luis Altenfelder e Marcelo Altenfelder são precisos em explicar que os climas emocionais intensos são os mais propícios para alterações de paradigmas.

O conceito é que nos momentos de maior tensão, quando a temperatura emocional é mais elevada, a pessoa se torna um ferro incandescente; portanto, mais suscetível a sofrer novos moldes que, no plano emocional, podem ser considerados transformações formais e estruturais no plano emocional.

Luis Russo, ao escrever "O lugar psicológico", concretiza justamente a situação acima descrita. Traz sua experiência pessoal com o Psicodrama e deixa sua percepção de que a técnica permite "gerar vida em situações tão duras e desesperançosas". A sinceridade do relato impressiona porque entra no delicado universo das subjetividades e traz densos elementos para refletir sobre a filosofia, os métodos e as técnicas do Psicodrama que, embora não estejam no centro do artigo, surgem a cada parágrafo na narrativa apresentada.

As questões metodológicas propriamente ditas são tratadas com objetividade por Mariângela Pinto da Fonseca Wechsler. Em "Criação e metodologia no psicodrama", a autora apresenta as premissas que permitem a construção dos caminhos do Psicodrama. Faz isso de maneira que esclarece o leitor como esses princípios são basilares para trabalhos clínicos e socioeducacionais, na esfera individual ou no lidar com grupos, pequenos ou grandes.

Nessa mesma linha de conhecimento teórico que auxilia numa prática mais aprimorada, o capítulo 12, de Rosa Lidia, "A sociometría no cenário psicodramático: Um olhar", reúne muitas informações relevantes como os princípios desse olhar, que incluem premissas como a de que "os indivíduos tendem a ser mais felizes, saudáveis e produtivos quanto mais puderem escolher as pessoas com que convivem em seus grupos nos diferentes papéis".

No capítulo 14, "Os fantasmas na psicoterapia psicodramática bipessoal", Vera Rolim manifesta como a "consciência imaginativa, reflexiva, imaginação criadora libertadora" pode ser obtida por meio da prática do Psicodrama.

Psicodrama: Apontamentos e criação é uma relevante contribuição para a prática e a teoria psicodramática. Portanto, recomendo sua leitura!

Bom proveito!

 

 

Recebido: 12/11/2017
Aceito: 20/11/2017

 

 

Maria Célia Malaquias. Psicóloga e Psicodramatista Didata Supervisora pela Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP). Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Autora e pesquisadora sobre Psicodrama e relações raciais.

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