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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.26 no.1 São Paulo jan./jun. 2018

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20180015 

ARTIGOS INÉDITOS

 

Métodos ativos de ensino: coconstrução subjetiva da capacidade de pensar o próprio pensamento em sala de aula

 

Active teaching methods: subjective co-construction of the ability to think one's own thought in the classroom

 

Métodos activos de enseñanza: coconstrucción subjetiva de la capacidad de pensar el propio pensamiento en clase

 

 

Leila Kim

Mestra em Psicologia da Educação (PUC-SP). Doutora em Psicologia Clínica (USP). Pós-doutorado em Estudos Culturais (UA-Portugal) e Educação (Uninove). Professora em cursos de pós-graduação. Psicodramatista com base analítica. E-mail: leilakim.animus@gmail.com

 

 


RESUMO

Trata-se da descrição de uma intervenção educacional aplicada em sala de aula para demonstrar como a interdisciplinaridade compreendida num eixo multidisciplinar estimula o protagonismo de alunos, na construção coletiva do conhecimento. Ilustra-se como o pensamento crítico se desenvolve em cinco etapas para comprovar a integração entre teoria e prática na inter-relação entre pesquisa, sala de aula e trabalho na comunidade. Supõe-se que a aplicação de metodologias problematizadoras de ensino, em cursos de pós-graduação, pode ser um caminho fundante para o redimensionamento de ações profissionais emancipatórias. Conclui-se que experiências intersubjetivas em aprendizagem significativa espelhadas nessas práticas de ensino propiciam melhor qualidade de vida e capacidade de pensar nos sujeitos coparticipantes e em sua descentralização por meio de redes autossustentáveis.

Palavras-chave: métodos ativos, educação, relação professor-aluno, pensamento, saúde


ABSTRACT

This article refers to an educational intervention in the classroom in order to demonstrate how interdisciplinary understood in a multidisciplinary axis promotes the protagonism of students in the collective construction of knowledge. It indicates how critical thinking is developed in five steps in order to confirm the integration between theory and practice, in the interrelationship among research, classroom and work in the community. It is assumed that the application of problematizing teaching methodologies in postgraduation courses can be a precursor path to reestablish emancipatory professional actions. It was concluded that intersubjective experiences in meaningful learning, demonstrated in teaching practices, promote a better life quality and the ability to think about the co-participants and in their decentralization through self-sustainable networks.

Keywords: active methods, education, teacher-student relationship, thinking, health


RESUMEN

Se trata de la descripción de una intervención educativa aplicada en clase para demonstrar como la interdisciplinaridad comprendida en un eje multidisciplinario estimula el protagonismo de alumnos, en la construcción coletiva del conocimiento. Se ilustra como el pensamiento crítico se desarolla en cinco etapas para comprobar la integración entre teoría y práctica en la interrelación entre investigación, clase y trabajo en la comunidad. Se supone que la aplicación de metodologías problematizadoras de enseñanza, en cursos de posgrado, puede ser un camino fundante para el redimensionamiento de acciones profesionales emancipatorias. Se concluye que experiencias intersubjetivas en aprendizaje significativo reflejadas en estas prácticas de enseñanza propician una mejor calidad de vida y la capacidad de pensar en los sujetos coparticipantes y en su descentralización, a través de las redes autosustentables.

Palabras clave: métodos activos, educación, relación maestro-alumno, pensamiento, salud


 

 

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro ... Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar constatando, intervenho intervindo, educo e me educo. (Paulo Freire, 1996).

 

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo demonstrar como as metodologias ativas de ensino facilitam o processo ensino-aprendizagem, por meio da síntese de uma intervenção educacional sociopsicodramática aplicada em sala de aula. Assim, desvelamos como o protagonismo de alunos possibilita a construção coletiva do conhecimento em uma vivência da situação real. Ressaltamos que o olhar sobre a ação concreta movimenta a criatividade na solução de problemas e permite a liberdade de pensar e solucionar os conflitos em uma prática conscientizadora coparticipava. E que o professor-mediador sente maior realização profissional com o saber construído, com a socialização dos conteúdos e com a percepção da cultura refletida na experiência dos alunos e nas trocas com o meio ambiente experimentadas na situação de campo. Logo, na metodologia ativa de ensino, o professor e os alunos constroem melhor qualidade de vida física, emocional e mental como preparação para uma prática profissional mais saudável.

Partimos do pressuposto que a subjetividade presente nas inter-relações entre professor e alunos, desde os primeiros anos da educação básica, promove intencionalidade e significação conceitual/valorativa na interface entre práticas nas áreas da educação e da saúde, interferindo no desempenho do professor em sala de aula (Kim & Dias, 2017; no prelo).

Consideramos que saúde e educação são produções coletivas condicionantes e determinantes uma da outra. Sua interface aponta para a necessidade de intervenções coletivas voltadas para a ação e o desenvolvimento de sujeitos histórico-políticos, em diferentes espaços de locução. Nesses espaços, prioriza-se o trabalho em equipe multiprofissional nas abordagens dialógica e interdisciplinar, para refletir sobre as práticas pedagógicas, construtoras de sujeitos e cultura.

A complexidade do mundo globalizado nos desafia à reflexão crítica das articulações entre o sistema de ensino superior (SES), o sistema sociocultural (SSC) e os serviços de saúde (SS). Segundo Morin (2005, p. 142), as intervenções educativas criam uma auto-organização recursiva, que se produz por meio das relações intersubjetivas estabelecidas nas inter-relações entre os sujeitos, que retroatuam sobre eles para os coproduzir em sua qualidade de seres humanos. Desse modo, o SSC é um elo produtivo ininterrupto em que, de alguma forma, os produtos são necessários à produção do que os produz. E nesse processo, no SES, o professor como mediador social, se acolhido como pessoa humana, pode facilitar a elaboração, a execução e a avaliação participativa de sujeitos singulares, por meio da articulação de ações em diferentes níveis de complexidade. Mas, para a aplicação dessa filosofia na prática, seria necessário trabalhar-se nos eixos para o desenvolvimento da educação permanente em sistema aberto, que possibilitam a consciência crítica com reflexão constante do significado das práticas profissionais: orientação pedagógica em aprendizagem ativa por meio de projetos de ensino e pesquisas ajustadas à comunidade local, que são refletidas teoricamente em sala de aula. Com isso, espera-se maior envolvimento, iniciativa, responsabilidade e autonomia do aluno e consequente formação de profissionais comprometidos com a sociedade - promotores e usuários de saúde em programas educativos e preventivos. Nessa perspectiva, a educação deixa de ser percebida como uma atividade paralela que auxilia na efetivação de objetivos técnicos de programas e passa a ser considerada o eixo de mudanças na formação e no desenvolvimento profissional para o século XXI. Em síntese, propomos a interligação entre sistemas que ressignificam o momento de oportunidade de acesso ao conhecimento e à reciclagem, à assistência adequada e ao apoio para uma melhor qualidade de vida do profissional educador.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-EMPÍRICA DAS METODOLOGIAS ATIVAS NO SISTEMA DE ENSINO SUPERIOR (SES)

Na leitura das obras de Bion (1966), Freire (2005), Moreno (1993) e Morin (2005), percebemos que as trocas interpessoais dialógicas possibilitam a compreensão do interlocutor como ser inacabado, inconcluso - que se manifesta em uma realidade externa -, que, por ser histórica, está em constante movimento. Nessa perspectiva, podemos afirmar que a educação tem um caráter permanente em razão da inconclusão dos homens e do devenir da realidade social que se materializa a cada momento.1

Na contemporaneidade, novas formas de resistência política têm explorado saberes mais adequados à realidade social em uma aprendizagem significativa pelo eixo de formação das pedagogias inovadoras, que valorizam o vínculo entre ações e conhecimentos produzidos em diferentes espaços de locução: escolas, serviços de saúde e comunidade.

Apesar dessa mudança estrutural paradigmática, ainda existem armadilhas que consideram eficiente um corpo disciplinado, que se organiza em conteúdos fragmentados por meio de especialidades. Esse pensamento hegemônico do mercantilismo neocapitalista garante a manutenção da conserva cultural, por meio da indústria da educação e da saúde, que desafia a subjetividade. Essa questão tem sido trabalhada de modo mecânico e interferido no adoecimento do professor. A falta de espaços de acolhimento nas áreas da saúde e da educação o levam ao desamparo, dificultando o exercício da tarefa de ensinar e aprender. Esse fato tem dificultado a capacidade de professores e alunos aprenderem pela experiência de conhecer, fazer, ser e pensar o próprio pensamento (Delors, 1998; Kim & Dias, 2017; no prelo).

Foucault (1987) considera que o exercício do poder pulveriza os espaços de controle, fortalece as prescrições coercitivas que tratam o ser humano como instrumento ou máquina, por meio de regulamentações que limitam as decisões sobre a vida e a consciência sobre a produção da saúde. Urge a necessidade de intervenções educacionais que trabalhem de forma ética com situações concretas presentes na situação escolar, para que os professores possam ter um suporte que lhes garanta maior qualidade de vida física, emocional, mental e espiritual. A educação permanente durante o ensino superior e a formação continuada do docente baseada em situações-problema e sua solução, tem sido, em algumas universidades, um investimento como ação estratégia do Estado e da Sociedade Civil, para concretizar os princípios de integralidade, pluralidade e equidade da pessoa humana como um todo. A partir desse modelo, os professores têm utilizado as metodologias ativas em sala de aula, por meio de recursos didáticos do psicodrama pedagógico, jogos dramáticos e dinâmicas grupais, que possibilitam o desenvolvimento de uma postura crítica, criativa e responsável, em sua atuação profissional.

As metodologias ativas caracterizam-se como métodos de ensino que fortalecem a formação de vínculos democráticos na relação entre professor, alunos e conteúdo. Apoiam-se na aprendizagem significativa por descoberta, que estimula a criatividade na construção de soluções para os problemas da prática. Essas metodologias se fundamentam nas concepções pedagógicas crítico-reflexiva (Freire, 1996) e crítico-social dos conteúdos (Libâneo, 1984), que permitem que o aluno conheça, critique e modifique a realidade. Trata-se de uma formação integral que implica uma passagem da disciplinaridade para a interdisciplinaridade. Nela o professor desenvolve a própria autonomia e responsabilidade nas estratégias de ensino relativas ao currículo, à avaliação e à seleção dos cenários de aprendizagem.

Elas são conhecidas como aprendizagem baseada em problemas (ABP) e problematização.

2.1 Aprendizagem baseada em problemas (ABP)

A ABP foi implantada na década de 1960 nas universidades de MacMaster, no Canadá, e de Maastricht, na Holanda. Ela tem sido utilizada para analisar as situações-problema no SS e como tópico de pesquisa para estudantes de graduação na área de ciências da saúde (Cyrino & Pereira, 2004; Silva & Delizoico, 2008). Sua aplicação integra o processo ensino-aprendizagem, em sala de aula (SES), nos serviços de assistência à população (SS) e na comunidade (SSC), e se faz nas sete etapas abaixo sintetizadas:

1) Apresentação do problema, com base na leitura realizada pelo grupo coparticipativo (alunos e docentes/gestores);

2) Definição dos conceitos presentes no problema apresentado;

3) Definição do problema e das áreas relevantes (articulação entre sistemas e subsistemas);

4) Análise do problema com base nos conhecimentos prévios;

5) Levantamento de hipóteses para identificar lacunas do conhecimento que possam explicar o problema;

6) Definição dos objetivos e dos recursos de aprendizagem;

7) Busca de informação e estudo individual.

2.2 Problematização

A metodologia da problematização baseia-se no referencial teórico de Freire (1996) e Libâneo (1984) e vem sendo aplicada no Brasil desde os anos 1970-1980, em diferentes espaços de locução, tanto para identificar problemas na prática, como para se compreender conceitos teóricos. Segundo Libâneo (1984, p. 35), por meio dela, "o que é aprendido não decorre de uma imposição ou memorização, mas do nível crítico de conhecimento, que se chega pelo processo de compreensão, reflexão e crítica". Para Freire (2005, p. 80), quanto mais os alunos são desafiados a resolverem um problema em suas conexões com os outros, num plano de totalidade, mais eles se sentirão estimulados a responder ao desafio de maneira crítica e desalienada. Freire (1996) afirma que o sujeito se transforma na medida em que transforma a realidade. O conceito de práxis como atividade transformadora integra teoria e prática de um modo consciente entre pensamento e ação intencionalmente realizada. E Libâneo (1984) explica que esse fenômeno social utiliza a socialização dos conteúdos na busca da construção do saber, cabendo ao professor a articulação da vivência dos alunos com o meio.

Segundo nossa leitura, essa metodologia ativa se aplica em cursos de graduação e pós-graduação nas cinco etapas abaixo sintetizadas:

1) Observação da realidade para identificação do problema;

2) Pontos-chave: levantamento, reflexão e análise dos conhecimentos prévios para gerar hipóteses iniciais sobre as causas do problema;

3) Teorização: pesquisa bibliográfica e entrevistas com profissionais especializados e docentes;

4) Hipóteses de solução para confirmação ou não das hipóteses iniciais;

5) Aplicação à realidade por meio de pesquisas de intervenção educacional.

3.1 Descrição sintética de uma experiência desenvolvida em sala de aula

Portanto, a proposta metodológica da problematização desafia o educando ao pensamento complexo, a fim de transformar ele próprio e a situação de maneira consciente, política e crítica. Dessa forma, articula teoria e prática em uma visão organizada, unificada e sintética de conteúdos com significado humano e social.

 

3. INTERVENÇÃO EDUCACIONAL SOCIOPSICODRAMÁTICA

Intervenção socioeducacional pode ser definida como "estratégia de ação social que, exercendo funções pedagógicas, aumentaria o alcance histórico e o significado social de suas repercussões imediatas" (Tassara, 1982, p. 7). De acordo com essa perspectiva, temos trabalhado com intervenções educacionais com tempo determinado em sala de aula para favorecer a inter-relação entre professor, alunos e conteúdo, em cursos de pós-graduação.

Partimos do pressuposto que "o eu se autoconsidera simultaneamente como o sujeito e como objeto de conhecimento e considera o ambiente objetivo implicando nesta a sua própria existência subjetiva" (Morin, 2000, p. 132). E também que a intervenção educacional sociopsicodramática articulada ao método psicanalítico (Kim & Dias, 2017) possibilita a emergência de pattern (ideias não presentes no cotidiano social), que se manifestam nas cenas vivenciadas no contexto dramático, como problemas que invocam a tomada de consciência. "A consciência descobre a relatividade da verdade e do erro ao considerar a diversidade e a incompatibilidade das ideias e das crenças, no tempo e no espaço, e, por consequência, põe em dúvida o seu próprio sistema de ideias e de crenças" (Morin, 2000, p. 133). Assim, é na brecha entre fantasia e realidade, entre consciente e inconsciente, no fosso da incerteza que causa angústia, que surge a criação/descoberta e a possibilidade de se pensar o próprio pensamento (Bion, 1966). Desse modo, os sujeitos participantes associam a imagem onírica à imaginação criadora, as experiências emocionais à práxis por meio da percepção e da representação mental das experiências, e despertam a livre fantasia para se agarrar ideias novas.

No entanto, esses sujeitos tendem a repetir padrões culturais em situações novas, por meio da utilização da memória de situações da infância, na situação adulta (transferência psicológica), em razão do medo de entrar em contato com o "vazio" do novo (Kim & Dias, 2017). Apesar dessas resistências, o grupo anseia pelo aparecimento de um líder criativo (coordenador de grupos/professor/algum membro do grupo) que lhe ajude a pensar o próprio pensamento. Mas teme que a inovação possa provocar desordem e rupturas na conserva cultural. Então, é pelo princípio de realidade que o sujeito "aprende a substituir o prazer momentâneo, incerto e destrutivo pelo prazer retardado ... luta para alcançar o que lhe é útil e prazeroso, apropria-se dessa realidade alterando-a a partir de sua ação consciente" (Nuere & Doistua, 2012).

Em outras palavras, os participantes de um grupo de desenvolvimento precisam buscar o sentido de suas ações repetitivas - não espontâneas. Para isso, é necessário que contenham as respostas impulsivas - atuação (ação sem pensamento). O método sociopsicodramático permite que da expressão dos afetos emerja um espaço-tempo para se construir um pensamento, traçar um objetivo e desenvolver uma autoria na construção do desejo reprimido. No jogo dramático de papéis ou de personagens, os participantes descobrem como construir projetos para a realização do desejo que precisa ser aplicado concretamente na prática do contexto social, para que seja verificado e reorganizado.

Assim entendido, consideramos que a educação permanente de professores precisa ser contextualizada a cada grupo, por meio do desvelamento dos problemas e das problemáticas daquele que aprende. Então, é preciso preparar os professores para decodificarem a práxis local em um campo interdisciplinar, fundamentado em cada processo ensino-aprendizado experimentado por cada sujeito (indivíduo/grupo) para derivar novas teorias a partir da prática. A doxa ignora elementos que fundamentam a cultura e, diante da concorrência entre sistemas, é necessário acionar processos interativos multidimensionais, confrontando a escola e a educação formal com ambiences discursivas expressas pelos participantes. Dessa forma, propiciamos a criação de resistência política - desalienação do olhar pelo conhecimento de processos que se repetem na dinâmica grupal e permitem novas formas de ler o mundo para agir sobre ele, criando-se assim novos paradigmas (prática + conceito). Somente assim, os sujeitos-professores passam a formar alunos que possam enfrentar os desafios da contemporaneidade.

Além da educação permanente de professores, a intervenção educacional tem sido desenvolvida por meio de parcerias estabelecidas com professores durante a aplicação de programas de ensino em sala de aula. Supomos que essas parcerias possam facilitar o desenvolvimento da percepção de professores sobre a eficiência, a eficácia e o impacto da aplicação das metodologias ativas vivenciadas, assim como comprovar a integração entre teoria e prática na inter-relação entre pesquisa, sala de aula e trabalho na comunidade. Com isso, a metodologia sociopsicodramática problematizadora de ensino tem se constituído como um caminho fundante para o redimensionamento de ações profissionais emancipatórias. Ela interfere na produção do conhecimento em sala de aula, de forma menos frustrante e mais satisfatória, como produção de saúde no ambiente escolar.

3.1 Descrição sintética de uma experiência desenvolvida em sala de aula

Trata-se da aplicação de uma intervenção sociopsicodramática realizada com um professor e sua turma de 20 alunos com formação interdisciplinar (médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, engenheiros, jornalistas, comunicólogos e profissionais da área de informática, propaganda e marketing), em uma disciplina de um curso de pós-graduação, para a constituição de uma equipe multiprofissional. A intervenção respeitou todos os princípios éticos de pesquisa com sujeitos humanos e se desenvolveu em cinco etapas, sintetizadas a seguir:

1) Visita à empresa para obter dados de realidade sobre o conteúdo a ser trabalhado em sala de aula.

2) Jogo de papeletas2

a) Cada aluno escreveu quatro palavras que associava aos dados observados na visita realizada; em seguida, selecionou e organizou as palavras em um grande quebra-cabeça.

 

 

b) Um aluno relator, escolhido sociometricamente pelo grupo, decodificou o significado do quebra-cabeça referente à empresa, à demanda e à teoria da prática.

c) Em seguida, os alunos incluíram, no quebra-cabeça, colegas para representarem sistemas e subsistemas que interfeririam nos três subgrupos especificados anteriormente.

 

 

d) A técnica psicodramática de inversão de personagens representados, acrescida do solilóquio e duplo, favoreceu a ampliação do olhar e a escuta do ponto de vista do praticante.

e) Compartilhamento das ideias e implementação da inovação pela construção do pensamento grupal.

3) No intervalo entre essa aula e a seguinte, os alunos fizeram o levantamento bibliográfico dos conteúdos contidos na imagem final.

4) Na aula seguinte, os alunos se dividiram em três subgrupos: empresa, demanda e teoria da prática. Após reflexão teórica que relacionava o conhecimento contido nas papeletas e no levantamento da literatura, cada subgrupo a apresentou para os demais em um fórum de discussão. O professor organizou a síntese do conhecimento coconstruído pelos três grupos em um esquema na lousa, que foi analisado por todos.

5) Os alunos utilizaram a síntese analítica do conhecimento coconstruído para:

a) Dar um retorno aos gestores da empresa que se reuniram com os sujeitos participantes na aula seguinte, na universidade.

b) Construir os projetos individuais como uma das formas de avaliação da disciplina.

 

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

Nessa intervenção educacional em sala de aula, pudemos perceber a importância de o diretor da intervenção educacional participar de todas as etapas do trabalho realizado. A visita à empresa possibilitou o levantamento da hipótese inicial da situação-problema na realidade da empresa e dos participantes a serem trabalhados, assim como melhor compreensão do significado dos dados contidos no jogo de papeletas. O jogo dramático de personagens garantiu a integração inclusiva de todos os participantes por meio de sua expressão afetiva, assim como da expressão das identificações na construção do pensamento grupal expresso no compartilhamento. A busca de referenciais teóricos da experiência vivida reforçou a construção do pensamento grupal, que se aprofundou na dinâmica do fórum de discussões - experimentação sociodramática real (Moreno, 1993) -, e cada um viveu o próprio papel e pode inverter de lugar com os subgrupos presentes. A síntese da experiência sintetizada pelo professor da disciplina possibilitou as bases para o retorno do grupo aos gestores da empresa, que, ao realizarem esse encontro na universidade, reforçaram o valor de troca entre ensino em sala de aula e prestação de serviços à empresa. A experiência completa integrou a teoria à prática, permitindo uma autonomia na escolha dos projetos individuais de cada aluno.

Portanto, o pensar psicodramático permeou todo o trabalho, e sua articulação com a teoria psicanalítica sobre o pensar e simbolizar garantiu a assertividade do trabalho realizado.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contexto atual exige o protagonismo dos indivíduos na compreensão do paradigma saúde/doença, para repensar as relações de poder existentes em nossa sociedade, entender suas singularidades e atuar sobre elas.

As metodologias ativas no ensino superior favorecem a capacitação profissional em processos democráticos, por meio da comunidade de prática que coopera para os sujeitos participantes conhecer, relacionar, fazer, ser e pensar o próprio pensamento, em seus limites da realidade individual, grupal e institucional. A aspiração à complexidade tende para a construção do conhecimento multidimensional em uma abordagem multiprofissional, campo propício à abordagem sociopsicodramática. Porque não se trata de dar todas as informações sobre um fenômeno estudado, mas respeitar suas diversas dimensões na autorreflexão da construção coletiva do conhecimento.

Assim compreendido, torna-se possível o desenvolvimento de projetos individuais e grupais desde os primeiros anos do curso de graduação para formar profissionais bem-sucedidos, capazes de enfrentar situações complexas em um momento de rápidas mudanças (Moreno, 1993). Em outras palavras, compreender a relação entre qualidade de vida no trabalho e saúde do trabalhador no cotidiano escolar.

 

REFERÊNCIAS

Bion, W. R. (1966). Os elementos da psicanálise (inclui o aprender com a experiência). Rio de Janeiro: Zahar Editores.         [ Links ]

Cyrino, E. G., & Pereira, T. M. L. (2004). Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da Saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Cad. Saúde Pública, 20(3),280-8.         [ Links ]

Delors, J. (1998). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez.         [ Links ]

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Kim, L. M. V., & Dias, E. T. D. M. (2017). Angústia de separação e capacidade de simbolizar na inter-relação entre o professor e a turma de alunos. In: L. M. V. Kim, M. M. Baptista, & E. T. M. Dias (Orgs.). Polifonias psicológicas e educacionais. Olhares direcionados para a escola e a cultura. São Paulo: Paidós.         [ Links ]

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Libâneo, J. C. (1984). Democratização da escola pública, a pedagogia crítico-social dos conteúdos. (9. ed.). São Paulo: Edições Loyola.         [ Links ]

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Tassara, E. T. O. (1982). Análise de um programa de intervenção sobre o Sistema Educacional - da premissa à possibilidade. (Tese de doutorado). Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]

 

 

Recebido: 20/06/2018
Aceito: 01/08/2018

 

 

1 Moreno (1993, pp. 91-92) considera que a categoria do "momento não é um pedaço da história, mas a história é um pedaço do momento, sub specie momenti". Ela só tem significado em um universo aberto, onde existam a mudança e o novo; em sua ausência, não há lugar para crescimento, espontaneidade e criatividade. Segundo Bion (1966, p. 34), o coordenador de grupos deve ocupar sua mente com o desconhecido, focando-se no momento presente de cada encontro com os participantes. Para Morin (2005, p. 19), "espaço e o tempo não são mais entidades absolutas", e a ação estratégica se reformula a cada novo momento.
2 Jogo reformulado pela autora com base em consultoria empresarial realizada junto com Artur Marinho de Medeiros nos anos 1980.

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