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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.26 no.1 São Paulo jan./jun. 2018

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20180017 

ARTIGOS INÉDITOS

 

As imagens psicodramáticas com bonecos

 

Psychodramatic images with dummies

 

Las imágenes psicodramáticas con muñecos

 

 

Leonídia Alfredo Guimarães

Psicóloga pela Universidade Federal da Bahia. Psicodramatista Didata Supervisora pela Associação Baiana de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo, filiada à Federação Brasileira de Psicodrama. Especialista em Neuropsicologia pela Faculdade Internacional de Curitiba - Facinter. E-mail: leoguimas05@gmail.com

 

 


RESUMO

Este artigo aborda o uso técnico de bonecos pouco estruturados na prática da Construção de Imagens Psicodramáticas. Esse novo manejo clínico foi apresentado no 21º Congresso Brasileiro de Psicodrama, em Fortaleza (2018). Nessa ocasião, os bonecos serviram como auxiliares para a construção de imagens. Posteriormente, durante um workshop pôde ser observada sua função mediadora e de aquecimento específico para atuar em processo mais espontâneo e criativo, mediante a retração do si mesmo psicológico, retirando o protagonista de um estado de alarme transitório que o impedia de objetivar uma situação recente. Apresento os fundamentos dessa prática clínica inédita, com o objetivo de ampliar as discussões e estimular sua utilização, especialmente em psicodrama bipessoal e infantil.

Palavras-chaves: imagens psicodramáticas, função auxiliar, bonecos, núcleo do eu, psicodrama


ABSTRACT

This article covers the technical use of less-structured dummies in psychodramatic images. This new clinical management was presented at the 21st Brazilian Psychodrama Conference, held in Fortaleza (2018). On that occasion, the dummies served as auxiliaries for building images. Later on, during a workshop its mediating function and specific warming-up ability to act could be observed in a more spontaneous and creative process by withdrawing its psychological selves, removing the protagonist from a state of transitory alarm, that prevented the person from objectifying a recent situation. I present the bases of this unprecedent clinical practice are presented for the purpose of broadening the discussions and stimulating its utilization, especially in bipersonal and child psychodrama.

Keywords: psychodramatic-images, auxiliary function, dummies, nucleus of the ego, psychodrama


RESUMEN

Este artículo aborda el uso técnico de muñecos poco estructurados en la práctica de la Construcción de Imágenes Psicodramáticas. Este nuevo manejo clínico fue presentado en el 21º Congreso Brasileño de Psicodrama, en Fortaleza (2018). En esa ocasión, los muñecos sirvieron como auxiliares para la construcción de imágenes. Posteriormente, durante un taller pudo ser observada su función mediadora y de caldeamiento específico para actuar en procesos más espontáneos y creativos, mediante la retracción del sí mismo psicológico, retirando al protagonista de un estado de alarma transitorio que lo impedía objetivar una situación reciente. Presento los fundamentos de esta práctica clínica aún inédita, con el objetivo de ampliar las discusiones y estimular su utilización, especialmente en el psicodrama bipersonal e infantil.

Palabras claves: imágenes sicodramáticas, función auxiliar, muñecos, núcleo del yo, psicodrama


 

 

INTRODUÇÃO

A técnica de Construção de Imagens Psicodramáticas (CIP) é uma metodologia criada pelo psiquiatra colombiano Jaime Rojas-Bermúdez (1966) com o objetivo de transformar imagens mentais em imagens psicodramáticas por meio do uso de pessoas na função de ego auxiliares ou de objetos bidimensionais como tecidos e almofadas.

A Escola de Rojas-Bermúdez (1997) nunca utilizou bonecos para a Construção de Imagens. Tradicionalmente, o uso de bonecos ficou reservado ao trabalho com psicóticos crônicos, realizado pelo autor em Buenos Aires, no Hospital Federal T. Borda nos anos de 1966/1967, visando restabelecer a comunicação interrompida por meio do uso de títeres manuseados por egos auxiliares. Depois incluiu-se o uso de túnicas, capuz e máscaras. Esses objetos foram conceituados pelo autor como Objetos Intermediários (OI). Em seguida esses objetos passaram a ser manuseados pelos próprios pacientes para o jogo de papéis, definindo-se seu uso como Objetos Intraintermediários (OII). Posteriormente (1985), esses objetos passaram a ser usados, também, no manejo clínico com pessoas saudáveis ou em estados neuróticos severos de caráter transitório (Rojas-Bermúdez, 1977; 1985; 1997; 2012).

Em minha prática clínica com psicodrama bipessoal, venho utilizando bonecos pouco estruturados, especialmente confeccionados para fins terapêuticos. Esses bonecos vêm se mostrando úteis para uma abordagem mais dinâmica no trabalho com Átomos Familiares e socioafetivos. Contudo, foi durante o 21º Congresso Brasileiro de Psicodrama, realizado em Fortaleza (2018), que tive a primeira oportunidade de utilizar os bonecos especificamente para a Construção de Imagens.

Nessa ocasião, tínhamos como objetivo demonstrar tecnicamente os manejos específicos da técnica de Construção de Imagens Psicodramáticas (CIP) com Pessoas, Tecidos e Objetos. Essa aula foi ministrada, no Congresso, em codireção com o colega Georges Salim Khouri. Após a demonstração técnica das imagens com pessoas e tecidos, ficou sob meus cuidados demonstrar o manejo da CIP com bonecos e outros objetos disponíveis como almofadinhas e o kit de emojis de sentimentos, confeccionado em madeira.

Durante minha apresentação, estava levando em conta a impossibilidade de ação motora por parte do protagonista e procurei seguir o protocolo da CIP por meio de inventário verbal. Em determinado ponto da conversação, mediada pela presença dos bonecos, esgotou-se a temática emergida (o retorno). Tudo deu certo, até porque o nível de mobilização era mínimo.

Pude verificar as possibilidades de adequar esse novo aporte ao manejo clássico da CIP, observar sua funcionalidade e quais objetivos específicos da CIP poderiam ser contemplados.

Gostaria de realçar aqui que o protocolo básico da técnica de construção de imagens, bastante divulgado nos livros do autor, muitas vezes é abreviado, sem se levar em conta sua característica sintetizadora. Conforme refere Waldeck D'Almeida (2008), trata-se de uma técnica sintetizadora de todos os conteúdos representados na imagem "uma vez que estimula o protagonista a sintetizar o vivenciado em uma forma estática" (D'Almeida, 2008, pp. 8-9).

Por outro lado, vale destacar que o objetivo da técnica da CIP não é construir uma cena para ser trabalhada dramaticamente, mas antes obter uma síntese da situação colocada. A regra básica de manter o protagonista fora da imagem durante sua construção e a realização de espelhamento posterior para leitura das formas e de todos os conteúdos expressos na imagem são etapas essenciais para sua elaboração psicoterapêutica, insights possíveis, catarse de integração e consequente processo de reaferência nos circuitos neuronais.

Todos esses aspectos são essenciais no trabalho com Imagens Psicodramáticas, definidas como uma produção íntima do protagonista que possibilita nosso acesso ao seu mundo interno. Por meio desse procedimento, é permitido ao protagonista e ao terapeuta obter uma avaliação global da Imagem, seguida da compreensão dos conteúdos específicos em relação às formas construídas, suas relações e inter-relações, os sentimentos envolvidos, suas fantasias e as interconexões referentes ao passado, presente e futuro. É exatamente em função desses aspectos técnicos que o trabalho terapêutico com as imagens psicodramáticas vem se mostrando tão eficaz no contexto da psicoterapia (Guimarães, 1994; 2012).

Conseguiria a CIP com bonecos atingir tais objetivos?

O estudo aqui apresentado tem como finalidade realizar uma comunicação preliminar sobre as articulações teóricas até aqui realizadas, questionando-se até que ponto esse tipo de manejo pode se articular aos objetivos do trabalho com Imagens Psicodramáticas. Ademais, busca pesquisar outros estudos e outras práticas com objetos no psicodrama, suas características técnicas e da função desempenhada pelos bonecos durante a CIP.

 

USO DE OBJETOS NO PSICODRAMA

Segundo Moyano (2012), os objetos usados como recursos técnicos no psicodrama podem ser utilizados com base em 3 (três) funções: auxiliar, mediadora e criativa.

Como auxiliares terapêuticos, os objetos dão realce a algo que esteja acontecendo, funcionando como "radar" para a definição de papéis ou situações que emergem durante o aquecimento inespecífico para criação de personagens como uso de cordas, cintos, redes etc. Na etapa de dramatização facilitam a caracterização de cenas com o uso de cadeiras, bancos ou blocos que evidenciam diferentes níveis hierarquizados, ou mesmo o uso de tecidos, luzes e músicas para enfatizar ou complementar diferentes sinais do campo e dos personagens. O sentido desses objetos seria facilitar a colocação em cena de um personagem e auxiliar na criação de determinado clima emocional, podendo ser usados por diretores, ego auxiliares ou protagonistas.

Na função mediadora, a presença do objeto é determinante para o surgimento de condutas comunicacionais e expressivas por parte do protagonista. Sem o objeto, o fato não ocorreria. Além disso, o uso do objeto produz alguma mudança na produção do protagonista. O exemplo clássico, nesse caso, são os objetos intermediários, usados por egos auxiliares para restabelecer a comunicação interrompida, e os Objetos Intraintermediários, quando usados pelos próprios pacientes.

Como objetos criativos, são incluídos os objetos criados pelo próprio paciente que funcionam como facilitador e protetor egoico como as máscaras e servem para a expressão de conteúdo. Em alguns casos, os objetos criativos podem ser usados posteriormente pelo protagonista como Objetos Intraintermediários. Mas, normalmente, representam uma forma de expressão estética criada pelo protagonista como desenhos, objetos de cerâmica, pinturas, colagens etc. Podem ser criados individualmente ou em grupo (Moyano, 2012, pp. 101-105).

Existem outros estudos referentes ao uso de objetos no psicodrama, realizados por Rojas-Bermúdez e Moyano (2012) que podem ser pesquisados para melhor entendimento quanto à prática com objetos no psicodrama. Recomendamos a leitura dos textos existentes, uma vez que nem todo objeto funciona como Objeto Intermediário ou Intraintermediário. Muitos objetos são apenas auxiliares ou criativos.

Outro aspecto teórico que, em momento mais oportuno gostaria de investigar melhor, refere-se às possibilidades de articulações da CIP com bonecos com a neurobiologia cerebral dos neurônios-espelho, a princípio correlacionáveis com a estrutura de funcionamento presente na técnica, no que diz respeito aos parâmetros de empatia e simpatia estabelecidos com os bonecos. Algo que poderia preencher, de algum modo, certa lacuna quanto à pouca mobilidade permitida ao protagonista e também oferecer-se bonecos como representantes de suas relações com as pessoas e com seu mundo interno. O que, em última análise, os levaria ao estabelecimento de relações metafóricas com as imagens construídas.

Para o momento, seria suficiente colocar-se que, no início dos anos 1990, os neurocientistas italianos Rizzolatti, Gallese e Arbib realizaram uma experiência com chimpanzés, oferecendo-lhes amendoins, observando-se determinada ativação cerebral correspondente ao ato de comer. Em seguida, notaram que a mesma classe de neurônios dispara no lobo parietal anterior, apenas com a visão de outro chimpanzé comendo amendoim. Esses neurônios foram chamados neurônios-espelho e, atualmente, constituem a base do espaço intersubjetivo presente nas relações interpessoais como a empatia e os mecanismos da imitação e a grande sensibilidade somato-sensorial proporcionada pela visão e pelos demais sentidos (Hug, 2008, pp. 31-47).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após o Congresso, fui convidada a reapresentar o mesmo trabalho em um workshop dirigido a profissionais e estudantes de psicodrama. Nessa oportunidade, considerei pertinente ajustar a técnica para a escolha de um tema único, retirado da plateia após um breve aquecimento físico e mental. Emergiu do grupo apenas um protagonista que, de acordo com a proposta, passaria pela CIP com bonecos, tecidos e pessoas, nessa ordem, conforme minhas elaborações a respeito do assunto.

Essa sequência mostrou-se bastante satisfatória e produtiva para um workshop destinado a poucos participantes, todos da área e já familiarizados com a CIP. O que acredito ter oportunizado o aprofundamento do trabalho em clima de confiança e cumplicidade, favorecendo o acolhimento do protagonista pelo grupo e, consequentemente, pelo nível de entrega ao trabalho.

Foi uma experiência muito rica, sobretudo quanto à operacionalidade e às possibilidades criativas viabilizadas com a adoção do novo manejo técnico.

Tecnicamente, pareceu visível a todos a função de aquecimento exercida pelo trabalho de imagens com os bonecos. Esclarecendo-se que, no caso em estudo e por suposto, nos demais, a CIP com bonecos não funciona simplesmente como etapa de aquecimento específico antes de prosseguir o trabalho de Imagens com tecidos e pessoas. A ideia desse arranjo técnico visou apenas à demonstração prática de todas as técnicas de construção de imagens, seja com bonecos, tecidos, almofadas ou pessoas.

Consideramos que a função de aquecimento da CIP com bonecos se dirige especificamente ao EU, visando ampliar os estados de espontaneidade para a ação psicodramática. Durante o workshop, podemos também observar sua utilidade para a retração do si mesmo do protagonista, aparentemente em estado de alarme provisório.

Como se sabe, as técnicas de construção de imagens tanto podem exercer uma função de aquecimento para a ação, quanto de desaquecimento de estados emocionais intensos, em termos de superaquecimento. Isso ocorre dado o fato de a técnica de imagens dirigir-se à área da Mente e, por meio desse canal, levar o protagonista ao pensar reflexivo e racional (Guimarães, 1994).

No caso em questão, a emoção trabalhada foi a Raiva, cujo trabalho inicial com os bonecos e depois com os tecidos revelou estar simultaneamente relacionada à situação de violência, profunda tristeza e luto associado a perdas passadas e atuais. Conforme se pode observar na Figura 1, adiante, a raiva é uma emoção básica vinculada aos núcleos subcorticais talâmicos mais profundos, diretamente conectado ao Sistema Límbico (Núcleo do Eu). Tal como o medo, representa uma sensação visceral que compromete inteiramente o indivíduo, ativando naturalmente suas reações de sobrevivência e defesa.

Nesse caso, justifica-se o estado de alarme com retração do si mesmo e o elevado nível de mobilização do protagonista. Por esse motivo, o trabalho realizado buscou plasmar todos os elementos relacionados à RAIVA. Tecnicamente, esse manejo clínico serviu para desaquecer aos poucos o forte clima emocional em foco, com escuta atenta e investigação cuidadosa quanto à escolha dos bonecos, o porquê de cada escolha e do posicionamento dos mesmos em relação ao protagonista. Considerou-se importante, também, realizar o desdobramento da imagem em direção ao futuro, da imagem construída com almofadinhas, um dos objetos que permaneceram à disposição do protagonista durante a CIP com bonecos e que no final dos trabalhos foi utilizada para construção da imagem com pessoas.

Outro ponto interessante para discussão refere-se aos aspectos técnicos e teóricos relativos ao Núcleo do Eu-Esquema de Papéis, visto que estamos falando de a possibilidade de trabalho com os bonecos servir para a retração do si mesmo e para a redução de estados de alarme provisórios. Fato que atribui à CIP com bonecos uma função mediadora, no caso, como objeto intraintermediário (OII).

A função do SMP para o organismo é protetora. Corresponde nos estágios mais precoces ao Si Mesmo fisiológico, responsável pela filtragem de estímulos externos, função específica do Sistema Neurovegetativo (SNC).

Na Figura 2, vê-se claramente que durante os estados de alarme, representado pelo círculo maior tracejado, o Si Mesmo Psicológico (SMP) - representado pelo círculo central tracejado mais próximo ao Eu - expande-se ao máximo encobrindo e dificultando o desempenho de quase todos os papéis.

 

 

Nessas circunstâncias, o trabalho terapêutico com as imagens mentais dirige-se ao relaxamento de campo necessário à retração do si mesmo ao seu estado normal, o que libera a espontaneidade necessária para o desempenho de papéis.

Após a estruturação dos papéis psicossomáticos, o SMP já pode contar com o Eu incipiente para a discriminação de suas posses. Nesse estágio evolutivo, o Eu incipiente ainda está imerso em um período de sincretismo em relação às suas posses, até conseguir engajar-se ao meio e projetá-las sobre o Eu enquanto sombras. Ao engajar-se ao meio ambiente, para além de suas sombras, a criança passa a integrar seu Eu Natural ao Eu Social, estabelecendo com o meio relações distintas. A partir de então, o si mesmo psicológico começa a exercer uma função de "radar" emocional (Guimarães, 2010).

Dessa forma, durante o trabalho realizado no workshop em que tivemos a raiva como emoção emergente, ao ser visualizada a imagem com os bonecos, desencadeou-se recordações ligadas a acontecimentos pregressos, podendo-se aos poucos chegar à compreensão e à transformação destes, ao vislumbrar-se o desdobramento da imagem para o futuro próximo.

Esse trabalho com as imagens possibilitou uma análise comparativa das mudanças possíveis a curto e médio prazos, serviu gradualmente para a retração do SMP, levando o protagonista à reflexão e à mobilização de seu pensar racional, a fim de buscar uma ressignificação emocional para a situação vivida.

A possibilidade de dar continuidade a esse trabalho por meio da CIP com tecidos foi aproveitada, por mim, para aprofundar o trabalho utilizando a técnica de Duplos terapêuticos consignados para reforçar a ressignificação do tema trabalhado e demais elementos postos na imagem com os tecidos.

Finalmente, pudemos concluir o workshop retomando a imagem de futuro próximo, construída inicialmente com almofadinhas, para refazê-la por meio da CIP com pessoas. Evocando-se a necessidade de contato e proximidade do protagonista com pessoas, amigos e parentes.

Desse modo, todas as possibilidades técnicas de trabalho com as imagens mentais foram experimentadas e transformadas em imagens psicodramáticas. O que certamente, além de favorecer a ressignificação da situação trazida, fez emergir novas compreensões da realidade favorecendo a reaferência de novos arranjos cognitivos nos circuitos cerebrais.

 

CARACTERÍSTICAS DOS BONECOS

Além das características gerais e específicas para servir à CIP, os bonecos devem ser confeccionados da forma mais neutra possível, mas mantendo certa expressividade no rosto para facilitar a comunicação e a identificação de papéis. Os bonecos não devem provocar rejeição ou reações negativas ao seu manuseio.

Podemos dizer que a confecção desses bonecos se inspira em algumas características importantes referentes aos objetos intermediários: (1) possuem existência real e concreta; (2) são inócuos; (3) são razoavelmente maleáveis; (4) transmitem expressões naturais; (5) são adaptáveis a diferentes posições (em pé e deitado); (6) são facilmente assimiláveis; (7) são identificáveis com características humanas; (8) são instrumentalizados pelo próprio protagonista; e (9) são objetos tridimensionais.

Identificam-se como bonecos pouco estruturados possuindo apenas a cabeça em semelhança aos humanos e são confeccionados de forma artesanal, a partir de 3 (três) elementos básicos, definidos como características gerais:

1) cabeça com rosto expressivo, com olhos, nariz, boca e cabelos;

2) tronco em forma de cone, acolchoado para manter posição ereta ou deitada;

3) colocação de adornos para definição de sexo, idade, gênero e etnia.

As características específicas são:

- Cabeça modelada em diferentes tons de cabelo: branco, preto, pardo, sugerindo diferentes etnias e diferenciação de sexo e idade;

- Rosto expressivo sugerindo emoções: sério, risonho, triste, olhando para cima, para baixo ou para o lado;

- Tronco com diferentes vestimentas e adornos como vestido, camisa ou blusa, saia ou calça; e demais características como uso de óculos, bigode, gravata etc.

 

CONSIDERAÇÕES

Pensando sobre os resultados alcançados na CIP com bonecos, com base nas experiências anteriormente relatadas, podemos chegar a alguns aspectos importantes quanto ao manejo da técnica, especialmente quanto ao seguinte:

1) Parece-nos recomendável seguir ao máximo o protocolo geral da técnica de construção de imagens psicodramáticas, buscando-se também aprofundar a CIP com bonecos por meio das técnicas psicodramáticas clássicas ou, se possível, passar à CIP com tecidos; em se tratando de psicodrama grupal, será bem-vinda a conclusão das imagens com pessoas, se necessário.

2) No Congresso, o tema emergido realçou a função Auxiliar dos bonecos para a construção de imagens, podendo-se disponibilizar, também, outros objetos, como almofadinhas e o kit de sentimentos confeccionados com madeira, que servem a diferentes funções.

3) Durante o workshop, verificou-se que, além de funcionar como aquecimento específico para abordagem de aspectos mais pessoais, a CIP com bonecos pode ser usada como manejo técnico para a retração do si mesmo psicológico em presença de estados de alarme transitórios. Isso pode ampliar a comunicação intrapessoal e interpessoal.

4) A CIP com bonecos, como as demais técnicas de construção de imagens, pode funcionar tanto como aquecimento específico para a ação psicodramática quanto servir ao desaquecimento de estados de alarme do si mesmo, desencadeados por emoções muito intensas. Nesse último caso, os bonecos funcionam de maneira similar aos Objetos Intraitermediários (OII), assumindo a função mediadora.

5) Pode-se, por meio da construção de imagens com bonecos, encaminhar o protagonista para a ressignificação de experiências traumáticas transitórias, seja por meio da identificação, da reorganização e da diferenciação dos conteúdos colocados na imagem (Função Auxiliar); por meio do desdobramento da imagem em passado e futuro; ou por meio do uso das técnicas básicas do psicodrama como duplo, espelho, interpolação de resistência e inversão de papéis.

6) Considera-se bastante útil realizar o desdobramento da imagem em passado, presente e futuro e trabalhar as conexões espaciais e temporais existentes, com o objetivo de ampliar novas perspectivas, novas compreensões e novos significados referentes aos sentimentos envolvidos.

Por conseguinte, a CIP com bonecos pode estimular a ocorrência de novas aprendizagens à situação vivida e gerar novas redes nos circuitos neuronais, produzindo o fenômeno de reaferência descrito por Rojas-Bermúdez (1997; 2012).

De maneira global, são essas as conclusões a que chegamos. Esse novo manejo clínico com as imagens psicodramáticas, usando bonecos, mostrou-se útil para aprofundar e fechar um ciclo de trabalhos envolvendo metáforas, significantes e significados, realçando-se aqui o uso dos objetos como representantes de estágios mais arcaicos do desenvolvimento a partir da integração dos subsistemas cerebrais. Pode evoluir para identificações com pessoas e papéis sociais, integrando de forma criativa o eu natural ao eu social (Guimarães, 2010; 2012).

Esses primeiros estudos nos inclinam a pensar que durante o Congresso (Fig. 3 e 4 a seguir) as imagens construídas serviram a uma função auxiliar para a CIP, provavelmente pelo fato de o tema escolhido (o retorno) ter evocado na protagonista muita Alegria. A alegria é uma emoção básica vinculada ao sistema límbico, mas que possui conexões diretas com os Lóbulos Frontais, assim como o orgulho e o amor (ver Fig. 1). São emoções que se integram mais facilmente ao pensar racional do Neocórtex e às informações somáticas para o planejamento de movimentos e ações assertivas (Guimarães, 2008).

Ilustramos a seguir, com a devida autorização da protagonista, as imagens com bonecos, almofadinhas e emojis, construídas por ocasião do 21º CBP. Inicialmente, as almofadinhas foram usadas para representar pessoas. Posteriormente, solicitamos a substituição das almofadas por bonecos. Com a continuidade da história, os emojis entraram em cena para a representação de carro, casas e muro.

 

Figuras 3 e 4

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 23/06/2018
Aceito: 01/08/2018

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