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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.26 no.2 São Paulo jul./dez. 2018

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20180025 

ARTIGOS INÉDITOS

 

Leitura Psicodramática dos conceitos de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e Resiliência

 

Psychodramatic Reading of the concepts of Posttraumatic Stress Disorder (PTSD) and resilience

 

Lectura Psicodramática de los conceptos de Trastorno de Estrés Postraumático (TEPT) y resiliencia

 

 

Márcia Pereira BernardesI; Emanuela Melina da Silva NicolazziII; Thaís ScapiniIII; Narbal SilvaIV

IPsicodramatista didata supervisora pela FEBRAP. Doutoranda de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: marcia@locuspsicodrama.com.br
IIGraduada em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: emanuellamelina@hotmail.com
IIIGraduada em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC/ESAG). E-mail: thais.scapini@gmail.com
IVProfessor Doutor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: narbal.silva@globo.com

 

 


RESUMO

Com a presente pesquisa os autores objetivam realizar uma leitura psicodramática dos conceitos de Resiliência e de Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) na literatura científica. Para tal, foi realizada uma revisão sistemática em seis bases de dados, nos idiomas inglês, português e espanhol, com oito descritores distintos, nos últimos dez anos. Foram encontrados 1.154 artigos para aplicar os critérios de exclusão, resultando 19 para análise. Em conclusão, foi constatado que não há consenso na literatura sobre os constructos e que é possível formular uma compreensão psicodramática sobre o tema.

Palavras-chaves: resiliência, psicodrama, Transtornos de Estresse Pós-Traumáticos


ABSTRACT

In the present research, the authors aim to do a psychodramatic reading of the concepts of Resilience and Posttraumatic Stress Disorder (PTSD) in the scientific literature. For that, a systematic review was carried out in six databases, in English, Portuguese and Spanish, with eight distinct descriptors, in the last ten years. One thousand one hundred and fifty four (1,154) articles were found to apply the exclusion criteria resulting in 19 articles for analysis. The conclusion is that there is no consensus in the literature on the constructs and that it is possible to formulate a psychodramatic understanding on the subject.

Keywords: resilience, psychodrama, Posttraumatic Stress Disorders


RESUMEN

Con la presente investigación, los autores objetivan realizar una lectura psicodramática de los conceptos de Resiliencia y de Trastorno del estrés postraumático (TEPT) en la literatura científica. Con este fin, se realizó una revisión sistemática en seis bases de datos, en los idiomas inglés, portugués y español, con ocho descriptores distintos, en los últimos diez años. Se encontraron 1.154 artículos para aplicar los criterios de exclusión resultando 19 para el análisis. En conclusión, se constató que no hay consenso en la literatura sobre los constructos y que es posible formular una comprensión psicodramática sobre el tema.

Palabras clave: resiliencia, psicodrama, Trastornos por Estrés Postraumático


 

 

INTRODUÇÃO

A Resiliência e o Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT), como enfoque de estudos científicos, têm sido abordados em variadas áreas de conhecimento, até mesmo no Psicodrama. Inúmeras pesquisas foram e estão sendo desenvolvidas em todo mundo, pois o tema é atual e de grande incidência na população.

Resiliência, do latim resiliere, que significa "recusar vivamente", é um termo utilizado na engenharia para exprimir a capacidade de um material retornar à forma original após ter sido submetido às mudanças. Já o TEPT consta na Classificação Internacional das Doenças, CID10 (1993), e no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V-TR) (American Psychiatric Association, 2014) como referência à reação aguda a eventos traumáticos. É um transtorno de ansiedade que ocorre após exposição ao evento. Deve atender aos critérios de envolver resposta de pavor e medo, revivência, evitação e excitabilidade fisiológica aumentada ao tempo (superior a um mês) e prejuízo funcional. Assim, o desenvolvimento da Resiliência poderia ser uma forma de melhoria dos sintomas do TEPT e esta uma relação possível entre esses dois constructos.

O Psicodrama, criado por Jacob Levy Moreno (1889-1974), possui uma base teórica consistente que compreende o homem como naturalmente criativo, espontâneo e sensível. O adoecimento desse homem se dá justamente pelo embotamento dessas capacidades, e, a partir de técnicas específica em um método próprio, o psicodramatista busca o resgate desse homem livre em ação. Para o Psicodrama, o Eu emerge dos papéis que desempenha passando por etapas distintas em seu desenvolvimento, e quando agrupados formam as categorias de papéis psicossomáticos, sociais e psicodramáticos (Moreno, 1975).

Com base no tripé Resiliência-TEPT-Psicodrama, o problema central deste estudo pode ser assim descrito: qual a concepção do Psicodrama acerca dos significados de Resiliência e de Transtorno de Estresse Pós-Traumático encontrados na literatura? Para tanto, serão objetivos deste estudo: identificar os conceitos de Resiliência e de TEPT e apresentar uma compreensão psicodramática acerca do tema.

 

MÉTODO

Foi realizada uma revisão sistemática sobre Resiliência e TEPT em artigos nacionais e internacionais, nos idiomas português, inglês e espanhol, nos últimos dez anos, nas bases de dados Medline, IBECS, LILACS, Index Psicologia - Periódicos Técnico Científicos, PEPSIC e SciElo, com oito descritores: "TEPT" AND "Resiliencia"; "Transtorno por Estrés Postraumático" AND "Resiliencia"; "TEPT" AND "Resiliência"; "Transtorno de Estresse Póstraumático" AND "Resiliência"; "PTSD" AND "Resilience"; "PTSD" AND "Resilience"; "Posttraumatic Stress Disorder" AND "Resilience" e "Posttraumatic Stress Disorder" AND "Resilience". Foram encontrados 1.154 artigos, conforme Tabela 1. A utilização da planilha eletrônica Excel permitiu identificar e excluir as duplicidades, resultando 873 artigos. A partir da leitura dos resumos, foram excluídos aqueles cujos objetivos transcendiam ao tema Resiliência e TEPT. Foram identificados 66 artigos para leitura. Com a leitura desses artigos, constatou-se que 19 correspondiam ao problema central deste estudo, o que, como consequência, endereçou à exclusão dos demais. As bases foram selecionadas considerando aderência, cobertura, fator de impacto e tradição sobre o tema. Em todas essas bases, não há artigos que respondem aos descritores "Resiliência" AND "TEPT" AND "Psicodrama", em qualquer dos três idiomas.

 

CRITÉRIOS PARA EXCLUSÃO

Os artigos mais antigos que dez anos, os não revisados por pares e os duplicados foram excluídos buscando o estado da arte em literatura atualizada. Também foram excluídos os que versam sobre estudos de traumas a um evento específico, como guerra ou tornado. Resultaram 19 artigos selecionados para esta pesquisa em que foram identificados os conceitos relativos ao TEPT e à Resiliência, buscando semelhanças, consenso e dissensos.

 

COMPREENDENDO O TEPT

Para a American Psychiatric Association (2014, p. 274), "a caracterização do estresse, se dá pela presença explícita do agente estressor" como um critério diagnóstico e reúne diversos transtornos, como: Transtorno de Apego Reativo; Transtorno de Interação Social Desinibida; Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT); Transtorno de Estresse Agudo e Transtornos de Adaptação (pp. 266-290). Quase a totalidade dos autores pesquisados utilizam essa definição ou a do DSM IV. Macedo et al. (2014) é uma exceção quando afirmam que o TEPT é uma síndrome que inclui pesadelos e pensamentos intrusos sobre o evento traumático, entorpecimento emocional, hiperatividade fisiológica que persiste pelo menos por um mês. A segunda exceção é encontrada no artigo de Kessler et al. (2014, p. 266) que abordam o TEPT como "uma desordem comum que tem duração de muitos anos e é frequentemente associada com a exposição a múltiplos eventos traumáticos".

Kim (2015) identifica que enfrentar os medos, manter o otimismo, realizar exercícios físicos regulares, dispor de uma linha de valores morais, contar com apoio social, ter modelos nos diferentes papéis que desempenha e manter uma mente aberta sem pensamento rígido e dogmático ajudam na recuperação do TEPT.

Com base na definição do DSM, a maioria dos artigos trata de pesquisar a avaliação, o diagnóstico ou as consequências e a intervenção do TEPT em algum evento em particular, assim como o ataque de 11 de setembro ou o retorno de veteranos de guerra. Num desses estudos, Gaher, Simons, Hahn, Hofman e Buchkoski (2014) apresentam a relação do TEPT com uma variedade de problemas de controle das emoções e de comportamento. Yablon (2015) aponta que esses problemas afetam pessoas e famílias, com implicações financeiras e sociais, e que a inteligência emocional está claramente associada ao melhor funcionamento interpessoal e suporte social ao tempo em que o suporte social é um bom redutor do TEPT.

Para diagnosticar o TEPT, os autores pesquisados se utilizam dos critérios diagnósticos apresentados nos DSM IV (American Psychiatric Association, 1994) e DSM V (American Psychiatric Association, 2014). Esses manuais trazem como sintomas: intrusão (lembrança, sonhos angustiantes, flashback, reações dissociativas etc.), humor negativo (incapacidade de persistir e de vivenciar sentimentos de felicidade, amor, entre outros), dissociação (senso de realidade alterado, amnésia dissociativa), evitação (esforço para evitar pensamentos, recordação e sentimentos relativos ao evento) e excitação (sono, hipervigilância, problemas e concentração, sobressaltos etc.). Nessa linha, Smith, Smith, Jacobson, Corbeil e Ryan (2007, p. 274) consideram que os principais critérios diagnósticos são "memórias recorrentes e assustadoras, evitar quaisquer possíveis gatilhos para essas memórias e um aumento do estado de excitação".

 

COMPREENDENDO A RESILIÊNCIA

A psicologia utiliza o conceito Resiliência para caracterizar a "capacidade do indivíduo de se adaptar no enfrentamento de tragédia, traumas, adversidades, dificuldades e estressores significativos da vida" (Newman & Dale, 2005, p. 227). Esse conceito migrou da física para a psicologia, a partir dos anos de 1980, gerando diversos estudos sobre o tema. Todavia, ainda não há uma definição consensual para esse constructo na literatura (Streb, Häller e Michael, 2014, p. 1). Em que pese tal dissenso, Rainey, Petrey, Reynolds, Agtarap e Warren (2014, p. 227) afirmam que a resiliência é "considerada um constructo multifatorial consistindo de comportamentos, pensamentos e ações que podem ser aprendidas ao longo do tempo". Ao mesmo tempo, para Macedo, Wilheim, Gonçalves, Coutinho, Vilete e Figueira (2013, p. 1), a "resiliência é a capacidade de um indivíduo manter ou recuperar a saúde mental em face de adversidades significativas ou risco de morte". Yanxue et al. (2015) definiram resiliência como função psicológica por meio da qual os indivíduos se recuperam após sofrer adversidades ou eventos traumáticos usando uma resposta bem-sucedida a um mecanismo de autoajuste. Esse mesmo estudo apresenta a contribuição de Baumrind, para o qual os pais têm papel importante à medida que influenciam a formação da resiliência, definindo três estilos: os autoritários, os permissivos e os com autoridade. O último contribui para a formação da resiliência enquanto os autoritários e os permissivos não contribuem.

No entanto, a maior amplitude para o conceito de resiliência, nessa revisão, foi encontrada no artigo de Nucifora Jr., Hsu e Subbarao (2007). Para os pesquisadores, a resiliência é a "capacidade de um indivíduo, de um grupo, de uma organização ou mesmo de toda uma população para se recuperar rápida e eficazmente de perturbações psicológicas associadas a incidentes críticos, terrorismo e desastres" (p. 77). Os referidos pesquisadores acrescentam que é possível melhorar a resiliência pela adoção de, pelo menos, quatro comportamentos favoráveis: manter expectativas realistas, buscar apoio social e coesão de grupo, adquirir cognição positiva e construir autoeficácia e robustez. Dessa forma, Everly e Strouse (2010) concordam que a resiliência é um comportamento humano que pode ser aprendido, tendo algumas características principais: presença de espírito, ação decisiva, tenacidade, interpessoalidade, honestidade, autocontrole e otimismo. Como acréscimo, Tracy, Norris e Galea (2011) salientam que a resiliência é influenciada pelas características individuais e sociais, como o gênero, o grupo étnico e os traumas infantis. Bonanno (2008) afirma que a resiliência "é a ausência de TEPT" (p. 104); todavia, a ausência do TEPT não garante que o sujeito apresente Resiliência, e por isso recebeu algumas críticas.

No que tange à aquisição, à ampliação e ao fortalecimento da capacidade de resiliência, Mathad, Pradhan e Rajesh (2017) afirmam que podem ocorrer no processo de psicoterapia. Streb et al. (2014) indicam que o ser humano deve ampliar tal resiliência buscando o aumento da qualidade de enfrentamento do estresse cotidiano, incluindo o estresse laboral.

 

TEPT E RESILIÊNCIA

Uma relação entre esses constructos foi apontada por Streb et al.(2014), concluindo que há uma correlação entre Resiliência e TEPT, uma vez que quanto mais resilientes e preparados estavam as pessoas de seu estudo, menor a gravidade dos sintomas do TEPT. A maioria dos estudos pesquisados sugere essa mesma relação entre resiliência e TEPT. Green, Calhoun, Dennis e Beckham (2010) mostram que estresse, TEPT e resiliência são impactados pelo nível de proteção ao risco que a pessoa possui, o qual é relacionado com variáveis sociodemográficas, apoio social e sofrimento psicológico anterior.

Hoge, Austin e Pollack (2007) apontam que a resiliência é um constructo multidimensional que engloba características de personalidade como o locus do controle, da autoestima, da assertividade e da resistência associados ao enfrentamento do evento estressor traumático. Definem indivíduos resilientes como pessoas que experienciam o trauma e não desenvolvem o TEPT.

 

O PSICODRAMA NA COMPREENSÃO DE TEPT E RESILIÊNCIA

O Psicodrama, criado por Jacob Levy Moreno,1 concebe o ser humano como naturalmente provido de espontaneidade, criatividade e sensibilidade, sendo estes os fatores indissociáveis e construtores da saúde mental, sendo a primeira catalizadora da segunda. A criatividade é definida como "a capacidade agir de modo adequado diante de situações novas criando uma resposta inédita ou renovadora, ou transformadora de situações preestabelecidas" (Gonçalves, Wolff & Almeida, 1988, p. 47) e, sem ela, o ser humano fica atado a um padrão estereotipado de comportamento - a conserva cultural. A "Robopatia" é uma síndrome descrita por Yablonsky (1972) oposta à espontaneidade, em que o ser humano tem uma enorme falta de vontade de se envolver em novas possibilidades. Quando o ser humano está embotado em sua espontaneidade, o estará também em sua criatividade, ficando prejudicada sua capacidade de resposta, ou seja, de reação, ação e criação (Gonçalves et al., 1988).

Toda ação humana, segundo a teoria psicodramática, é realizada a partir de um papel, definido como "unidade de ação". O Eu emerge dos papéis, e não o contrário. Logo, o EU é a soma de papéis, influenciado por fatores ambientais, genéticos, tele e espontaneidade/criatividade (Gonçalves et al., pp. 68-72).

Cada papel possui as dimensões coletiva, comum aos que o desempenham e relacionada com a pauta de ações esperadas naquele papel, e individual que se refere ao modo particular e privado de alguém desempenhar um papel determinado. Já no que tange ao desenvolvimento, cada papel passa por três fases distintas e sequenciais, chamadas de role taking (aquisição), role playing (desempenho do papel) e role creating(criação) (Cukier, 2002).

Para cada papel há um contrapapel, com o qual o ser humano se vincula e interage. Entre eles há um vínculo que poderá ser télico ou transferencial. Os vínculos télicos são pautados na sensibilidade, permitindo que a empatia se estabeleça (Moreno, 1993).

Cada ação realizada, a partir de um papel específico, com suas dimensões individual e coletiva, em determinada fase, com sua carga de espontaneidade, interagindo no ambiente, por meio dos vínculos (télicos ou transferenciais), vão constituindo, na somatória da vida, a Matriz de Identidade (MI) do ser humano. Toda MI tem três elementos: o locus, que é o local do nascedouro, um lugar preexistente (assim como o vaso para uma planta); a marix, que corresponde à matriz geradora, ponto de partida (como a semente germinada), e um status nascendi, isto é, um processo de desenvolvimento (como o tempo de crescimento da planta) (Moreno, 1975).

A noção de saúde mental moreniana está diretamente atrelada à qualidade e à quantidade de papéis desempenhados. A qualidade refere-se à forma como o sujeito desempenha um papel. Quanto mais espontânea e criativamente o faz, mais saudável está. Assim, o embotamento da espontaneidade e da criatividade interfere diretamente no desempenho de papéis, fazendo que sejam desempenhados de forma cristalizada, repetitiva, dentro da conserva cultural. A qualidade deve ser considerada a capacidade de estabelecer um vínculo télico e não transferencial com seu contrapapel, de sorte que, quanto mais relações télicas, o sujeito estabelece mais saudável está. O aspecto da quantidade refere-se ao número de papéis que o ser humano desempenha, representando a quantidade de vínculos nos quais a pessoa está envolvida, contribuindo para sua saúde biopsicossocial.

 

TEPT E RESILIÊNCIA NA PERSPECTIVA PSICODRAMÁTICA

Toda situação traumática é por si só ameaçadora, de forma que quanto mais aversiva a situação a ser vivenciada pelo sujeito, mais poderá comprometer a espontaneidade, a criatividade e a sensibilidade, impedindo o livre desempenho dos papéis. Em situações cotidianas, os seres humanos enfrentam ameaças para as quais são mais ou menos capazes de dar respostas adequadas. Por exemplo: a ameaça que sente o paciente ante um possível diagnóstico a ser dado pelo médico. Essas situações requerem dos sujeitos uma dose de espontaneidade na razão direta de quanto lhes representam a ameaça, a fim de seguirem desempenhando seus papéis. Entretanto, quando a ameaça é muito grande ou quando a espontaneidade está embotada, torna-se insuficiente para que o sujeito manifeste sua criatividade, o que impede ou dificulta o exercício do papel em questão. Isso é exatamente o que ocorre durante um evento aterrador gerando o trauma e, sequencialmente, o TEPT.

O indivíduo poderá lançar mão de determinado papel em socorro ao papel mais atingido. Por exemplo: como o diagnóstico atinge-o no papel de paciente, ele poderá lançar mão do papel de aluno e passar a "estudar" sobre a doença, ou do de filho e pedir "colo" para mãe, a fim de que essa compreensão e esse aconchego minimizem a ameaça e o consequente estresse, fazendo-o retomar sua dinâmica espontânea e criativa. Por outro lado, se o bloqueio da espontaneidade não for revertido, ele poderá, ao se sentir ameaçado no papel de paciente, interferir em outros papéis da vida, tanto profissionais quanto sociais e psicossomáticos. Portanto, o TEPT consiste em grave embotamento da espontaneidade que inviabiliza a criatividade e as respostas adequadas às situações ameaçadoras.

As situações ameaçadoras são referidas como "continuação" da percepção, do sentimento ou do pensamento de "ameaça" quando efetivamente esta já se encerrou. De outro jeito pode ser dito que - por exemplo, uma vivência de quase-morte em razão de uma grave doença pode traumatizar - o sujeito pode manter sintomas compatíveis com TEPT derivados da percepção, dos sentimentos e dos pensamentos de doença mesmo quando esta já não existe mais. O vínculo papel-contrapapel (paciente-médico) está mantido cristalizado em forma de conserva cultural. O comportamento mantém-se conservado pelo embotamento da espontaneidade impedindo que a criatividade se manifeste, de modo que o sujeito (paciente) possa dar uma resposta adequada a uma situação nova - vivência de quase-morte - para não cristalizá-la, e o vínculo não seja transferencial, aqui compreendida como patologia da tele (Moreno, 1975).

Para compreender a resiliência com base no Psicodrama, é necessário resgatar alguns conceitos expostos anteriormente. Um deles é o proposto por Newman e Dale (2005), no qual a resiliência é a "capacidade do ser humano se adaptar no enfrentamento de tragédias, traumas, adversidades, dificuldades e estressores significativos da vida" (p. 227). Esse conceito pressupõe adaptação ao enfrentamento. O enfrentamento nada mais é que uma resposta a um estímulo que não pressupõe a fuga. Em função disso, surge o questionamento: o que efetivamente significa se adaptar ao enfrentamento? Adaptar-se a não fugir? Nessa perspectiva, apreende-se que ser resiliente seria não fugir.

Já conceito de White, Driver e Warren (2008, p. 10), no qual a resiliência é "considerada um constructo multifatorial consistindo de comportamentos, pensamentos e ações, que podem ser aprendidas ao longo do tempo", não traz uma definição precisa do que é resiliência, pois diversos são os constructos multifatoriais que consistem em ações, comportamentos, pensamentos que também podem ser aprendidos ao longo do tempo, como a agressão ou a aprendizagem.

Um terceiro conceito, o de Youssef, McCall e Andrade (2017), para o qual resiliência é uma das "qualidades que permitem à pessoa prosperar face a adversidade" (p. 63), não explicita o significado de "prosperar face a adversidade" (p. 63). Liderança, ousadia, intuição, gosto pelo risco são igualmente qualidades que permitem à pessoa prosperar diante da adversidade. Por exemplo: um empresário diante de adversidades financeiras.

Por último, o conceito de Hoge et al. (2007), no qual a "resiliência não deve ser entendida como uma qualidade fixa ou estática, pois varia ao longo do tempo e de acordo com as circunstâncias" (p. 6). Os autores não definem resiliência e apenas apresentam uma caractererística da resiliência, que é a capacidade de variar temporal e circunstancialmente.

Em contraponto, a compreensão psicodramática dialoga diretamente com significado original da palavra latina em que resiliere significa "recusar vivamente". No Dicionário Michaelis,2 recusar significa "Não aceitar o que é oferecido ou proposto; refusar, rejeitar, renuir ..." e o advérbio vivavente, na mesma fonte, significa "de maneira vívida - intensamente; em que há vivacidade ou sagacidade; em que há vigor ou possui energia - vigorosamente; de maneira viva - em que há rapidez". Logo, resiliência refere-se a declinar, com vigor, à não concessão de forma intensa e à resistência com energia. Portanto, a resiliência, com base na teoria psicodramática, é compreendida como a capacidade humana de, no desempenho de um papel, resistir à deformidade provocada pelo contrapapel (agente estressor) de forma viva, ativa, intensa e com energia, não permitindo que tal deformidade persista naquele papel nem seja transferida para qualquer outro de sua vida, mas, ao contrário, é a capacidade do Eu retornar ao desempenho do papel de forma espontânea e criativa.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 20/11/2018
Aceito: 30/07/2018

 

 

1 Médico romeno considerado o pai do Psicodrama, da Sociometria e da Psicoterapia de Grupo.
2 Retirado de https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/recusar/. Consulta em 02.04.2017.

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