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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.26 no.2 São Paulo jul./dez. 2018

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20180034 

COMUNICAÇÕES BREVES

 

Técnica da negociação: o uso de negociação na técnica de concretização para o alívio da dor

 

Negotiation technique: the use of negotiation in the concretization technique for pain relief

 

Técnica de la negociación: el uso de negociación en la técnica de concreción para el alivio del dolor

 

 

Bruno Parisotto Guimarães

Graduado em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Especializando em Psicodrama pela Profint/SE. E-mail: parisoto@gmail.com

 

 


RESUMO

Poucos são os trabalhos nacionais escritos que abordam psicodrama e dor. Este artigo apresenta a técnica da negociação, uma maneira de se utilizar o psicodrama para aliviar a intensidade da dor. A técnica foi aplicada em 20 sujeitos no formato de atos terapêuticos e obteve bons resultados iniciais. O diretor entrevista a pessoa e sua dor, buscando uma negociação que resulte em um acordo objetivo de ajuda presente ou futura, permitindo o alívio da dor.

Palavras-chave: psicodrama, papéis, negociação, dor


ABSTRACT

There are few Brazilian papers that address psychodrama and pain. This article presents the negotiation technique, a way of using psychodrama to alleviate pain intensity. The technique was applied in 20 subjects in the format of therapeutic acts and achieved good initial results. The director interviews the person and his pain, looking for a negotiation that results in an objective agreement of present or future help, which allows pain relief.

Keywords: psychodrama, roles, negotiation, pain


RESUMEN

Pocos son los trabajos brasileños escritos que abordan psicodrama y dolor. Este artículo presenta la técnica de la negociación, una manera de utilizar el psicodrama para aliviar la intensidad del dolor. La técnica fue aplicada en 20 sujetos en el formato de actos terapéuticos y obtuvo buenos resultados iniciales. El director entrevista a la persona y su dolor, buscando una negociación que resulte en un acuerdo objetivo de ayuda presente o futura, permitiendo el alivio del dolor.

Palabras clave: psicodrama, roles, negociación, dolor


 

 

INTRODUÇÃO

A dor está presente em mais de 70% dos sujeitos que procuram consultórios médicos, gerando custos, que, nos doentes crônicos, atingem 89 bilhões de dólares por ano nos Estados Unidos (Teixeira, Figueiró, Yeng & Pimenta, 1999). Segundo Loduca (2007), há uma escassez de material nacional escrito que relacione dor e psicodrama, de modo que a autora desenvolveu um programa que busca resgatar psicodramaticamente a história de adoecimento do paciente para auxiliar na adesão ao tratamento. No presente trabalho, também unimos psicodrama e dor, mas com foco no alívio da dor por meio da negociação e da concretização dos sintomas.

A técnica da concretização é "a representação de objetos inanimados, partes do corpo e entidades abstratas (vínculo, emoção, conflito) com a utilização de imagens, movimentos, tomada de papel, solilóquios e duplos feita pelo paciente." (Santos, 1998, p. 122). Para Cukier (1992) e Santos (1998), o objetivo da técnica é, normalmente, encontrar cenas passadas que tenham relação com o elemento concretizado, para que a cena seja dramatizada.

Na técnica da negociação não se usa a concretização com esse objetivo de encontrar uma cena passada, mas sim para compreender os motivos da presença da dor e, então, negociar um acordo de ações presentes ou futuras, permitindo o alívio da dor no presente.

 

METODOLOGIA

Este trabalho avaliou a aplicação da técnica da negociação em uma pesquisa qualitativa no formato de atos terapêuticos em sujeitos que relataram sentir dor. Segundo Cukier (1992), "o psicodrama de Moreno consistiu em sua maior parte de atos terapêuticos, e não de terapias processuais, tal qual realizamos hoje em dia." (p. 17). Além disso, Bustos (1974/2005) entende o ato terapêutico como uma "intervenção destinada a investigar e buscar o conflito proposto em uma só sessão." (p. 38), sendo um dos propósitos para sua utilização a urgência psicológica para a elaboração de situações específicas. Assim, vemos a dor como uma urgência psicológica e utilizamos a técnica da negociação no ato terapêutico para ajudar as pessoas com dor.

Os participantes da pesquisa foram pessoas atendidas por conveniência dentre aquelas próximas do autor ou indicadas por estas, que relataram estar sentindo alguma dor. O local de aplicação da técnica era o que estivesse disponível no momento. Assim como Moreno (1946/2011) atendeu muitas pessoas em parques, o mesmo também aconteceu neste trabalho, foi procurado um local que fosse silencioso e afastado de outras pessoas.

A pergunta que esta pesquisa visou responder foi: as pessoas relatam alívio da dor após a aplicação da técnica da negociação? A hipótese, portanto, era que os sujeitos relatariam alívio após a utilização da técnica da negociação. O objetivo geral foi verificar se a técnica da negociação auxiliou as pessoas no alívio de sua dor; e os objetivos específicos foram: descrever os procedimentos de utilização da técnica da negociação e verificar o relato subjetivo relacionado à dor nos sujeitos logo após a aplicação da técnica e novamente após, pelo menos, uma semana do ocorrido. A amostra foi de 20 pessoas, as quais foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Técnica da negociação

A técnica surgiu ao pedir que uma pessoa com dor de cabeça falasse no papel de sua dor buscando compreender o motivo de ela estar presente. A dor relatou que a pessoa deveria dormir, porém, ao inverter o papel, a pessoa disse que precisava terminar um trabalho. Alternando para a dor, esta disse que permaneceria até que a pessoa dormisse. Invertendo, a pessoa falou que, se pelo menos a dor sumisse, ela poderia terminar o trabalho mais rápido e dormir à meia-noite. Em vez de perceber a fala como um desabafo, ela foi vista como uma proposta, então alternou-se para a dor e foi perguntado o que esta achava dessa proposta, e a dor respondeu que gostava e concordava com a proposta. Ao alternar para a pessoa, esta relatou que a dor havia desaparecido. A sessão durou cerca de 5 minutos e permitiu perceber que explicitar os motivos da dor não era suficiente para fazê-la diminuir, era preciso haver uma promessa de ajuda, na qual também poderiam ser consideradas as intenções da própria pessoa, ou seja, era preciso negociar com as partes para que a dor sumisse.

Nessa técnica, o diretor media a negociação, ele não desempenha papéis do sujeito e não usa egos auxiliares. O sujeito concretiza sua dor apenas com o desempenho de papel, mas o objetivo não é encontrar uma cena passada para ser dramatizada, como normalmente ocorre na técnica da concretização, e sim permitir que a pessoa e a dor conversem com a mediação do diretor e cheguem a um acordo. A pessoa quer que a dor desapareça ou diminua e a dor quer algo em troca, e esses interesses serão negociados em um acordo.

Uma sessão costuma iniciar com a pessoa relatando como é sua dor. Então, explica-se que será pedido que a pessoa fale como sua dor e que ficaremos alternando entre a pessoa no papel da dor e a pessoa como ela mesma, com o objetivo de compreender o motivo de a dor estar presente, pois normalmente a dor possui um propósito, para então encontrarmos uma ação que possa ser tomada para ajudar a dor. Pede-se que o sujeito se concentre na sensação da dor, de olhos abertos ou fechados, como for mais fácil, e que avise quando for possível conversar com ele no papel da dor. Esse aquecimento é simples, pois "muitas vezes não há necessidade de 'iniciadores': a dor moral, física ou psíquica supera qualquer artifício, e é ela propriamente o aquecimento-chave." (Almeida, 1998, p. 28).

Geralmente, o sujeito sinaliza que entrou no papel da dor assentindo com a cabeça ou respondendo "Ok". Em seguida, falamos "Olá, dor.", o que auxilia a pessoa a entrar no papel e perceber que deve responder como a dor, algo que não é usual para a pessoa e, normalmente, causa risos. Continuamos com "Como você está aí?", o que ajuda a pessoa a entrar ainda mais no papel dizendo o que a dor está fazendo com a pessoa. Buscamos nesse momento descobrir o motivo pelo qual a dor está presente fazendo perguntas como "Você sempre está aí? / O que fez você aparecer agora? / Existem horas que você está pior e horas em que está melhor? / Tem algo que você queira falar para a pessoa?". Posteriormente, iniciamos a negociação com a pergunta "O que a pessoa poderia fazer para te ajudar?"; depois da resposta, começamos a alternar entre a dor e a pessoa para ver se o acordo está bom para ambas as partes. Durante a troca de papéis, pode-se perguntar "Você ouviu o que o outro disse? O que acha disso?".

A dor pode, por exemplo, pedir que a pessoa beba água, durma, coma alguma coisa etc. A pessoa então responderá se o pedido é possível de ser realizado ou proporá mudanças ao pedido. A negociação deve ser objetiva; por exemplo, caso a dor peça que a pessoa descanse, o ideal seria que esse descanso fosse melhor especificado, como dizer que dormirá à meia-noite, um acordo mais objetivo e que tem mais chances de ser aceito e cumprido.

Caso a pessoa ouça o pedido e aja imediatamente para cumprir o que foi pedido sem terminar a negociação, é possível que a dor permaneça; por exemplo, caso a pessoa escute que o pedido da dor é falta de sono e então vai dormir sem terminar a negociação, a dor pode persistir e dificultar o sono. Deve-se finalizar a negociação, e não apenas encerrar a conversa pela metade.

Caso a dor não relate motivos para estar presente, o diretor pode falar "Dor, eu tenho a impressão de que as dores costumam aparecer com uma intenção positiva, que existe algo bom que você gostaria que acontecesse, mas que não está acontecendo. O que você gostaria que acontecesse?". Caso a dor ainda não saiba o motivo de estar presente, o foco passa a ser como fazer a dor ficar mais confortável: "Dor, eu compreendo que nesse momento você não está conseguindo passar sua mensagem. Existe algo que possa ser feito para que você fique mais à vontade?".

Ao final da negociação pergunta-se "Dor, então o que você está me dizendo é que agora você já conseguiu passar sua mensagem e chegar a um acordo? Você gostaria de falar mais alguma coisa?", então finaliza-se com "Ok, adeus." ou "Então, tchau.", e alterna-se para a pessoa em seu próprio papel. Caso haja mais alguma coisa que a dor gostaria de pedir, então dá-se continuidade à negociação e busca-se um acréscimo ao acordo.

O ato encerra-se perguntando à pessoa como ela está sentindo a dor e o que ela achou da dramatização. Segundo Cukier (1992), no psicodrama bipessoal, deve-se cuidar para que o compartilhamento do terapeuta ocorra a serviço do paciente, portanto, encerramos sem o compartilhar por parte do terapeuta.

 

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A técnica da negociação foi aplicada em 20 sujeitos, sendo 16 mulheres e 4 homens, com idades entre 17 e 71 anos. A Tabela 1 contém um resumo da aplicação da técnica da negociação, descrevendo a queixa, o motivo e o acordo resultante da negociação.

A intensidade da dor diminuiu em 18 das 20 pessoas (90%) que utilizaram a técnica da negociação. Dois sujeitos vivenciaram mais de um ato terapêutico, porém os motivos das dores foram diferentes, mantendo o ato, como citado por Bustos (1974/2005), como uma intervenção que investiga e elabora uma situação específica em uma única sessão.

Segundo Moreno (1934/1978), a espontaneidade é o que "impulsiona o indivíduo em busca de uma resposta adequada a uma nova situação ou a uma nova resposta para uma situação antiga." [tradução nossa] (p. 42), e para que o indivíduo crie novas respostas ou enfrente novas situações, ele deve fazer uso da criatividade. A dramatização pela negociação permitiu explorar a capacidade espontânea e criativa dos indivíduos, uma vez que se a dor era uma situação nova, o indivíduo buscou uma resposta adequada para lidar com ela; se era uma situação antiga, ele buscou uma resposta nova que trouxesse alívio.

Para Moreno (1946/2011), tele é a ligação entre pessoas que estimula as relações interpessoais sadias e estáveis, por meio do conhecimento da situação real do outro. O autor ainda diz que a autotele são as relações télicas da pessoa com os papéis que ela desempenha. Assim, compreende-se que a técnica da negociação facilitou a autotele nos sujeitos que obtiveram alívio da dor ao permitir conhecer os motivos de sua dor e estimular uma relação saudável ao negociar um acordo consigo mesmo.

Seis sujeitos utilizaram a técnica sozinhos em momentos posteriores para obter novamente o alívio de dores e cinco pessoas que sentiam dor de maneira recorrente ou crônica modificaram sua relação com ela no longo prazo. Alguns casos que merecem destaque são: o sujeito 2 estava com uma forte dor de cabeça dentro do avião, cujo motivo era fazer a pessoa vomitar, o acordo foi que vomitaria ao aterrissar, isso fez a dor diminuir, a vontade de vomitar passar, não sentindo mais a necessidade de vomitar ao aterrissar; o sujeito 3 sentia frequentemente dor no ombro, mas hoje quando sente a dor e se lembra de que ela existe para avisar que precisa dormir, a dor desaparece sem nem precisar negociar; o sujeito 7 passou a experienciar mais tempo de seu dia sem dor e hoje sente mais incômodo que dor; o sujeito 13, que tinha enxaqueca em todos os períodos menstruais, relatou que nos últimos seis meses não sentiu mais enxaqueca nessa época; o sujeito 17, que estava com dor de dente e gengiva inflamada com uma bolha de sangue perto do siso, o qual deveria ter extraído há mais de 1 ano, chegou ao acordo de que iria ao dentista em até duas semanas para cuidar de todos os dentes, isso fez a dor desaparecer e ela pode até mesmo comer alguma coisa, pois não estava conseguindo nem encostar os dentes; o sujeito 20 disse que o estômago estava bem melhor desde que seguiu o acordo de andar de bicicleta.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho pesquisou a eficácia da técnica da negociação para o alívio da dor, sendo utilizada em sujeitos com dores agudas e crônicas. A hipótese que os sujeitos relatariam alívio da dor foi corroborada por 18 dos 20 sujeitos.

Alguns sujeitos utilizaram a técnica sozinhos em situações futuras e outros relataram que a técnica não só melhorou a dor no momento, como também modificou sua relação com esta e que em momentos futuros, quando a dor normalmente apareceria, ela não apareceu ou se manifestou em menor intensidade.

Como a técnica permitiu aliviar diferentes tipos de dor em muitas pessoas, mais estudos podem trazer novas informações sobre sua eficácia. Pesquisas futuras podem usar escalas de intensidade de dor, questionários de qualidade de vida e avaliar dores específicas.

 

REFERÊNCIAS

Almeida, W. C. (1998). Técnicas dos iniciadores. In R. F. Monteiro. (Org.). Técnicas fundamentais do psicodrama (pp. 27-36). São Paulo, SP: Ágora.         [ Links ]

Bustos, D. M. (2005). Conceitos gerais. In D. M. Bustos et al. O Psicodrama: aplicações da técnica psicodramática (pp. 27-48). São Paulo, SP: Ágora. (Original publicado em 1974).         [ Links ]

Cukier, R. (1992). Psicodrama bipessoal: sua técnica, seu terapeuta e seu paciente (5a. ed.). São Paulo, SP: Ágora.         [ Links ]

Loduca, A. (2007). O Tratamento da dor crônica na minha biografia: um estudo sobre a compreensão psicológica da adesão ao tratamento na Clínica da Dor (Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP).         [ Links ]

Moreno, J. L. (1978). Who shall survive?: Foundations of sociometry, group psychotherapy and Sociodrama (3a. ed.). New York, NY: Beacon House Inc. (Original publicado em 1934).         [ Links ]

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Teixeira, M. J., Figueiró, J. A. B., Yeng, L. T., & Pimenta, C. A. M. (1999). Tratamento multidisciplinar do doente com dor. In M. M. M. J. de Carvalho. (Org.). Dor: um estudo multidisciplinar (2a. ed., pp. 87-139). São Paulo: Summus.         [ Links ]

 

 

Recebido: 04/06/2018
Aceito: 24/10/2018

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