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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.26 no.2 São Paulo jul./dez. 2018

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20180037 

RESENHAS

 

Uma introdução psicanalítica ao trabalho com grupos em instituições

 

A psychoanalytic introduction to working with groups in institutions

 

Una introducción psicoanalítica al trabajo con grupos en instituciones

 

 

Pedro H. A. Mascarenhas

Médico psiquiatra. Psicodramatista didata supervisor pela SOPSP – FEBRAP. Psicanalista membro do departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae - SEDES. E-mail: pedro.mascarenhas@gmail.com

 

 

Castanho, P. (2018). Uma introdução psicanalítica ao trabalho com grupos em instituições.
São Paulo, SP: Linear A-barca. Retirado de http://lineara-barca.com.br/index.php

Na capa do livro, vemos três piões de cores diferentes rodando, um ao lado do outro e atravessando um ao outro. Uma imagem que suscita um rodar vertiginoso, fascinante e intrigante. Até desorientador de nossas concepções mais estáticas e preestabelecidas. Tudo em movimento e se interferindo mutuamente! Uma bela metáfora do pensamento sobre o campo grupal em instituições, desenvolvido neste livro.

Pablo Castanho apresenta ao grande público uma atualização de sua tese de doutorado em Psicologia, sob orientação do professor Luis Claudio Figueiredo, na PUC-SP, defendida em 2012. Ele nos traz a possibilidade de acompanhar seu trabalho de escuta da escuta (p. 15). Seu trabalho está centrado na supervisão de coordenadores de grupo numa instituição, respeitando toda a polimorfia que esse campo apresenta entre nós, ou seja, centrado numa tarefa clínica, com objetivos de aprendizagem. Aqui a aprendizagem é entendida pichonianamente, portanto num sentido amplo. Constata-se a múltipla escuta entre: coordenadores e colegas do grupo de supervisão e também entre supervisor e supervisionados. O trabalho tecido na realidade psíquica comum, partilhada e distinta, cocriada nos grupos, evidencia a polifonia inerente ao trabalho com grupos, como afirma René Kaes no prefácio do livro.

O objetivo geral deste trabalho, nas palavras do autor, é: "propor um conjunto de conceitos-chave que permita pensar e fazer grupos em instituições referenciados na teoria e ética psicanalítica" (p. 43).

É preciso ressaltar o lugar onde ocorrem essas diversas reflexões e experiências relatadas neste trabalho. Esse grupo de supervisão de coordenadores de grupo ocorre em instituições que não pertencem à prática de consultório privado. Portanto estamos fora dos referenciais da clínica psicanalítica padrão. Primeiro porque estamos numa prática grupal psicanalítica, e segundo porque estamos num contexto institucional. A contribuição do autor para essas práticas grupais não padronizadas é significativa. Os três distintos dispositivos de grupo supervisionados, descritos no capítulo 6, que servem de apoio a esse trabalho são: grupo psicoterapêutico num centro de saúde, grupo com mães de adolescentes em situação de privação de liberdade e grupo com mulheres em situação de altíssima vulnerabilidade social.

O trabalho é minucioso e ressalta o caminho de alguns conceitos forjados inicialmente no dispositivo individual psicanalítico, que servem como referências suficientes para articular um consistente pensamento psicanalítico para o campo grupal nas instituições. O trabalho psicanalítico no campo grupal tem muitos pontos de divergência e de convergência em relação ao trabalho individual. Este livro se propõe a ser um olhar crítico dessas questões. Ele narra com clareza a trajetória desses conceitos até o dispositivo grupal psicanalítico e, particularmente, o dispositivo de supervisão. É o caso dos conceitos: alianças inconscientes e sujeito; enquadre e metaenquadre; instituição e organização; dispositivo e processos associativos/escuta; transferências, contratransferências e fantasias; interpretações e manejos. O autor articula esses conceitos com um central: o conceito pichoniano de tarefa. O autor denomina esse modelo de referências conceituais operativas de "lógica do chaveiro". Esses conceitos citados anteriormente são expostos nos cinco primeiros capítulos do livro de maneira detalhada. Segundo o autor, "a 'lógica do chaveiro' é particularmente útil em um campo no qual julgamos haver um excesso de atenção a classificações, tipologias e outros constructos sobre o fenômeno grupal que pouco contribuem para a compreensão de seus movimentos" (p. 369).

O trabalho de Pablo Castanho está de acordo com a tradição do pensamento grupal francês, principalmente de René Kaes, e argentino, principalmente com Pichon. O autor não pensa o grupo como uma totalidade, isto é, o que se chama de trabalho "centrado no grupo". Segundo René Kaes, sua "prática é mais próxima da que reconhecemos como sendo dos grupos centrados em uma tarefa da aprendizagem, inspirada no modelo pichoniano do grupo operativo de aprendizagem e de suas variações ou da prática de grupos com objetos mediadores" (p. 24).

Assim, resgata de Pichon o conceito de tarefa e o articula aos desenvolvimentos psicanalíticos de Kaes e do trabalho com os objetos mediadores de Vacheret.

O autor assinala, acompanhando a literatura a respeito do tema, que o trabalho com os objetos mediadores contribui muito para a restauração da atividade do pré-consciente. Ocorre um "fenômeno de sinergia entre o grupo e o objeto mediador que potencializa ainda mais sua capacidade de fomentar processos de figuração e, portanto, de restabelecer o funcionamento pré-consciente" (p. 390).

O psicodrama brasileiro tem em sua raiz vários pensadores argentinos criados juntos com a escola de Pichon, cujo principal livro sobre o tema se intitula: "Da psicanálise à psicologia social". É baseado principalmente nele, que Pablo desenvolve uma de suas proposições mais originais, apontado pelo próprio autor como um dos pilares de sua pesquisa: a transferência com o objeto da tarefa do grupo, como força de atração para a atualização teatralizada de conflitos, no contexto grupal e institucional aqui e agora.

O autor levanta a hipótese de que tanto a transferência com a tarefa como o trabalho com os objetos mediadores possuem em comum a capacidade de operar uma ligação entre o dentro e o fora do grupo, ligando o contexto institucional e sociocultural ao contexto grupal.

Ainda em relação ao grupo e às instituições, Pablo Castanho lembra que o trabalho com grupos pode funcionar como digestor dos resíduos que estejam depositados nas instituições. Criando, dessa maneira, espaços potenciais, no sentido elaborativo e criativo, seja dos indivíduos, dos grupos e das instituições.

Segundo Maria Inês Assunção Fernandes, no posfácio do livro, o livro trata-se de "uma discussão que toca nos limites do psíquico, do social, do linguístico e, especialmente, do institucional ... uma política do conhecimento: da relação entre o conhecimento científico e as práticas clínicas e institucionais, ou seja, da relação entre saber e poder" (p. 397).

Inúmeros são os paralelos e as visões críticas compartilhadas de várias questões com a teoria e a prática psicodramática com grupos, especialmente com o Psicodrama Público.

Vale a pena a leitura desse trabalho e a troca de experiências. Recomendo!

 

 

Recebido: 02/12/2018
Aceito: 02/12/2018

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