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Revista Brasileira de Psicodrama

On-line version ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.27 no.1 São Paulo Jan./June 2019

http://dx.doi.org/10.15329/0104-5393.20190002 

DOI: 10.15329/2318-0498.20190002
Artigos Originais

 

Sociodrama: método ativo na pesquisa, no ensino e na intervenção educacional

 

Sociodrama: an active method in research, teaching and educational intervention

 

Sociodrama: método activo en la investigación, en la enseñanza y en laintervención educativa

 

 

Maria da Penha NeryI*; Júlia Villela Teixeira GislerII

IAssociação Brasiliense de Psicodrama e Sociodrama. Universidade de Brasília, Departamento de Psicologia e Cultura – Brasília/DF - Brasil ORCID: 0000-0002-0100-0913
IIAssociação Brasiliense de Psicodrama, Faculdade 7 de setembro, Departamento de Psicologia - Brasília/DF - Brasil ORCID: 0000-0001-8270-9483

 

 


Resumo

Neste artigo, as autoras apresentam o sociodrama como um método ativo por excelência, por ser um método de ação e vivencial para o ensino, a pesquisa e o serviço à comunidade; aprofundam conceitos sobre grupos e fenômenos grupais coletados em suas pesquisas; expõem os desafios do educador como um terapeuta social; e fazem reflexões teórico-práticas de suas intervenções em diversas instituições e áreas do conhecimento. As autoras também demonstram, em uma pesquisa sobre a inclusão de negros na universidade, como o surgimento de papéis sociais interfere nas relações de poder na sociedade e explicita a necessidade de desenvolvimento do diálogo empático; e apresentam como a prática sociodramática na educação possibilita o manejo de conflitos e a criatividade no contexto socioeducacional

Palavras-chave: sociodrama, grupos, educação, pesquisa qualitativa, método ativo


Abstract

In this article, the authors present sociodrama as an active method par excellence, as an action and experiential method for teaching, research and service to the community; discuss concepts about groups and group phenomena collected in their researches; expose the challenges of the educator as a social therapist; and make theoretical and practical reflections of their interventions in various institutions and knowledge areas. The authors also demonstrate, in a research on the inclusion of blacks students in the university, how the emergence of social roles interferes in power relation in the society and explains the need to develop an empathic dialogue; and present how a sociodramatic practice in education enables the management of conflicts and the creativity in the social and educational context.

Keywords: sociodrama, groups, education, qualitative research, active method


Resumen

En este artículo, las autoras presentan el sociodrama como un método activo por excelencia, por ser un método de acción y vivencial para la enseñanza, la investigación y el servicio a la comunidad; profundizan conceptos sobre grupos y fenómenos grupales recogidos en sus investigaciones; expone los desafíos del educador como un terapeuta social; y hacen reflexiones teórico-prácticas de sus intervenciones en diversas instituciones y áreas del conocimiento. Las autoras también demuestran, en una investigación sobre la inclusión de negros en la universidad, cómo el surgimiento de papeles sociales interfiere en las relaciones de poder en la sociedad y explicita la necesidad de desarrollo del diálogo empático; y presentan cómo la práctica sociodramática en la educación posibilita el manejo de conflictos y la creatividad en el contexto socioeducativo.

Palabras claves: sociodrama, grupos, educación, investigación cualitativa, método activo


 

 

Quando falamos em método ativo para o ensino, a pesquisa e o serviço à comunidade também nos remetemos ao desenvolvimento do papel do educador como um terapeuta social. Somos educadores que constantemente nos conhecemos ao trabalhar com grupos e indivíduos. Ajudamos as pessoas a lidarem com suas dimensões afetivas e de poder, ao aprofundarmos temas que se entrecruzam em torno do ser em relação e do conhecimento.

Como educadores-terapeutas sociais, necessitamos aprender métodos socioeducativos que sejam efetivos tanto na tarefa de ensino-aprendizagem, como nas intervenções em situações-problemas no ambiente escolar, organizacional ou comunitário.

Neste artigo, abordaremos o sociodrama, um método de ação – criado por J. L. Moreno (1974) – importante para o educador avançar em sua prática educativa e social. O sociodrama busca, vivencialmente, ampliar a criatividade dos participantes do grupo. É um método ativo que articula o modo de ser e de pensar de cada um com suas possibilidades de aprendizagem e de resolução de problemas.

Em síntese, a ação sociodramática acontece em um encontro que contém um contínuo aquecimento para as interações e de seus temas, com a plateia e os protagonistas, desde o aquecimento inespecífico, passando pela dramatização, para o compartilhamento das emoções, dos conteúdos e das experiências e para o processamento teórico do que ocorreu no encontro.

No sociodrama, há o cenário, que é o espaço para a ação, onde a realidade suplementar facilita a vivência e as interações criativas para a busca da aprendizagem vivencial e coconstruída; dessa forma, o sociodrama é um método ativo por excelência.

O sociodrama surge como um método vivencial, embasado por teorias de grupo (a socionomia) e está dentro da sociatria, ou seja, do tratamento dos grupos (Moreno, 1972; Nery & Conceição, 2012). Na perspectiva teórico-espistemológica da socionomia, o educador não só considerará os papéis de educando ou de colegas, mas também olhará as pessoas presentes, para transmitir conteúdos e mediar as relações. A busca é a de desenvolver, por exemplo, a construção coletiva do conhecimento, a valorização do saber pessoal e local, o aprender constante e vivencial, a convivência com a diversidade, o confronto construtivo e o diálogo empático. A função de socioterapeuta pode ser desempenhada por um profissional de qualquer área do conhecimento, após uma especialização em psicodrama.

O sociodrama pode ser usado como metodologia ativa de ensino, em que o aluno vivenciará os conteúdos curriculares por meio, por exemplo, de cenas, personagens, interações, demonstrações concretas de abstrações. A aprendizagem vivencial é coconstrutiva: todos participam ativa e criativamente do processo educacional. Nessa aprendizagem está presente o fomento do respeito ao saber e ao ser do outro, como indivíduo único e singular, que com seu jeito de ser contribuirá para as tarefas grupais. Busca-se o treino de papéis profissionais, com o diálogo empático, o processo inclusivo. Remetemos o leitor ao capítulo 11 do livro “Intervenções grupais: o psicodrama e seus métodos” (Nery & Conceição, 2012).

Entretanto, além de ser uma metodologia sociodramática de ensino, é necessário compreender que Freire (1976) nos apresenta o “educador” como um interventor ou um trabalhador social. Nessa função, a ferramenta do sociodrama é um excelente método ativo socioterapêutico.

Em nossa função socioterapêutica, nós, educadores, precisamos reconhecer e rever as dinâmicas de poder, as quais cotidianamente reproduzimos com as condutas aprendidas em nossa história de vida e na sociedade (Foucault, 2002; Nery, 2014).

Moreno (1974) nos aponta as relações de poder presentes na afetividade intergrupal, ou seja, na hierarquia socionômica. A exclusão ou a não inclusão sofrida por determinados indivíduos e grupos na sociedade, incidindo na convivência humana por meio das relações de atração, repulsa ou indiferença. Essas são as posições afetivas dos indivíduos nos grupos e dos grupos na sociedade, vistos pela ciência da sociometria.

A constante revisão da prática do socioterapeuta é importante, pois pode acreditar que está emancipando indivíduos e grupos de suas opressões e desigualdades, mas, na verdade, pode estar à serviço de sua marginalização, como um efeito de poder (Popkewitz, 2001).

Para Moreno (1974), os papéis sociais contêm nossa cultura e expressam nosso eu no contato humano. A matriz de identidade nos traz a cultura em conservas culturais: ideologias, valores e crenças presentes a todo instante em nossas relações. A aprendizagem humana flexibiliza a rigidez das identidades e suas conservas culturais. A isso, o autor chama de espontaneidade-criatividade. O processo da identificação também contribui para a experiência da flexibilização da identidade, pois ampliamos o contato com o outro e temos mais oportunidade de compreender suas experiências na vida.

Em 2008, observamos a repercussão de um novo papel nos processos identitários dos grupos sociais. Realizamos uma pesquisa de doutorado, na Universidade de Brasília (UnB), sobre a interação afetiva entre estudantes num processo de inclusão racial (Nery, 2008). Dirigimos sociodramas com os grupos participantes (na época “cotistas” – estudantes que entraram na universidade por meio das cotas para negros – e “não cotistas” – aqueles que ingressaram pelo sistema universal). Dramatizamos as cenas e as analisamos por meio de análise de informação (González-Rey, 2002), buscando indicadores, categorias e zonas de sentido.

Uma das cenas analisadas foi a de uma estudante branca, que não entrou na universidade em seu primeiro vestibular por causa da implantação, naquele ano, da política racial afirmativa. Ela ficou desesperada, triste, se sentiu injustiçada e criticou o sistema de cotas. Nessa cena, os negros mostraram sua indignação e seu medo da discriminação e das cobranças, questionaram as críticas e apontaram a importância do sistema. Outros participantes, no papel de estudantes ou de professores, expressaram sentimentos, como descaso e indiferença, e atitudes a favor ou contra o sistema. A cena encerra com o negro expressando o sofrimento que viveu para chegar onde chegou, alguns estudantes demonstrando compreensão e a estudante branca ainda com sentimentos de injustiça.

Por meio do sociodrama, observamos que, no processo de inclusão racial na UnB, o processo identitário foi explicitado para que se destacasse socialmente um dos grupos sociais: os negros. A explicitação da identidade dá voz aos grupos sociais para lutar por seus direitos. Os novos papéis sociais de “estudante cotista negro” e “estudante não cotista” produziram a experiência da identidade radical e do ocultamento da identidade (Nery, 2008).

A identidade que se tornou radical acirrou as relações de poder agressivas e foi demonstrada em falas por parte dos brancos, por exemplo: “todos são negros no Brasil” e “não há exclusão racial no País”, ou nos sentimentos de descaso, de raiva, de indiferença em relação ao tema e de injustiça.

A experiência do ocultamento da identidade do negro enfraquecia a politicidade, ou seja, a compreensão e a participação política desse grupo socialmente excluído. Essa vivência pode ser demonstrada em falas, por exemplo: “não vou dizer que passei por cotas” e “não participarei de debates sobre inclusão racial”, por parte dos negros ou em comportamentos de ficar isolado, evitar se expor. Ainda expressavam suas ansiedades e suas autocobranças excessivas de excelente desempenho acadêmico. Os processos afetivos de antiempatia ou de descaso em relação ao sofrimento do negro no encontro sociodramático avançaram para a empatia, com a compreensão das realidades de cada um no processo inclusivo, com o compartilhar das emoções e o início da distribuição de poder.

Essa pesquisa na Universidade de Brasília nos ajudou a compreender como um novo papel surge na sociedade e demonstra o que Naffah Neto (1997) nos afirmara: os papéis sociais são históricos, pois reproduzem as relações de conflitos sociais. Em nosso caso, eles reproduzem a tipicidade do racismo brasileiro de silenciar o negro, distorcer a história e os manter excluídos de acessos educacionais e de melhores cargos na sociedade (Santos, 2007).

Analisamos outros sociodramas que realizamos em instituições de ensino e órgãos públicos, focando as relações de poder, a convivência com as diferenças, a mediação de conflitos nos grupos, o manejo de situações-problemas e as cenas temidas dos participantes.

Em uma escola em Camboriú, Santa Catarina, em junho de 2017, trabalhamos as situações-problemas das professoras do ensino fundamental. Pedimos para as professoras falarem sobre as cenas mais difíceis que enfrentavam na escola. Elegemos três cenas, e a diretora pediu, na primeira cena, que os três egos auxiliares treinados em psicodrama fizessem os papéis principais. Aos poucos, as professoras começaram a entrar nas cenas, ajudando os egos a fazerem os personagens ou desempenhando novos personagens.

Uma das cenas trabalhadas foi a dificuldade de uma professora em lidar com a agressividade de um dos alunos. Ele a ofendia verbalmente, ofendia os colegas e perturbava sua concentração nas tarefas. O ego auxiliar fez o personagem conforme o que foi dito sobre o aluno. Ao aprofundar a intuição sobre o personagem, o ego expressou sua angústia de querer ser visto, mas sempre o criticavam, e falou também de seu sofrimento em casa.

Pedimos para a plateia se imaginar no lugar dele e perguntamos o que ele precisava. Várias pessoas da plateia disseram: “me olhem”, “vejam que tenho capacidade” e “me considerem”. Algumas professoras tentaram estratégias para que seu cuidado fosse mais efetivo diante da necessidade de ser visto do aluno. E o protagonista e alguns participantes da plateia fizeram duplos (se imaginando no lugar do protagonista) dizendo se aquela intervenção o ajudava ou não.

Em um momento, a diretora pediu para que todos os que estavam na cena, alunos e professores, pegassem uma folha e imaginassem algo ou alguém para quem gostariam muito de expressar uma indignação ou uma raiva. E fizessem o que quisessem com aquela folha. Os egos auxiliares ajudaram a dar expressividade às emoções. Ao ver todos juntos expressando a raiva, o protagonista também expressou a sua, que era contra o pai que nele batia e o humilhava. E, ao final, todos juntos falaram que ele não estava mais sozinho e que também todo mundo sofria alguma dor.

No compartilhar, os participantes falaram que a raiva também pode ser um pedido de ajuda, de atenção e que geralmente não buscamos ver o significado de sua expressão. Eles ainda disseram que complementamos a raiva do outro também com raiva, com castigo ou com medo de não dar conta da tarefa daquele dia, e isso geralmente aumenta a tensão e o conflito. E falaram também da necessidade de ter um momento para um olhar mais cuidadoso para o que ocorre, pois isso ajuda a melhorar as relações.

Nesse sociodrama, a sociometria, até então, era de exclusão daquele que “causava problemas”. No entanto, com o rodízio da experiência dos personagens, com o compartilhar de emoções e dificuldades e com o treino de estratégias, ampliaram a percepção de possíveis soluções à situação-problema.

Nesses trabalhos, também encontramos a lógica afetiva de conduta (Nery, 2014), ou seja, as crenças e a maneira que temos para conseguir afeto ou expressar a frustração pelo afeto não recebido nas relações e nos grupos. Pedro (o aluno agressivo) dizia: “eu agrido para vocês me perceberem ou me darem importância!” e “Vocês não me entendem, então não obedeço!”. E os colegas e os professores se irritavam, criticavam ou agrediam, como o pai autoritário agia com ele. Na medida em que compreendemos Pedro, podemos dar a ele o que precisa, sem estar na relação direta de sofrimento, mas na relação criativa, em que ele recebe atenção e cuidado de forma mais adequada.

Outro exemplo de intervenção institucional ocorreu em um setor de um órgão público. Durante dez encontros, trabalhamos os processos de trabalho, os sofrimentos e as relações de poder. Em um dos encontros, trabalhamos o exercício de poder, aquecendo as pessoas a pensarem nos momentos difíceis das relações de poder que exerceram e das que exercem, bem como nas relações em que se submeteram ao poder de alguém. Pedimos para que escolhessem uma situação e se observassem nessas relações. Depois, os participantes comentaram as cenas e votaram em algumas para serem dramatizadas. Vejamos o exemplo da cena do chefe que exigia rapidez em relação a um trabalho, de forma arrogante e autoritária.

Foi pedido que as cenas das pessoas se tornassem cenas de todos participantes, com a recriação dos scripts dos personagens pela plateia, ou seja, não seria mais apenas o personagem de uma pessoa que o relatou. Esse procedimento contribui para que o método saia da vertente psicodramática (trabalhar o protagonista que clama pelo grupo) para o sociodrama (a cena é montada por todo o grupo, quando todos se expõem diante de um problema comum).

A cena do chefe foi composta de um cenário em que uma pessoa ficava em cima de uma cadeira, desempenhando o chefe que, com postura autoritária, exigia trabalhos, resultados e os criticava de diversas formas, e a subordinada que ficava de pé, mas com olhar rebaixado, segurando as mãos nervosamente, e se sentia amedrontada e ameaçada. A subordinada tentava dizer que estava acumulada de trabalhos, que os prazos eram curtos e que não tinha pessoal para ajudá-la. Mas o chefe não a ouvia. Foi pedido para algumas pessoas da plateia ficarem próximas do chefe ou da subordinada, para reforçarem as falas dos personagens. Vieram várias pessoas e foi pedido que ampliassem os sentimentos presentes nos personagens.

Fizemos inversões de papéis e a subordinada, no lugar do chefe, começou a dizer que agia assim por medo, se sentia ameaçada se não entregasse os trabalhos a tempo para o chefe superior. Também se sentia oprimida, entre dois lugares e que não pensava quanto essa tarefa exigia habilidades pessoais para lidar com pessoas e com tanta pressão. Uma pessoa da plateia foi fazer o papel do chefe superior e agia da mesma forma que o chefe imediato. A subordinada voltou para seu papel e pediu ajuda para outros servidores, para argumentar e expor o que lhe ocorria, o sofrimento, e que todos estavam adoecendo no setor. Foi pedido para a plateia conversar com os personagens, expressar sentimentos e fazer propostas.

Nos comentários finais, todos expuseram quanto somos reforçados, na sociedade, a exercer poder dentro dessas funções de ameaças, fazer exigências em boa parte por medo de não dar conta, ou com o autoritarismo, derivado da insegurança.

Uma pessoa da plateia disse que compreendeu um pouco mais sobre os assédios que sofria, as seduções carregadas de ameaças e a necessidade de pedir ajuda e de impor limites. Fizemos sua cena e ela expressou sua indignação para seu chefe, disse que ela era mais importante que o trabalho e decidiu ir embora. Outra pessoa fez a mesma cena e gravou uma conversa. Disse para o chefe que não admitia mais aquele assédio, mas mesmo assim ele continuou e então ela abriu um processo administrativo com suas provas. A plateia disse para os personagens seus sentimentos e propôs novas estratégias em relação ao tema.

O feedback dos participantes em relação a esse sociodrama foi sobre a importância de tentar fazer diferente como chefe e subordinados, refazendo as conservas culturais do autoritarismo, da ameaça, da vigilância, para a distribuição de tarefa, confiança e respeito.

Em outro encontro, trabalhamos o levantamento de problemas e possíveis alternativas. Usamos dois jogos dramáticos: o “dos porquês”, que consiste em uma tabela em que é colocado um problema em uma coluna, na outra coluna o porquê que ocorre esse problema, na outra o porquê desse porquê e mais duas colunas assim (são quatro colunas de porquê do porquê), e a próxima coluna é a que traz possíveis soluções, ações e prazos. A reflexão dos problemas foi intensa, assim como ficaram contentes com as propostas nunca até então pensadas pelos membros do setor. Fizemos sociodramas com cenas relativas às resoluções propostas, com o treino de papéis e atitudes para as tarefas.

Outro trabalho foi o de abordar um tema polêmico explorando seus prós e contras. Colocamos um papel pardo amplo de um lado (para serem colocados argumentos a favor do tema) e outro de outro lado (para serem colocados argumentos contra o tema). A plateia foi aquecida em dois grupos, o grupo a favor e o grupo contra, para as pessoas se imaginarem como pessoas que pensam com as respectivas atitudes. Depois pedimos para os subgrupos inverterem os papéis e os reaquecemos nos sentimentos e nas atitudes nesse novo momento. Nos personagens favoráveis e desfavoráveis, eles escreviam os argumentos nos papéis pardos. Logo em seguida, pedimos para as pessoas voltarem a serem elas e olharem à distância, pensarem e escreverem conclusões em subgrupos. Também essa técnica ajudou a equipe a se rever e elaborar novas estratégias em relação a alguns temas do setor.

No sociodrama, portanto, o diretor pode usar vários recursos, procedimentos e manejos para ajudar os grupos e seus subgrupos, considerando o histórico, a dinâmica, os padrões grupais, os conteúdos coinconscientes e a demanda do grupo.

Essa intervenção no setor do órgão público contribuiu para a criação conjunta de novas respostas a problemas antigos que lá ocorriam. Também repercutiu no órgão, pois os chefes fizeram relatórios mais elaborados de suas necessidades no setor para os chefes superiores, com o objetivo de melhoria nos resultados e com menos doenças do trabalho. Pudemos observar que a sociometria também foi aprofundada, com o aumento da coesão grupal e do reconhecimento dos membros do setor.

No Brasil, muitas pesquisas usam o psicodrama ou outros métodos de ação para analisar as relações nos fenômenos a serem estudados. Por exemplo, Godin (2016) realizou a pesquisa “Psicodrama pedagógico: pesquisa intervenção com crianças com queixa escolar”, a qual se trata de uma pesquisa-intervenção, em que o trabalho psicopedagógico associado ao método psicodramático viabilizam que as crianças se expressem e se percebam como sujeitos operantes no meio, podendo transformá-lo em função de suas ações.

O artigo de Ferracini (2018) “Pesquisa qualitativa e Psicodrama: desenvolvendo profissionais na docência e assistência em saúde” traz o estudo com mestrandos e graduandos nas diversas profissões em saúde, em seu desenvolvimento acadêmico-profissional.

Vale (2009) apresenta a pesquisa “Contribuição do teatro espontâneo em pesquisa com jovens de uma escola pública”, a qual se trata de uma pesquisa sobre os sentidos da experiência escolar para os jovens alunos de EJA – Educação de Jovens e Adultos – de uma escola pública de Belo Horizonte. E conclui que o teatro espontâneo é um método que complementa outros procedimentos da pesquisa participante, o qual foi percebido pelos jovens como um espaço relevante de experiência escolar e de subjetivação juvenil.

O levantamento bibliográfico feito por Branco, Farias, Carpes e Leite (2015) é digno de nota, em “Produção de artigos em Psicodrama no Brasil: revisão sistemática”. Foram revistos 98 artigos, (96-2014) teóricos, com hegemonia de discussões clínicas, concentração de publicações em um periódico e ampla difusão de filiações nacionais e estrangeiras relacionadas aos autores que produziram artigos sobre o psicodrama.

Observamos poucas pesquisas na área clínica e questionamos: será que quem escreve na área clínica não identifica sua produção como pesquisa? O artigo de Branco et al. (2018) apontou também uma concentração de textos e pesquisas sobre psicodrama na Revista Brasileira de Psicodrama, o que traz a inquietação diante da necessidade do psicodrama se demonstrar como método científico de pesquisa e se tornar mais na academia e na sociedade.

Nery, Costa e Conceição (2006, p. 305) apontam que “o sociodrama é um método de pesquisa interventiva, que busca compreender os processos grupais e intervir em uma de suas situações-problema, por meio da ação/comunicação das pessoas”.

Em resumo, observamos que a pesquisa com métodos de ação, em particular o sociodrama, epistemologicamente permite o encontro, ou seja, o pesquisador se insere no contexto da pesquisa e entra em relação direta com os participantes, preservando suas funções principais de observador e analista. E ainda:

 

a. Mostra os papéis sociais como unidade de pesquisa possível de ser observada.

b. Os métodos de ação (sociodrama, psicodrama, teatro espontâneo e outros) têm também a função de intervir, trazendo a característica do estudo uma pesquisa-intervenção.

c. O “sujeito” da pesquisa é, na verdade, um cocriador e produtor de conhecimento, por isso tem também status de pesquisador. Há a necessidade de se observar a importância do conceito de protagonista e de sua identificação e dos temas protagônicos, no processo sociométrico e sociodinâmico, conjugado com o desafio de registros e transcrições.

d. O psicodrama contempla histórias, crenças, afetos, e expõe isso não apenas pela fala, mas também pelos comportamentos, pelas posturas e pelas dinâmicas grupais.

e. A análise dos dados pode ser feita conjugando a análise de discurso, de informação, de conteúdos, de imagem, mas vai além com a análise da cena, de diálogos, personagens, comportamentos e atuações no campo social, grupal e dramático.

f. O sociodrama abre espaço e possibilita que outros métodos de pesquisa qualitativa sejam utilizados na mesma pesquisa, trazendo complementações de metodologias que usam como unidade o discurso dos participantes.

g. E, como desenvolvido neste artigo, o sociodrama se apresenta como uma ferramenta a pesquisadores e educadores.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nosso ofício de educadores socioterapeutas, atuamos como trabalhadores sociais (Freire, 1976). Usamos diversos métodos para conquistar nossos objetivos no processo de ensino-aprendizagem e de emancipação de grupos e de indivíduos. Nós e nossos métodos estamos inseridos na cultura, somos artefatos culturais e corremos riscos de contribuir para a manutenção do status quo, para o conhecimento reprodutivo, sem criatividade, para o sofrimento coletivo e para a alienação. Por isso, é fundamental criticar de onde derivam e para onde vão nossas ações, em nossas produções culturais, sociais e educacionais.

O educador como terapeuta social usará o sociodrama, um método ativo, que pode favorecer a aprendizagem vivencial, a pesquisa-ação e com compromisso ético em relação aos conteúdos acadêmicos. Trata-se de uma ferramenta que possibilita a vivência dos conteúdos, o diálogo empático e a aprendizagem interpessoal e intergrupal. Auxilia o educador a se tornar um interventor social que facilita a criação coletiva e a imaginação na realidade suplementar. Nessa realidade, ele ajuda a flexibilizar as identidades com o encontro de culturas.

Em sua utopia, Moreno (1974) apostou em nós para nos criarmos recriando a sociedade e apresentou o sociodrama em que a expressão do eu e o ser com o outro são valorizados. Dessa forma, fica o convite para os profissionais que trabalham com pessoas e grupos se especializarem nesse método e continuarem a criação que ele permite.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 30/10/2018
Aceito: 5/2/2019

 

*Autora correspondente: mpnery@gmail.com

 

Maria da Penha Nery. Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Psicodramatista e Supervisora em Psicodrama pela Federação Brasiliense de Psicodrama. Autora de livros de Psicologia e Psicodrama, dentre eles: “Vínculo e Afetividade” e “Grupos e Intervenção em Conflitos”.

Júlia Villela Teixeira Gisler. Psicóloga clínica formada pela Universidade de Brasília (UnB). Psicodramatista em formação pela Associação Brasiliense de Psicodrama e Sociodrama (ABP).

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