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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.27 no.1 São Paulo jan./jun. 2019

http://dx.doi.org/10.15329/0104-5393.20190003 

DOI: 10.15329/2318-0498.20190003
Artigos Originais

 

Jogos psicodramáticos no processo de ensino-aprendizagem

 

Psychodramatic games in the teaching-learning process

 

Juegos psicodramáticos en el proceso de enseñanza-aprendizaje

 

 

Terezinha Tomé BaptistaI

IDepartamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae – São Paulo/SP - Brasil ORCID: 0000-0003-3601-5637  e-mail: t.tome.baptista@gmail.com

 

 


Resumo

A metodologia psicodramática é essencialmente um método ativo. Psicodrama significa ação, manifestada nas inter-relações sociais em clima descontraído, favorecendo liberdade de expressão para emissão de respostas novas, criativas, adequadas a diferentes situações. A aplicação do método no processo ensino-aprendizagem, via jogos dramáticos e atividades espontâneas, garante efeitos pedagógicos acima do esperado, porque ameniza o poder contido na inter-relação hierárquica entre professor e alunos. Os participantes vivenciam, incorporando em clima de baixa tensão, os conceitos estudados e os aplicam no cotidiano social. Neste artigo, propomos descrever intervenções focadas em aprendizagem, levantando hipóteses teóricas acerca de como o método opera, seu efeito na qualidade do repertório de respostas, na ampliação da capacidade perceptiva dos envolvidos em suas diversas relações: aprendizaprendiz, aprendiz-professor, aprendiz-aprendizagem.

Palavras-chave: aprendizagem, cognição, grupo, memória


Abstract

The psychodramatic methodology is, in your essence, an active method. Psychodrama means action carried out in the social interrelations in a relaxed atmosphere, promoting freedom of speech for issuing new and creative responses, adapted to different situations. The application of the method in the teaching-learning process, through dramatic games and spontaneous activities, guarantees pedagogical effects above expectations, because it mitigates the power contained in the hierarchical interrelationship between teacher and students. The participants experience, incorporating in a low-pressure environment and the concepts studied and apply them in everyday social life. In this article, we propose to describe interventions focused on learning, raising theoretical hypotheses about how the method works, its effect on the quality of the repertoire of responses and on the expansion of the perceptive ability of  those  involved in their various relationships: learner-apprentice, learner-teacher, learner-learning.

Keywords: learning, cognition, group, memory 


Resumen

La metodología psicodramática es, en su esencia, un método activo. Psicodrama significa acción manifestada en las interrelaciones sociales en un clima relajado, favoreciendo la libertad de expresión para la emisión de respuestas nuevas, creativas y adecuadas a diferentes situaciones. La aplicación del método en el proceso enseñanza-aprendizaje, a través de juego dramáticos y actividades espontáneas, garantiza efectos pedagógicos superiores a los esperados, porque ameniza el poder contenido en la interrelación jerárquica entre profesor y alumnos. Los participantes vivencian, incorporando el clima de baja tensión, los conceptos estudiados y los aplican en el cotidiano social. En este artículo proponemos describir intervenciones enfocadas en apredizaje, planteando hipótesis teóricas acerca de cómo el método opera, su efecto en la calidad del repertorio de respuestas, en la ampliación de la capacidad perceptiva de los involucrados en las diversas relaciones: alumno-alumno, alumno-profesor, alumnoaprendizaje.

Palabras clave: aprendizaje, cognición, grupo, memoria 


 

 

INTRODUÇÃO

Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. (Delors, 2003)

A epígrafe acima apresenta a descrição completa do que denominamos de trinômio Educação x Aprendizagem x Psicodrama. Trata-se de uma visão global e totalizante do ser humano, em que a aprendizagem não se restringe à aquisição de habilidades nem de técnicas para realizar tarefas ou para compreendê-las em seu funcionamento. Interessa também o desenvolvimento global do ser humano por meio da educação, que leva a diversos aprendizados como:

 

• Contato com a realidade;

• Realização de descobertas;

• Execução de tarefas;

• Valorização e desenvolvimento da personalidade;

• Convivência social, tolerância, resiliência e inclusão social.

 

Este artigo pretende tratar de aprendizagens, no plural, tendo por base a visão totalizante do indivíduo, o que pressupõe o estímulo e a promoção de condições ao aprendiz, para que se enriqueça com aquisições que se encontram nos campos da cognição, da emoção, do afeto, da intuição e da sociabilidade.

Aprendizagem é processo. Aprender é transformar e se transformar. Transformação pessoal resulta em fortalecimento de caráter. Fortalecida, uma pessoa se expande subjetiva, intelectual e socialmente. Aprendizagem é passagem:

 

• De um estado familiar para outro ainda desconhecido;

• De padrões conservados para outros que estão sendo testados ou descobertos;

• Da estabilidade, zona de conforto, para o desafio da novidade.

 

O Psicodrama pressupõe o Ser Humano em sua origem como Ser-de-ação, Ser-social e Ser-espontâneo, e, por meio de suas teorias e suas técnicas, propõe a efetivação e a agilização de caminhos que facilitem o desenvolvimento integral e saudável desse Ser Humano. Os encontros psicodramáticos são preferencialmente grupais. Se não o são, o grupo de formação e/ou de convivência do indivíduo está sempre pressuposto no que se ensina/aprende. Não há possibilidade de se abordar o aprendiz sem considerar seus grupos de referência, destacando-se os de sua origem (familiar ou matriz de identificação), os de convivência (afetiva, profissional e social) ou daquele com que se depara no exato momento do encontro psicodramático. Não é excessivo lembrar a afirmação de Baptista (2014): “é próprio do Psicodrama a ênfase no fato de que cada indivíduo representa um grupo” (p. 125).

 

O Jogo Psicodramático no processo ensino-aprendizagem

Qualquer processo de ensino-aprendizagem pode ocorrer naturalmente, sem interferências de intenções prévias ou de procedimentos formalizados, programados e oficiais de uma comunidade ou uma sociedade. Numa sala de aula, são oferecidos conteúdos institucionalizados pela cultura e questões padronizadas a serem ensinadas/aprendidas por programas formalizados de ensino. Em uma atividade de passatempo, com destaque para os que envolvem várias pessoas, nem sempre essa clareza está presente – nesse caso, destacam-se o lazer, o hobby, a disputa e a diversão. No entanto, em um jogo, com suas regras e seus objetivos, se o participante estiver minimamente envolvido, ele angariará novas aquisições como: respeito ao próximo, seguimento de regras, raciocínio lógico, habilidades específicas, convivência grupal, respeito ao próximo e aperfeiçoamento de sentidos. Ou seja, há aquisições culturais, cognitivas, pedagógicas, sociais, afetivas e educacionais num simples jogo, seja lúdico, dramático, esportivo, competitivo – resíduos da cultura presentes em todas as faixas etárias ou grupos de uma comunidade. Afirma Fernandez (2001):

 

Jogar é tomar e não tomar a legalidade das coisas. Jogar é tomar e não tomar a realidade das coisas. Jogar é fazer a experiência de ser autor. É fazer a experiência profunda, trágica e maravilhosa de ser absolutamente diferente de todos os outros e, por sua vez, absolutamente semelhante a todos os outros. . . O jogar abre as portas do pensar e do fazer. (p. 71)

 

Para o participante ou aprendiz, nem sempre se configura a consciência dos diversos aprendidos quando o foco recai no que a vivência propicia de ludicidade, de prazer ou mesmo de competição. Em Psicodrama, especialmente na etapa de Comentários, pode-se privilegiar essa consciência e expansão dos conteúdos apreendidos em determinado jogo, principalmente se este for dramático ou espontâneo e que resulte na produção e na representação de cenas do enredo criado coletivamente no momento do encontro.

Utilizando uma experiência de ensino formal com recursos psicodramáticos, pode-se citar a experiência em uma matéria do curso de especialização em Psicodrama, em que a autora era docente, para ilustrar o envolvimento global dos alunos e a memorização dos conteúdos envolvidos, mesmo depois de certo tempo. Um dos pontos da ementa indicava o Histórico do Psicodrama e Vida de J. L. Moreno, entre os séculos XIX e XX. A proposta da autora era que essa atividade fosse desenvolvida por meio de seminários preparados e apresentados por subgrupos dos alunos que se responsabilizavam por etapas desse histórico. Foi pedido que criassem uma forma psicodramática de apresentação. O envolvimento entusiasmado dos alunos na preparação era visível, embora por vezes demonstrassem certo desconforto pelo que a novidade exigia de mudanças no formato conhecido de realizar essa tarefa. Os seminários, um a cada semana, foram muito criativos, com conteúdo pertinente e destaque para qualidade estética e dramática das cenas que desenvolviam as tramas, com cenários preparados e recursos cênicos (figurinos e materiais) surpreendentes e coerentes com a época histórica representada. Tarefa cumprida, pois houve satisfação geral tanto da docente quanto dos discentes. É importante destacar que cerca de cinco anos depois a autora encontrou um desses ex-alunos num congresso. Num rápido bate-papo na tentativa de recuperar esse tempo de afastamento, ele se lembrou dessas aulas. Relatou ter tido, algum tempo antes, um encontro casual com uma das colegas de seu subgrupo, e que comentaram com certa nostalgia sobre a apresentação que fizeram na época. Esse ex-aluno comentou que: “é interessante que tem coisas que a gente grava e não esquece. Foi marcante aquela atividade”. A vivência pessoal aciona a cognição, contamina o campo afetivo, fixa e prolonga a memória e, por vezes, torna agradável a recordação. Concordamos com a visão de Araujo (1974), que afirma: “O [teatro] em Educação só atingirá seus objetivos se não for uma repetição acomodada, e sim um trabalho de experiência, discussão, avaliação e conclusão” (p. 21).

Em outra experiência, que tinha como objetivo ensinar Teatro Espontâneo a um grupo de alunos em uma abordagem vivencial, com o enredo criado por eles, os personagens envolvidos eram um militar (responsável pela segurança de uma praça pública), um pequeno grupo de músicos e cantores e outro subgrupo composto de uma família (cuja moradia estava na vizinhança dessa praça). Um conflito se estabeleceu entre esses dois grupos e o militar foi convocado para mediar o tumulto. Ambos os lados se defendiam: o grupo de artistas queria tocar e cantar à vontade; “afinal”, argumentavam, “a praça é pública”. A família vizinha exigia a proibição dessa ação, “pois”, argumentavam, “várias vezes perdemos o sono por causa da barulheira desse pessoal”. Durante algum tempo, o militar tentou acalmar a todos, foi agredido verbalmente, acusado pelas duas partes de proteger o outro lado, mas conseguiu sendo paciente e razoável encaminhar um acordo entre todos: foi estabelecido um limite de horário para os artistas que aceitaram, e a família concordou que a proposta era aceitável. Por óbvio, nenhuma das partes considerou ideal o acordo, mas perceberam a necessidade de tolerância e renúncias para uma convivência social efetiva e pacífica. No retorno ao grupo, os atores compartilharam seus sentimentos sobre a vivência, com destaque para o desgaste entre os personagens, a discordância inicial difícil de ser resolvida, a dificuldade de entendimento mútuo e o razoável acordo final. Na fase de comentários, o ator que personificou o militar refletiu:

 

Jamais imaginei representar um militar... foi difícil... mas acho que daqui para frente vou olhar com outros olhos esse profissional... eu tinha um pouco de preconceito... Acho,  pelo que senti durante a dramatização, que ele passa por momentos difíceis e pode ser um mediador importante em conflitos e tensões interpessoais... E deve ser necessário também em outros momentos da vida social.”

 

Esse papel de militar que é um tanto estereotipado socialmente pôde ser ampliado no mundo interno do ator e dos demais colegas do grupo, que se responsabilizaram pela trama no Contexto Dramático. Nas cenas que se desenrolaram no palco, esse ator contou com a permissão grupal e foi guiado pelas exigências do enredo, por sua liberdade e criatividade próprias para compor a performance de seu personagem, refletir e se enriquecer com a percepção de aspectos da vida desse profissional, antes desconhecidos. Blatner e Blatner (1996) ampliam nossa visão ao afirmarem:

 

Um dos princípios básicos da ciência é o de que o raciocínio dedutivo não é suficiente para realmente aprender acerca da vida; é preciso efetuar experimentos. Há um consenso segundo o qual em situações complexas pode haver grande número de variáveis não previsíveis . . . Em questões psicológicas, equivale a afirmar que não bastam apenas discussões verbais para um aprendizado genuíno; seria indispensável uma abordagem multidimensional que permitisse o esclarecimento de problemas e o testar de novas abordagens. (p. 61)

 

J. L. Moreno (2008) professava que o objetivo do aprendizado talvez não consista na precisão do desempenho de tarefas, mas na espontaneidade da organização total do indivíduo, e destacava a importância da coordenação espontânea entre os participantes e na interação indivíduo-grupo quando a ação é conjunta.

Em Psicodrama, parece impossível imaginar situações de aprendizagem sem que haja movimentação de corpos, experimentação de papéis e representações de cenas. No cenário dramático, os participantes reproduzem momentos da vida real ou elaboram situações a partir de suas fantasias. Por meio de imitações da realidade, de cenas imaginadas ou de situaçõesmetáforas-da-vida, os atores vão experimentando, testando, descobrindo formatos, alternativas, sequências e interações relacionais. O baixo nível de tensão, assegurado pelo Contexto Dramático, facilita as execuções novas e criativas, que no desaviso, ensinam comportamentos, ações, reações, possibilidades, interlocuções com personagens originais e enredos inéditos. Sobre a importância do campo relaxado, afirma Kaufman (1992):

 

Há um enriquecimento do campo quando está relaxado, e um empobrecimento quando está tenso. O enriquecimento não se dá apenas no que concerne às possibilidades de conduta, mas também no que diz respeito às relações. No campo relaxado, é possível ao animal desenvolver uma relação multiforme com as coisas . . . . Enquanto que no campo tenso a pressão da meta do instinto ilumina de forma deslumbrante exclusivamente o caminho angustioso e mais curto, deixando o restante na obscuridade; enquanto que a conduta instintiva que se acha sob tensão encontra um “túnel” de ação . . . que se lhe apresenta como o caminho mais curto para alcançar seu objetivo, o campo relaxado vê-se iluminado por uma luz semelhante e se abre a um conjunto polifacético de movimentos. (p. 52)

 

O Contexto Dramático, campo do Como se, assegura regras bastante elásticas e liberais, o que permite que o mundo da imaginação e da fantasia prepondere e concorra em igualdade de condições com o mundo da realidade. A tal ponto que se dilui a diferenciação entre os tempos passado, presente e futuro, que perdem seus estados originais e se simetrizam. Nesse contexto, personagens abstratos ou impensáveis se concretizam; sonhos e fantasias se materializam; a realidade subjetiva se objetifica. Novamente, Kaufman (1992) complementa:

 

. . . o fato de poder jogar, poder atuar no “como se” e, portanto, em campo mais relaxado, favorece uma melhor apreensão da situação vivenciada. Relacionar-se com um personagem não traz, a nível de realidade, o mesmo compromisso implícito existente na presença da [pessoa] de fato (campo tenso). Mais livre e menos ansioso, [o ator] libera maior carga de espontaneidade, essencial na boa interpretação do papel em aprendizagem. (p. 53)

 

Em seguida, na fase de Compartilhamento, de volta ao Contexto Grupal que se pretende ambiente acolhedor, os participantes são estimulados a comentar sobre o que vivenciaram e a relatar a experiência do ponto de vista subjetivo. Nesse movimento de trocas, as pessoas afetam e são afetadas pelos depoimentos e pelas vivências alheias. E com o distanciamento posterior, próprio da fase de Comentários que privilegia o foco cognitivo, cada participante pode destacar e compartir o que aprendeu no momento do encontro e ativar a consciência e a generalização desses conteúdos para a vida pessoal.

Com os recursos psicodramáticos, qualquer matéria que se queira ensinar, no ensino formal ou não, pode tornar a aprendizagem uma experiência de prazer, leveza ou até de diversão. Por exemplo, em um treinamento da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), houve uma solicitação para atender à demanda da indústria que identificara em seus funcionários certa resistência para usar protetores auriculares durante o turno laboral. A empresa solicitava então que se promovesse a sensibilização dos funcionários para essa prática – item de segurança obrigatório por lei para quem trabalha em ambientes ruidosos. Por óbvio, foi utilizada a metodologia do Psicodrama. Inicialmente com um cartaz explicativo por meio de figuras e pequenos textos teóricos, eles foram informados como funcionam as partes anatômicas do ouvido e suas funções na audição. A autora descreveu e demonstrou todo o processo auditivo desde a entrada do som até a chegada ao cérebro e as repercussões no organismo. Depois foi pedido que cada um dos participantes representasse, como personagem, uma parte do ouvido, o som, o cérebro (que discrimina o som em seus detalhes: volume e intensidade) e os protetores auriculares.

Antes da representação propriamente dita, foi feito um rápido ensaio, pois eram atores muito novatos. Já nesse momento foi possível perceber que esses funcionários tinham entendido o processo da audição e o prejuízo que sons exagerados podem provocar em seu organismo. Daí a necessidade de usarem os protetores. A representação “oficial” foi estimulante: cada um tomou o papel de seu personagem e agiu com expressões coerentes, dado que cada componente do ouvido tem uma função e uma ação específicas. A cena que apresentava o som estridente – também transformado em um personagem e representado por um ator – percorrendo todo ouvido até chegar ao cérebro e provocando efeitos estressores no organismo, deixou clara a mensagem de quem representava-enquanto-aprendia. Depois refizeram a encenação, agora com o uso de protetores auriculares. Esse movimento sempre foi acompanhado de risos e inibições, mas o trabalho aconteceu e o objetivo foi alcançado. Não há exagero em concluir que esses participantes: a) se divertiram bastante, o que garantiu que a tarefa fosse leve, com nível mínimo de tensão; b) descobriram sua capacidade de desempenharem papéis de figurantes em uma representação, até mesmo de personagens impensáveis como foram todos esses nesse caso: martelo, bigorna, cérebro, cóclea, som, protetor auricular – ainda que esses personagens tenham sido inusitados, o que exige significativo investimento cognitivo pessoal e disponibilidade grupal especial, os participantes encenaram e mostraram dedicação em sua função inesperada de atores; c) compreenderam com clareza a mensagem necessária; d) memorizaram o conteúdo com mais força do que se tivessem recebido somente a mensagem verbal sobre a importância do uso de protetores auriculares; e) aumentaram significativamente a chance de mudarem seu comportamento anterior. O que é vivenciado, ainda que num clima de como se, portanto de descontração, grava-se com facilidade nas memórias cognitiva, afetiva e corporal. Afirmam Shirahige e Baptista (2003): “A descontração e o envolvimento são ótimos aliados para a memorização e integração de diferentes conteúdos” (p. 176).

Moreno (1975) afirmava que no movimento corporal, vários grupos de músculos são postos em ação, e que a mente é indiretamente estimulada na direção de certos estados emocionais. A autora ainda se recorda da matéria de Biologia, no curso de do Ensino Médio há mais de 40 anos, quando a docente sugeriu em uma das aulas que representassem com o corpo a molécula de DNA, depois de sua exposição verbal didática. Até hoje a lembrança dessa aula é forte e comentada com carinho em encontros com colegas daquele grupo, quando se desviam para recordações dessa época da vida. Estados cognitivos associados com memória afetiva modelam aprendizados que se propagam ao longo do tempo em ambiente de agradável recordação pessoal e grupal. Lembram juntos, com saudades, desse tempo e do conteúdo dessa aula, com afeto especial por essa profissional que, com certa frequência, se utilizava de ferramentas originais para o ensino de sua matéria.

Qualquer atividade humana pode ser transformada num jogo, para efeitos de diversão, competição, demonstração ou vivência. Explicações, reflexões ou ensinamentos podem ser transmitidos formalmente ou por meio de um jogo de personagens. Essa forma coloca os participantes na posição ativa, ou porque literalmente são convocados a agirem na função de atores, dando vida a personagens dentro do Contexto Dramático, ou porque são estimulados a pensarem nas situações de um lugar inédito, de autonomia e crítica. Os participantes nessas condições se mostram mais à vontade para executarem ações e expressarem questionamentos que ampliam o campo da compreensão, pois são estimulados a refletirem sobre aspectos inéditos que um tema desperta. Um recurso expressivo como a dramatização, como colagem, material de reciclagem, desenho, argila, entre outros, facilitam a exteriorização de ideias novas e respostas criativas. Shirahige e Baptista (2003) afirmam: “esses são recursos que facilitam ao aprendiz a autoexpressão e, quando atrelados a determinados conteúdos, revelam a forma de compreensão e de organização intelectual do aluno e permitem a identificação de erros e formas de trabalhar com eles” (p. 176).

Considerando as etapas típicas de um encontro psicodramático (Aquecimento, Dramatização, Compartilhamento e Comentários), valorizamos muito essa última. Porque é o momento onde as pessoas tomarão algum distanciamento emocional do que acabaram de vivenciar e compartilhar, para refletirem sobre todo esse conteúdo, perceberem novas e possíveis reações e generalizarem para sua vida particular cotidiana do Contexto Social. Aqui se caracteriza o momento da conscientização do que se aprendeu e da ampliação para seu crescimento pessoal e relacional. Um participante de um Ato Público anunciava aos demais que representara personagem bastante agressivo em determinada cena, pois assim “escoava sua raiva pessoal reprimida”. Agia dessa forma em cena dramática para que não agredisse assim em sua vida particular. Terminava dizendo algo como “aqui eu sei que posso, é um lugar protegido, porque é teatral... lá fora sofreria consequências e castigos”. Trata-se de uma ilustração exemplar do acting out que Moreno valorizava e traduzia como ato de dramatizar para desdramatizar. A expressão aberta em Contexto Dramático viabilizou no evento citado a catarse e o contato do ator com a própria força da emoção, o que J. L. Moreno (1975) nomeou de introvisão da ação. No Contexto Grupal, fase de Compartilhamento, os relatos de outros evidenciam a repercussão dessa expressão sobre eles e dão referências ao ator. Com certo distanciamento emocional na etapa dos Comentários, a desejada consciência de que os parâmetros de expressão em ambientes do Contexto Social podem ser modulados de acordo com o momento, a situação ou as pessoas envolvidas. Nesse caso, algum aconselhável nível de contenção desse ator na expressão da mesma emoção em seus grupos de convivência social e/ou afetiva, facilitará seus relacionamentos interpessoais e a adequação de suas respostas a diferentes desafios. A noção das regras que modulam cada Contexto, a aceitação e a submissão a elas, o que o ator em pauta mostrava conhecer bem, é um indicativo importante de aprendizagem e respeito às leis básicas da convivência em sociedade. Nas palavras de Anzieu (1962, citado por Fernandez, 2001): “não é suficiente que o sujeito se expresse; é necessário que se descentre. Uma atividade do primeiro tipo (aquela expressiva) produz alívio. Só uma atividade do segundo tipo permite transformar-se...” (p. 25).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aprender é um processo natural que ocorre com a própria vida, se não houver impedimentos de ordem emocional ou ambiental sobre o aprendiz. Aprende-se sempre e a todo o momento por diferentes caminhos, desde os estruturados e sistematizados com objetivos bastante definidos a priori aos informais, conhecimento que se constrói na vida cotidiana. Aprende-se por meio de pessoas, de acontecimentos, de leituras, de aulas, de interlocuções, de vivências diversas, do acaso.

Os conteúdos aprendidos são de várias ordens: cognitiva, afetiva, ética, relacional, social e se integram à vida de uma pessoa consciente ou inconscientemente. Uma das forças do Psicodrama está no fato de facilitar, incentivar e ampliar esses caminhos e tornar a aprendizagem mais ágil, consciente, agradável, memorizável, integrada cognitiva e afetivamente. A metodologia psicodramática, os encontros grupais e a possibilidade de se manter um clima de baixa tensão, com frequência, desarmam os participantes, que se envolvem e se tornam mais criativos e receptivos a novas experiências. Certa ousadia fica disponível para criarem, tentarem e testarem respostas inéditas a situações diversas. Desde o mais cotidiano formato de reação até modelos complexos de conduta podem ser questionados, modificados ou adequados por meio de recursos psicodramáticos. A vivência grupal possibilita a diversidade de olhares a respeito de um mesmo fenômeno ou sobre possíveis respostas, configurando movimentos de descoberta, reflexão e transformação.

O conjunto de métodos e técnicas do Psicodrama é vastíssimo. O número de Jogos Psicodramáticos já criados e testados por diferentes profissionais é grande e o sucesso com a utilização destes, inquestionável. A ludicidade e a versatilidade dos Jogos asseguram um ambiente fértil para a criatividade, a autonomia e a reflexão de participantes que em sua essência são Seres Espontâneos. A proposta moreniana e que torna a missão dos encontros grupais bastante estimulante é que, independentemente do uso, das adaptações e das adequações dos recursos conhecidos, cada coordenador de grupo continue a inventar novos formatos e possibilidades. Além de contribuir com a Cultura de uma comunidade, para todo Ser Humano, criar é uma maneira de se sentir em movimento, com força vital pulsante e produtiva.

 

 

 

REFERÊNCIAS

Araujo, H. C. (1974). Educação através do teatro. Rio de Janeiro, RJ: Editex.

Baptista, T. T. (2014). Etapa de comentários – o exercício do pensamento em status nascendi. In M. P. F. Wechsler, & R. F. Monteiro (Orgs.). Psicodrama em espaços públicos: práticas e reflexões (pp. 125-130). São Paulo, SP: Ágora.

Blatner, A., & Blatner, A. (1996). Uma visão global do Psicodrama – fundamentos históricos, teóricos e práticos. São Paulo, SP: Ágora.

Delors, J. (Coord.) (2003). Educação – um tesouro a descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, MEC/UNESCO (2a. ed.). São Paulo, SP/Brasília, DF: Cortez/UNESCO.

Fernandez, A. (2001). Psicopedagogia em Psicodrama – morando no brincar (3a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.

Kaufman, A. (1992). Teatro pedagógico – bastidores da iniciação médica. São Paulo, SP: Ágora.

Moreno, J. L. (1975). Psicodrama. São Paulo, SP: Cultrix.

Moreno, J. L. (2008). Quem sobreviverá? Fundamentos da Sociometria, da Psicoterapia de Grupo do Psicodrama (Edição do Estudante). São Paulo, SP: Daimon.

Shirahige, E. E., & Baptista, T. T. (2003). Aprender por meio de recursos psicopedagógicos. In E. F. S. Masini, & E. E. Shirahige (Orgs.). Condições para aprender (pp. 173-177). São Paulo, SP: Vetor Editora.

 

Recebido: 6/11/2018
Aceito: 29/5/2019

 

Terezinha Tomé Baptista. Psicóloga. Psicodramatista Didata-Supervisora. Psicoterapeuta.

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