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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.27 no.1 São Paulo jan./jun. 2019

http://dx.doi.org/10.15329/0104-5393.20190010 

DOI: 10.15329/2318-0498.20190010
Artigos Originais

 

Metodologias ativas nas demandas educacionais contemporâneas: uma discussão à luz dos processos constituintes da singularidade humana em Edith Stein

 

Active method in contemporary educational demands: a discussion in the light of constitutive processes of human uniqueness in Edith Stein

 

Metodologías activas en las demandas educativas contemporáneas: una discusión a la luz de los procesos constituyentes de la singularidad humana en Edith Stein

 

 

Luiz Claudio BidoI

IUniversidade de São Paulo – São Paulo/SP – Brasil ORCID: 0000-0002-1084-2792  e-mail: bido.282828@gmail.com

 

 


Resumo

Este artigo tem por objetivo discutir como o uso de metodologias ativas pode se constituir uma resposta às demandas contemporâneas da educação e do conhecimento. Apresenta casos em que a metodologia ativa foi aplicada em alunos universitários, comenta os resultados e os analisa sob o ponto de vista do desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Discute o tema e as experiências apresentadas, utilizando a filosofia de Edith Stein, procurando relacionar o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e a educação por valores com a busca de humanização dos processos de aprendizagem. Os resultados apontam que o uso de metodologias ativas numa perspectiva de desenvolvimento socioemocional pode contribuir para a constituição da singularidade, aspecto fundamental, segundo Edith Stein, da estrutura da pessoa humana.

Palavras-chave: metodologias ativas, valores, Edith Stein, espiritualidade, educação


Abstract

This article aims to discuss how the use of active methods can constitute a response to contemporary educational and knowledge demands.  It  presents cases in which active method was applied to university students, it presents the results and analyzes them from the point of view of the development of social-emotional abilities. It discusses the theme and the experiences presented, using the philosophy of Edith Stein, relating the development of socialemotional skills and the value education, searching for humanizations of learning processes. The results announce that the use of active method from the perspective of social-emotional development can contribute to the uniqueness’ constitution, a fundamental aspect, according to Edith Stein, of the structure of the human person.

Key words: active methods, values, Edith Stein, spirituality, education


Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar cómo el uso de metodologías activas puede constituirse una respuesta a las exigencias contemporáneas de la educación y del conocimiento. Presenta casos en los que se aplicó la metodología activa en los estudiantes universitarios, comenta los resultados y los analiza desde el punto de vista del desarrollo de las capacidades socioemocionales. Discute el tema y las experiencias presentadas, utilizando la filosofía de Edith Stein, buscando relacionar el desarrollo de las habilidades socioemocionales y la educación por valores con la búsqueda de la humanización de los procesos de aprendizaje. Los resultados indican que el uso de metodologías activas en una perspectiva socioemocional de desarrollo puede contribuir a la constitución de la singularidad, un aspecto fundamental, según Edith Stein, de la estructura de la persona humana.

Palabras clave: metodologías activas, valores, Edith Stein, espiritualidad, educación


 

 

INTRODUÇÃO

Este artigo tem o objetivo de analisar como propostas educativas baseadas em metodologias ativas e na educação de valores possibilitam os meios de singularização dos envolvidos nos processos de aprendizagem. Inicialmente, tratará da descrição das formas de relacionamento com o conhecimento na contemporaneidade e apontará para a possibilidade de consideração dos processos ativos como dispositivos para o desenvolvimento espiritual da pessoa humana.

Uma das questões que permeia os projetos científicos do final do século XIX e até meados do XX é: o Homem é um ser da natureza ou da cultura? No pós-guerra, como bem aponta Pain (2009), a Pedagogia considerava apenas uma parte do ser humano: o sujeito epistêmico – o que se dedica ao conhecimento, baseando-se em suas capacidades ou suas habilidades para conhecer. O fato de que ele tem, ao mesmo tempo, uma história, uma trajetória, enfim, um modo próprio de ser, uma singularidade, não era levado em conta.

Um novo contexto é inaugurado ainda no século XX com os conhecimentos sobre o homem e a natureza, advindos da Física Quântica. Em nível quântico, uma partícula qualquer pode ser onda e se propagar pelo espaço, ou poder ser massa e estar submetida à contínua observação, em determinado espaço e momento. E quem determina se uma partícula observada é onda ou massa é o Sujeito que a observa. A partícula natural não tem uma qualidade única em si, mas sua qualidade é construída na relação com o Sujeito que a observa (Eisberg & Resnick, 1979).

 

1. DEMANDAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS E OS PROCESSOS CONSTITUINTES DA SINGULARIDADE HUMANA 

Para a educação, o estudo do comportamento de partículas quânticas possibilita ao Sujeito um protagonismo inédito. Observa-se que o Sujeito não apenas adquire conhecimento, mas mistura-se a ele, transforma-o, na mesma medida em que é transformado. Assim como a partícula quântica que pode ou não ser onda ou matéria, dependendo de quem a observa. Essa descoberta sobre o modo de conhecer modificou a posição do Sujeito que observa e interage com o Objeto, atribuindo àquele muito mais importância. Resgata-se, dessa forma, a subjetividade como elemento importante do conhecimento, especialmente no que se refere às relações possíveis entre Sujeito e Objeto. Além disso, a multiplicidade dos Sujeitos e, consequentemente, das possíveis visões sobre o Objeto, nos leva à compreensão da complexidade envolvida no ato de aprender. O Objeto pode ser muitas coisas, dependendo do olhar que o constitui em determinado momento. Chega-se, portanto, à transdisciplinaridade e à complexidade como formas de conhecimento do Objeto e ao desafio do conhecimento pertinente dentro de um ambiente complexo (Morin, 2001).

Essa mudança epistemológica foi representada por Deleuze e Guattari (1995) com a metáfora da arborescência do saber. Nessa imagem, o saber se distribui a partir de um tronco temático a ser interpretado, tomado em si como realidade. Desse tronco central, ramificações hierarquizam filamentos de saber dispostos a partir do tronco, desenhando-se como uma árvore do conhecimento, cujo fruto é a verdade (Gallo, 2003).  Opondo-se a essa visão tradicional, Deleuze e Guattari propõem a metáfora do rizoma, caules ramificados, emaranhados e complexos.

A educação na contemporaneidade deveria dar conta de compreender o conhecimento como circunstancial e imprevisível. Não se trata mais de compreender a aprendizagem em rede – conceito mais próximo da ideia de um centro organizador do conhecimento – mas de permitir a consideração do destino humano no processo educativo. (Morin, 2001, p. 61)

Parece ser uma das principais tarefas da educação encontrar um dispositivo educacional capaz de apontar para o conhecimento rizomático, transdisciplinar e complexo e, ainda, capaz de levar em consideração o destino humano, que passamos a tomar a partir desse ponto, como autora realização do humano em cada pessoa envolvida no processo educativo. Estabelecendo um diálogo entre Deleuze, Guattari e Morin, deduz-se que uma metodologia capaz de atingir tais objetivos deveria, antes de tudo, atuar com foco no percurso. Não como guia, ou método, mas como experiência de caminhar, de percorrer, possibilitando os movimentos irregulares, hesitantes e erráticos dos aprendentes através do território a ser explorado.

Todavia, considerando a dinâmica e a constante instituição das necessidades pedagógicas, observamos a importância de uma formação baseada em valores e na espiritualidade. Consideramos que não se trata de rebuscar valores conservadores nem de se identificar com o exercício de uma religiosidade específica, mas de compreender que a educação de valores e da espiritualidade se torna, no contexto contemporâneo, um trajeto a ser construído. Não é à toa que Delors (1988) apresentou em seus quatro pilares da educação (aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser) um conjunto de habilidades que apontam para a necessidade de desenvolvimento de habilidades do campo socioemocional.  

Por conta disso, este artigo passará a dialogar também com a filosofia antropológica de Edith Stein, especialmente sua obra Estrutura da pessoa humana (2003). Essa obra permite compreender não só a visão educativa de Stein, mas também a concepção antropológica que lhe dá sustentação. Qual a questão da educação para Stein? Tornar-se autenticamente humano e tonar-se autenticamente si mesmo. Para ela, a educação é a formação do ser humano em sua completude. 

 

2. RELATO DE USO DE METODOLOGIAS ATIVAS COM ALUNOS DE ENSINO SUPERIOR

Apresentamos a seguir dois relatos em que o uso de metodologias ativas – em turmas do Ensino Superior – são analisados, sob o ponto de vista da contribuição que essas metodologias podem proporcionar para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais.

 

2.1 Contexto das experiências relatadas

Trabalhando com alunos universitários, na periferia sul da cidade de São Paulo, percebemos que a falta de acesso à educação de qualidade, nos anos anteriores à universidade, resultou em dificuldade de leitura e compreensão de textos e comprometeu a capacidade de pensamento argumentativo e, talvez, o desenvolvimento de certas habilidades cognitivas gerais.

Em consequência, esses alunos se expressam de maneira lacunar, sucinta e sem clareza, com comprometimento do uso culto da língua. Esse é o contexto dos alunos com os quais se trabalhou neste relato. Eles têm dificuldade em trabalhar com conceitos teóricos, limitam-se a decorar e repetir os conceitos, e parecem ter dificuldade em relacioná-los a outros conceitos, considerá-los em situações diferenciadas, utilizá-los de modo criativo, ampliá-los e, de modo destacado, interiorizá-los para torná-los base de novas e mais amplas visões de mundo. Tratase, portanto, de uma relação com o saber em que se perdeu o sentido, o prazer, o objetivo, o ideal, a relevância de aprender. Não compreendem porquê devem aprender. Não entendem que devem, também, aprender a aprender. Perderam o espírito da educação, que, para eles, não se apresenta como liberdade, descoberta, autonomia ou criatividade.

Segundo Stein (2003), a fagulha divina, responsável pela criação e pelo sentido da vida, obscureceu-se pelos entraves de uma educação desumanizadora. Desumanizadora significando qualquer atitude que afaste o ser humano de seu projeto íntimo como pessoa, que desconsidere tanto sua subjetividade quanto sua originalidade pessoal. Sob a perspectiva da filosofia cristã, desumanizante é qualquer circunstância que impeça a revelação divina como ferramenta educativa.

Apresenta-se, então, a educação como revelação. Nesse contexto, o sentido último da educação encontra-se na revelação da fagulha divina. Por isso, é certo dizer que a energia necessária para o empreendimento de educar-se vem do próprio conhecimento. Se “quanto mais se conhece Deus, mais se deseja conhecer a Deus” (Stein, 2003), o princípio pode aplicar-se ao círculo educativo: quanto mais se aprende, mais se deseja aprender. E, infelizmente, o contrário também é verdadeiro: quanto mais deficiente for a educação, em todos os sentidos, mais dificuldade terá o educando em considerar a educação um projeto desejável.

 

2.2 Relato de experiência

Buscamos resolver as dificuldades dos alunos descritas anteriormente com o uso da aula invertida. Para tanto, os alunos foram convidados a ler um texto indicado em casa e fazer um mapa mental, formado apenas com as palavras-chaves do texto (Buzan, 2005). Para conseguirmos realizar a proposta por completo, foram necessárias três tentativas. Em cada uma delas, os alunos foram se aproximando de completar a tarefa. Depois dessas tentativas, começaram realmente a inverter a aula: liam o texto em casa, faziam o mapa mental, e usavamno para suas discussões em sala de aula. Tornaram-se, a essa altura, mais autônomos e participavam com mais desenvoltura das discussões.

Nessa experiência percebemos como o uso de uma metodologia menos tradicional pode alcançar: 1) mais autonomia: os alunos não dependem da interpretação dada por um professor à leitura de um texto; 2) mais organicidade: os alunos fazem a tarefa porque sentem sua importância, e não porque vale nota ou foi pedida pelo professor; 3) aumento da capacidade de transcender o texto, relacioná-lo com a realidade, descobrir os vários sentidos da polifonia textual; 4) percepção do texto em relação a variados contextos de leitura; 5) modificação do papel do professor, que assume a postura de mediador e até de curador (Cortella & Dimenstein, 2015), e não a de fonte do conhecimento e legitimador do conteúdo.

Verificamos ainda que, ao atribuir protagonismo aos alunos universitários, as dificuldades iniciais, advindas da formação tradicional escolar anterior, começaram a se alterar, permitindo o surgimento de novas habilidades sociais e emocionais, como: 1) Disponibilidade a mudanças: os alunos, muitas vezes, acomodam-se a uma metodologia que já conhecem. Sentem alguma dificuldade em se adaptar, pois precisam sair de uma postura passiva para outra em que são protagonistas de sua própria aprendizagem. Nesse processo, o professor pode ser acusado de “não dar aulas” e “deixar tudo na mão do aluno”. Essas críticas surgem como reação à mudança metodológica e ao enfrentamento de suas limitações, imposta pela nova metodologia pedagógica mais ativa. 2) Autoconhecimento ou consciência de si: no processo, o professor pode apontar para os alunos os caminhos utilizados por eles na relação com o conhecimento. Antes eles “pensavam” na metodologia antiga, que permitia apenas a reprodução de um conteúdo de acordo com a aula do professor, agora, nessa nova metodologia, interligam assuntos, organizam conceitos, discutem, relacionam e ampliam sentidos. 3) Habilidade comunicacional extrovertida: ao compreender melhor as nuances interpretativas do texto, os alunos ganham mais confiança para expor suas opiniões, discutir os pontos de vista, afirmar os sentidos textuais. Abandonam a tarefa mecânica de listar conteúdos em voz uníssona para poderem lidar com as múltiplas possibilidades que a leitura profunda de um texto traz. 4) Amabilidade e respeito a si e aos demais: ao compreender que variadas leituras podem ser feitas a partir do mesmo texto, os alunos iniciam seu trajeto de respeito à opinião e à forma singular de se colocar dos demais, bem como, ganham respeito também pela própria opinião sobre o texto estudado. Observamos que deixam de gritar ou impor opiniões infundadas, deixam também de correr para responder primeiro, pois percebem que seu ponto de vista é original e particular. 5) Autocontrole: o tempo todo essa habilidade será exigida, porque haverá um enfrentamento ao texto, um reconhecimento das dificuldades, a criação de estratégias e, posteriormente, a possibilidade de compartilhar um percurso intelectual, original e singular.

Observamos também que os alunos se questionaram a respeito dos próprios valores e do significado da educação, durante a realização da atividade, saindo de uma posição tradicional, mais objetivada na busca do suposto acerto e na conformidade das normas, para uma atitude mais aberta, universal, autodirigida e estimulante. O exercício dessas diferentes posturas pode levar a um questionamento profundo de si próprio e dos valores que norteiam sua visão de mundo (Tamayo & Schwartz, 1993).

 

3. A EXPERIÊNCIA VIVENCIADA E A VISÃO EDUCATIVA DE EDITH STEIN

A filosofia antropológica de Stein visa à formação integral do ser humano como um processo criativo que se enraíza na interioridade. Daí parte sua definição de educação como uma “arte suprema cujo material não é nem a madeira nem a pedra, mas a alma humana” (Stein, 2003, p. 576) Trata-se de uma arte que equivale a uma criação: enquanto as outras faculdades param nas faculdades humanas, a educação penetra até a alma mesma, até sua substância, para lhe dar uma forma nova e, dessa forma, recriar o ser humano em sua totalidade. Dito de outra maneira é “a partir do mais íntimo da alma (que) o ser humano inteiro é formado parte por parte – é a vida interior que é o fundamento último, a formação se faz do interior para o exterior” (Stein, 2003, p. 577).

Na medida em que o “processo de desenvolvimento completo e de formação vai de dentro para fora, nós o podemos considerar um fenômeno extático. Educar é levar para fora, é fazer sair de; e é por isso que se trata de falar de um gesto” (Rus, 2015, p. 46). Afinal, o que é um gesto senão “um movimento irradiante” a partir de um cerne interior? “A educação constitui um gesto epifânico pelo qual uma existência toma corpo na sua unicidade manifesta” (Rus, 2015, pp. 47-48). Para a filósofa, os processos de formação não se dão apenas no sentido de obtenção de um conteúdo externo, senão pela transformação interna e autodirigida de cada ser humano. Isso quer dizer que não é apenas uma questão de direcionar a atenção cognitiva para um determinado conteúdo, senão relacionar-se com o conteúdo com o objetivo de permitir, livremente, a “apropriação pessoal segundo uma forma interior” (Gaspar, 2017, p. 399) sem a qual o ser humano não se forma autenticamente.

Portanto, a utilização de metodologias ativas e a construção de habilidades socioemocionais são ferramentas para, no processo educativo, facilitar a apropriação genuína de tudo que contribui para a formação humana. Elas estão a serviço da revelação do ser humano como alguém capaz de constituir-se a partir de si mesmo, numa relação livre e autêntica com os demais. Dessa forma, sua utilização atende às buscas características do desenvolvimento espiritual.

 

E. Stein chega a afirmar a unidade da pessoa pela sua constituição corpo-alma e nisso apresenta a sua originalidade como indivíduo único e irrepetível, mas também portador de uma originalidade no mundo criado e no mundo espiritual. A pessoa tem um núcleo central de onde emana a verdade de si mesmo, um centro a ser ouvido, conhecido, acolhido como fonte de autenticidade, como portador de uma verdade sobre a pessoa a ser revelada, como portador de uma estrutura da pessoa a ser respeitada e favorecida. (Meneses, 2016, p. 134).

 

Desse modo, as metodologias ativas contribuem como um dispositivo de construção da singularidade. Ao inverter a direção da aprendizagem de um núcleo portador do conhecimento e organizador de todo o saber, ela aponta para o núcleo central de cada pessoa, para tentar permitir, a partir daquele lugar, a construção do conhecimento num ambiente de compartilhamento. 

No contexto interdisciplinar e complexo em que se encontram a educação e a construção do conhecimento, valorizar o núcleo central singular e autêntico de cada aluno é tarefa fundamental, condicionada à descoberta de métodos intelectuais e espirituais de investimento de tempo, determinação e vontade. Por conta disso, o desenvolvimento espiritual destaca-se como dispositivo fundamental da educação, na medida em que se torna o caminho possível e necessário para a distinção da verdade, para a escolha do método e para a perseverança no trabalho de conhecer.

Reforça-se a importância do sentido daquilo que é vivido para que realmente se torne fonte de motivação, ou seja, somente as vivências cujo conteúdo tem uma referência ao eu da pessoa possibilitam o florescimento de uma energia vivificadora. “Dando clareza sobre a cooperação entre causalidade e motivação, faz referência a situações que possuem um valor e um sentido, isto é, possuem características e significados que tocam o eu da pessoa e isto ressoa como valor” (Gaspar, 2017, p. 399). Temos a presença da motivação ao reconhecer que “entre ambas as vivências existe não somente uma relação causal senão também uma relação de motivação” (Stein, 2003, p. 660).

A visão diferenciada trazida por Stein recoloca a questão da pessoa humana diante dos processos de aprendizagem. As metodologias ativas são dispositivos pedagógicos para que a pessoa aprendente possa estabelecer com o conhecimento uma relação baseada no ato livre de construção pessoal. A motivação torna-se, nessa perspectiva, resultante da relação entre a pessoa e o conhecimento, relação esta que possibilita também o conhecimento de si. Assim:

 

Antes de tudo é preciso recordar que, ao estabelecer o campo da motivação como âmbito da consciência em ato e da possibilidade dos próprios atos livres que emergem ou podem emergir no interior da torrente de vivências (tendo como correlato o psíquico casualmente determinado), o indivíduo se constitui como pessoa ao atuar como senhor de suas vivências. (Santos, 2017, p. 279)

 

Dessa forma, Stein vai além de Morin, Deleuze e Guattari, na medida em que entende a relação com o conhecimento a partir da constituição singular e livre da pessoa diante do mundo. A realidade fragmentada do mundo se organiza e ganha sentido na interioridade do indivíduo, no núcleo de sua personalidade, fonte consciente de sua liberdade de ação. 

 

A pessoa não existe como substância ou uma coisa em si por trás de seus atos. Pelo ato livre, a partir do qual começa o reino do sentido e da razão, a pessoa se constitui como um núcleo de personalidade, o qual, de modo algum é determinado casualmente, mas se torna fonte de determinação. Dessa percepção emerge a consequência fundamental da descrição fenomenológica de Edith Stein a respeito da causalidade psíquica e da motivação como dupla constituição conjuntamente atuante no indivíduo: o indivíduo psicofísico e espiritual pode atuar tanto às cegas como consciente das motivações que impulsionaram seu agir; por isso, pode conquistar sua liberdade na ação, isto é, agir para além de toda determinação alheia ao seu eu. (Santos, 2017, p. 279)

 

Se as metodologias ativas não colaborarem para a superação das determinações externas e alheias ao Eu, para que a Pessoa possa encontrar sua relação livre e auto constituinte com os objetos de estudo, então as críticas apontadas anteriormente neste artigo encontrarão sua razão de ser. Ao contrário, elas devem transformar-se em dispositivos motivacionais porque se alinham ao desejo interior do Eu na busca do próprio desenvolvimento e superação. O cotidiano da educação, dessa maneira, se transforma num processo de exercício espiritual, em que a vontade dirige a ação de descoberta de si. “O núcleo de personalidade e o campo motivacional de um indivíduo constituem o centro a partir do qual o indivíduo atua, não às cegas, mas com consciência de sua vontade motivada” (Santos, 2017, p. 281).

Dessa forma, estabelece-se a relação entre a ferramenta pedagógica utilizada no processo educativo e os objetivos pretendidos nesse processo. As metodologias ativas podem auxiliar o processo educativo, aproximando o fazer pedagógico da formação humana, por meio da experiência vivencial de valores. Ao possibilitar a experiência da liberdade no processo de auto formação – que, nesse caso, passa pela experimentação de processos e dispositivos pedagógicos menos diretivos –, permite-se eleger a liberdade pessoal como determinação do desenvolvimento de si mesmo. “É nesse sentido que se estabelece a conexão entre motivação e liberdade” (Santos, 2017, p. 281). No trabalho pedagógico, portanto, os valores não se apresentam como conhecimento dado a priori, que devem ser buscados pela utilização de determinadas ferramentas pedagógicas. Para além disso, os valores surgem da prática de autoconhecimento derivada da liberdade de relacionar-se com o conhecimento, de acordo com as determinações advindas do íntimo do ser.

Nesse ponto, a questão da singularidade se impõe como um tema a ser destacado. “Segundo Edith Stein, encontramos na alma espiritual o núcleo da pessoa, o centro pessoal, a essência individual, o ponto de partida para uma teoria da individuação” (Zilles, 2017, p. 382). O uso de metodologias ativas pode facilitar um caminho para a singularidade, para a descoberta de formas pessoais de enfrentamento das dificuldades na busca do conhecimento. Desse modo, trata-se da constituição da singularidade na relação com o aprender, ou seja, da possibilidade de compreensão da aprendizagem como um processo de individuação.

 

Apesar de estar sujeito às influências nas relações intersubjetivas, a pessoa conserva sua marca pessoal, ou seja, sua singularidade. Esta situa-se no núcleo da personalidade. Para vivenciar a singularidade, a condição indispensável é o eu vigilante, pois ela refere-se à essência qualitativa das nossas vivências e a marca da singularidade e, sobretudo, a das vivências afetivas que, segundo Edith Stein, se radicam na profundidade do ser. A singularidade da pessoa humana é, pois, sua marca imutável que se encontra no núcleo da personalidade. (Zilles, 2017, p. 382)

 

A realização plena da própria singularidade é um trabalho espiritual que se vale das faculdades intelectuais, relacionais e valorais. Não se trata apenas de um acontecimento pedagógico coberto por uma gama de dispositivos, aqui tratados por metodologias ativas, mas de um propósito intelectual de responder ao desafio de investigação das coisas, em que subjetividade e objetividade contribuem para a expressão livre da singularidade humana.

A pessoa livre está no centro de ação para ser livre. As metodologias ativas apontam como fazer essa caminhada. Trata-se de um trabalho do espírito. A intenção vinda do espírito ordena o material sensível pela razão e pelo intelecto. As motivações vêm do mundo objetivo e a vontade espiritual as reconhece. Espiritualidade, desse modo, é o resultado da razão e da vontade empregadas no conhecer de si e do mundo.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 21/1/2019
Aceito: 7/5/2019

 

Luiz Claudio Bido. Psicólogo Clínico. Mestre em Psicologia. Educador.

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