SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.27 número1Educação, mídia e internet: desafios e possibilidades a partir do conceito de letramento digitalA pedagogia psicodramática como um método facilitador na escolha do tema monográfico índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.27 no.1 São Paulo jan./jun. 2019

http://dx.doi.org/10.15329/0104-5393.20190012 

DOI: 10.15329/2318-0498.20190012
Comunicações Breves

 

Método Educacional Psicodramático como metodologia ativa no contexto do estágio supervisionado1

 

Psychodramatic Educational Method as an active method in the context of supervised internship

 

Método Educacional Psicodramático como metodología activa en el contextode la pasantía supervisada

 

 

Maisa Helena AltarugioI

IUniversidade Federal do ABC, Centro de Ciências Naturais e Humanas – Santo André/SP – Brasil ORCID: 0000-0002-7647-5630  e-mail: maisahaufabc@gmail.com

 

 


Resumo

Este relato de experiência tem como objetivo mostrar como é possível fazer um exercício de reflexão mais amplo e profundo sobre as escolas, o ensino, as necessidades e os conflitos dos professores e dos estagiários, a partir de uma vivência utilizando o Método Educacional Psicodramático, como metodologia ativa e lúdica de ensino, com um grupo de alunos de um curso de licenciatura em Química, no contexto dos estágios supervisionados.

Palavras-chave: pedagogia, psicodrama, formação de professores


Abstract

This experience report aims at showing how possible it is to make a wider and deeper reflection exercise on schools, teaching, needs and conflicts of teachers and trainees, based on an experience using the Psychodramatic Educational Method, as an active and ludic teaching method, with a group of students of a teacher education course in Chemistry, in the context of supervised internships.

Keywords: pedagogy, psychodrama, teacher education.


Resumen

Este relato de experiencia tiene como objetivo mostrar cómo es posible hacer un ejercicio de reflexión más amplio y profundo acerca de las escuelas, la enseñanza, las necesidades y los conflictos de los profesores y los pasantes, a partir de una vivencia utilizando el Método Educacional Psicodramático, como metodología activa y lúdica de enseñanza, con un grupo de alumnos de un curso de licenciatura en Química, en el contexto de las pasantías supervisadas.

Palabras clave: pedagogía, psicodrama, formación de profesores


 

 

INTRODUÇÃO

No contexto da formação de futuros professores com perfil questionador e investigativo, consideramos fundamental iniciar as discussões sobre a escola e o papel do professor e seus contextos, desde os estágios supervisionados. Dessa forma, segundo Pimenta e Lima (2013), os estágios começaram a valorizar atividades para o desenvolvimento da capacidade de reflexão crítica dos contextos em que o ensino ocorre, bem como dos profissionais neles inseridos.

Este relato de experiência tem como objetivo mostrar um exemplo de como é possível fazer um exercício de reflexão mais amplo e profundo sobre as escolas e o ensino que nelas ocorre, a partir do levantamento das concepções e das percepções de um grupo de licenciandos, em período de estágio supervisionado, numa universidade pública paulista.

Realizamos uma vivência utilizando o Método Educacional Psicodramático (MEP) de Romaña (1985, 1992), pois acreditamos que, como metodologia ativa no contexto da formação de professores, a proposta auxilia os futuros docentes na tomada de consciência e de reflexão sobre seu papel, sem o qual “o professor é passivo, é minimizado, limitado às circunstâncias que lhe são impostas, o que o levaria a emitir sempre as mesmas respostas frente a velhos problemas” (Altarugio & Capecchi, 2016, p. 33).

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Maria Alicia Romaña criou o MEP com base na teoria e nas técnicas do psicodrama, inspirada também em Paulo Freire e em diversos filósofos, psicólogos e educadores. Seu método educacional tem a preocupação central de desenvolver uma consciência crítica e reflexiva em seus atores para obter uma compreensão do mundo com autonomia e compromisso (Romaña, 2004).

De acordo com a teoria psicodramática, as práticas conservadas, as conservas culturais, se não forem revisadas e reavaliadas de tempos em tempos, podem se transformar em obstáculos para o enfrentamento das questões que se apresentam no cotidiano. Segundo Penteado (2007), dificultamos os processos de mudança e de movimento quando estabelecemos relações de completa identificação com respostas culturais cristalizadas incorporadas, por exemplo, por mecanismos sociais de educação familiar, escolar e midiática.

Com a dramatização, centro do Psicodrama, os indivíduos terão a oportunidade de atuar em espaços e tempos imaginários, construir novos significados, criar e experimentar coletivamente soluções novas para as situações vividas. Também é importante ressaltar o aspecto lúdico do MEP, pois possibilita ao participante experimentar a liberdade, a estética, a sensação de risco, de desafio, de transcender a perspectiva pessoal ao desempenhar papéis (Romaña, 1985).

Romaña (1985) defende os métodos ativos na aprendizagem considerando que o aluno: a) aprende em relação a objetos, situações ou conceitos concretos; b) não aprende sozinho, isto é, o grupo todo deve ser capaz de manejar o conhecimento; c) se coloca pessoalmente no processo de aprendizagem; d) elabora, além de uma ideia, uma imagem enquanto aprende; e e) amplia sua experiência em relação ao tempo e espaço quando está envolvido numa atividade rica e variada.

Os três passos de sua metodologia (Romaña, 1985, 1992) estão estruturados segundo os níveis de aproximação do conteúdo ou do tema que será desenvolvido pelo professor em sala de aula. No primeiro passo, acontece a aproximação dos estudantes com o conhecimento ao nível de sua experiência intuitiva e/ou afetiva, realizando uma análise no terreno do Real. No segundo passo, os alunos deixam o terreno da realidade e partem para a abstração. Nesse momento, o aluno realiza o esforço racional de síntese, caracterizado por um trabalho coletivo e Simbólico. Então, no terceiro passo, os estudantes colocam à prova os conhecimentos mobilizados nos passos anteriores, tornando-os funcionais. É um trabalho de aplicação que ocorre ao nível da Fantasia, do imaginário.

 

CONTEXTO E PROCEDIMENTO

Este é um relato de uma experiência realizada com dois grupos, de 4 e 9 alunos, das turmas do diurno e do noturno, respectivamente, frequentando uma das reuniões semanais do estágio supervisionado com o professor orientador, que fará também o papel de diretor da vivência. Nas análises, não faremos distinção entre os grupos.

Os alunos são licenciandos em curso de Química em uma universidade pública paulista e estão realizando estágios supervisionados obrigatórios em escolas públicas e/ou privadas, no Ensino Médio. Eles são de ambos os sexos e têm entre 20 e 25 anos. A maioria já havia participado de vivências psicodramáticas em outras disciplinas ministradas pelo professor orientador. A vivência foi filmada com o consentimento dos participantes, que também estão acostumados com esse tipo de prática no curso de licenciatura.

O procedimento constou de: primeiro passo (Real): foram espalhados diversos tecidos coloridos no chão. A ideia era que cada estagiário escolhesse e vestisse os tecidos, “incorporando” sua escola. O diretor lançou ao grupo algumas instruções: apresente-se ao grupo e diga como se chama; diga suas características boas e ruins; diga quantos alunos e professores você tem; onde você fica; como é o ensino de Química. Segundo passo (Simbólico): a partir das características de cada escola, eles foram solicitados a se unirem e construírem uma estátua/escultura para representar/simbolizar seus aspectos comuns. Terceiro passo (Fantasia): nessa etapa, o diretor solicitou que imaginassem que esse grupo de escolas tinha recebido a tarefa de pensar em cinco medidas para melhorar o ensino nessas escolas, sendo três delas para melhorar o ensino de Química.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A vivência, no Real, foi iniciada reativando e dramatizando as memórias acerca das escolas onde os alunos realizavam os estágios. Os tecidos de cores claras e neutras foram associados ao clima de calmaria, de paz entre alunos e professores; e as cores mais quentes e brilhantes foram associadas à energia e ao dinamismo de seus alunos. A cor preta foi associada ao lado que não está visível para o público.

Sobre o ensino de Química apareceram diferentes relatos, como os dos exemplos a seguir:

 

“Meu ensino de Química é feito por professores muito tradicionais . . . Tem estrutura de laboratório, tem técnico, mas não pode usar porque tem que cumprir conteúdo.” (EC)

 “Meu ensino de Química já teve seus tempos áureos, mas agora não tem mais. Meus alunos sentem saudades. Estamos precisando de mudanças . . . estou um pouco triste com o ensino de Química atual.” (ER)

“Meus alunos são ativos, gostam de fazer coisas diferentes. Minha professora de Química é uma dessas professoras que aceita a criatividade dos alunos. Ela trabalha a Química usando peças teatrais, usando arte . . . eu tenho orgulho demais.” (EF)

 

Percebe-se nas falas dos estagiários uma capacidade de análise do real num contexto mais amplo, que vai além da habitual observação do que acontece nas salas de aulas e dos professores que eles acompanham. Os licenciandos enfatizam a utilização de recursos didáticos variados (instalações, aulas, peças teatrais, exposições, seminários) e associam esses aspectos às características do ambiente (tem ou não tem laboratório, técnico), da abordagem de ensino (tradicional, conteudista) e de seus profissionais (criativos).

As expressões afetivas, não muito valorizadas no ambiente escolar, foram usadas pelos estagiários que já tinham laços de longa data com as escolas, casos de ER e EF. O desenvolvimento de relações afetivas com o ambiente do estágio, especialmente com os professores supervisores, é fruto do estabelecimento de um clima de confiança e de segurança necessário ao trabalho do estagiário (Correa Molina, 2008). Contudo, os estagiários também abordaram certos aspectos conflitantes no interior destas:

 

“Tenho um professor que é muito esforçado, muito engajado e que tem conhecimento e tenta colocá-lo em prática. E tenho professores que fazem o básico.” (ET)

 “Tem uma parte que quer fazer um bom trabalho e tem uma parte que simplesmente existe. É uma batalha lá dentro e quem está ganhando não é quem quer fazer acontecer, infelizmente.” (ED)

 

Os alunos reconhecem que a escola é um local genuíno de contrastes, seja no campo das ideologias, das posturas, das ações pedagógicas, corroborando com as ideias de Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), que afirmam que as práticas dos professores em diferentes escolas não podem ser as mesmas.

No segundo passo do MEP, os estagiários ingressam no Simbólico, que representa a síntese do conhecimento envolvido no tema trabalhado. Em um dos grupos, tivemos a construção de uma escultura com os tecidos coloridos entrelaçados, representando a diversidade, que é uma característica marcante das escolas. A diversidade é formadora da identidade da escola, ou melhor, das identidades que, segundo Oliveira, Silva, Cardoso e Augusto (2006), precisam ser compreendidas dentro de relações carregadas de poder, de subordinação, de cooperação ou de competição.

No Fantasia, o terceiro passo do MEP lançou o desafio de imaginar uma situação hipotética, na qual as escolas se uniriam para pensar em medidas para melhorar seu ensino. Embora seja um faz de conta, esse momento envolve pensar seriamente sobre o assunto.

Para o ensino, de um modo geral, foram apontadas as seguintes medidas: formação continuada para os professores; gestão colaborativa; valorização do professor; interação com a comunidade. E para o ensino de Química: uso do laboratório como recurso didático; transversalidade; relação professor-aluno; inovação nas estratégias; trabalho em grupo entre os docentes; foco na formação cidadã.

Foi interessante notar que as propostas dos estagiários não trataram de idealizações, ou de mero reflexo das referências teóricas de sua formação acadêmica. Mas tratam de trazer para a universidade um saber da experiência para ser debatido à luz do saber teoricamente construído (Tardif, 2010).

Segundo os alunos, essas medidas apontam para a essência dos problemas das escolas e ressaltam a necessidade e a capacidade de elas se unirem, se solidarizarem, de forma empática, em torno das dificuldades comuns. Essa percepção dos estagiários ilustra claramente um dos princípios da Pedagogia do Drama (Romaña, 2004), em que o exercício coletivo de pensar o espaço escolar, como parte de uma realidade social, é incorporado individualmente e se reverte no coletivo mais uma vez, mas de forma comprometida consigo mesmo, com o próximo e com a sociedade.

Para finalizar, tivemos o compartilhamento sobre a dinâmica realizada, na qual se destacaram as seguintes falas:

 

“A parte de se vestir como escola foi uma surpresa. Porque a gente tem muito o hábito de julgar por fora. Quando você entra no problema, como você vai apontar o dedo pra mim mesmo? Foi mais complicado.” (ET)

 “É muito fácil fazer crítica, o difícil é pensar nas coisas boas. Quando a gente faz esse exercício . . . é sair do senso comum de que só tem coisa ruim, de criticar.” (ED)

 

É muito comum, no contexto das reuniões de estágio, os alunos relatarem um clima de desânimo, frustração e indignação diante da realidade experimentada. Nesse caso, interpretamos que, de acordo com Moreno (2013), uma resposta nova foi dada a uma situação velha, caracterizando, assim, uma quebra de conserva em relação a um padrão rotineiro encontrado nos discursos dos estagiários.

 

CONCLUSÕES

A proposta de um trabalho com o MEP no contexto dos estágios supervisionados acabou desvelando nuances do espaço físico escolar, do ensino que acontece nesses espaços, dos profissionais que trabalham neles, assim como as possibilidades, as necessidades e os conflitos, de uma forma que só é alcançada quando o aprendiz é ativo e protagonista de sua aprendizagem, como defende Romaña (1985).

A vivência com o MEP, em que o aluno é convidado a se envolver emocional e ludicamente com os conteúdos, contribuiu para que o grupo colocasse para fora o que já sabia por meio da “ação”, rompendo a estrutura mais tradicional de trabalhar o conhecimento. As respostas chegaram a surpreender até mesmo os próprios participantes, que se deram conta das coisas boas que foram ressaltadas nas escolas.

Mesmo que este tenha sido um momento pontual, merece um aprofundamento reflexivo ainda maior, pois trouxe questões prementes sobre o que precisa ser valorizado, questionado e pesquisado, não apenas nos estágios supervisionados, mas também na formação inicial de professores e na profissionalização docente.

  

REFERÊNCIAS

Altarugio, M. H., & Capecchi, M. C. de M. (2016, maio). Sociodrama pedagógico: uma proposta para a tomada de consciência e reflexão docente. Alexandria, 9(1), 31-55, maio. doi: 10.5007/1982-5153.         [ Links ]

Correa Molina, E. (2008). Les superviseurs de stage: des qualités pour un rôle formateur. In E.  

Correa Molina, C. Gervais, & S. Rittershaussen. Vers une conceptualisation de la situation de stage: explorations internationales (pp. 205-219). Québec, Canadá: Éditions du CRP, Université de Sherbrooke.

Libâneo, J. C., Oliveira, J. F., & Toschi, M. S. (2003). Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo, SP: Cortez.

Moreno, J. L. (2013). Psicodrama. São Paulo, SP: Cultrix.

Oliveira, Z. de M. R., Silva, A. P. S., Cardoso, F. M., & Augusto, S. O. (2006). Construção da identidade docente: relatos de educadores de educação infantil. Cadernos de Pesquisa, 36(129), 547-571. Retirado de: http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n129/a0336129.pdf.         [ Links ]

Penteado, H. D. (2007). Psicodrama, televisão e formação de professores. Araraquara, SP: Junqueira & Marin.

Pimenta, S.G., & Lima, M. S. L. (2013). Diferentes concepções do estágio obrigatório. In V. M. Guridi, & F. C. Pioker-Hara (Orgs.). Experiências de ensino nos estágios obrigatórios (pp. 17-38). Campinas, SP: Alínea.

Romaña, M. A. (1985). Psicodrama pedagógico: método educacional psicodramático. Campinas, SP: Papirus.

Romaña, M. A. (1992). Construção coletiva do conhecimento através do psicodrama. Campinas, SP: Papirus.

Romaña, M. A. (2004). Pedagogia do drama: 8 perguntas & 3 relatos. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.

Tardif, M. (2010). Saberes docentes e formação profissional (11a. ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.

 

Recebido: 12/4/2019
Aceito: 19/6/2019

 

Maisa Helena Altarugio. Doutora em Educação. Mestre em Ensino de Ciências. Licenciada em Química pela Universidade de São Paulo (USP). Psicodramatista didata pela Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodram (ABPS).


1 Esta comunicação foi baseada no trabalho apresentado no III JALEQUIM – Encontro Nacional de Jogos e Atividades Lúdicas no Ensino de Química, Física e Biologia – Level III Foz do Iguaçu, PR – 29 de novembro a 1º de dezembro de 2018.

Creative Commons License