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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.27 no.1 São Paulo jan./jun. 2019

http://dx.doi.org/10.15329/0104-5393.20190014 

DOI: 10.15329/2318-0498.20190014
Comunicações Breves

 

A importância dos grupos na reeducação da velhice

 

The importance of groups in oldness re-education

 

La importancia de los grupos en la reeducación de la vejez

 

 

Algaides RodriguesI*; Darlise dos Passos GomesII; Ândria MarinsIII

ICentro Universitário Metodista – Porto Alegre/RS – Brasil ORCID: 0000-0001-8351-9964
IIHospital de Clínicas de Porto Alegre – Porto Alegre/RS – Brasil ORCID: 0000-0002-6534-2795
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/RS – Brasil ORCID: 0000-0003-0952-1243

 

 


Resumo

Estudou-se como os grupos contribuem na reeducação do envelhecimento, utilizando o método existencial fenomenológico a partir da experiência com idosos. Os idosos relataram perceber a sociedade como excludente, mas encontraram nos grupos o espaço para reprojetarem suas vidas, uma nova visão do envelhecimento e a confirmação existencial dos companheiros. Os momentos mais significativos foram aqueles nos quais se encontravam como protagonistas da ação. Destacam-se os grupos como espaço privilegiado de resgate da saúde e do exercício da cidadania do idoso.

Palavras-chave: grupos etários, velhice, psicodrama


Abstract

It was studied how groups contribute to the re-education of aging, using the existential phenomenological method based on the experience with elderly. The elderly reported perceiving society as exclusionary, but they found in the groups the space to redesign their lives, a new vision of aging and the existential confirmation of the companions. The most significant moments were those in which they were protagonists of the action. The groups stand out as privileged spaces for health recovery and exercise of citizenship of the elderly.

Keywords: age groups, old age, psychodrama


Resumen

Se estudió cómo los grupos contribuyen a la reeducación del envejecimiento, utilizando el método fenomenológico existencial de la experiencia con los mayores. Las personas mayores informaron que percebían a la sociedad como excluyente, pero encontraron en los grupos el espacio para reproyectar sus vidas, una nueva visión del envejecimiento y la confirmación existencial de los compañeros. Los momentos considerados más significativos fueron aquellos en los que fueron protagonistas de la acción. Los grupos se destacan como un espacio privilegiado para la recuperación de la salud y el ejercicio de la ciudadanía de las personas mayores.

Palabras clave: grupos por edad, vejez, psicodrama


 

 

POR QUE MERGULHAR EM ESTUDOS SOBRE A VELHICE?

A transição demográfica observada no Brasil ao longo das últimas décadas convoca a necessidade de espaços em nossa sociedade que promovam a reeducação do envelhecimento como processo integrante do ciclo vital. Persistem concepções errôneas acerca da velhice como uma etapa associada a perdas, doenças e morte. Igualmente, é inegável que papéis sociais vivenciados pelos adultos se alteram com a chegada do envelhecimento, o que exige um reprojeto a fim de evitar o isolamento, a perda de identidade, auxiliar na busca por respostas criativas ao novo momento e, assim, resgatar seu reconhecimento e de outrem como um sujeito participante e de direitos. O presente estudo teve como pergunta norteadora: qual a contribuição dos grupos de idosos no processo de reeducação da velhice?

Não há como negar que a pessoa faz alterações no sentido de sua vida com o envelhecimento. Obviamente, essas alterações não fazem parte de um processo isolado, porque a pessoa não está ilhada: ela participa de uma rede de relações sociais que produzem sentidos. Essa rede de relações tem pontos de força que permeiam o eu que envelhece e rituais que marcam o início da velhice.

 

A TRAVESSIA METODOLÓGICA

O trabalho apresenta reflexões a partir dos relatos de participantes de grupos de idosos, obtidos ao longo das diversas atividades desenvolvidas pelas autoras, dirigindo vivências grupais fundamentadas pela metodologia do Psicodrama, cujos significados fossem ao encontro da pergunta norteadora do estudo. Além disso, as reflexões convergem para debates recentes envolvendo publicações sobre o envelhecimento.

Por reconhecer alterações na definição de quem é considerado velho, neste trabalho utilizou-se o termo para referir-se a pessoas com mais de 60 anos. Nos grupos, havia participação de idosos de ambos os sexos, com predomínio das mulheres. Os encontros em geral tinham frequência semanal com duração média de uma hora e trinta minutos. Foram diversos os cenários dos encontros, sendo estes vinculados a programas de extensão universitária.

As intervenções utilizadas nos grupos de idosos tiveram como referencial teórico e técnico o Psicodrama. A direção dos grupos buscou criar espaço para que respostas cristalizadas, impregnadas de conserva cultural (Moreno, 1978), fossem transformadas em respostas espontâneas (Moreno, 1978), valorizando a criatividade dos idosos nos grupos e na vida. Recursos técnicos do Psicodrama foram utilizados para facilitar a interação grupal e o trabalho sociodramático em cada encontro, a partir do surgimento das histórias de vida dos idosos e seus comentários sobre os encontros e sobre a velhice.

A partir da leitura cuidadosa dos diários de campo dos acadêmicos envolvidos na coordenação dos grupos e das fichas de avaliação dos encontros preenchidas pelos idosos, realizou-se o mapeamento de aspectos que facilitaram compreender a importância dos grupos na reeducação da velhice. Os comentários foram separados em cinco indicadores que posteriormente foram reunidos em duas unidades de sentido que serão apresentadas a seguir: “a velhice como reconhecimento do eu” e “a importância dos grupos”.

 

A VELHICE COMO RECONHECIMENTO DO EU

Ao longo da vida, comumente as pessoas dedicam-se por pouco tempo a pensar sobre o envelhecimento. A percepção desse processo muitas vezes vem pelos outros quando, por exemplo, uma pessoa estranha o identifica como idoso. Além disso, o entendimento que a sociedade tem da velhice influencia a noção da pessoa que está vivendo seu reconhecimento do eu que envelhece. A pessoa idosa tem, portanto, uma percepção das reações do mundo externo, que se somam a todas as fantasias, informações sobre a velhice e lembranças das experiências que manteve durante sua vida com as outras pessoas, bem como a própria observação dos outros “tus” que envelhecem ao seu lado.

As mudanças físicas e a ação do tempo convidam a pessoa, mais do que em qualquer outra fase do ciclo da vida, ao olhar interno. Então, a ideia de inutilidade se torna uma inverdade em face dessa perspectiva: na fase da velhice, há um novo mundo a ser descoberto, o de si mesmo. Dessa forma, o conteúdo interno de cada membro é colocado para o grupo, trabalhado e elaborado no encontro, e retornado para dentro de cada um, transformado em subjetividade criativa.

Rodrigues (2003) destaca, ainda, que em nossa sociedade se observa a produção de uma subjetividade essencialmente fabricada, modelada, recebida, consumida acerca da velhice. Essa subjetividade do envelhecimento pode ser identificada pelos discursos. Historicamente se associava a velhice a doenças, morte e inutilidade. Para se contrapor a esse modelo, nos últimos anos observa-se um discurso emergente de que os idosos devem se “agitar”: frequentar bailes, viajar muito e ter diversas atividades. A crítica que se faz a esses discursos é que eles procuram ditar um modo de vida para quem envelhece e, à medida que uma subjetividade é criada de fora para dentro, desconsideram o sujeito desejante e “impõem”, sem que necessariamente se perceba, um estereótipo do que é ser idoso. Esses discursos ameaçam a revolução criadora (Moreno, 1978) na concepção moreniana, podendo levar ao adoecimento.

É inegável que no processo de envelhecimento as relações se alteram significativamente, com modificações nos papéis sociais. Passos e Feitosa (2018) destacam algumas dessas novas vivências e assinalam a importância dos vínculos para atingir interações saudáveis. São exemplos dessas vivências citadas pelos referidos autores: a morte de entes queridos, os movimentos migratórios, os filhos que constituem suas famílias, a chegada de netos/bisnetos e a aposentadoria.

Diante das modificações, ao chegarem à velhice as pessoas podem assumir uma atitude de aprisionamento e uma excessiva valorização de vivências passadas, repetindo expressões como “no meu tempo era melhor”. Essas vivências caracterizam-se pela reprodução de conservas culturais (Moreno, 1978) e são formadas de ações que foram em sua origem estados espontâneos e, posteriormente, passaram a ser realizadas de forma repetitiva e cristalizada. Quando a vivência diária de uma pessoa se baseia na reprodução de conservas culturais, há um embotamento da espontaneidade e, consequentemente, um adoecimento.

As perdas e as modificações precisam ser assimiladas. Moreno (1992) ressalta a importância do ser espontâneo: “Somente um ser criativo pode ser verdadeiro. Somente um ser criativo pode existir. Somente um ser criativo pode ser Eu” (p. 107). A capacidade de continuamente criar faz com que a pessoa exista e seja responsável não só pela sua vida, mas pela qualidade de vida no cosmos (Moreno, 1993).

Assim como a chegada da velhice convoca para a ressignificação das relações, ela estimula a criação de novos vínculos. Tanto é possível que recrie uma relação que perdura ao longo dos anos de existência, como tenha abertura para conhecer e relacionar-se com novas pessoas que possibilitem encontros na trajetória de vida. Moreno (1993), por meio do conceito de sociometria, possibilitou “a investigação pela pesquisa do desenvolvimento e organização dos grupos e da situação dos indivíduos neles” (p. 33). E dessa forma, percebe-se que os grupos contribuem para facilitar a criação e a recriação de novos vínculos, conforme será apresentado na unidade de sentido a seguir.

 

A IMPORTÂNCIA DOS GRUPOS

Os idosos comparecem em grupo a diversos acontecimentos sociais, culturais, recreativos e políticos. Nas reuniões, estudam temas que lhes interessam, organizam passeios, trabalham juntos, conversam, discutem. Os encontros mostram claramente como os idosos reivindicam seu espaço de participação e como crescem à medida que tenham presente o sentimento de pertencer a um grupo. Assim, observou-se que os movimentos dos grupos se entrelaçam com as mudanças pessoais notadamente presentes em cada um de seus integrantes. Nota-se que a interação grupal favorece que novas relações se estabeleçam, dificuldades que eram vistas como pessoais e únicas são aliviadas (“pensei que isso só acontecia comigo”), entre outros comentários. Os idosos relataram que o ingresso nos grupos lhes permitiu outra visão do envelhecimento, na qual encontraram um lócus com continente suficiente para expressarem-se com a certeza de sentirem-se compreendidos pelo grupo de iguais.

Todos os idosos participantes dos grupos relataram que percebem a sociedade como excludente dos velhos e encontram nos grupos o espaço de participação necessário para reprojetarem suas vidas e serem existencialmente confirmados. Expressaram, ainda, de diferentes maneiras sua satisfação em integrar esses espaços. Nos grupos, considerando a concepção relacional, Fonseca (2018) destaca que é inerente ao homem a busca por relações e explica que “no polo da separação, habita o medo da perda, do abandono e da aniquilação. No polo da relação, habita o prazer e a alegria da concretização de um esperado momento relacional” (p. 146).

Costa (1998), em seu trabalho com grupos de idosos, aponta resultados bastante satisfatórios, entre eles: expansão do autoconhecimento e da autoestima; ampliação dos interesses pela vida, pelas relações interpessoais, pelas novas descobertas e criações; constatação, aceitação e respeito pelo envelhecimento; diminuição ou extinção dos preconceitos ligados aos indivíduos mais jovens, possibilitando maior acesso ao seu mundo, maior estímulo à luta social pela admissão de seus direitos legais como cidadão da sociedade; predisposição à criação de um mundo interno e, por consequência, uma visão diferenciada de seu mundo externo; resgate de seu corpo com o intuito de conhecê-lo, tocá-lo, senti-lo, aumentando seus movimentos corporais, até então contidos, e suas sensações anteriormente inexistentes ou amortecidas; esclarecimentos de dúvidas e informações.

As possibilidades de verdadeiros encontros que a vivência no grupo oferece e o dinamismo de trocas que proporciona a coexistência resultam em movimentos constantes na dinâmica grupal. Fonseca (1980), após apresentar um esquema do desenvolvimento humano como contribuição à teoria psicodramática, refere-se que:

 

as nove fases descritas para os indivíduos podem ser observadas também nos grupos. No entanto, como um grupo não é uma criança, que para se tomar adulta necessita de muitos anos, as fases grupais se superpõem mais rapidamente, e com menos nitidez. De qualquer forma, algumas fases são bem marcadas e facilmente detectáveis . . . Resumindo: temos em um grupo, em termos de seu desenvolvimento, quatro fases básicas: indiferenciação, reconhecimento grupal, triangulação e circularização-inversão. (pp. 130-131)

 

Percebe-se que essas metamorfoses grupais favorecem às novas e adequadas respostas dos idosos ao processo de envelhecimento, quando fazem comentários em relação à família que se modificou com a saída dos filhos, e/ou viuvez, os idosos afirmaram que a presença dos companheiros de grupo confirma sua existência, uma vez que se referem aos grupos como “uma família”. Uma família na qual é possível relatar seus conflitos cotidianos, compartilhar seus temores, sonhar, realizar passeios, aprofundar conhecimentos, fazer novas amizades, contar piadas, enfim, reviver. Essa vivência profunda nos grupos contribui para o processo de envelhecimento ser experimentado, não como um processo solitário, mas com a suavidade do aconchego que a relação grupal lhe permite.

Os momentos do grupo que consideraram mais significativos foram aqueles em que efetivamente se encontravam como protagonistas de uma ação, como quando eles próprios organizavam um passeio, quando falavam de si, criavam, tinham oportunidade de aprender coisas e ensinar o que sabiam, entre outros. Nos grupos, os idosos encontram um espaço que os fortifica a lutarem por seus direitos, a buscarem a realização de seus desejos, a manterem-se engajados na comunidade para além dos espaços concretos de suas casas e de suas famílias.

 

CONCLUSÕES

Neste estudo, foi possível identificar que os grupos auxiliam os idosos a encontrarem um espaço de participação necessário para reprojetarem suas vidas, a possibilidade de alterarem sua visão do envelhecimento e a confirmação de sua existência pela presença dos companheiros. Assim, os grupos se constituem espaços privilegiados de resgate da saúde do idoso, um ambiente favorável ao exercício da cidadania que os fortifica a buscar novos ambientes de integração. Todos os relatos mostraram a importância de o idoso continuar participando e contribuindo com a peculiaridade de sua riqueza. Deixar que essa nova subjetividade desabroche suavemente a partir da convivência natural e espontânea é acreditar que a vida humana não só ganhou quantidade de anos, mas qualidade e saúde em seu sentido pleno.

 

 

REFERÊNCIAS

Costa, E. M. S. (1998). Gerontodrama: a velhice em cena – estudos clínicos e psicodramáticos sobre o envelhecimento e a terceira idade. São Paulo, SP: Ágora.

Fonseca, J. (1980). Psicodrama da loucura: correlações entre Buber e Moreno. São Paulo, SP: Ágora.

Fonseca, J. (2018). Essência e personalidade – elementos de psicologia relacional. São Paulo, SP: Ágora.

Moreno, J. L. (1978). Psicodrama. São Paulo, SP: Cultrix.

Moreno, J. L. (1992). As palavras do pai. Campinas, SP: Editorial Psy.

Moreno, J. L. (1993). Psicoterapia de grupo e psicodrama. Campinas, SP: Editorial Psy.         [ Links ]

Passos, E. T., & Feitosa, J. S. (2018). Laços de amizade: habilidades sociais na terceira idade. In S. Sittart (org.). Um olhar da psicologia para a terceira idade. Porto Alegre, RS: Secco Editora, 2018.

Rodrigues, A. M. (2003). Construindo o envelhecimento. Pelotas, RS: EDUCAT.

 

Recebido: 31/12/2018
Aceito: 14/7/2019

 

*Autora correspondente: algaidesrodrigues@gmail.com

 

Algaides Rodrigues. Psicóloga pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Professora supervisora pela Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRAP). Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Darlise dos Passos Gomes. Nutricionista pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Nutrição e Alimentos pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Residência em Saúde da Família e Comunidade pelo Grupo Hospitalar Conceição.

Ândria Marins. Acadêmica do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

 

 

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