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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.27 no.1 São Paulo jan./jun. 2019

http://dx.doi.org/10.15329/0104-5393.20190016 

DOI: 10.15329/2318-0498.20190016
Resenhas

 

Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação

 

Qualitative research and subjectivity: the construction of information processes

 

Pesquisa cualitativa y subjetividad: los procesos de construcción de lainformación

 

 

Vannúzia Leal A. PeresI

IPontifícia Universidade Católica de Goiás, Departamento de Psicologia - Goiânia/GO - Brasil ORCID: 0000-0002-7323-0654 e-mail: vannuzia@terra.com.br

 

 

Rey, F. L. G. (2005). Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação. São Paulo, SP: Thomson.

 

Fernando Luis González Rey (1949-2019) desenvolve a Teoria Cultural-Histórica da Subjetividade, põe em foco o sujeito que se posiciona em relação à vida enfrentando inúmeros desafios, entre eles, a resistência e a oposição daqueles que não compreenderam essa teoria e seu valor para as Ciências Humanas e Sociais.

Cubano, veio para o Brasil em 1995, onde trabalhou incansavelmente, até o fim da vida, no estudo da subjetividade, tornando evidente seu compromisso ético e moral com a produção do  conhecimento  sobre  o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, principalmente pela construção de um modelo de pesquisa qualitativa que envolve o pesquisador em processos de reflexão epistemológica e teórica, e não na simples coleta empírica de dados.

Seu pensamento sobre a pesquisa qualitativa, exposto em muitos artigos e livros, debatido no Brasil e no exterior, contribuiu e deverá continuar contribuindo para a formação de pesquisadores críticos e criativos, como mostra no livro “Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação”.

Com esse modelo de pesquisa, como produção teórica, contrariou o dogmatismo, o metodologismo e o instrumentalismo hegemônicos nas Ciências Humanas e Sociais. Sua grande contribuição foi exatamente esta, ou seja, devolver ao pesquisador a tarefa de pensar e produzir teoria sobre o problema estudado, ou compreender e explicar processos culturaishistóricos, dinamicamente inter-relacionados na constituição e desenvolvimento do indivíduo e da sociedade.

Com base nos princípios e nas definições da Epistemologia Qualitativa, González Rey desenvolve esse modelo de pesquisa para o estudo da subjetividade, modelo que constitui um avanço para diversos campos do conhecimento e que não pode ser ignorado, especialmente pela Educação e pela Psicologia.

Fato é que, no processo de desenvolvimento da Teoria da Subjetividade, o autor emerge como sujeito do conhecimento, cria a Epistemologia Qualitativa e propõe o método construtivointerpretativo que exige dos pesquisadores um pensamento complexo, um pensamento sobre a singularidade do processo de desenvolvimento humano e sua generalização em conceitos.

Com esse modelo de pesquisa qualitativa, González Rey confrontou os “fantasmas” da pesquisa tradicional, como a especulação e as fantasias do pesquisador no processo de produção teórica. Foi dessa forma que transformou o valor e as consequências da pesquisa qualitativa nas Ciências Humanas e Sociais. Na verdade, ele assumiu a especulação e a fantasia do pesquisador como elementos do processo de construção-interpretativa das informações sobre o problema estudado.

Em síntese: imbuído do estudo da subjetividade como um complexo de elementos individuais e sociais, internos e externos, dinâmica e contraditoriamente inter-relacionados, o autor apresenta neste livro, em quatro capítulos, as explicações necessárias sobre os processos teórico-metodológicos, que o pesquisador precisa conhecer para enfrentar a complexa tarefa de produzir conhecimento sobre fenômenos humanos.

No primeiro capítulo, González Rey apresenta a subjetividade como definição ontológica e discute sobre as implicações teóricas e metodológicas dessa definição para a pesquisa qualitativa amparada nos princípios da epistemologia qualitativa. Por exemplo, o princípio da legitimidade do estudo de caso para a produção do conhecimento como produção humana para a abertura de “zonas de sentido” ou de “espaços de inteligibilidade” sobre o problema e para o aprofundamento da construção teórica sobre ele.

Do meu ponto de vista, essa é uma das mais importantes contribuições desse autor para a pesquisa qualitativa como processo de produção do conhecimento. Essa contribuição tem instigado pesquisadores a refletir sobre a complexidade da realidade estudada, ou como ela integra múltiplos campos inter-relacionados.

No segundo capítulo, González Rey apresenta o desdobramento metodológico dessa epistemologia, o método construtivo-interpretativo, uma alternativa ao instrumentalismo dominante na Psicologia. De forma clara, o autor explica como esse método possibilita a produção teórica do pesquisador no processo vivo da pesquisa e como essa produção a partir das informações construídas orienta seu diálogo com os sujeitos participantes sobre o problema estudado.

Ainda nesse capítulo, o autor discute sobre o significado do uso dos instrumentos nesse modelo de pesquisa qualitativa, ou os “indutores” das expressões dos sujeitos sobre suas experiências. Aborda, para exemplificar, como o uso de instrumentos escritos – a redação, a complementação de frases e o conflito de diálogos – são disparadores dessas expressões, caracterizando a qualidade das informações construídas.

Sobre o projeto de pesquisa nessa perspectiva, o autor esclarece que não é centrado no número de sujeitos, nem na organização metódica de passos a serem seguidos, mas no que emerge em diferentes momentos do processo de construção e diálogo sobre as informações.

Em continuidade,no terceiro capítulo, González Rey discute sobre o que caracteriza o método construtivo-interpretativo, isto é, ele possibilita a produção teórica nos diferentes momentos do processo da pesquisa e orienta o pesquisador quanto ao caminho metodológico a ser desenvolvido.

Nessa oportunidade, ele fala sobre o projeto de pesquisa nessa perspectiva, que diferentemente das pesquisas tradicionais, não define o problema a ser estudado pelo pesquisador, cujo desafio é ser criativo na construção de um modelo teórico que lhe possibilite significar qual é o problema.

No último e quarto capítulo, González Rey se dedica à explanação dos “processos de construção da informação na pesquisa qualitativa orientada pela epistemologia qualitativa”, momento em que expõe seu pensamento sobre o valor da dinâmica conversacional e dos instrumentos indutores desses processos. Assim, ele explica que o valor da informação é servir à interpretação e à abertura de novas zonas de sentido do problema ou ao aprofundamento da teoria.

Com isso, mostra como o pesquisador pode, mediante o princípio construtivointerpretativo, contrariar o modelo positivista de ciência. Em vez de descrever os “dados coletados”, pode produzir uma representação teórica da realidade estudada, integrando aspectos de sua organização e processualidade.

Por fim, expõe como seu pensamento sobre a pesquisa qualitativa é diferente de pesquisas qualitativas fundadas em outras epistemologias, como a análise do discurso e a análise de práticas discursivas. Para isso, oferece exemplos de como no processo da pesquisa qualitativa, como produção do conhecimento, as categorias de análise representam a concretização e a organização do processo construtivo-interpretativo das informações.

O convite para resenhar esse livro foi muito significativo, pois a pesquisa qualitativa na perspectiva de González Rey é um avanço inexorável, a ser devidamente considerado em diversos campos do saber, como a Socionomia, sistema teórico que aborda as relações humanas, sobre as quais, segundo o autor, o indivíduo produz subjetividade.

Por último, deixo registrado que o fato de conviver mais de 20 anos com esse grande mestre, Fernando Luis González Rey, foi uma felicidade e uma honra. Com ele aprendi a pensar sobre as questões da mente humana e a questionar sem medo o imobilismo que caracteriza as posições dogmáticas na Psicologia.

 

Recebido: 4/7/2019
Aceito: 12/7/2019

 

Vannúzia Leal A. Peres. Doutora em Psicologia. Estágio Pós-doutoral em Educação. Pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Psicodramatista e Terapeuta de Casais e Famílias. 

 

 

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