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Revista Brasileira de Psicodrama

On-line version ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.27 no.2 São Paulo July/Dec. 2019

http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20190017 

https://doi.org/10.15329/2318-0498.20190017
EDITORIAL

 

O psicodrama brasileiro na próxima década

 

Brazilian psychodrama in the next decade

 

Psicodrama brasileño en la próxima década

 

 

Heloisa Junqueira Fleury1,*

1.Universidade de São Paulo - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina - Instituto de Psiquiatria  – São Paulo (SP), Brasil.

 

  

O psicodrama chegou no Brasil após algumas tímidas iniciativas (Motta, 2008), mas só foi de fato apresentado ao público brasileiro com a realização do V Congresso Internacional de Psicodrama e o I Congresso Internacional de Comunidades Terapêuticas, ocorrido no Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 1970 (Almeida, 2008). Os participantes encantaram-se com a ampliação do potencial terapêutico dessa nova proposta de trabalho, inclusive com grupos, o que transformou as referências em psicoterapia (Cesarino, 2001).

Em 2001, o projeto Psicodrama da Ética e Cidadania, organizado por Marisa Greeb e João Batista Breda (Costa, 2001), teve uma função importante por consagrar o sociodrama no desenvolvimento de grupos sociais, caracterizando-se como um instrumento valioso para dar voz e espaço ao cidadão. Nesse evento, muitos psicoterapeutas psicodramatistas ousaram ampliar sua prática, atuando fora da proteção de seus consultórios. Empoderou-se o psicodrama brasileiro com o sociodrama aplicado ao desenvolvimento de grupos.

David Kipper (2002), um importante psicodramatista norte-americano, mencionou que a concepção do psicodrama clássico como uma unidade que integra a teoria e a prática desenvolvidas por Jacob Levy Moreno trouxe estabilidade ao movimento psicodramático emergente, porém, após algumas décadas, resultou em estagnação teórica. Por meio de uma pesquisa com 62 psicodramatistas norte-americanos experientes, esse autor identificou uma tendência de mudança para uma abordagem mais eclética e integrativa, diferente daquela visão clássica do psicodrama.

Resultado semelhante foi observado, em 2007, em estudo envolvendo respondentes de 26 países (80% brasileiros), de diferentes abordagens teóricas (38% psicodramatistas). Além da clínica, muitos profissionais atuavam em outras áreas, com populações em vulnerabilidade social e em situações de conflitos e trauma, tendo como objetivo o empoderamento e a inclusão social. Identificou-se uma tendência de integração de outras contribuições teóricas e práticas à formação original. O sociodrama brasileiro contemporâneo (ou sociopsicodrama), no intuito de atender às especificidades socioculturais brasileiras, em processo de fertilização teórica cruzada, parece ter sido influenciado por outras teorias, tais como a teoria sistêmica, teoria das redes sociais (apoio social), teoria de Pichon-Rivière (conceito de tarefa) e psicanálise (centralidade dos conceitos coinconscientes e coconscientes) (Fleury, 2008).

Uma revisão de pesquisas em psicodrama selecionou 31 publicações (de um total de 253 pesquisas qualitativas e/ou quantitativas), a maioria com atendimentos a adultos, mas também adolescentes e crianças. A maioria desses artigos era da Turquia (39%), Itália (13%), Israel (10%) e Estados Unidos da América (10%). Como a seleção foi feita em bases de dados em que a Revista Brasileira de Psicodrama ainda não está indexada e excluiu artigos não publicados em inglês, essa revisão sistemática integrativa não contemplou a experiência brasileira. Produziu uma visão geral do estado das intervenções psicodramáticas, com indícios de uma trajetória ascendente do psicodrama (Orkibi & Feniger-Schaal, 2019). Precisamos aproveitar esses dados para trabalharmos para que essa tendência de valorização crescente do psicodrama no exterior possa se tornar também uma realidade brasileira em futuro próximo.

No Brasil, temos uma tradição de pesquisa qualitativa em psicodrama, com alguns artigos publicados na Revista Brasileira de Psicodrama e em outros periódicos indexados em bases de dados reconhecidas, porém a grande maioria publicada em português. O idioma e a ausência nas bases de dados poderiam justificar a pouca visibilidade das pesquisas em psicodrama no Brasil, porém acreditamos que a sensibilização da comunidade psicodramática brasileira para a importância de novas interlocuções com nossos parceiros do mundo todo poderá trazer uma fertilização maior e, consequentemente, um enriquecimento da teoria e prática psicodramática.

Um modelo exitoso de incentivo para pesquisas foi adotado na Europa, pela Federação das Organizações Europeias Formadoras de Psicodramatistas (Fepto), que criou um comitê para promoção de pesquisa em todas as áreas de aplicação do psicodrama. Os resultados têm sido promissores, com muitas publicações e apresentações em congressos, com destaque para a compilação de estudos organizada por Stadler, Wieser e Kirk (2016). Essa obra foi dividida em quatro sessões: instrumentos de pesquisa, métodos e redes de pesquisa; pesquisa clínica com adultos; pesquisa clínica com crianças e jovens e pesquisa em supervisão, educação e formação (Stadler, Wieser & Kirk, 2016).

Em muitos estudos contemporâneos (Gonzales, Martins & Lima, 2018; Vieira, Torres & Moita, 2013; Gonzalez, 2012), a avaliação da evolução dos grupos e de indivíduos utiliza os instrumentos Clinical Outcomes in Routine Evaluation – Outcome Measure (CORE-OM) e o Spontaneity Assessment Inventory, versão revista (SAI-R). Esses dois instrumentos foram adaptados para o português brasileiro (Santana et al., 2015; Ramos et al., 2015), criando referências valiosas para o Brasil participar dessa nova tendência mundial, para fortalecer o psicodrama no contexto científico pela comprovação de resultados positivos com o uso da metodologia psicodramática.

Essas considerações ilustram o desafio de identificar influências que poderão enriquecer nosso psicodrama na próxima década. Precisamos acolher o convite feito por Orkibi e Feniger-Schaal (2019) aos editores de periódicos científicos para estimular pesquisas bem desenhadas para avaliação dos resultados obtidos com o arsenal terapêutico psicodramático. Essa tendência mundial de pesquisa em psicodrama poderá promover a qualidade dos atendimentos psicoterápicos e o contínuo desenvolvimento da teoria e da prática psicodramática.

Temos a bagagem necessária para adentrarmos nessa promissora viagem a um novo momento do psicodrama brasileiro, alinhados com a atualidade que estamos testemunhando cada vez mais. Estamos todos convidados!

 

REFERÊNCIAS

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Costa RP (2001). Apresentação. In: Costa RP (Org.). Um homem à frente de seu tempo: o psicodrama de Moreno no século XXI. São Paulo: Ágora, p. 13-15.         [ Links ]

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Kipper DA & Matsumoto M. (2002). From classical to eclectic psychodrama: conceptual similarities between psychodrama and psychodynamic and interpersonal group treatments. International Journal of Group Psychotherapy, 52(1), 111-120. https://doi.org/10.1521/ijgp.52.1.111.45464        [ Links ]

Motta JMC (Org.). (2008) Psicodrama brasileiro: histórias e memórias. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Orkibi H & Feniger-Schaal R (2019) Integrative systematic review of psychodrama psychotherapy research: trends and methodological implications. Plos One, 14(2), 1-26. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0212575        [ Links ]

Ramos MEC, Fukuda CC, Roberto PHS & Galvão AC (2017). Inventário de espontaneidade revisado (SAI-R): análise da estrutura fatorial da adaptação brasileira. Revista Brasileira de Psicodrama, 25(2), 8-18. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20170017        [ Links ]

Santana MRM, Silva MM, Moraes DS, Fukuda CC, Freitas LH, Ramos MEC & et al. (2015). Brazilian Portuguese version of the CORE-OM: cross-cultural adaptation of an instrument to assess the efficacy and effectiveness of psychotherapy. Trends Psychiatry Psychother, 37(4), 227-31. https://doi.org/10.1590/2237-6089-2015-0002        [ Links ]

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Vieira FM, Torres S & Moita G. (2013). Psicodrama e obesidade: desenvolvimento, implementação e avaliação de um programa de intervenção focado nas emoções. Revista Brasileira de Psicodrama, 21(2), 141-149.         [ Links ]

 

 

 

*Autora correspondente: hjfleury@uol.com.br

Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5084-8390

 

 

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