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Revista Brasileira de Psicodrama

On-line version ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.28 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2020

 

https://doi.org/10.15329/2318-0498.18413
COMUNICAÇÃO BREVE

 

"A Dança da Mente": workshop psicodramático

 

"The Dance of the Mind": psychodramatic workshop

 

"El Baile de la Mente": taller psicodramático

 

 

Paula Carriço1,*

1.Centro Respostas Integradas Coimbra - INFORMAR CIDADE, Portugal.

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo um encontro entre a escrita de Al Berto ("mente que escreve sobre o corpo") e a dança-teatro de Pina Bausch ("corpo que dança sobre a mente") através de uma vivência psicodramática. A partir destes dois eixos, pretende-se mapear o corpo como instrumento utilizado nestas formas de arte e experiência subjetiva. Enquanto componente estrutural da identidade e mediadora da relação, utilizamos as imagens do corpo como se fossem construção de novos percursos. A nosso ver estes tipos de técnicas podem ser utilizados em várias vertentes clínicas.

Palavras-chave: Psicodrama, corpo, mente, dança.


ABSTRACT

This work aims at a meeting between the writing of Al Berto ("mind that writes about the body") and the dance theater of Pina Bausch ("body that dances about the mind") through a psychodramatic experience. From these two axes, we intend to map the body as an instrument used in these art forms and subjective experience. As a structural component of identity and mediator of relationship, we use body images as if they were the construction of new paths. In our view this type of techniques can be used in various clinical aspects.

Keywords: Psychodrama, body, mind, dance


RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo un encuentro entre la escritura de Al Berto ("mente que escribe sobre el cuerpo") y el teatro de danza de Pina Bausch ("cuerpo que baila sobre la mente") a través de una experiencia psicodramática. A partir de estos dos ejes, tenemos la intención de mapear el cuerpo como un instrumento utilizado en estas formas de arte y experiencia subjetiva. Como componente estructural de la identidad y mediador de la relación, utilizamos imágenes corporales como si fueran la construcción de nuevos caminos. En nuestra opinión, este tipo de técnicas se pueden utilizar en diversos aspectos clínicos.

Palabras-clave: Psicodrama, cuerpo, mente, danza


 

 

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, as pesquisas sobre o corpo multiplicaram-se nas mais diversas áreas do conhecimento. A pluralidade de perspectivas que dinamizaram a construção da imagem do corpo é inter e transdisciplinar, recorrendo a instâncias psíquicas, individuais, coletivas, culturais, sociais e institucionais (Bentivoglio, 1994). Cada época atribui um significado ao corpo, constrói e reinterpreta as formas de gerir o corpo traduzindo assim a dinâmica cultural e social em questão (Bermúdez, 1997).

A criatividade, a espontaneidade, a libertação do corpo, as relações internas e interpessoais passam a ser as narrativas, os objetos de estudo, nestas diversas formas de olhar, de sentir, de ser… de fazer arte, no entendimento dos autores Al Berto e Pina Baush. Nesse sentido, realizamos um workshop psicodramático intitulado "Corpo e Mente em Movimento" que visou explorar a interação entre os dois conceitos.

 

A VIDA VIVIDA AQUI E AGORA: UMA PROPOSTA PRÁTICA (WORKSHOP)

Como o vínculo mente/corpo é indissociável, o desafio deste trabalho concretizou-se através de um workshop, apresentado no III Congresso da Primavera em Coimbra, em maio de 2016, onde fomos à procura de novas representações psicodramáticas dessa relação.

Iniciamos o workshop com um aquecimento inespecífico, onde os participantes foram convidados a cumprimentar-se sem palavras, através do toque de várias partes do corpo, desde a nuca até ao tornozelo. Posteriormente foram convidados a ver e ouvir um excerto do filme de Pina Bausch ("Pina" de Win Wenders, 2011) e andarem ou dançarem de acordo com a forma como se sentiam, naquele momento. Com base no atrás exposto, num grupo composto por cerca de 20 sujeitos, propusemos a separação dos vários elementos de acordo ‘com a forma como se sentiam com o seu corpo’. Todos os elementos, de acordo com as suas emoções e reflexões, foram convidados a fazer uma estátua que representasse simbolicamente o que sentiam. Surgiram cinco grupos onde os focos foram:

"Sinto-me bem com o meu corpo": um grupo maioritariamente jovem que desfilava de forma livre, fosse ele esbelto ou não, alto ou baixo, pessoas que nada alterariam no seu corpo.

"Sinto-me aprisionado no meu corpo": imagem representada por duas pessoas, em que uma envolve a outra com um pano, aprisionando-a sobre si própria. Ambas manifestaram o descontentamento e vergonha do corpo, por sentirem que não cumpriam os requisitos que a sociedade atual lhes impõe, como peso excessivo, baixa estatura, seios pouco exuberantes.

"Não sinto o meu corpo como meu": vários elementos construíram uma estátua onde um indivíduo estava deitado e os restantes dançavam à volta, como se de uma cerimónia ou ritual se tratasse.

"Com o meu corpo posso voar": alguns elementos representaram um pássaro, em cima de cadeiras, significando um voo livre e pacífico com os seus corpos.

"O meu corpo é a minha morte": apenas um elemento do grupo deitou-se no chão, enrolado sobre si próprio, escondendo uma magreza visível e descrevendo os antecedentes de Anorexia Nervosa e os limites do corpóreo.

Posteriormente, as estátuas foram postas em ação, com palavras, comportamentos, gestos que permitissem uma interação positiva entre as mesmas, no sentido de modificar emoções negativas e o sofrimento expresso, através da criação de uma nova imagem simbólica, mais construtiva, que proporcionasse uma maior harmonia interna e externa.

Numa segunda fase, foram colocadas letras soltas em pedaços de papel e o grupo foi convidado a construir uma frase após o período de interação entre os cinco grupos representados.

E assim aconteceu. No final, foi construída pelo grupo uma nova estátua onde todos os elementos interagiam entre si, em círculo, representando o universo em todas as suas dimensões, e no centro existia um corpo livre que dançava percorrendo o mundo e todos gritando em uníssono uma frase escrita por todos os participantes: "o meu corpo é muito maior que o meu mundo, se me sentir livre dentro dele posso recriá-lo a cada instante".

 

A VIDA NO ESPAÇO DRAMÁTICO

Jacob Levy Moreno (1889-1974), psiquiatra judaico romeno, conhecido como o pai do Teatro Espontâneo, Psicoterapia de Grupo, Psicodrama, Sociodrama e Sociometria, criou o "Teatro do Improviso" ou "Teatro Espontâneo", gênero no qual os participantes amadores improvisavam acontecimentos do dia a dia (Abreu, 2006). Moreno percebeu que, através da representação, os indivíduos tomavam consciência de seus conflitos psicológicos, reconhecendo-os e ampliando novas possibilidades para lidar com suas dificuldades e situações conflituosas (Vicente, 2005).

A sua ideologia baseava-se em três princípios (Bermúdez, 1997 e 1980; Soeiro, 1991; Contro, 2009):

A espontaneidade e a criatividade são as verdadeiras forças propulsoras do progresso humano; mais importantes, em sua opinião, que a líbido e as causas sócio económicas. Os afetos e a partilha mútuos são a base da vida em grupo. É possível construir uma comunidade dinâmica baseada nesses princípios.

Este teatro evoluiu para o teatro terapêutico. Notou-se que os atores, após representarem os seus próprios papéis, lidavam melhor com questões pessoais. Era mais fácil defender a espontaneidade num teatro terapêutico no qual as imperfeições e incongruências de um paciente são até esperadas e bem recebidas.

O Psicodrama convida ao encontro entre o indivíduo e os outros, visando a mudança do sujeito, no aqui e agora, bem como a qualidade das suas relações interpessoais (Moreno, 1983).

Se o corpo é o principal elo que une o sujeito e o mundo, construindo-se socialmente, tornando-se a arena onde os conflitos internos simbolizam uma reflexão dos tempos atuais, um corpo investido de afetos que nos representa perante o outro é um corpo que representa o que vivemos e o que somos (Dogan, 2010).

Espontaneidade é a capacidade de adaptação do homem de se adequar ao novo, e diz respeito à mobilidade e flexibilidade do "eu", caraterística vital e essencial à sua existência. É criada a cada instante, para cada circunstância (Bustos, 2005). A libertação dessa espontaneidade permite que as pessoas evoluam psiquicamente. Segundo Naffah Neto (1997) a espontaneidade é a plasticidade, a mobilidade da conduta, num papel flexível, ou seja, quando diferentes marcas da superfície do corpo catalisam múltiplos fluxos, sem dominação exclusiva de nenhum
deles.

 

A VIDA BAILADA

"A vida torna-nos artesãos das redes pessoais e interpessoais, nunca esquecendo que os corpos com direção não sabem estar parados" - citação de Bausch em Galhós (2010).

A passagem pela vida é a temática mais frequentemente integrada nas peças de Bausch, através das experiências dos intérpretes, com o objetivo de encontro, dando prazer por se estar em palco e dando prazer ao espectador por se sentir integrado neste contexto (Fernandes, 2001).

Bausch decide estudar dança na escola Folkwang, em Essen, fundada pelo coreógrafo Kurt Joos. Passa de bailarina a coreógrafa, passando pouco depois a funções de diretora artística e coreógrafa da companhia (Galhós, 2010). Em 1973, ocorre um dos momentos decisivos da sua carreira, pois surge o convite para dirigir a Companhia de Bailado do Teatro de Wuppertal.

A singularidade de Pina Bausch descobre-se em 1980, época em que houve uma viragem no seu trabalho, por passar a trabalhar sobretudo a partir das histórias de vida dos seus bailarinos. Neste contexto, Pina apela a uma reflexão interna e do mundo, colocando em comunicação através do corpo dos bailarinos, dando-lhes múltiplas leituras, levantando questões, refutando ideias. A dança-teatro reflete a realidade nas verdades de cada intérprete (Bentivoglio, 1994; Galhós, 2010).

O processo criativo de Pina Bausch baseava-se numa espécie de retrato dos estados emocionais do ser humano, através de questões oferecidas aos bailarinos: "O que desejaria se pudesse começar de novo? Porque não ser feliz na incerteza? Porque não continuar a dançar após tropeçar?" (Gil, J, 2001).

O trabalho de Bausch, no aqui e agora, contém uma consciência do corpo que é expressa no tempo vivido em palco. Pina afirmava que não investigava como é que as pessoas se moviam, mas o que as movia. Aqui o corpo é sinónimo de memória e veículo da expressão da pulsão, afetado pelas impressões oriundas do mundo. O palco representa o espaço de transição onde se trabalha o espontâneo, revelando em todas as suas obras a representação cénica da vida. O corpo é o princípio, não é um dado eterno e imutável (Vaccarino, 2005).

 "O que faço não é uma arte nem uma ciência, é a vida", afirmava a bailarina e coreógrafa.

 

A VIDA ESCRITA

Na década de 1970, assiste-se a uma mudança na literatura que nos coloca perante uma poesia com uma elevada faculdade no que respeita o sentir. Na opinião de vários escritores, de entre os quais se destacam Melo e Castro (1998) e Fernando Pinto do Amaral (1991), surge uma nova linguagem com abertura para a discursividade, a coloquialidade e o confessionalismo.

Alberto Raposo Pidwell Tavares, conhecido como Al Berto, nasce em Coimbra, Portugal, no ano de 1948. Vive parte da sua infância e a adolescência em Sines. Nos anos 1970 começa a publicar poesia, após o regresso do seu exílio voluntário em Bruxelas. O início da sua vida literária coincide com a queda do regime de Salazar (Freitas, 1999).

As temáticas recorrentes na escrita deste poeta - subjetividade, individualidade, experiência, sexualidade e corpo - vão trazer um debate cultural na reinserção de uma nova poesia. O trabalho da malha poética de Al Berto tem como alicerces a fragmentação do sujeito e a descrição de elementos fundamentais do quotidiano. A sua escrita transmite, através de adjetivos, a sociedade em que estamos inseridos: inquietante, fragmentada, apaixonada, numa procura permanente pela compreensão e exaltação da vida humana e na qual o corpo surge como o espaço onde a possibilidade de atingir outras dimensões, outros sentidos, é explorada (Freitas, 2005).

O poeta do corpo, a propósito desta designação afirma: "O corpo ocupa um lugar privilegiado na minha escrita. O meu corpo, o corpo imaginado e o corpo do outro. São muitos os corpos que circulam, ou habitam, vivem e morrem no corpo da escrita" (Berto, 2009). Al Berto refere ainda que pertence a uma época de poetas do corpo e que naturalmente a sua sexualidade vai surgir de forma explícita naquilo que escreve, livremente, sem repressões (Ornellas, 2008).

 

REFLEXÕES FINAIS

As narrativas de Moreno, Pina Bausch e Al Berto convocam o ser humano a revisitar as suas próprias memórias, a lidar com o incerto, evocando emoções através do corpo como instrumento primordial, enfatizando diversas formas de linguagem artística.

Tal como os psicodramatistas, os artistas da escrita e do movimento, sempre que o corpo é usado, fazem uma reinterpretação do que se sente no aqui e no agora.

Precisamos da criatividade para não adoecer, premissa difundida por Moreno e partilhada por Pina e Al Berto.

Moreno, no teatro espontâneo, inicia o seu trabalho através da dramatização com atores profissionais que com ele trabalhavam, nomeadamente o caso de Jorge e Bárbara, convidados a dramatizar as suas próprias cenas do quotidiano, tal como Pina Bausch, que, através da história de vida dos seus bailarinos, explorou novas realidades vivenciais. Para Moreno, o ser humano não constrói o sentido da sua existência, mas sim constrói o seu existir. Não há a preocupação com a interpretação, mas sim com o fazer e o pensar sobre o que foi ou está sendo feito. Para Al Berto, o corpo surge como o espaço onde é possível alcançarmos outras dimensões e sentidos.

A arte, como uma forma sublime de linguagem, permite que o ser humano se transforme e se promova no sentido de seu crescimento e desenvolvimento pessoal. Através de ingredientes como a criatividade e espontaneidade, o homem encontra na expressão artística o palco para a dramatização dos seus conflitos.

 

REFERÊNCIAS

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Carriço P https://orcid.org/0000-0001-5110-0296

*Autora correspondente: pbcarrico@gmail.com

 

Recebido: 12 Nov 2019 - Aceito: 19 Dez 2019

Editora de Seção Leila Kim

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