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Revista Brasileira de Psicodrama

On-line version ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.28 no.2 São Paulo May/Aug. 2020

 

EDITORIAL

 

As aplicações do psicodrama na pandemia COVID-19 em publicações preprint

 

The applications of psychodrama in the pandemic COVID-19 in preprint publications

 

Las aplicaciones del psicodrama en la pandemia COVID-19 en publicaciones preprint

 

 

Heloisa Junqueira Fleury1,*

 

1. Pesquisadora autônoma – São Paulo (SP), Brasil.

 

 

Há décadas, o psicodrama marca presença no mundo científico com a publicação da Revista Brasileira de Psicodrama. Desenvolvimentos teóricos e práticos do psicodrama, avanços decorrentes de novas práticas com avaliação criteriosa dos resultados, vêm sendo compartilhados na Revista, principalmente por uma nova geração de psicodramatistas.

A troca de informações é essencial para o desenvolvimento da ciência. Com a eclosão da pandemia COVID-19 e consequente isolamento social, psicoterapeutas e profissionais que trabalham com grupos buscaram informações para uma rápida adaptação à telepsicologia ou telepsicodrama (Fleury, 2020). O compartilhamento de experiências com o psicodrama on-line tornou-se urgente. Apesar de estarmos testemunhando inúmeros sociodramas, aulas e supervisões on-line, utilizando webinars e outras plataformas em rede social, consideramos que informações são insuficientes, precisamos de recursos para a seleção e a identificação do conhecimento científico.

Todo manuscrito submetido para publicação em periódico científico passa por um processo de revisão por pareceristas duplo-cego, ou seja, o sistema garante o anonimato de autores e pareceristas. Esse processo pode levar meses, atrasando o compartilhamento de estudos relevantes.

A necessidade de compartilhar resultados de pesquisa criou, imediatamente, a tendência do preprint (pré-publicação) (Souza, 2019). Essa modalidade significa a publicação do manuscrito antes ou concomitante ao processo de revisão por pares. As definições variam em função do foco em alguns de seus componentes chaves: gênero (o conteúdo é um manuscrito completo ou apenas parcial), tempo (antes ou concomitante ao processo de revisão, mas sempre anterior à publicação), versão (anterior à revisão por pares ou texto rejeitado na avaliação mas com conteúdo que os autores consideram relevante), acessibilidade (acesso aberto), responsabilidade (geralmente do autor) e valor (utilidade para os leitores) (Chiarelli et al., 2020).

Embora a submissão em preprint seja usual em muitas áreas, como na física, na matemática, na ciência da computação, na economia e outras, em ciências humanas é bem recente (Penfold & Polka, 2020). A relutância em aceitar essa modalidade de publicação decorre das muitas controvérsias sobre sua validade.

Os argumentos favoráveis consideram que ao submeter em preprint, o autor está permitindo que seu trabalho seja divulgado mais cedo e em uma base de dados de acesso aberto. Poderá ser lido mais rapidamente, auxiliando outros estudos, ser valorizado pelas citações, demonstrar evidências de produtividade, marcar prioridade de descoberta e permitir que outras pessoas contribuam com comentários, potencialmente, melhorando o trabalho ou levando a significativas colaborações (Soderberg, 2019).

Uma pesquisa empreendida entre outubro de 2018 e janeiro de 2019, com 38 respondentes majoritariamente de áreas com uso crescente de preprint (biologia, química e psicologia), confirmou os benefícios apontados por Soderberg (2019) e identificou que a divulgação rápida e precoce era o aspecto mais importante desses depositórios (Chiarelli et al., 2020).

Um estudo brasileiro acrescentou, entre os benefícios dos preprints, a economia por ser uma publicação gratuita, permitir mais publicações com DOI (Digital Object Identifier) e submissão simultânea em periódico, evitar investimento financeiro em estudos que já estão em andamento, publicar resultados negativos, garantir a publicação e favorecer a identificação precoce de erros (Souza, 2019).

Por outro lado, críticos apontam os riscos de prejudicar a publicação acadêmica baseada na qualidade, por não terem sido cuidadosamente e minuciosamente examinados antes de sua liberação para o domínio público (Silva, 2019). Outros se preocupam com sua credibilidade e o risco de concorrentes utilizarem seus dados (Helsloot, 2019).

Algumas das preocupações referem-se à qualidade prejudicada pelo aumento exponencial de artigos sem revisão por pares, à dificuldade para avaliação prévia, à responsabilidade exclusiva do autor, aos possíveis erros metodológicos e outros e à diminuição da necessidade da avaliação duplo-cego (Souza, 2019). Chiarelli et al. (2020) acrescentaram a violação da "regra ingelfinger", relativa à publicação exclusiva de conteúdo inédito, adotada por muitos periódicos científicos.

Um outro ponto relevante na análise da validade de publicação em repositórios preprints é o potencial risco de fragilizar os periódicos científicos (Cobb, 2017). No entanto, Penfold e Polka (2020) levantam várias evidências de que a publicação preprint é complementar à subsequente no periódico, inclusive oferecendo benefícios aos editores. Destacam que, mesmo quando há poucas alterações decorrentes da revisão por pares, esse processo garante validação e melhorias do conteúdo. Além disso, artigos publicados em preprint ganham mais atenção ao longo do tempo, na medida em que recebem mais comentários do que os próprios de um típico processo de revisão por pares.

Confirma esse ponto o estudo com uma amostra de 74.239 artigos publicados em 39 periódicos científicos, sendo que 5.405 tinham sido publicados em preprint. Fu e Hughey (2019) observaram que os artigos publicados em preprint tinham, em média, 36% mais citações que os demais, além de outras vantagens.

A questão da diversidade cultural e linguística pode ser valorizada com o preprint. Práticas clínicas, particularmente psiquiatria de crianças e adolescentes, assim como a eficácia do tratamento dependem do contexto cultural. Poremski et al. (2019) relatam que a maioria das revistas científicas revisadas por pares prioriza artigos escritos em inglês. Além disso, muitos editores podem relutar em aceitar publicações que abordam conteúdos com especificidades culturais ou linguísticas, com o argumento de que limitam a generalização. O preprint pode ser uma oportunidade única para preservar e expandir a diversidade cultural em etiologia e terapêutica, incluindo condições ligadas à cultura (Poremski et al., 2019).

No Brasil, em 2018, o Programa SciELO iniciou a operação do servidor SciELO Preprints (SciELO, 2018), alinhado com a ciência aberta. Atualmente, embora aberto a todas as áreas temáticas, está priorizando comunicações relacionadas com a COVID-19.

Essa mesma urgência do compartilhamento levou a Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) (Rocha, 2020) a unir-se ao Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) para lançar o repositório preprint Emerging Research Information (EmeRI) (EmeRI, 2020). Trata-se de um indexador de revistas científicas/acadêmicas que disponibiliza um serviço para publicação das submissões recebidas, imediatamente após sua aprovação na revisão de conformidade. Concede acesso livre e irrestrito a todos os seus itens a qualquer interessado, conforme as melhores práticas e princípios da ciência aberta.

Ao oferecer a alternativa da publicação como preprint por revistas científicas, enquanto os textos seguem o processo editorial regular, o EmeRI soluciona o dilema ético, em que publicar sem revisão por pares contrariaria a integridade do processo editorial, mas reter a difusão do resultado de pesquisas implicaria atrasar o avanço do conhecimento (EmeRI, 2020).

Essa iniciativa de publicação em preprint atendeu à necessidade da Revista Brasileira de Psicodrama, uma das revistas indexadas, de compartilhar artigos relevantes para a abordagem da pandemia usando a metodologia psicodramática, devido à urgência do avanço da ciência.

Um outro aspecto importante do EmeRI é a presença da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) na parceria que criou esse repositório, o que aumenta o potencial de visibilidade internacional às revistas participantes. Essa parceria é particularmente valiosa para o Psicodrama, que vem sendo considerado uma metodologia relevante para o desenvolvimento de grupos e comunidades em vulnerabilidade social pela sua característica estrutural de valorizar o contexto cultural e promover a inclusão social a partir dos recursos do próprio grupo (Fleury, Marra & Knobel, 2015).

Nesse contexto, a Revista Brasileira de Psicodrama está indexada pelo EmeRI para divulgar as experiências terapêuticas do psicodrama on-line. Nossos autores entram em cena para esse avanço inesperado de uma divulgação diferenciada.

 

REFERÊNCIAS

Chiarelli, A., Johnson, R., Pinfield, S., & Richens, E. Preprints and Scholarly Communication: An Exploratory Qualitative Study of Adoption, Practices, Drivers and Barriers. F1000Research 2019, 8:971 Last updated: 04 FEB 2020. Latest published: 25 Nov 2019, 8:971. https://doi.org/10.12688/f1000research.19619.2        [ Links ]

Cobb, M. (2017). The prehistory of biology preprints: A forgotten experiment from the 1960s. PLoS Biolology 15(11): e2003995. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.2003995        [ Links ]

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Fleury, H. J. (2020). Psicodrama e as especificidades da psicoterapia on-line. Revista Brasileira de Psicodrama, 28(1), 1-4. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20203        [ Links ]

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Helsloot, A. (2019). Lifting the lid on preprints: part one. An in-depth interview with two subject-matter experts. Recuperado de: https://www.elsevier.com/connect/authors-update/lifting-the-lid-on-preprints-part-one        [ Links ]

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Souza, J. R. S. (2019). The emergence of preprints for Brazilian science: considerations from the Nursing area. Revista da Escola de Enfermagem da USP. 53:e03534. http:// doi.org/10.1590/S1980-220X2019020803534        [ Links ]

 

 

*Autora correspondente: hjfleury@uol.com.br

       Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5084-8390

 

 

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