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Barbaroi

Print version ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.35 Santa Cruz do Sul Dec. 2011

 

ARTIGOS

 

Estratégias de coping utilizadas por pilotos de caça

 

Coping strategies used by fighter pilots

 

 

Carla Marcieli RampelottoI; Josiane Lieberknecht Wathier AbaidII

ICentro Universitário Franciscano - Rio Grande do Sul - Brasil
IICentro Universitário Franciscano - Rio Grande do Sul - Brasil

 

 


RESUMO

Frente a um evento estressante que ultrapassa a capacidade de gerenciamento de uma pessoa, utilizam-se as estratégias de coping. O presente estudo identificou eventos estressantes relacionados ao trabalho, bem como as estratégias de coping mais utilizadaspor pilotos de caça de um esquadrão militar do RS. Participaram 13 pilotos de caça, que responderam a um questionário com dados sociodemográficos e ao Inventário de Estratégias de Coping. Os eventos estressores dos participantes relacionaram-se ao voo e ou a questões administrativas. As estratégias de coping mais utilizadas diante destas situações foram Suporte Social, Reavaliação Positiva e Resolução de Problemas. As fontes de apoio referidas para o enfrentamento foram: a família, a esposa, os colegas de trabalho, os chefes e os amigos. A identificação das estratégias permitiu explorar algumas ações tomadas por estes militares diante de situações estressantes, o que poderá auxiliar no planejamento das atividades do esquadrão do ponto de vista psicológico e administrativo.

Palavras-chave: Estratégias de Coping. Estresse. Militares. Pilotos


ABSTRACT

Faced with a stressful event that exceeds the capability of managing a person, we use the coping strategies. The present study identified stressful events related to work, as well as the coping strategies most used by fighter pilots of a military squad of RS. Thirteen fighter pilots participated of the research; they answered a questionnaire with demographic data and the Coping Strategies Inventory. The participants' stressful events are related to the flight and / or administrative matters. The most frequently used coping strategies in face of these situations were social support, positive reappraisal and Troubleshooting. The sources of support for those coping were: family, wife, co-workers, bosses and friends. The identification of strategies allowed to explore some actions taken by these soldiers faced with stressful situations, which may assist in planning activities of the squad in terms of psychological and administrative view.

Keywords: Coping Strategies. Stress. Military. Pilots


 

 

Introdução

O estresse tem sido considerado como um dos problemas que mais frequentemente age sobre o ser humano (CAMELO; ANGERAMI, 2008; PAFARO; MARTINO, 2004). É importante considerar não só a imensa quantidade de fatores potencializadores de estresse, mas também, os aspectos singulares, a maneira como cada um reage às pressões cotidianas, bem como os aspectos culturais e sociais aos quais os indivíduos estão submetidos. Uma vez que a maneira de reagir a estímulos é um fruto da aprendizagem, o oposto também pode ocorrer e é possível desaprender certas reações inadequadas e estressoras.

O estresse pode ser definido como um desgaste geral do organismo, causado pelas alterações psicofisiológicas que ocorrem quando o indivíduo é obrigado a encarar situações que o irritem, excite, amedrontem, ou mesmo que o façam imensamente feliz (LIPP, 2000).

Estudos como o de Antoniazzi, Dell'Aglio e Bandeira (1998), além de Carver e Scheier (1994), vêm discutindo as diferentes formas de adaptação dos indivíduos a circunstâncias adversas através do conceito de coping. A palavra coping não possui tradução literal para o português, mas seu significado aproximado pode ser entendido como lidar ou enfrentar. O conjunto de esforços tanto cognitivos quanto comportamentais que os indivíduos utilizam diante de uma situação de estresse pode ser entendido como coping (LAZARUS; FOLKMAN, 1984). Esses esforços são emitidos para modificar o ambiente na tentativa de adequar-se da melhor forma possível ao evento estressor, reduzindo ou minimizando seu caráter aversivo. Tais estratégias são aprendidas, mantidas ou não, no decorrer da vida de cada pessoa, dependendo dos esquemas de reforçamento a que cada um foi submetido durante sua vida.

Folkman e Lazarus (1980) identificam duas formas de coping, que podem ser classificadas dependendo de sua função. Coping focalizado no problema e coping focalizado na emoção. O primeirosão comportamentos que causam mudanças diretamente na situação geradora de estresse com o objetivo de modificar, de alguma forma, o evento que está exigindo adaptação do indivíduo. Já o focalizado na emoção agrupa estratégias que têm por objetivo lidar com a resposta emocional desencadeada pelo evento estressor. Os autores também enfatizam que as estratégias de coping podem até mudar de momento para momento, durante os estágios de uma situação estressante. O coping, por ser um processo de interação entre indivíduo e ambiente, tem a função de administrar, reduzindo, minimizando ou tolerando a situação estressora, mais que controlá-la ou dominá-la (FOLKMAN; LAZARUS, 1980).

O coping centrado no problema e na emoção influenciam-se mutuamente em todas as situações estressantes, conforme Savóia (1999). As pessoas utilizam ambas as formas de coping, o que pode evitar ou facilitar a manifestação de uma ou outra forma. O modo pelo qual uma pessoa utiliza o coping está determinado, em parte, por seus recursos, os quais compreendem saúde e energia, crenças existenciais, habilidades de solução de problemas, habilidades sociais, suporte social e recursos materiais. O coping é também determinado por variáveis que diminuem o uso dos recursos pessoais. Essas podem ser de natureza pessoal, compreendendo valores e crenças culturais que indicam certas formas de déficits de comportamentos. Além disso, as variáveis ambientais podem competir com os recursos pessoais, tais como apoio e recursos disponíveis.

Existem várias concepções teóricas a respeito de coping. Para Chaves et al. (2000) a Psicologia Analítica do Ego, coping é um traço ou estilo de agir que controla e resolve o conflito da situação. Para o Modelo Animal, coping são atos que controlam condições aversivas e assim reduzem o impulso ou a ativação, resumindo-se em comportamentos de luta ou fuga frente a uma situação de ameaça. Para o Modelo Interacionista Cognitivo proposto por Lazarus e Folkman (1984), o coping é definido como o conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, utilizado pelos indivíduos com o objetivo de lidar com demandas específicas, internas ou externas, que surgem em situações de estresse. Enquanto os estilos de enfrentamento referem-se às características de personalidade do indivíduo, as estratégias de enfrentamento se referem às ações cognitivas diante de uma situação particular de estresse, sendo compreendidas como processo (ANTONIAZZI; DELL'AGLIO; BANDEIRA, 1998).

O Inventário de Controle de Estresse reuniu as estratégias de coping em aspectos fisiológicos que englobem exercícios físicos, práticas gerais de nutrição e saúde; sistemas de apoio, que envolve o suporte social da família e de amigos, sessões de psicoterapia, freqüência a uma igreja, recreação e hobbies; habilidades interpessoais e de controle que englobam treinamentos e experiências de crescimento pessoal, conforme Lipp (1984). O Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus (1984 apud SAVÓIA et al., 1996), adaptado para o português por Savóia et al. (1996), é um instrumento de auto avaliação, em forma de questionário que contém 66 itens, englobando pensamentos, ações e estratégias que as pessoas utilizam para lidar com demandas internas e externas de um evento estressante específico.

As estratégias de coping são divididas em oito fatores de acordo com Savóia et al. (1996): Fator 1 - Confronto (o indivíduo acredita que tem que enfrentar a situação estressante, sem se afastar das situações de risco); Fator 2 - Afastamento ( há um afastamento das possíveis situações estressantes no momento em que ela ocorre); Fator 3 - Auto-Controle(há uma crença de que deve, simplesmente, haver um auto-controle para que a situação estressante passe); Fator 4 - Suporte Social (estratégias pelas quais se busca um auxílio externo, como amigos, colegas ou familiares); Fator 5 - Aceitação de Responsabilidade (se pensa que a situação estressante é em decorrência de suas ações e aceita sua existência); Fator 6 - Fuga- Esquiva (há uma evitação de possíveis situações de risco); Fator 7 - Resolução de Problemas (tentativa de usar técnicas para manejar a situação), e Fator 8 - Reavaliação Positiva (cujas estratégias procuram avaliar o que tem de positivo na situação que o sujeito está vivenciando naquele momento).

As estratégias de coping precisam ser avaliadas a partir do contexto em que ocorreu o episódio de estresse, das características do próprio evento e das respostas dos indivíduos envolvidos e não determinando as estratégias como sendo boas ou más, adaptativas ou mal adaptativas (ANTONIAZZI; DELL'AGLIO; BANDEIRA, 1998; ZAKIR, 2003).

Entre as estratégias citadas anteriormente, cabe ressaltar a estratégia de suporte social, em que se busca uma rede de apoio para enfrentar situações estressantes. A rede de apoio social é entendida como o conjunto de sistemas e de pessoas significativas que compõem os elos de relacionamento recebidos e percebidos do indivíduo. Um alto nível de apoio social pode melhorar o funcionamento pessoal e proteger o indivíduo de efeitos negativos causados por adversidades e estresse (BRITO; KOLLER, 1999; NEWCOMB, 1990). Existem cinco tipos de apoio social segundo Pesce, Assis, Santos, e Oliveira (2004): o emocional, que é recebido pela confiança, compartilhamento de problemas e sentimentos; o informacional, que se refere a conselhos e informações; o instrumental ou material que conta com ajuda em caso de doença e tarefas diárias; afetivo que demonstram as manifestações de afeto e amor, como dar um abraço e a interação positiva que inclui atividades prazerosas conjuntas.

A rede de apoio é muito importante para o enfrentamento dos diversos tipos de eventos estressores relacionados ao trabalho de diferentes profissões, entre as quais está a de militares. Uma pesquisa realizada com os componentes do I Contingente em Missão de Paz no Haiti, do Exército Brasileiro, visou investigar a natureza e a adequação das estratégias de coping em relação aos 10 estressores mais intensivos da tropa de paz (NASCIMENTO, 2007). Os resultados mostraram uma diferença significativa de estratégias entre o grupo de oficiais e o dos subtenentes/sargentos quanto aos estressores, mas não houve diferenças significativas em relação aos enfrentamentos dos estressores. Outro estudo realizado por Silva e Teixeira Júnior (2006) comparou os contingentes I e II da Força Militar de Paz, quanto à intensidade de estressores e às reações de estresse, os resultados apontaram baixos níveis de ansiedade, depressão e níveis de estresse em ambos os contingentes, havendo um aumento da intensidade dos estressores do primeiro para o segundo contingente.

Mais especificamente sobre a função de pilotos de caça, pode-se dizer que suas condições de trabalho não são invejáveis. De acordo com Dejours (1992), esses profissionais dispõem de pouco espaço físico, ficam amarrados por múltiplos cintos, capacete, máscara de oxigênio, luvas, muitas vezes necessitam de muita força física, e suportam níveis desagradáveis de barulho e pouca luminosidade, entre outros. Além disso, o piloto de caça necessita conservar intactas toda sua vigilância e suas faculdades psicossensoriais e sempre vigiando o exterior, mantendo a comunicação com controle terrestre. O funcionamento entre homem-máquina neste caso exige a perfeição, pois qualquer falha pode levar à morte. Diante desta proximidade permanente com a morte, da apreensão das falhas materiais, físicas ou psíquicas emergem a ansiedade e o medo (DEJOURS, 1992).

O treinamento e a formação do piloto prolongam-se por toda vida profissional com extrema assiduidade, além do seu valor técnico, real e concreto, desempenha um papel fundamental do ponto de vista psíquico a serviço do equilíbrio e da estabilidade da personalidade. Os pilotos de caça necessitam de uma perfeita associação de todas as qualidades intelectuais, psicológicas e físicas. Poucas profissões realizam tal unidade teórico-prática, e raras situações exigem tantas capacidades de um só indivíduo simultaneamente, o que caracteriza a profissão como de alto nível de estresse, pois qualquer falha pode levar à morte (DEJOURS, 1992). Além das habilidades mencionadas, no contingente brasileiro, os militares exercem também funções burocráticas e administrativas, o que pode gerar frustração e ser uma fonte de estresse.

A partir desta problemática a presente pesquisa teve por objetivo explorar e descrever, de forma transversal, os tipos de eventos estressantes, as estratégias de Coping e as principais fontes de apoio de pilotos de caça de um esquadrão militar do Rio Grande do Sul, vivenciadas em relação ao trabalho.

 

Metodologia

Participantes

Participaram da pesquisa todos os 13 pilotos de caça de um esquadrão militar da Força Aérea Brasileira, em uma cidade do Rio Grande do Sul. Essa unidade militar realiza missões utilizando diversos armamentos e equipamentos. Tal local é composto por cerca de 100 militares com diferentes hierarquias e funções, dentre os quais estão os referidos pilotos.

Instrumentos

Para a coleta de dados foi utilizado um questionário e o Inventário de Estratégias de Coping. O questionário inclui variáveis sociodemográficas tais como: idade, naturalidade, estado civil, além de questões relativas ao contexto militar, que inclui o posto, quanto tempo faz parte do esquadrão, qual a função no esquadrão, quantas horas de vôo tem, se é piloto, piloto-instrutor ou aluno e se tem mais militares em sua família e em que força.

O Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus (1984 apud SAVÓIA et al., 1996), adaptado para o português por Savóia et al. (1996) contém 66 itens, que avaliam as estratégias de coping através de oito fatores: Confronto; Afastamento; Auto-Controle; Suporte Social; Aceitação de Responsabilidade; Fuga- Esquiva; Resolução de Problemas, e Reavaliação Positiva. Os itens foram respondidos de acordo com a intensidade com que utilizaram cada estratégia mencionada, em determinada situação, tendo como opções de respostas: (0) não usei esta estratégia, (1) usei um pouco, (2) usei bastante e (3) usei em grande quantidade.

Para identificar as principais fontes de apoio a quem recorreram os militares diante do evento citado foi acrescentada verbalmente a seguinte questão ao final da aplicação dos instrumentos: "diante da situação que você mencionou, com quem você mais pôde contar como apoio para superá-la?"

Procedimentos

Primeiramente foi realizado contato com o comandante do esquadrão para explicar os objetivos da pesquisa e obter a autorização para realizá-la. Após a autorização a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Centro Universitário Franciscano (Nº. 107.2010.3). Todos os participantes do estudo receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da aplicação dos instrumentos. Os instrumentos foram aplicados individualmente em salas reservadas, em uma única vez, com duração média de 30 minutos, na própria instituição.

Para a análise do Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus (1984, apud SAVÓIA et al., 1996), foram seguidas as instruções de Savóia et al. (1996), que adaptou o inventário para a Língua Portuguesa. As respostas dos participantes foram transferidas para uma tabela do Excel (2003) e posteriormente, os oito fatores elencados pelas autoras (SAVÓIA et al., 1996) foram computados através do programa de estatística SPSS. Quanto ao evento estressante citado pelos participantes procurou-se identificar semelhanças e diferenças de forma qualitativa (BARDIN, 2010; GIBBS, 2009), uma vez que cada pessoa enumera um evento diferente.

 

Resultados e discussão

Este estudo buscou identificar, de forma exploratória e descritiva, os tipos de eventos estressantes, as estratégias de coping e a fonte de apoio relatada por pilotos de caça de um esquadrão militar, em vivências relacionadas ao trabalho. Inicialmente, serão apresentados os dados descritivos dos participantes. Em seguida, serão apresentadas as situações de estresse, as categorias de estratégias de coping mais utilizadas e as fontes de apoio relatadas.

Descrição sociodemográfica

Dentre os 13 pilotos participantes do estudo, todos do sexo masculino, a média de idade foi de 32,85 anos (DP=6,13). Quanto ao estado civil, a maioria deles era casada (77%) e o restante, solteiros ou separados. Com relação a ser familiar de militares, 46,2% tinham parentes próximos que também eram militares (polícia civil e militar, aeronáutica e exército). A experiência dos participantes em horas de voo variou de 800 horas a 3000. O tempo médio de exercício profissional junto ao esquadrão foi de 46 meses (DP=51,66), tendo variado de 5 a 192 meses.

Situações de estresse vivenciadas

Com relação às situações de estresse vivenciadas pelos pilotos de caça foi possível dividi-las em duas categorias temáticas: relacionadas ao vôo propriamente dito (n=7) ou não relacionadas ao voo e sim a tarefas administrativas (n=6). As situações relacionadas ao vôo propriamente dito incluíram "dificuldades no desempenho de nova missão durante o treinamento" ou "pouca experiência para utilizar novos equipamentos". Já as situações de estresse não relacionadas ao vôo, mas relacionadas a tarefas administrativas, incluíram questões tais como "trocar de setor" ou "organizar um evento".

Estratégias de Cooping:

As estratégias utilizadas pelos participantes do estudo estão descritas na Tabela 1.

Quanto ao tipo de estratégia, verificou-se que as estratégias de coping mais utilizadas pelos pilotos de caça foram: Suporte Social, Reavaliação Positiva e Resolução de Problemas.

A estratégia menos utilizada foi a de Fuga e Esquiva. A estratégia de suporte social (por exemplo, "Falei com alguém sobre como estava me sentindo"), é uma estratégia de enfrentamento que está focada tanto no problema como na emoção (FOLKMAN; LAZARUS, 1980). Esta estratégia está relacionada ao apoio encontrado nas pessoas e no ambiente, sendo este um fator psicossocial positivo, que pode ajudar o piloto a lidar com o efeito indesejado do estresse e a sua resposta ao evento estressor.

Sobre a rede de apoio, cabe incluir os resultados da pergunta final realizada junto aos participantes, "diante da situação que você mencionou, com quem você mais pôde contar como apoio para superá-la?". As fontes de apoio referidas pelos pilotos foram: a família, a esposa, os colegas de trabalho, os chefes e os amigos. Essas variaram bastante e foram independentes do tipo de evento citado inicialmente.

Ao utilizar a estratégia de suporte social, o piloto parece perceber e utilizar o apoio de seus familiares, de amigos e de seus colegas de trabalho, conseguindo lidar melhor com as situações estressantes, seja encontrando uma solução ou por razões emocionais. Segundo Savóia (1999), o suporte social traz o benefício, por vezes, de diminuir riscos de desordens, tais como reduzir o impacto estressor e influenciar na interpretação da ameaça do evento estressor, sendo que, as pessoas que apresentam maior satisfação com a vida hoje são aquelas que recebem mais suporte afetivo (RESENDE, 2006).

Quando há apoio social suficiente, segundo Fonseca (2008), ocorre certa "absorção" de parte dos efeitos adversos do ambiente o que, consequentemente, pode vir a minimizar o desencadeamento de patologias, favorecendo o bom desempenho das tarefas laborais por parte dos trabalhadores. Ao falar sobre sua fonte de apoio, os pilotos mencionaram que podiam contar com os colegas de trabalho, já que estes passaram por situação semelhante à sua. Dessa forma, os participantes sentiram que recebiam o suporte necessário, seja através de feedback, ou mesmo espelhando-se sobre sua experiência. Além disso, as amizades, a família e o contato social são muito relevantes para os militares já que necessitam mudar-se diversas vezes, colocando em risco as redes de relações e apoio.

Autores como Nogueira (2001) e Ramos (2002) afirmam que as relações sociais significativas dão sentido às experiências e podem oferecer apoio. São importantes elementos no processo de adaptação, principalmente em momentos de transição da vida adulta. As pessoas que estão em contato com as outras podem ser mais inclinadas a ter hábitos saudáveis, a ajuda dada ou recebida contribui para o aumento de um sentido de controle pessoal, tendo uma influência positiva no bem-estar psicológico. O suporte social que as redes sociais oferecem, reduz o isolamento e aumentam a satisfação com a vida das pessoas (CARVALHO et al., 2004).

Outra estratégia de coping muito utilizada, a Reavaliação Positiva, é uma estratégia de enfrentamento dirigida para o controle das emoções e uma forma de reinterpretação positiva de uma situação inicialmente vista como negativa, como no exemplo "Mudei alguma coisa em mim, me modifiquei de alguma forma". Essa favorece a utilização da experiência vivenciada como forma de crescimento, mudança pessoal e aprendizagem, segundo Straub (2002).

Tal reavaliação é uma resposta a mudanças nas condições internas e externas, a partir de novas reflexões do impacto da reação do indivíduo e das estratégias utilizadas. Reavaliando a situação, o indivíduo descobre uma forma de enfrentar seu problema por mérito próprio, conseguindo mudar algo em si mesmo, não desestimulando frente às dificuldades pelas quais passou, tendo crescido como pessoa. Percebe, ainda, que é capaz de ajudar quem está próximo, e que esteja passando por problemas semelhantes aos seus (GIMENEZ, 1997).

A estratégia de resolução de problemas pressupõe um planejamento adequado para lidar com os estressores, como no exemplo "Fiz um plano de ação e o segui". Ao invés de anular ou afastar a situação estressante de seu cotidiano, o indivíduo opta por resolver seu problema, modificar suas atitudes, sendo capaz de lidar com as pressões das pessoas e do ambiente ao seu redor, diminuindo ou eliminando a fonte geradora de estresse (DAMIÃO et al., 2009).

A profissão piloto de caça exige que exista um funcionamento entre homem-máquina perfeito, pois qualquer falha, qualquer detalhe pode levar à morte. Isso justifica que a estratégia resolução de problemas tenha aparecido como uma das mais utilizadas. A formação do piloto de caça é extremamente rigorosa, para que esteja preparado para lidar com diferentes situações de estresse e para que o mesmo consiga ter um plano de ação e executar em fração de segundos para que o pior não aconteça.

A estratégia de Fuga e Esquiva, menos utilizada pelos participantes é caracterizada por ser pouco adaptativa em diversas situações. O fato de terem sido pouco utilizadas pode sinalizar o preparo destes pilotos para lidar com situações de estresse no seu ambiente de trabalho. Da mesma forma, a utilização das demais estratégias mencionadas anteriormente evidenciam o treinamento emocional a que são submetidos esses profissionais, para que focalizem na situação problema de forma a resolver utilizando as redes disponíveis, por exemplo. Não se tem, a priori, estratégias perfeitas e sim estratégias que podem ser úteis ou não, dependendo do caso e da pessoa e ainda do momento em que este se encontra.

 

Considerações finais

Esse estudo permitiu compreender um pouco mais sobre como os pilotos enfrentam as situações de estresse no trabalho, quais estratégias estão envolvidas no processo e quais as principais fontes de apoio que os mesmos possuíam na ocasião da coleta de dados.

Com a identificação dos eventos estressores, das estratégias utilizadas pelos pilotos e da rede de apoio que possuem, pode-se fornecer dados para intervenções futuras no esquadrão, do ponto de vista psicológico e administrativo. O estudo poderá auxiliar no aprimoramento de desenvolvimento de estratégias para situações de estresse futuras, como por exemplo, em guerras ou catástrofes ambientais. Com este estudo pode-se conhecer que existem outras fontes de estresse a que o piloto está exposto, além daquela imagem do senso comum de que piloto de caça apenas pilota. Os mesmos estão envolvidos diretamente em funções administrativas, que podem ir aumentando à medida que evoluem no grau hierárquico dentro da Força. Sendo assim, a fonte de estresse não está ligada somente ao vôo, mas na busca constante de soluções no dia a dia administrativo e organizacional. Essas tarefas merecem ser mais bem investigadas com vistas a qualificar ainda mais o trabalho daqueles que devem defender o país.

Além disso, esse estudo constatou a importância da família e dos colegas como rede de apoio significativa para os pilotos participantes. A forte utilização do recurso de suporte social pode ser muito útil em situações nas quais sofrem quebras de vínculos frequentes entre os deslocamentos dentro e fora do país. Dessa forma, sugere-se que estudos futuros verifiquem a repercussão disso triangulando dados dos pilotos com os de suas famílias e colegas, por exemplo.

Uma limitação para este estudo foi que não estamos em uma situação de guerra nem catástrofe ou missão de paz no sul do Brasil, mas os pilotos fazem missões de treinamento, e isso poderia dar diferença nos resultados da pesquisa em uma situação mais grave em relação às estratégias de enfrentamento. Além disso, por ser uma amostra tão específica e restrita, tornou-se muito delicado aprofundar os casos sem quebrar o sigilo das informações sobre a identidade do participante ou da instituição envolvida, razão pela qual se optou por não fazê-lo neste momento. Nessa perspectiva estudos futuros que englobem outras forças militares e não militares seriam necessárias.

Sugere-se ainda, para estudos futuros, que se faça uma comparação sobre a visão que a população tem sobre o que os pilotos de caça fazem e o que eles realmente fazem, já que há evidências de fontes estressoras diferentes do suposto imaginário social. Outra sugestão é comparar as estratégias utilizadas com não pilotos, ou mesmo com outras profissões, o que não foi objetivo deste estudo.

 

Referências

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Recebido em: 12/03/2010
Aceito em: 15/11/2011

 

 

Sobre os autores:
Carla Marcieli Rampelotto,
graduanda em Psicologia no Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). E-mail: psikokarla@gmail.com
Josiane Lieberknecht Wathier Abaid, psicóloga graduada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestre e doutoranda em Psicologia pelo PPG em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Docente no Curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA, RS). E-mail: josianelieb@yahoo.com.br

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