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Barbaroi

versión impresa ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.35 Santa Cruz do Sul dic. 2011

 

ARTIGOS

 

Delegacia e defensoria pública no combate à homofobia em Belém do Pará

 

Delegacy and public defender's office in the combat of homophobia in Belem of Para

 

 

Lázaro Castro Silva NascimentoI; Adelma PimentelII

IUniversidade Federal do Pará - Pará - Brasil
IIUniversidade Federal do Pará - Pará - Brasil

 

 


RESUMO

Em 2009, no Brasil, foram registrados 195 assassinatos por homofobia. Deste total, 20 ocorreram na Região Norte do país. Este número suscita a discussão acerca da incidência da homofobia em Belém do Pará. Assim, buscamos identificar quais instituições zelam pelas políticas públicas previstas para combater este tipo de violência e qual a compreensão dos gestores das mesmas acerca deste fenômeno. A Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios e a Defensoria Pública através do Núcleo de Direitos Humanos foram as duas instituições de Belém pesquisadas. Trata-se de uma pesquisa exploratória em que foi utilizada uma metodologia qualitativa de coleta de dados: exame bibliográfico, observações e entrevistas semiestruturadas. Dentre os resultados detectamos que a discussão sobre homofobia cresceu e mostra-se cada vez mais presente na sociedade; o projeto de lei que visa o combate à homofobia é uma importante política pública em construção. Concluímos que a discriminação e o preconceito contra a orientação sexual transitam entre atos violentos explícitos e atos velados, por exemplo, não testemunhar a agressão presenciada. A orientação sexual homoerótica ainda é marginal por escapar ao padrão heteronormativo. Em Belém, além disso, não há espaço para a vivência plena e livre da sexualidade sem preconceitos, o que instiga novas pesquisas dentro desta temática.

Palavras-chave: Sexualidade. Homofobia. Discriminação. Direitos Humanos.


ABSTRACT

In 2009, in Brazil, have been reported 195 assassinations by homophobia. Of this total, 20 have been reported in north side of the country. This index leads the discussion about the effects of homophobia in Belem of Para. Therefore, we tried to identify what institutions watch over the expected public polices to tackle this kind of violence and what is the understanding by the heads of these institutions about this phenomenon. The Delegacy of Combat to the Discrimination Crimes and the Public Defender's Office through the Human Being Nucleus were the two researched institutions of Belem. This is an exploratory research in which has been used a qualitative methodology of data collection: bibliographical examination, observation, and semi-structured interviews. We detected with the results that: the discussion about homophobia has grown and shown to be increasingly present in the society; the law project which aims to combat homophobia is an important public policy in development. We conclude that the discrimination and the prejudice against sexual orientation pass trough explicit violent acts and hidden acts, for instance, to not witness the seen aggression. The homoerotic sexual orientation still being marginal for escape of the heteronormative standard. In Belem, add to that, there is no space for the full and free experience of living the sexuality without prejudices, which instigates further researches into this topic.

Keywords: Sexuality. Homophobia. Discrimination. Human Being Rights.


 

 

Introdução

Abordar a sexualidade por meio das várias ciências ainda é uma tarefa realizada de modo dualista, por exemplo, os programas educacionais aplicados nas escolas privilegiam a abordagem de parâmetros biológicos e fisiológicos em detrimento da focalização do desejo.

Além disso, o heterocentrismo e as demandas dos adultos são a referência-padrão de abordagem da sexualidade. Assim, a homossexualidade permaneceu bastante tempo à sombra de análises moralistas, religiosas, prescritivas e restritas à patologia e ao crime. O seu estudo gera vários questionamentos e suscita discussões acaloradas a respeito da temática.

Na atualidade, alguns pesquisadores têm contribuído para a desconstrução da heterossexualidade como norma e do conceito de homossexualidade como algo estranho. Fleury e Torres (2007), por exemplo, esclarecem que se trata de uma forma distinta pela qual se vive a sexualidade, a qual constitui a identidade do sujeito, uma forma de ser e estar no mundo, nem melhor ou pior que qualquer orientação sexual também existente.

As discussões acerca do tema atravessam toda a história humana, dos tempos antigos à chamada pós-modernidade. Foucault (1998) refletiu sobre a vivência livre do que chamamos hoje homossexualidade na Antiguidade grega, em que eram comuns relações de amor entre homens mais velhos com jovens, fazendo um contraponto com a realidade das sociedades europeias modernas.

Sergent (1986 apud MOITA, 2001) aponta que em Esparta existia um exército conhecido por Batalhão Sagrado de Tebas, o qual era composto por 150 pares de homens que vivenciavam a sexualidade homoerótica. Uma crença da época afirmava que o envolvimento afetivo e emocional dos soldados possibilitava que lutassem com mais vigor nas batalhas a fim de resguardar os seus companheiros. Assim, a proteção recíproca contribuía para a vitória do batalhão sobre os adversários.

Embora as práticas homoeróticas sejam citadas na literatura da área como práticas existentes desde a antiguidade, contemporaneamente, novos signos e significações para a homossexualidade foram criados aprofundando a conotação marginal da acepção. Desta forma, muitos países condenam as práticas homossexuais. De acordo com o Relatório de 2010 sobre a homofobia de Estado organizado pela Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo - ILGA (ILGA, 2010), em todo o mundo, 76 países classificam a homossexualidade como ato ilícito e, dentre eles, cinco punem tais atos com pena de morte. A Índia, país em que habita cerca de 1/6 da população mundial, foi o último país a descriminalizar a homossexualidade. O presidente da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ali AbdussalamTreki, afirmou em 2009 que a descriminalização da homossexualidade é "inaceitável para a maioria do mundo" (CAREAGA; SABBADIN, 2009), evidenciando, pois, que as discussões, no âmbito sociopolítico, a respeito das vivências homossexuais não convergem para um rompimento da discriminação.

No cenário brasileiro, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT -, em conjunto com cerca de 200 organizações afiliadas, criou o Projeto de Lei 5003/2001, que atualmente é o Projeto de Lei da Câmara 122 de 2006, o qual se propõe atipificar a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero como crime, igualando esse tipo de violação dos direitos à discriminação racial, de cor, etnia, religião, procedência nacional, sexo e gênero. Sendo aquele que comete o crime sujeito à pena, à reclusão e também à multa (ABGLT). Estes indicadores fundamentam a relevância social desta pesquisa que trata da violência praticada contra homossexuais masculinos na cidade de Belém.

Esta introdução caracteriza o objeto do texto: refletir sobre possíveis relações entre homofobia e violência. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e fenomenológica realizada durante a iniciação científica em Psicologiai , período de 2009-10, vinculada ao projetoii da orientadora, autorizada pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde, protocolo número 041049/2009. A metodologia constituiu-se de pesquisa bibliográfica, documental e de campo realizada na Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios de Belém do Pará e no Núcleo de Direitos Humanos de Belém.

 

Nexos entre Homossexualidade Masculina, Violência e Homofobia

A etimologia do termo "homossexual", de acordo com Daniel e Baudry (1977 apud IVO, PELIZARO; ZALESKI, 2002) é grega e latina. Homo deriva do grego e significa "semelhante", enquanto que sexus, do latim, faz referência à "sexualidade compartilhada com alguém de mesmo sexo". As divergências a respeito da concepção de homossexualidade tornam complexas as tentativas científicas em estudar o campo e delimitar conceitos, sem recair em reducionismos, preconceitos e moralização. Mologni (2005) considera homossexuais aqueles ou aquelas que apresentem atração não somente física, mas também psicológica e emocional por pessoas do mesmo sexo.

Acerca da violência, igualmente é um fenômeno extremamente complexo no que se refere à definição, tipologia, abordagem dos agentes etc. As relações com o exercício do poder estatal e a dominação do gênero masculino heterossexual, reducionismos sexuais e reprodução de estereótipos pelas instituições sociais, sobretudo a família e a escola, são desdobramentos analisados no estudo dos nexos entre a violência e a homofobia (HEISE, 1994, apud GRIFFIN, 2010; PIMENTEL; MONTEIRO, 2010).

Na literatura científica, uma classificação da violência aponta duas categorias macros: violência física e violência psicológica. A violência física consiste no uso da força ou atos de omissão praticados com o objetivo claro ou não de ferir, deixando comumente marcas evidentes no corpo das vítimas, permitindo assim maiores indicadores de sua ocorrência, enquanto que por violência psicológica, de acordo com o Ministério da Saúde (2002), entende-se toda ação ou omissão que causa ou visa a causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa (SCHRAIBER, OLIVEIRA, FRANÇA-JÚNIOR; PINHO, 2002; SAFFIOTI, 2004 apud PORTO, 2008).

No domínio das militâncias gays, uma preocupação é o combate da utilização de alguns vocábulos como o "homossexualismo". Os grupos organizados refutam o uso da terminologia para se referir a homossexuais em razão da significação contida no sufixo "-ismo", aplicado à área da saúde, veicular uma acepção patológica. Em dezembro de 1974, a Associação Americana de Psicologia (APA) deixou de considerar como distúrbio mental a orientação homossexual, adotando a utilização do termo "homossexualidade" para se referir às práticas homoeróticas. (LACERDA; PEREIRA; CAMINO, 2002).

Dias (2009) sugere que a sociedade em geral utilize o termo homoafetividade, pois considera que este expande o limite da compreensão sobre a orientação sexual, isto é, vincula a sexualidade entre iguais como integrante da vida cotidiana, ressaltando o afeto, o trabalho, a inserção social e não apenas as práticas sexuais como dimensões da existência.

No Brasil, foi lançada a Resolução 001/99 pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em março de 1999, a qual possui diretrizes sobre a forma de proceder em psicoterapias com homossexuais. Tal resolução esclarece em um parágrafo único que "os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades" (CFP, 1999), além de 6 artigos especificando outros detalhes desta perspectiva. A partir de então, no país, foi inviabilizada a prática clínica preconceituosa voltada para a imposição da heteronormatividadee tentativa de categorizar a homossexualidade como distúrbio psicológico.

A ocorrência da violência baseada na discriminação por orientação sexual contra homossexuais, bissexuais, transexuais e travestis configura a homofobia. Esse vocábulo foi criado, na década de 70, pelo psicólogo norte americano George Weinberg, ao unir o sufixo phobos, do grego, medo e o prefixo homo, de homossexual (BADINTER, 1985 apud SOUSA FILHO, 2007). Homofobia significa, assim, rejeição, aversão, medo e/ou ódio aos homossexuais, tendo a sua utilização se generalizado para toda a comunidade ALGBT.

No Brasil, em 2009, de acordo com o relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB, 2009), foram registrados 117 assassinatos de homossexuais masculinos por crime de homofobia. Além destes, também nove lésbicas e 69 travestis foram mortos, totalizando, pois, 195 crimes por este mesmo motivo, sendo 20 casos registrados na região Norte do país. Deste total, três homossexuais masculinos e dois travestis foram no Estado do Pará.

 

Caminho da Pesquisa

A produção do conhecimento científico nas ciências humanas e da saúde é orientada por modelos explicativos e por modelos compreensivos. No que se refere aos parâmetros compreensivos, temos de entrelaçar os fundamentos dos mesmos ao desenvolvimento da pesquisa qualitativa (PQ) (PIMENTEL; OLIVEIRA; ARAÚJO, 2009).

Segundo Bogdan e Binkler, foi no início do século XX, com os trabalhos de Malinowski, Bateson, Mead e Benedict, no campo da Antropologia, que foi estabelecido o embrião da PQ. A etnografia e a pesquisa de campo foram os métodos propostos pelos autores apontados para estudar a cultura (GONZÁLEZ-REY, 2002).

A pesquisa qualitativa admite ao pesquisador imergir de maneira compreensiva no desvelamento das camadas que obscurecem a significação dos fenômenos estudados, estimula-o a apreender o sentido subjacente ao acontecimento, levando em conta a sua complexidade e particularidade, não objetivando alcançar a generalização, mas sim o entendimento das singularidades.

Turato (2003) referiu que o método qualitativo busca dar visibilidade às relações entre significados e significantes. Implica, por definição, entender/interpretar os sentidos e as significações que uma pessoa dá aos fenômenos em foco. Os pesquisadores qualitativistas "procuram entender o processo pelo qual as pessoas constroem significados e descrevem o que são aqueles significados" (BOGDAN; BIKLEN apud TURATO, 2004, p. 42).

Em Psicologia, Sociologia, Antropologia, Terapia Ocupacional, etc. as diretrizes da PQ vêm sendo utilizadas de maneira crescente na construção do conhecimento. O universo de possibilidades da captação da experiência humana tem provocado uma demanda significativa nos

alunos de graduação e pós-graduação, principalmente porque as metodologias qualitativas privilegiam análises de microprocessos, através do estudo das ações sociais individuais e grupais (MARTINS, 2004).

Grubits e Darrault-Harris (2004, p. 108) afirmaram:

Os pressupostos fenomenológico-qualitativos indicam que o comportamento humano, frequentemente, tem mais significados do que os fatos pelos quais eles se manifestam. Ressaltam a necessidade de observação do sujeito na perspectiva de um contexto social e cultural dos significados latentes do comportamento humano.

Em Psicologia, os antecedentes da PQ foram delineados em 1892, com a fundação da APA (American PsychologicalAssociation). A orientação fenomenológica desta metodologia incluiu na configuração do conhecimento: evidenciar a perspectiva do outro e a importância do contexto metodológico e das relações com o sujeito para o desenvolvimento da investigação (GONZÁLEZ-REY, 2002).

Os processos de subjetivação são objetos visados na realização da PQ em Psicologia Clínica. De acordo com González-Rey (2002) definem-se como ações que se realizam através do intercâmbio entre a unicidade e a complexidade dos sujeitos envolvidos na interação. Formam o sistema complexo de significações e sentidos produzidos na vida cultural humana e são estruturados por elementos sociais, biológicos, ecológicos etc. em um horizonte não linear, porém, em constante tensão e contradição.

Assim, esta pesquisa fundamentou-se na metodologia qualitativa de enfoque descritivo-interpretativo. Tal modalidade trabalha com o universo de significados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a operacionalização da variável (MINAYO, 2008).

O projeto de iniciação científica está vinculado diretamente ao projeto da orientadora cuja aprovação para realizá-lo foi emitida pelo comitê de ética do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará. No trabalho de campo colocamo-nos enquanto observador participante para nos tornar conhecidos e facilitar a abordagem dos possíveis informantes. O contato em ambas as instituiçõesiii foi bastante receptivo. Apresentamo-nos, informamos o objetivo da pesquisa e verificamos se era de interesse participarem do estudo. Informamos que não haveria pagamento pela participação e que a pesquisa integrava um projeto de investigação em psicologia clínica da UFPA. Após os esclarecimentos, foi aceito o convite. Em seguida, os sujeitos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O primeiro encontro foi exploratório e possibilitou delimitar o objeto de estudo e coletar elementos para estruturar as perguntas da entrevista a ser realizada posteriormente. Os critérios de inclusão dos informantes foram a disponibilidade plena em participar da pesquisa e a assinatura do consentimento esclarecido

Os locais de coleta foram a Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios de Belémiv , DCCD, criada com a portaria nº 257/2001 em 31 de maio de 2001, e o Núcleo de Direitos Humanosv , órgão vinculado à defensoria pública do Estado, corresponsável pelo Centro de Referência de Prevenção e Combate à Homofobia, criado em agosto de 2009. Indagamos, respectivamente: objetivos e funcionamento da delegacia; incidência de ocorrências; uso social da delegacia; surgimento do projeto de constituição do centro; objetivos e filosofia; forma como o centro atua; profissionais que integram a equipe do centro; articulação do centro com outras políticas públicas que visam à promoção dos direitos da comunidade LGBT em Belém; avaliação da eficácia dessas políticas; formas legais para a intervenção contra os crimes e a homofobia; legislação nacional e regional com avaliação acerca do Projeto de Lei da Câmara 122/06.

Os dados foram interpretados por meio da análise temática, com destaque para o emaranhado de fios ideológicos expressos nas respostas (MINAYO, 2008). Seguiram-se as etapas de: organização dos relatos, releitura do material; classificação dos dados: leitura horizontal e exaustiva do texto e leitura transversal para recortar unidades de sentido por temas, utilizando como critério de classificação dados empíricos e teóricos; análise final, em que foi composta uma síntese das respostas voltadas para responder às questões da pesquisa. Durante a análise as questões foram reorganizadas em eixos: percentual de crimes registrados na DCCD; políticas públicas; papel da defensoria pública; Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos; Núcleo e a sociedade civil organizada; homofobia; e projetos de lei.

 

Resultados e Discussão

Na Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios os boletins de ocorrência apreciados contemplaram os anos de 2007 e 2008, uma vez que o pesquisador esteve na delegacia em outubro/novembro de 2009, estando o relatório deste ano em fase de desenvolvimento no momento da pesquisa.

Os relatórios na DCCD são feitos mensalmente e ao final de cada semestre é elaborado um relatório final em que são organizadas as estatísticas. Para a realização de registros de ocorrências são pedidos aos relatores: documento de identidade, endereço residencial, telefone ou e-mail para contato e o relato da ocorrência.

Inicialmente, de acordo com a Delegada Lucinda Antunes, o objetivo da Delegacia era atender às "vítimas"vi de crimes discriminatórios raciais. Contudo, com o crescimento e fortalecimento de outros movimentos e demandas, a delegacia estendeu os seus serviços. Entre os beneficiados estão os idosos, os portadores de deficiências e a comunidade LGBT. Atualmente é composta por duas delegadas, uma escrivã e dois investigadores.

Injúria racial, discriminação, constrangimento racial, preconceito a respeito da orientação sexual e ameaças de morte são exemplos de crimes denunciados no ano de 2008 na DCCD. Para o combate à discriminação homofóbica, por exemplo, a Delegacia utiliza-se de uma analogia ao artigo 20 da Lei 7.716 de 5 de Janeiro de 1989 que criminaliza a prática, indução ou incitação a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Já para condenar os crimes de injúria e constrangimento de todos os tipos são usados os artigos 140 e 146 do código penal.

As estatísticas mostram que no ano de 2008 foram registradas na Delegacia 38 queixas sobre injúria racial enquanto que somente 6 sobre injúrias contra homossexuais. A Delegada titular da instituição atribui ao baixo número de registros feitos por homossexuais o fato de a comunidade LGBT, em geral, não encontrar, por causa do preconceito, pessoas disponíveis a servirem de testemunhas para os crimes, ou ainda, por não procurarem denunciar atos discrimi-natórios.Ela ressalta, também que, para que a justiça se pronuncie punindo o(s) agente(s) da violência é preciso que o receptor denuncie. Assim, a delegada instaura o inquérito, encaminha ao Ministério Público para instituir todo o processo jurídico legal.

Conforme a Delegada, um diferencial encontrado em delegacias especializadas é a (suposta) qualificação dos funcionários para o atendimento das vítimas. Por exemplo, travestis ou homossexuais estereotipados, ao buscarem o serviço em outras delegacias, podem ser vítimas de duplo preconceito. O sofrido antes da denúncia, motivo para estarem em uma delegacia, e outro, no próprio estabelecimento, por falta de um preparo dos profissionais que nele trabalham.

PERCENTUAL DE CRIMES REGISTRADOS NA DCCD EM 2007 E 2008

 

Gráfico 1

 

 

Gráfico 2

 

Os dados apontam um aumento de apenas 2% nas denúncias feitas por homossexuais entre os anos de 2007 e 2008. Porém, isso não significa que os crimes homofóbicos tenham diminuído a incidência. Para responder criteriosamente a possíveis significações deste acontecimento, precisamos levar em consideração os diversos fatores que subjazem às denúncias feitas por homossexuais. Por exemplo, para que sejam feitas as denúncias é preciso que o sujeito homossexual vivencie com tranquilidade a sua sexualidade, o que nem sempre ocorre; além disso, é necessário, também, que esteja disposto a expor-se a um júri, caso a ocorrência seja levada adiante.

Ao questionar os investigadores da DCCD sobre o baixo índice de denúncias feitas por homossexuais, os mesmos levantaram a suposição de que a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), de forma geral, supostamente só costumaria denunciar quando os crimes estivessem ligados à violência física. E, assim sendo, os dados dessas denúncias, de violência física, não seriam encontrados em uma delegacia especializada em crimes discriminatórios.

Ressaltamos que a categorização utilizada nos gráficos em crimes contra homossexuais, crimes raciais e outros crimes foi feita em base ao modo como os boletins de ocorrência são organizados. Não significa, portanto, que um receptor de violência discriminatória não pertença a dois ou mais critérios para a denúncia, como ser negra e homossexual, homossexual e deficiente, negra e deficiente etc.

Quanto ao Centro de Referência de Prevenção e Combate à Homofobia sua criação, em 2009, se deve a ação da Defensoria Pública de Belém, por meio do Núcleo de Direitos Humanos em parceria com o Governo do Estado do Pará e com o Movimento LGBT. Na unidade são oferecidos os serviços de assistência jurídica e atendimento psicossocial à população LGBT do Pará. A gerência é de um defensor público vinculado ao Núcleo de Direitos Humanos.

Conforme o atual coordenador, a gestão desse Centro de Referência é feita de maneira compartilhada pelo conselho gestor e quatro entidades da sociedade civil representando transexuais, travestis e homossexuais.

As políticas públicas, pelas quais zela o Centro de Referência, são emanadas do Governo Federal através do programa Brasil sem Homofobia. O Governo Estadual aderiu e criou o programa, Pará sem Homofobia. Para enfrentar a violação dos direitos dos homossexuais em geral, o Governo do Estado se comprometeu a criar o Centro de Referência e Prevenção e Combate à Homofobia. Uma política destacada trata da identificação social. A Defensoria Pública criou uma portaria que regula o direito ao uso do nome social pelos travestis.

Em síntese, o Papel da Defensoria Pública é garantir o direito à assistência psicossocial e jurídica. Por exemplo, um serviço solicitado e não executado, reparar danos financeiros através de indenização e responsabilização criminal ou administrativa.

Entre as atividades do Centro/Núcleo/Defensoria estão as audiências públicas. Em 2010, foram realizadas duas audiências públicas em municípios do Estado: Castanhal e Marabá para discutir a homofobia. A violência homofóbica é aquela em que eu alguém age contra o outro em base a orientação sexual diferente do padrão heteronormativo que a sociedade regula.Um assalto seguido de morte não caracteriza violência homofóbica. O único critério qualificador do crime é a vinculação da violência à orientação sexual.

O PLC 122/06, de autoria da ex-senadora Iara Bernardi com parceria de organizações nacionais LGBT, busca alterar a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, punindo também a discriminação por orientação sexual (BRASIL).

 

Considerações Finais

O objetivo deste trabalho foi investigar exploratoriamente a incidência de violência homofóbica na cidade de Belém. Através das análises procuramos mostrar o funcionamento da Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios e do Centro de Referência, Prevenção e Combate à Homofobia voltados para cumprir as políticas públicas para o enfrentamento da violência na esfera jurídica e psicossocial na região. O objetivo das duas instituições é prevenir e combater crimes homofóbicos por meio do programa Pará sem Homofobia. Consideramos que tais serviços somente serão eficazes caso haja um conhecimento e prática plena acerca dos mesmos por toda a população.

Por fim, vale destacar que, para que seja possível enfrentar as diversas situações de violências mencionadas neste trabalho, é necessário: desnaturalizar os ideais acerca da sexualidade de forma ampla; perceber que o padrão heteronormativo foiconstruído e é reconstruído sócio-historicamente todos os dias; romper com o silêncio nas diversas situações homofóbicas; posicionar-se contra a discriminação, seja por cor, etnia, valor religioso ou outros; e, além disso, impor-se como ser político no mundo.

Afirmar-se homossexual é afirmar-se como sujeito político de desejo e de direitos (SOUSA FILHO, 2007). Em Belém, a luta contra as diversas violências é árdua pelas práticas veladas dos preconceitos social, racial, financeiro etc.

A sexualidade, ainda, é um tema tabu cuja vivência é transversalizada pelo controle do desejo e da orientação sexual dos cidadãos pelo estado, pela igreja, família etc. O enfrentamento da violência requer políticas públicas e intervenções científicas interdisciplinares; além disso, respeito pelo outro. Esperamos que este relatório possa levantar pistas para a comunicabilidade das vozes silenciadas, não com gritos ou sussurros, mas com um tom de igualdade por quem busca igualdade na diferença.

 

Referências

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Recebido em: 12/06/2010
Aceito em: 02/11/2011

 

 

Sobre os autores:
Lázaro Castro Silva Nascimento, é acadêmico de Psicologia da Universidade Federal do Pará cursando o 6º semestre. Foi bolsista de pesquisa PIBIC/CNPq 2009-2010 e 2010-2011, sendo orientado pela Profa. Dra. Adelma Pimentel. É membro do Núcleo de Pesquisas Fenomenológicas e tem experiência em pesquisas sobre gênero e violência. E-mail: lazarocastro@live.com
Adelma Pimentel, é PHD em psicologia e psicopatologia do desenvolvimento, Évora/PT; Dra. Psicologia Clínica, PUC/SP. Diretora da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Pará. Pesquisadora no Mestrado em Psicologia da UFPA. E-mail: adelmapi@ufpa.br

 

 

i Núcleo de pesquisas fenomenológicas. Linha de pesquisa: Gênero, Subjetividade, Saúde e Violências.
ii Subjetividades, gêneros, conjugalidade e paternidade.
iii Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios e Defensoria Pública: Núcleo de Direitos Humanos
iv Localiza-se atualmente na Avenida Governador Magalhães Barata, nº 209 no bairro Nazaré, aberta das 08h00 às 14h00.
v Localizado na Rua Senador Manoel Barata, 571 entre ruas Pe. Prudêncio e Frutuoso Guimarães no bairro do Comércio, em funcionamento das 08h00 às 14h00.
vi Grifo nosso. Em nossas pesquisas consideramos que a linguagem verbal não é neutra, mas que é atravessada pela ideologia da hierarquia entre os sujeitos. Além disso, a nomeação pejorativa dos sujeitos pode acarretar efeitos negativos na autoestima. (PIMENTEL, 2011).

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