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Barbaroi

versão impressa ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.36 Santa Cruz do Sul jun. 2012

 

ARTIGOS

 

História do espaço e governamentalidade em Michel Foucault

 

History of space and government in Foucault Michel

 

 

Flávia Cristina Silveira Lemos

Universidade Federal do Pará - Belém - Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo tem o objetivo de analisar como Foucault utilizava documentos históricos a respeito da geografia política nos entremeios do biopoder, que se constituiu como uma composição entre disciplina e biopolítica. O controle dos corpos, a produção de subjetividades e as relações de poder-saber, na sociedade contemporânea, em uma perspectiva histórica ganharam ênfase nos estudos a respeito da governamentalidade para o autor supracitado. Busca-se, assim, assinalar como Foucault analisava os documentos tais como as plantas arquitetônicas. Finaliza-se o texto com a afirmação que a arquitetura das instituições, a gestão da sociedade e a disciplina dos corpos visavam a uma sujeição em nome da segurança concomitantemente à tentativa de expandir a vida de maneira a torná-la útil e saudável.

Palavras-chave: Biopoder. Geopolítica. Michel Foucault.


ABSTRACT

This paper aims to examine how Foucault used historical documents about the political geography in pendents of biopower, which was formed as a composition between discipline and biopolitics. The control bodies, the production of subjectivities and relations of power-knowledge in contemporany society in a historical perspective gained emphasis on studies on governmentality to the above author. The aim is thus noted as Foucault analyzed the documents such as architectural plans. Ends up the text with the statement that the architecture of the institutions, the company's management and discipline of bodies aimed at a subject in the name of security concurrently trying to expand life in ways, that make it useful and healthy.

Keywords: Biopower. Geopolitics. Michel Foucault.


 

 

Introdução

O intenso trabalho com documentos, em uma perspectiva histórico-genealógica era um minucioso e paciente ofício para o filósofo Michel Foucault, que afirmava fazer estudos históricos, ou seja; tratava-se de outro modo de escrever a filosofia e a história, no tempo presente e com temas e maneiras de abordagem diferentes das utilizadas até então. Em meio a muitos artefatos culturais analisados, havia os que apontavam para as questões ligadas à geopolítica que eram privilegiados por Foucault, que o articulava ao governo da vida, dos corpos, da cidade, das famílias, da organização de instituições e da produção das subjetividades.

Em uma entrevista publicada na coletânea do livro Microfísica do Poder: "Sobre a geografia" (1979a), Foucault assinala como privilegiava as metáforas que eram usadas por este saber, em geral, de palavras, como: estratégia, guerra, tática, soberania, território e espaço, sendo que os historiadores não apenas da primeira geração dos Annales, como das posteriores, puderam fazer uma geo-história. Entre os representantes desta virada da chamada História Nova, que efetuaram ressonâncias nesta análise do espaço nas práticas culturais e políticas, encontramos: Lucien Febvre, Braudel e Le Roy Ladurie. Eles foram importantes interlocutores nas pesquisas empreendidas por Michel Foucault, no âmbito da utilização da geografia no campo dos estudos históricos.

Ora, além da tradição dos usos variados da ferramenta "tempo" e duração, datas e períodos; os lugares da história, ou seja, os espaços e suas organizações frente aos acontecimentos e as diversas temporalidades em que estes eram materializados há um conjunto de tramas e intrigas na escrita da história e na produção dos arquivos, forjando relações entre ambos por meio de heterogêneas práticas narrativas e de apropriação e relação entre estas séries históricas. Por isso, em Arqueologia do Saber, Foucault (2009) preocupou-se com os postulados de que todo acontecimento deveria ser problematizado a partir de uma data e de um lugar específico, que o tornaria singular e raro.

Tanto o tempo quanto o espaço seriam vetores analíticos e de interrogação dispersos e descontínuos, e não essências fixas e contínuas. Desta feita, não haveria um espírito do tempo e nem um espaço como terra natal, mas temporalidades diacrônicas e sincrônicas como experiência da atualidade e espaços constituídos por meio de práticas divisórias dos corpos. Assim, podemos ressaltar a relevância que a geopolítica tinha para os estudos históricos de Foucault, que chegou a destacar que "a geografia deve estar bem no centro das coisas de que me ocupo." (FOUCAULT, 1979a, p, 165).

Após esses apontamentos iniciais, podemos afirmar que há, neste artigo, o objetivo central de realizar uma descrição e análise inicial; porém, com o lançamento de pistas a respeito da relação entre segurança e história do espaço para o exercício da governamentalidade, de acordo com Foucault.

Por essa palavra governamentalidade, eu quero dizer três coisas. Por governamentalidade, eu entendo o conjunto constituído pelas instituições, pelos procedimentos, análises e reflexões, pelos cálculos e pelas táticas que permitem exercer esse modelo bem específico, ainda que complexo, de poder, que tem por alvo principal a população, por modelo principal de saber a economia política, por instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança. Em segundo lugar, por governamentalidade, eu entendo a tendência, a linha de força que, em todo o Ocidente, conduziu incessantemente, durante muito, muito tempo, à preeminência desse modelo de poder que se pode chamar de governo sobre todos os outros: soberania, disciplina etc. [...] enfim, por governamentalidade, eu acredito que seria preciso entender o processo, ou melhor, o resultado do processo pelo qual o Estado de justiça da Idade Média, que se tornou nos séculos XV e XVI Estado administrativo, como se viu pouco a pouco governamentalizado.

Governamentalidade foi um conceito que implicou um olhar mais refinado de pensar a realidade compósita nos procedimentos de governo dos corpos, concomitantemente na individualidade (disciplina) e na totalidade (biopolítica) em que o governo das condutas se daria não apenas pelo Estado, mas também pelas famílias, pela escola, pelo trabalho, pelos amigos, pelo Exército, por diversos equipamentos do terceiro setor, em uma complexa e dinâmica rede de relações de saber-poder-subjetivação, formando um dispositivo político e histórico.

Em meio a este debate, que Foucault (1996) passou a utilizar como ferramenta de análise da sociedade a planta da arquitetura do panóptico, que ele denominou de diagrama das relações de força na contemporaneidade - o projeto arquitetônico visava inventar um modelo de construção de prisões e foi produzido por Jeremy Bentham, no século XIX, com vistas a melhor punir, todavia, também controlar os corpos e populações preventivamente, em outros equipamentos parajudiciários de caráter disciplinar individual e de gestão da vida de segmentos da população. A tecnologia do panóptico não apenas era um modelo ideal, mas operava na rede de comunicação entre os prédios e as táticas de governo porque propiciava a máxima visibilidade e articulação de informações, de estratégias diversas de saberes e poderes que subjetivavam de certa maneira e com dada rapidez e constância.

Foucault realizou a formulação de uma história da verdade em suas relações com as formas jurídicas, em especial, ao interrogar os mecanismos de funcionamento da sociedade, desde o final do século XVII, no campo de um exercício do biopoder (disciplina e biopolítica juntos) por meio da emergência dos Estados Modernos, do aparecimento do liberalismo e suas mutações como maneiras de governar corpos na minúcia e na generalidade de forma imanente. Estava em jogo, delinear o surgimento de uma vigilância constante dos corpos no espaço por meio de regimes de visibilidade e dizibilidade.

O panoptismo foi conceituado com um mecanismo de poder efetuado pela prática do exame, organizada para avaliar os corpos em verdade e puni-los a partir de uma política da máxima produtividade e docilidade, além de permitir concatenar a regulação policial detalhada (disciplina) com táticas de seguridade social (biopolítica).

Dessa maneira, o panóptico era uma tecnologia utilizada para gerir a população no âmbito das migrações e de seus supostos perigos; no fluxo nas estradas; para regular a urbanização nas cidades e nas moradias; fazer circular os produtos pelos rios e mares; ao administrar um território; tornar um local alvo de investimento para capitalizá-lo; ao desfazer as aglomerações indesejadas; para impedir a circulação considerada arriscada; com o objetivo de controlar as relações entre o campo e a cidade; com vistas a distribuir as dissimetrias; com estratégias para estabelecer uma geometria da cidade e favorecer a higiene pública com fins de garantia do consumo; diminuir os perigos de uma circulação desordenada e urbanizar o meio como a metáfora de um organismo funcional, constituindo regras para o aumento ou diminuição do número de habitantes por espaço.

A polícia da saúde e da disciplina, acrescida da ampliação da seguridade social por meio do dispositivo diplomático-militar, foi um modo de organizar a sociedade com mecanismos governamentalizados, em que tanto os médicos quanto os militares foram administradores do espaço coletivo, agindo por meio de racionalidades da economia política, da geografia, da estatística e da história. Higienizar a cidade era uma maneira de gerir a vida em nome da defesa social e de uma gestão do território de modo a intensificar a circulação com cuidado, fazer a liberdade funcionar dentro dos limites das práticas de segurança.

As campanhas de higiene eram difundidas por manuais de civilidade dirigidos aos pais e à comunidade, constituídas por médicos, professoras normalistas, integrantes da Igreja, filantropos, liberais e representantes dos ideários republicanos de diferentes instâncias institucionais, com foco na educação da mulher mãe e das crianças pequenas com vistas a elaborar o que nomeavam com futuro da nação. Regular a existência com técnicas de organização do espaço, de controle sanitário da cidade, de gerência da limpeza das casas e das vestimentas, de higiene dos pensamentos e sentimentos também chamada de higiene mental foram preocupações dos higienistas e ainda estão presentes na atualidade, em diversas práticas vizinhas de cuidado e proteção de crianças e da medicalização da família (FOUCAULT, 1999; 2008a).

Como exemplo de pesquisa sobre a medicalização do espaço, Foucault (1979d) observou atentamente como a medicina social orientava a urbanização das cidades e as maneiras de repartir o espaço da casa, que permitiam interferir concomitantemente no plano das relações familiares, educativas e afetivas entre pais e filhos e os processos de subjetivação, que emergem na modernidade. Em meio a esta análise do poder-saber médico sobre os corpos, o autor interroga de que modo este foi dirigido à família e acionou saberes correlatos diversos a fazer o mesmo, compondo um dispositivo a transformar a socialização das crianças, no interior de uma política de saúde coletiva e mental, paralela à construção de um projeto de defesa da sociedade (FOUCAULT, 1999).

Tanto em Vigiar e Punir (1999) quanto no curso Segurança, território e população, Foucault (2008a) aborda três modelos analíticos de funcionamento dos mecanismos de repartição dos corpos no espaço: o modelo da lepra em que eram separados leprosos de não leprosos, ao forja o isolamento dos primeiros em lugares de exclusão social; o modelo de controle pela vigência da técnica da quarentena também nomeada como gestão da peste, que permitia quadricular a cidade e regular a circulação com estratégias de vigilância e; o terceiro, o que operava pelo governo da varíola, embasado no cálculo probabilístico dos acontecimentos tomados como riscos em nome do controle das epidemias e endemias. O primeiro se realiza pela soberania jurídica; o segundo pela disciplina; e o último compõe as técnicas de segurança e do tratamento do aleatório.

O espaço da cidade não é apenas um território com bens e pessoas, mas um lugar de circulação e de relações entre corpos e coisas, meio a ser gerido com fins de assegurar vida e operacionalizar liberdade com segurança. Os modelos militares de disciplina e organização da vida vão ganhar notoriedade neste propósito político de gerência em nome da ordem e da prevenção ou governo da desordem. A obediência e a docilidade, a produtividade com conformismo será um alvo permanente desta sociedade militarizada que forja os inimigos a combater e a afastar-se dos circuitos sociais.

Os espaços tornam-se lugares repartidos funcionalmente pela preocupação do governo de segmentos da população com vistas à medicalização dos modos de vida. Nesse projeto biopolítico, são organizados lugares específicos para determinados grupos como creches, escolas, locais de lazer, unidades de atenção à saúde, lugares de trabalho, espaços para prática esportiva e outros que visam ordenar as multiplicidades por meio de uma perspectiva de expansão da vida.

Em O nascimento da medicina social (1979e), Foucault delineia com mais minúcia as práticas médicas dirigidas ao espaço da cidade no âmbito da medicalização na medida em que o saber médico se generaliza como medicina social. É uma inquietude político-sanitária que se instala sob a égide do medo e do perigo frente ao crescimento urbano e organização do proletariado que se formou no final do século XVIII. Na arqueologia do saber realizada em O nascimento da clínica (FOUCAULT, 2004), a analítica do espaço ganhou relevante abordagem na visada de Foucault para o uso de documentos como: as plantas arquitetônicas, conforme o relato seguinte:

[...] Estudando as origens da medicina clínica; eu havia pensado em fazer um estudo sobre a arquitetura hospitalar na segunda metade do século XVIII, época do grande movimento de reforma das instituições médicas. Eu queria saber como o olhar médico havia se institucionalizado; como ele se havia inscrito efetivamente no espaço social; como a nova forma hospitalar era ao mesmo tempo o efeito e o suporte de um novo tipo de olhar (FOUCAULT, 1979b, p. 209).

Parece-me que, no final do século XVIII, a arquitetura começa a se especializar, ao se articular com os problemas da população, da saúde, do urbanismo. Outrora, a arte de construir respondia, sobretudo, à necessidade de manifestar o poder, a divindade, a força. O palácio e a igreja constituíam as grandes formas, às quais é preciso acrescentar as fortalezas; manifestava-se a força, manifestava-se o soberano, manifestava-se Deus. A arquitetura durante muito tempo se desenvolveu em torno destas exigências. Ora, no final do século XVIII, novos problemas aparecem: trata-se de utilizar a organização do espaço para alcançar objetivos econômicos e políticos (FOUCAULT, 1979b, p. 211).

A preocupação anterior com as revoltas camponesas é transferida pelo medo das manifestações urbanas contra a medicalização e contra a exploração em contextos de trabalho, nas nascentes cidades em expansão paralela ao capitalismo e ao aparecimento do Estado e da medicina social. É interessante notar juntamente com os estudos de Foucault (1979c), que a classe médica se tornou especialista do espaço, no século XVIII, passando a gerir os deslocamentos da população ao agir na coexistência dos corpos na cidade, com vistas a impedir o contágio não apenas de doenças, mas político também em virtude da potência da multidão em deflagrar movimentos de resistências frente à tentativa de sujeição empreendida em nome da higiene e da ordem social (FOUCAULT, 2008a).

Ora, o que Michel Foucault objetivava na pesquisa publicada no livro Vigiar e Punir (1999) era pensar não apenas a prisão fechada em si mesma, em uma psicossociologia das organizações. O foco eram as práticas punitivas e sua comunicação entre diversas instituições disciplinares semelhantes às prisões; contudo, divergentes quanto ao grau de punição e frente ao mandato social das mesmas. Ora, havia proximidades na visada disciplinar desses espaços, todavia, havia diferenças entre elas nos objetivos da utilização das tecnologias disciplinares.

A disciplina às vezes exige a cerca [...]. A fábrica parece claramente um convento, uma fortaleza, uma cidade fechada. [...] Mas o princípio de clausura não é constante, nem indispensável, nem suficiente nos aparelhos disciplinares. Estes trabalham o espaço de maneira muito mais flexível e mais fina. [...] Ela individualiza os corpos por uma localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa rede de relações (FOUCAULT, 1999, p.123-125).

O que interessava era pensar um sistema atual de repartição das multiplicidades em espaços correlatos e vizinhos, judiciários e adjacentes a esses com vistas a problematizar as práticas divisórias e seus efeitos políticos, econômicos, sociais, subjetivos e históricos. A normalização era realizada em todos estes equipamentos, contudo, alguns geravam saúde, outros escolarização, outros bens de consumo, outros isolamento, outros profissionais da segurança, enfim uma variedade de subjetividades normalizadas por padrões de uma sociedade governamentalizada, ou seja, gerida por meio de tecnologias de governo da conduta realizadas em diferentes espaços e por meio de diversos agentes estatais e não estatais. Todos os equipamentos em jogo e seus agentes vigiavam no espaço e hierarquizavam, extraíam saberes e produziam anotações em registros de casos a examinar e a sancionar pela comparação e esquadrinhamento baseando-se na relação norma e lei.

Os mecanismos de poder de soberania, os disciplinares e os biopolíticos encontram-se nesta tarefa; o primeiro, na gestão de um território submetido ao soberano; o segundo, objetivando o controle cotidiano dos corpos de forma minuciosa frente à distribuição dos mesmos no espaço; já, o terceiro, gerindo a população em nome da vida com objetivos de segurança (FOUCAULT, 2008).

Dessa maneira, um dos postulados da analítica de poder em Foucault é que este não pode ser localizado. As relações de poder funcionam em rede e não podem ser localizadas em um lugar ou instituição específicas, elas são móveis e circulam em cadeia (FOUCAULT, 1979d). Um segundo postulado é que o poder não deve ser estudado pela noção de que seria de um proprietário que o deteria, como uma classe, uma instituição, o Estado ou um indivíduo (FOUCAULT, 1988).

Assim, o que está sendo assinalado é que há um confronto belicoso de forças analisado na genealogia foucaultiana que ocorre sempre em um espaço a ser considerado como parte de uma problematização das práticas, dos modos de fazer e pensar; porém, sempre em deslocamento, nunca coladas ao local em que as mesmas se realizam. Ora, as relações de poder são exercidas intramuros e extramuros, acontecendo sempre em algum espaço, por isto, os mecanismos disciplinares e biopolíticos governam populações e corpos em um lugar específico, regulando os processos de circulação como gestão das multiplicidades. "Portanto, afinal, a soberania, a disciplina, como também, é claro, a segurança só podem lidar com multiplicidades. Por outro lado, os problemas de espaço são igualmente comuns a todas as três" (FOUCAULT, 2008a, p. 16-17).

Na atualidade, podemos fazer trabalhos que considerem essas contribuições, observando e descrevendo os efeitos de produção de subjetividades por meio da arquitetura de escolas, de hospitais, de prisões, de hospitais psiquiátricos, de manicômios judiciários, de abrigos para idosos e para crianças, de instituições de internamento para jovens em conflito com a lei, de lugares de trabalho e de isolamento de usuários de drogas entre outros. Estas instituições de sequestro têm racionalidades parecidas, pois, visam fabricar um corpo útil e dócil e gerenciam a vida em nome da defesa da sociedade.

Os conventos e as instituições militares dividem o espaço e relacionam-se com ele como um limite de separação entre o sagrado e o profano, entre a vida civil e da organização militarizada. Os mosteiros ainda são lugares de refúgio e retiro com objetivos de maximizar a disciplina do corpo e do pensamento. As fábricas difundem-se e tornam-se mais dispersas em pequenas empresas e com a ampliação do trabalho por projetos em diferentes espaços e nas casas. Muitas escolas, inclusive migram para os espaços de trabalho e das casas com a educação à distância que prolifera, hoje. Espaço e lugar diferenciam-se por meios das novas tecnologias de comunicação, como a Internet e o telefone celular (DELEUZE, 1992).

Os espaços locais, regionais e globais são mesclados e confundem-se; ao mesmo tempo, que se separam e rivalizam por meio de retornos racistas e disputados por campos de legitimidade de valores, de discursos, de sotaques, de dialetos, de busca por trabalho, de projetos associativistas, de intercâmbios e trocas culturais. Os territórios são reorganizados por meio de demandas neoliberais, do direito internacional e da mundialização da cultura. Diante dessas mutações, outras tecnologias políticas emergem, sendo finas e moduladoras, mais rápidas, flexíveis, expandindo os controles em meio aberto, entrecruzando os espaços fechados e criando entre eles uma malha de comunicação acirrada (DELEUZE, 1992).

Frente a essas considerações, podemos finalizar este texto apontando como a governamentalidade opera como governo dos corpos no espaço, fixando-os e fazendo-os circular de maneira simultânea e de que forma se transforma e atualiza-se, hoje com controles mais refinados e de rápida rotação, em forças centrífugas e centrípetas que operam juntas. Ainda é válido e relevante o operador analítico da história do espaço e ele pode nos auxiliar em estudos em transdisciplinares.

 

Referências

DELEUZE, G. Conversações. Traduzido por Luiz Benedito Lacerda Orlando. São Paulo: Editora 34, 1992.         [ Links ]

FOUCAULT, M. Sobre a geografia. Traduzido por Roberto Machado. In: MACHADO, R. (Org.) Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979ª, p.153-165.         [ Links ]

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_____. Vigiar e punir: a história da violência nas prisões. Traduzido por Raquel Ramalhete. 2. Ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999.         [ Links ]

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_____. Segurança, território e população. Traduzido por Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008.         [ Links ]

_____. A Arqueologia do Saber. Traduzido por Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 02-11-2010
Aceito em: 22-02-2012

 

 

Sobre o autor:
Flávia Cristina Silveira Lemos é Psicóloga (UNESP); Mestre em Psicologia (UNESP); Doutora em História (UNESP). Professora adjunta II de psicologia social UFPA. E-mail: flaviacslemos@gmail.com