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Barbaroi

Print version ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.38 Santa Cruz do Sul June 2013

 

ARTIGOS

 

Pré-aposentadoria: um desafio a ser enfrentado

 

Pre-retirement: a challenge to be faced

 

 

Tamires Machado BarbosaI; Elisete Soares TraeselII

ICentro Universitário Franciscano - UNIFRA - Santa Maria - RS, Brasil
IICentro Universitário Franciscano - UNIFRA - Santa Maria - RS, Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é investigar as repercussões da proximidade da aposentadoria sobre a subjetividade, bem como o papel do psicólogo nesse processo, através dos resultados de uma pesquisa de campo qualitativa desenvolvida com pessoas em fase de pré-aposentadoria utilizando como instrumento a entrevista focalizada. Considera-se importante este estudo para a Psicologia por possibilitar a construção de uma visão crítica sobre o papel do psicólogo na preparação do sujeito para sua aposentadoria. Através da análise da pesquisa de campo, constatou-se que os sujeitos que estão próximos à aposentadoria enfrentam sentimentos de medo e insegurança e, muitas vezes, desejam continuar trabalhando. Além disso, demonstrou que o pré-aposentado não se conforma com a aproximação da velhice. Percebeu-se, ainda, que a fase da préaposentadoria é um momento oportuno para reflexão e planejamento de novos projetos para o futuro.

Palavras-chave: Proximidade da aposentadoria. Impactos sobre a subjetividade. Papel do psicólogo.


ABSTRACT

The aim of this paper is to investigate the effects of the retirement proximity on the workers' subjectivity and the psychologist's role in this process, through the results of a qualitative field research conducted with people in pre-retirement condition using as an instrument to interview focused. This study is considered important to Psychology area because it fosters the development of a critical view on the psychologist's role in preparing workers for their retirement. Through the analysis of the fieldwork, we have found out that workers who are close to retirement face feelings like fear and insecurity and often desire to continue working. In addition, this study has demonstrated that preretired workers do not face the approaching of old age. We have also noticed that the pre-retirement phase is an opportune time for reflection and for planning new projects for the future.

Keywords: Retirement proximity. Impacts on workers' subjectivity. Psychologist's role.


 

 

Introdução

O presente artigo aborda as repercussões da proximidade da aposentadoria, bem como o papel do psicólogo nesse processo, com o objetivo de investigar como o sujeito vivencia esta etapa de sua vida. Para isso, foi desenvolvida uma pesquisa de campo qualitativa com pessoas próximas à aposentadoria, de dois municípios do interior do estado do Rio Grande do Sul.

A fase da transição da vida laboral para a aposentadoria envolve lutos pertinentes à trajetória profissional do sujeito, como a perda do 'status', crise na identidade profissional, diminuição das relações sociais e dos vínculos afetivos. Esses lutos podem desencadear conflitos psicológicos, sociais, econômicos, culturais e na subjetividade do sujeito, considerando que essa etapa do desenvolvimento humano tende a ser considerada improdutiva pela sociedade.

O ato de aposentar-se remete a conflitos permeados pelo papel central do trabalho no processo de constituição da identidade do sujeito, principalmente na atual conjuntura social que supervaloriza a produtividade e o capital (SOARES et al., 2007). Nesta direção, a aposentadoria revela uma ambivalência, pois ao mesmo tempo em que é uma conquista, é, também, marginalizada como um tempo inútil, ou seja, como um período de decadência tendo em vista a concepção subjacente à lógica capitalista contemporânea (OLIVEIRA et al., 2009).

Para Silva (1999), o papel de trabalhador é central na constituição da identidade do indivíduo. Assim, com o rompimento da vida laboral, há o estigma da exclusão do aposentado. Ao encontro disso, Rodrigues et al., (2005) afirmam que a sociedade que idolatra a produção, e aliena o trabalhador do processo de produção, trata, frequentemente, a aposentadoria como a perda do próprio sentido de vida.

A aposentadoria constitui-se como um processo de transição que se inicia no momento em que o indivíduo começa a tomar consciência de sua aproximação (ALVARENGA et al., 2009). Dessa forma, essa etapa é de reestruturação de valores e atividades. É uma fase de mudanças num momento extremamente importante e crucial para o sujeito: o envelhecimento que deflagra questionamentos a respeito da existência, da valorização pessoal e profissional, das possibilidades de realização de novos projetos de vida e, consequentemente de angústias, incertezas, insegurança e frustrações.

Assim, com a aposentadoria podem emergir desequilíbrios emocionais que se concretizam devido à falta de ligação entre trabalho e reconhecimento, pois, com a ausência do trabalho formal, há a tendência de uma limitação no processo de reconhecimento relativo ao desenvolvimento de uma atividade profissional. Além disso, com o fim da vida profissional, muitos outros fatores podem extinguir-se, tais como a vida social, a valorização da sociedade, a referência na profissão, os compromissos, os horários, o 'ser útil'.

Nessa direção, percebe-se que a sociedade é contraditória, pois, por um lado, considera que a aposentadoria é um direito e uma conquista do trabalhador, mas, por outro, desvaloriza o sujeito depois de aposentado, considerando-o improdutivo e inútil.

O envelhecimento, com suas alterações anatômicas e funcionais, ainda tende a ser considerado pela sociedade como uma etapa economicamente improdutiva capaz de gerar tensões e frustrações na estrutura psíquica do sujeito que até então trabalhava e era extremamente ativo (ALVARENGA et al., 2009).

Segundo Mendes et al. (2005), a aposentadoria pode gerar profundo impacto subjetivo, visto que, com a saída do mercado de trabalho, as referências tornam-se instáveis, podendo gerar um sentimento de crise em relação à identidade, pois apesar de, no início, a maioria dos aposentados sentirem-se satisfeitos com o descanso e com a flexibilidade de horários, com o tempo passam a se sentir inúteis ao perceberem sua marginalização e seu isolamento na sociedade, o que torna difícil sua adequação ao mundo no qual vivem. Sem um planejamento, a aposentadoria acaba ocasionando frustrações ao aposentado.

A ausência de planejamento pode indicar dificuldade na adaptação a novas circunstâncias, associada ao negativismo e à resistência para entrar em contato com qualquer assunto ligado à aposentadoria (ALVARENGA et al., 2009). Assim, além de o sujeito se deparar com sua crise de identidade e conflito em relação à sua existência como ser social, ele deverá enfrentar, em breve, uma nova etapa do desenvolvimento humano: a velhice.

Um aspecto importante a ser salientado é que, muitas vezes, o sujeito aposentado permanece trabalhando por necessidade financeira ou por outros motivos relativos aos seus projetos de vida. No que se refere à continuidade do trabalho devido a necessidades financeiras, constata-se que o trabalhador que está próximo à aposentadoria tem a ilusão da possibilidade ao acesso dos seus direitos. Ou seja, de receber o benefício para o qual contribuiu durante toda sua vida, tão logo findarem as suas atividades laborais. Porém, a maioria da população brasileira necessita continuar trabalhando, devido à necessidade de complementação da renda familiar (VARANI, 2003).

O Brasil não está preparado de maneira adequada e suficiente para atender às demandas do idoso, visto que, além de o sistema público ser precário, há dificuldade no acesso aos recursos e frágil qualificação de profissionais de diversas áreas para o atendimento a essa população (BULLA; KAEFER, 2003). No entanto, a Carta Magna assegura esse direito ao aposentado, como podemos constatar com a passagem:

A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida (BRASIL, 1988. p. 149).

O Estatuto do Idoso, art. 26, prevê que "[...] o idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitando suas condições físicas, intelectuais e psíquicas [...]" (BRASIL, 2003. p. 7). Porém, é necessária a consciência da importância desses direitos para que eles se tornem eficazes e integrantes da vida do idoso. O Estatuto descreve, ainda, através da lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que devem ser realizados, com antecedência mínima de um ano, programas de estímulo ao pré-aposentado para realizar novos projetos sociais, conforme seus interesses, esclarecendo também seus direitos sociais.

A Política Nacional do Idoso, através da lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, propõe a criação e a manutenção de programas de preparação para a aposentadoria, nos setores público e privado, com antecedência mínima de dois anos do afastamento (RODRIGUES et al., 2005).

No Brasil, há cada vez mais o aumento significativo de indivíduos que estão próximos à aposentadoria e aposentados. Logo, se faz necessário reestruturar as atenções disponibilizadas pelo Estado e pela sociedade para esse público, considerando que, além dessa precária aplicação das políticas públicas voltadas ao idoso, constata-se que poucas empresas privadas investem nessa população (DUARTE; SILVA, 2009).

Desse modo, requerem-se programas e medidas mais efetivas do governo para que essa população tenha melhores condições de vida, já que o idoso necessita de atenção como qualquer outro cidadão e possui seus direitos garantidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto do Idoso.

Sendo assim, é de extrema importância pensar em ações para os indivíduos que estão próximos à aposentadoria no contexto organizacional, no qual o psicólogo possa propor políticas organizacionais e ações preventivas que contribuam para a saúde do trabalhador, mediando a reflexão e a preparação para essa importante etapa da vida e investigando o verdadeiro significado do aposentar-se, a fim de construir novos conhecimentos.

 

Metodologia

Esta pesquisa tem uma abordagem qualitativa, conforme definição de Minayo (2007). Segundo a autora, este tipo de pesquisa vai sendo construída no decorrer do seu desenvolvimento e não busca enumerar ou medir eventos. A pesquisa qualitativa inclui a obtenção de dados descritivos, mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação, objeto de estudo.

Nesta direção, Minayo (2007) considera que, neste tipo de pesquisa, a interação entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados é essencial, passando pelo universo de crenças, valores, atitudes, motivos e significados.

A presente pesquisa é, ainda, classificada como exploratória, o que para Gil (1995), tem por finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias com vistas à formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores.

Segundo esse autor, a pesquisa exploratória é desenvolvida com o objetivo de proporcionar uma visão geral de determinado fato, principalmente quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se difícil formular hipóteses precisas e operacionalizáveis.

A coleta dos dados para o desenvolvimento deste estudo foi desenvolvida através de entrevista focalizada, realizada individualmente, com questões focadas nos sentimentos e nas vivências relativas à proximidade da aposentadoria.

Com relação aos passos metodológicos, em um primeiro momento pensou-se em realizar, além da entrevista focalizada individual, um grupo focal com os participantes, porém não foi possível devido aos horários incompatíveis dos trabalhadores.

A entrevista focalizada é caracterizada como livre, mas trata de um tema bem específico. Esse tipo de entrevista permite ao entrevistado falar livremente sobre o assunto abordado pelo entrevistador, porém, quando ele tangencia o tema original, deve ser orientado a retomá-lo (KERLINGER, 1980). Portanto, destina-se a esclarecer determinado problema. Ainda, esse tipo de entrevista objetiva explorar a fundo alguma experiência vivida em condições precisas (KERLINGER, 1980). Desse modo, o pesquisador tem a liberdade de fazer as perguntas que considerar pertinentes para o alcance dos objetivos da pesquisa.

Com relação aos resultados obtidos, eles foram submetidos ao método de análise de conteúdo, sendo, posteriormente, construídas categorias. Segundo Bardin (2004), o agrupamento em categorias possibilita uma sistematização e discussão dos resultados, organizando-os, relacionando-os e efetuando as verificações propostas nos objetivos do estudo em questão.

Os participantes da pesquisa foram 5 pessoas com idades entre 50 e 60 anos, que trabalham e estão próximas à aposentadoria (faltando no máximo 5 anos), escolhidos por conveniência e acessibilidade.

No que se refere às características específicas dos participantes, foram entrevistados uma bancária de 53 anos (Vitória), um eletricista de 50 anos (Mário), uma professora de 50 anos (Hilda), um veterinário de 58 anos (Fernando) e um motorista de ônibus de 55 anos (Leonardo). Salienta-se que estes nomes são fictícios, a fim de preservar o sigilo quanto à identidade dos participantes.

Com relação aos procedimentos para o desenvolvimento da pesquisa, é pertinente ressaltar que as entrevistas foram gravadas em fitas cassete e, após transcrito seu conteúdo, elas foram destruídas. Além disso, as pessoas que concordaram em participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Ainda, salienta-se que este estudo somente teve inicio após a aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário Franciscano.

 

Apresentação e discussão dos resultados

Impactos sobre a subjetividade

No momento da pré-aposentadoria, o indivíduo passa por uma série de perdas, frustrações, rupturas como nas relações sociais, questionamentos, inseguranças e crises de identidade, podendo ocasionar comprometimentos na sua estrutura psíquica, caso não enfrente e não se adapte ao novo cotidiano.

Ao referirem aos sentimentos vivenciados no momento da aproximação da aposentadoria, dois entrevistados relataram que não sentem medo, porém encontram-se desorientados diante da situação: "[...] medo, medo, medo eu não tenho, o que eu posso dizer é que é apreensivo, sem saber muito o que pensar [...] vamos dizer assim, é uma coisa nova, eu fico meio que perdido [...]" (MÁRIO).

Através desses relatos, podemos retomar uma proposição de Romanini (2005) que afirma que muitos não pensam no assunto aposentadoria, e, quando refletem, vivem momentos de inquietações e crises.

Constatou-se, assim, que a pré-aposentadoria parece ser um momento propício para reflexões e planejamentos sobre a própria identidade, as expectativas e prioridades para o futuro do sujeito. Em concordância, Magalhães et al. (2004, p. 58) assevera que: "neste sentido, a interrupção de atividades desenvolvidas ao longo de uma vida no cenário do mundo do trabalho, e a consequente perda dos vínculos sociais ali estabelecidos, pode trazer danos severos à qualidade de vida das pessoas".

A participante Vitória relatou "[...] não, eu não tenho medo de me aposentar, mesmo porque eu vou continuar trabalhando [...]".

Um aspecto bastante relevante constatado na pesquisa diz respeito ao fato de que o afastamento das atividades laborais, provocado pela aposentadoria, talvez seja a perda mais significativa da vida social do sujeito, considerando que, em consequência desta perda, pode haver outras perdas, com profundas implicações sobre a saúde e a subjetividade. Assim, muitos permanecem trabalhando não apenas por necessidades financeiras, mas também por necessidades sociais e afetivas.

Nessa direção, uma participante relata: "[...] meu sentimento é o medo de perder o contato com as minhas colegas, amigas, com o grupo que convivo há 31 anos e também de insegurança [...]" (HILDA).

Verificou-se que a transição do trabalho para a aposentadoria envolve perdas significativas na vida do sujeito, como a perda da identidade profissional e diminuição das relações sociais que podem desencadear alterações psicológicas e socioeconômicas, na interação social e na subjetividade do sujeito.

Assim, esse processo envolve expansão, redefinição e mudanças nos papéis, já que o contato com os ex-colegas de serviço, bem como os laços de amizade, tendem a diminuir. Ainda assim, o impacto causado pela aposentadoria dependerá da importância atribuída pelo sujeito ao seu trabalho e às relações sociais e, ainda, do grau de abertura para a construção de novos laços afetivos.

Para Alvarenga et al. (2009), a aposentadoria pode repercutir indiretamente sobre o funcionamento cognitivo do idoso, pois, geralmente, o sujeito que se aposenta passa por um empobrecimento de suas redes sociais.

Com a proximidade da aposentadoria, o indivíduo passa por diversas mudanças na vida. O impacto dessas mudanças será proporcional à importância dada ao trabalho e às relações de amizade, pois constitui uma fase de reestruturação de identidade e de estabelecimento de novos pontos de referência (ROMANINI, 2005).

Ao abordar seu medo, outro entrevistado relata que se depara ainda com o preconceito do envelhecimento:

Eu tenho muito medo. Eu sinto que é [...] uma nova etapa, e eu tenho medo dessa nova etapa [...]. É como é a última da vida, tenho medo dela. Então, no fundo, às vezes, eu penso em prorrogar, pedir permanência. Não é nem por questões financeiras. Eu tenho medo da última etapa da minha vida [...]. E depois que tu se aposenta, não tem mais nada (FERNANDO).

Mesmo nos dias atuais, o envelhecimento ainda é temido e visto como uma etapa indesejável, porém, essa transição pode ser vivenciada de forma positiva ou negativa, conforme a história de vida do indivíduo e da representação que está enraizada na sociedade em que ele vive (SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008).

Segundo Romanini (2005), o fenômeno do envelhecimento é irreversível e inevitável, por isso provoca angústias e questionamentos sobre o fim da existência, já que a aposentadoria e a velhice, na maioria das vezes, estão ligadas, e muitos consideram-nas o mesmo fenômeno.

A aposentadoria pode levar o indivíduo à conscientização de que atingiu um estágio específico do desenvolvimento: a velhice, ou seja, a aposentadoria adquire o caráter de sinalizador do envelhecimento (ALVARENGA et al., 2009).

Uma entrevistada faz questão de salientar que a aposentadoria não está, necessariamente, ligada à velhice: "[...] é interessante levar a pessoa a perceber que aposentar-se não é envelhecer, mas é dar início a um novo ciclo em nossa vida [...]" (HILDA). Em contrapartida, Costa (2009) assevera que a imagem social do aposentado é conjugada a partir da velhice e inatividade.

Para Alvarenga et al. (2009), na aposentadoria os valores atribuídos pela sociedade têm grande influência, na medida em que levam o indivíduo a lembrar-se da iminente chegada da velhice e, como consequência, a sentir o temor de ser considerado economicamente improdutivo.

Verificou-se, ainda, a insegurança em relação ao futuro, como observamos no relato de Hilda: "[...] será que é isso mesmo que eu quero? Será que eu quero mesmo me aposentar? Como vai ser daqui pra frente? [...]".

Foi visível o sentimento de preocupação dos sujeitos entrevistados quanto ao estarem sem um lugar, sem um status na sociedade. Em relação a isso, Costa (2009) afirma que o processo de envelhecimento não é pensado pelo "mundo do trabalho", exceto pelo estabelecimento da aposentadoria.

A aposentadoria é uma fase de transição que envolve expansão, redefinição e mudanças nos papéis, além do impacto deste processo na vida do sujeito (MAGALHÃES, et al., 2004). Nesse sentido, a interrupção de atividades desenvolvidas no trabalho durante muito tempo na vida, e as consequentes indecisões, medos e redefinições que serão necessárias, podem trazer danos psicológicos à qualidade de vida do sujeito.

Percebeu-se, assim, que a maioria dos entrevistados sentem profundos temores diante da aposentadoria. Um participante relata:

Do início disso daí é que eu estou com medo [...]. Inseguro com certeza! Aquela segurança que eu tinha, quando faltavam 3, 4 anos, ela se foi! Ela me abandonou, a segurança. Agora me deixou inseguro! Por essa sensação, aí, do que é que vem daqui pra frente, né? (FERNANDO)

A insegurança e a ansiedade se propagam pela vivência do momento da transição de trabalhador para aposentado, sendo indispensáveis algumas reformulações identitárias, visto que essa transição pode gerar o medo do desconhecido, do novo, incertezas e questionamento dos papéis (DUARTE; SILVA, 2009).

Dessa forma, o trabalhador, diante da proximidade de sua aposentadoria, pode entrar em crise de identidade, já que esta foi construída com base em modelos de identificação vivenciados no passado, ao longo de toda a sua trajetória profissional e apropriados como representativos do seu eu. Ao referir seus temores, uma entrevistada aponta:

Tenho o receio de tornar-me dona de casa, ficar em casa limpando, fazendo faxina, ficar a 'rainha do lar' e o meu relacionamento com os familiares complicar por causa disso, ficar ranzinza (HILDA).

Para Romanini (2005), a aposentadoria é uma etapa de reestruturação de atividades e valores. Nesse período, a família e os amigos evidenciam sua importância, pois o sujeito voltará para sua vida pessoal, até então deixada de lado. Sendo assim, os bons relacionamentos constituirão importantes fatores de adaptação à nova etapa da vida. Nesse sentido, uma participante relatou:

Ah! A mãe está super feliz, porque eu vou ter mais tempo para ela! Ela é minha companheira, a gente sai junto. O pai também, né? A mãe acha que eu devo me aposentar para descansar, que já é um bom tempo de trabalho, já tenho minha vida estável financeiramente. Já dei duro, muito duro. Então agora, é só esperar e aproveitar a vida (VITÓRIA).

O relato acima revela que o período da aposentadoria pode ser um momento de dor e sofrimento, mas também de reflexões e retomada dos vínculos familiares e afetivos. Alguns entrevistados ressaltam a importância da busca do lazer relacionado à vivência de mais prazer nesta etapa da vida. Um participante salientou a importância da busca de atividades de lazer com a esposa, usufruindo da liberdade conquistada:

Eu gosto de viajar. A minha esposa é parceira pra viagem, nós nos damos bem nessa coisa de andar, de ter vontade de fazer isso, de viajar, conhecer lugares novos, lugares diferentes, e isso ajuda muito [...]. Quando a gente trabalha, e tem filho, a gente pensa, no verão, com meu filho e filha, vou pra praia [...]. Hoje eu penso assim [...]. Mês de junho que é bom, que não tem ninguém, em maio que o clima tá melhor. Não envolve mais família, envolve só o casal. (FERNANDO)

Segundo Soares et al. (2007), faz-se importante a construção de novas fontes de satisfação com a aposentadoria, substituindo-se os estímulos gratificantes relacinados à identificação profissional por novas formas de busca pelo prazer.

Assim, verifica-se que a aposentadoria pode apresentar, além de crises relativas às perdas, uma relevância nos sentimentos e valores relacionados às conquistas e aquisições desta fase, tratando-se de um processo subjetivo peculiar a cada sujeito, que envolve crenças e emoções, bem como a construção de estratégias de enfrentamento. (OLIVEIRA et al., 2009).

Segundo Alvarenga et al. (2009), a aposentadoria pode ser assimilada de forma positiva proporcionando uma reorganização na vida do indivíduo. Na seguinte passagem, outro entrevistado diz sentir-se tranquilo com a proximidade da aposentadoria, porém sua tranquilidade está relacionada ao desejo de continuar trabalhando:

Ah! Estou tranquilo! Pretendo continuar trabalhando. Na mesma área, se for possível [...]. Não parar! Parar não dá! Não tenho medo [...]. Não tem um porquê de ter medo. Eu não tenho medo, não! Como eu já tenho um pouco de idade, então eu cuido muito da saúde. Faço exames de 4 em 4 meses, ou de 6 em 6 meses; sempre faço todos os exames pra preservar bem a saúde (LEONARDO).

Notou-se que as repercussões na proximidade da aposentadoria relacionadas ao âmbito subjetivo podem interferir e causar uma série de situações críticas como a diminuição das redes sociais; insegurança e medo frente a essa nova etapa da vida; crises de identidade e tomada de consciência do envelhecimento. Os entrevistados mostram-se motivados a buscar novas fontes de lazer e prazer, bem como tentam resgatar e aprofundar os laços familiares. Entretanto, a maioria não se depara com a aposentadoria como o fim de uma etapa produtiva, empenhando esforços para permanecer no mercado de trabalho.

 

Preparação para a aposentadoria

A preparação para a aposentadoria é um momento propício para reflexões pertinentes à identidade, a expectativas e a projetos para o futuro. Ao se referir às suas vivências em relação à preparação e à proximidade da aposentadoria, uma entrevistada relatou: "[...] comecei a pensar em janeiro deste ano em me aposentar no ano que vem, então é uma ideia que vai amadurecendo [...]" (VITÓRIA). Ela diz, ainda, que pretende continuar trabalhando e se dedicar mais, mas em outra área, na qual já trabalha e deseja realizar cursos específicos.

Outra participante expõe:

Estou me preparando desde o momento que pensei que era possível me aposentar, porém como não foi possível este ano, vou continuar me preparando para quando chegar o momento. Na verdade, quando pensei em me aposentar, procurei colegas minhas para saber como elas estavam e constatei que essas colegas estavam felizes, livres de horários, porém, sentiam falta do ambiente [...]. Não pretendo continuar trabalhando no mesmo serviço (HILDA).

Constatou-se, então, que há a necessidade de reorganização e planejamento para a nova etapa da vida que se aproxima. Para Rodrigues et al. (2005), verifica-se que o sujeito aposentado tenta reconstruir sua identidade através do estabelecimento de novos papéis e da busca de novos objetivos de vida, num processo de redefinição de sua existência, tendo em vista o estigma de ser improdutivo na sociedade.

O trabalho e seu significado na formação do indivíduo é uma questão importante a ser levantada quando se discute a aposentadoria, pois é no exercício da profissão que depositamos nossas aspirações pessoais e perspectivas de vida (MENDES et al., 2005).

Para Alvarenga et al. (2009), se o indivíduo, ao longo de sua vida, constrói outras fontes de satisfação além do trabalho, torna-se mais fácil o enfrentamento desta etapa, e isso possibilita uma reestruturação de sua identidade enquanto aposentado.

Um participante revela que não se preocupa e não pensa em preparar-se para esse momento: "[...] não me preocupo mesmo. É uma questão muito focada na minha cabeça. Não me preparo porque eu não penso nisso [...]" (MÁRIO). Verificou-se que o pré-aposentado encontra dificuldades para pensar e refletir acerca da aposentadoria, o que leva a uma falta de planejamento.

Constatou-se na pesquisa que, ao invés da preparação para o fim do trabalho, o mais evidente é um investimento na possibilidade de continuar trabalhando. Nessa direção, um participante referiu que não consegue imaginar-se sem atividade:

Não penso em parar, nunca! Se eu parar eu morro! É uma realidade da minha vida, sabe? Fui sempre trabalhador, sempre procurando alguma coisa ou outra pra fazer. Não me vejo parado. Não me vejo aposentado (MÁRIO).

Pode-se considerar que cabe ao sujeito, ao longo de sua vida, refletir sobre seus desejos, interesses, motivações e papéis representados, pois, segundo Magalhães et al. (2004), os papéis são construídos pelo próprio sujeito que, ao longo da vida, sustenta seu autoconceito através do desempenho de papéis que lhe são mais importantes. Entretanto, essa reflexão é fundamental diante da pré-aposentadoria, tendo em vista a importância do planejamento relativo a novos modos de vida e realização na etapa que se aproxima.

Em concordância, Oliveira et al. (2009) consideram que a pré-aposentadoria é um momento propício para a reflexão e análise de questões pertinentes à própria identidade, às expectativas e a prioridades para o futuro.

Outro entrevistado diz que pretende continuar trabalhando na mesma empresa e que sua aposentadoria pode sair a qualquer momento:

Olha, todo mundo pensa em melhorar cada vez mais, né?! Mas por enquanto a gente vai pensar em continuar trabalhando, se a empresa deixar. Se não der, a gente acha um serviço pra fazer. Parar nunca, né? Não tem como parar! Ah, [estou] me preparando desde quando começou a se aproximar. Já faz praticamente 1 ano que deu tudo certo no papel, só que não estou recebendo ainda (LEONARDO).

Percebeu-se, assim, que predomina o interesse e o desejo dos indivíduos que estão próximos à aposentadoria em permanecer ativos em seu trabalho, seja na mesma área, ou em outra. Isso é, eles pretendem que a aposentadoria não siginifique, exclusivamente, parar com a vida laboral, mas sim reorganizar e planejar novas atividades.

O entrevistado Fernando diz que, apesar de estar se preparando há alguns anos, não se sente seguro para o momento da aposentadoria:

Estou me preparando há 5 anos. Em 2005, eu sabia que ia me aposentar no ano de 2010. Aí, eu estava me preparando, mas eu sinto que meu preparo não foi bom (risos) [...]. Bueno, então há 5 anos eu já penso isso. Só que os projetos foram se modificando [...]. Eu sinto uma insegurança que eu não tinha. Ou seja, não sei se é boa a expressão, mas eu estou mais frágil do que há 5 anos. Agora mais frágil, porque há 5 anos: 'ah eu vou fazer não sei o quê, vou embora'. Mas estou com uma vontade de empurrar um pouquinho mais a aposentadoria. No início, eu queria muito mais. E agora que está próximo, eu não consigo me imaginar assinando lá a documentação. (FERNANDO).

Constatou-se, assim, que na fase da pré-aposentadoria os entrevistados não se mostram preparados para a nova etapa da vida e que preferem planejar a continuidade do trabalho. Entretanto, considera-se fundamental que o indivíduo reflita acerca desse momento em sua vida, a fim de reorganizar seus planos e objetivos para o futuro, saindo do ativismo e do produtivismo, que, muitas vezes, o impedem de pensar sobre novas escolhas e possibilidades de vida para além do trabalho.

 

Percepções sobre o papel do psicólogo

Considera-se de suma importância a escuta e o apoio psicológico no intuito de refletir sobre a descoberta e o resgate de potencialidades, bem como sobre construção e a realização de novos projetos de vida.

Ao mencionar as contribuições do psicólogo neste momento de sua vida, um participante assinala:

Olha, [...] eu era uma pessoa incrédula sobre psicologia, achava muito bonito, achava até coisa de novela. Hoje eu acredito que é muito importante conversar com quem sabe, com quem tem técnicas para ajudar. Eu acho que é muito importante. Talvez eu até precise para me aposentar, por acreditar que eu posso ser ajudado, talvez eu procure alguém, sem problemas, sem constrangimentos nenhum, para me ajudar nisso aí. Quando acontecer ou vier a acontecer (MÁRIO).

Segundo Rodrigues et al. (2005), as ações da psicologia, tais como abertura de espaços para a reflexão relativa à aposentadoria; a construção de projetos futuros para a vida do sujeito; o resgate da valorização do corpo; a reelaboração de preconceitos existentes na sociedade; promoção de relações interpessoais e de busca da autorrealização e a descoberta de potencialidades podem ser desenvolvidos com os trabalhadores em etapa prévia à aposentadoria.

No que se refere à importância da contribuição do psicólogo para impulsinar o início de um novo ciclo na vida do indivíduo que está próximo à aposentadoria, uma participante relatou:

É muito importante sua orientação, vai fazer com que a gente perceba que está se aposentando do serviço e começando uma nova etapa na vida, mesmo que seja aos 60 anos e que isso é possível. Levar a pessoa a perceber que aposentar-se não é envelhecer, mas é dar início a um novo ciclo em nossa vida. É melhorar a autoestima, mostrar horizontes, criar novas metas, ajudar a perceber que pode ser útil em novas atividades (HILDA).

Constata-se, assim, que, nessa fase, o trabalho do psicólogo adquire fundamental importância, pois ele é necessário como um instrumento capaz de valorizar o sujeito e mostrar-lhe outras alternativas saudáveis, despertando sua criatividade e motivação para a construção de novos modos de vida.

No entanto, não há muito espaço social para que as questões e os sentimentos despertados pela aposentadoria sejam compartilhados. Sendo assim, deveriam ser criados esses espaços, a fim de propor reflexões e formas de preparação para esse momento, apoiando a descoberta de maneiras de se enfrentar essa nova etapa, com melhores condições e mais esclarecimentos (RODRIGUES et al., 2005).

Outro participante atribuiu ao psicólogo um importante papel na prevenção de agravos à saúde mental:

Eu acho [...] que vocês podem contribuir auxiliando [...] a pessoa a não ter depressão; não ficar de cabeça vazia; não ficar pensando bobagem; instruindo para que pratique alguma atividade, né? [...]. Eu acho que, no caso, assim, vocês que estudaram para isso, contribuem muito para a pessoa não sentir a solidão, aquela coisa toda, né? Tem umas que param com tudo! E depois entram em depressão, tem a solidão, começam acarretar as doenças, o nervosismo, mas daí, eu acho que [...] o trabalho de vocês é orientar uma pessoa a ter atividades para continuar a viver, para cuidar dos netos [...] (VITÓRIA).

Percebeu-se, ainda, através desta fala, que é atribuído ao psicólogo o papel de prevenção de doenças nesta etapa tão crucial da vida. Dentro desse âmbito, é fundamental que o psicólogo desenvolva projetos e ações para o indivíduo que está próximo à aposentadoria, no seu contexto de trabalho, abordando as frustrações, angústias, conflitos, perdas e lutos relativos a esta etapa, evitando que a falta de reflexão faça com que a aposentadoria seja vivida sob o prisma do adoecimento, da inutilidade, improdutividade e ociosidade. Essa atuação do psicólogo possibilita ao sujeito, na fase da pré-aposentadoria, encontrar diferentes perspectivas para a sua vida, ampliando suas possibilidades de realização (RODRIGUES et al., 2005).

Um participante relatou a importância do psicólogo no âmbito dos Recursos Humanos:

Eu acho que dentro de cada RH tinha que ter um psicólogo. Cada RH tinha que ter uma preparação [...]. Então, [...] dentro dos RH tinha que ter um profissional ali pra te preparar. Que bom se eu tivesse alguém [...]; aquela pessoa me colocando mais os pés no chão, né?! [...] Tinha que ter um profissional, uma pessoa que preparasse, com uma linguagem adequada e profissional em relação a isso, né? (FERNANDO)

Notou-se, então, a relevância do trabalho do psicólogo nas organizações para auxiliar na compreensão do significado de aposentar-se. A preparação para a aposentadoria é um importante recurso a ser utilizado pelas organizações, a qual consiste em estimular para realização de atividades intelectuais, reflexão sobre novas opções de vida profissional, com horários reduzidos, espaços flexíveis e que possam ser mais gratificantes.

Além disso, a preparação para a aposentadoria prevê o questionamento de oportunidades de lazer e das possibilidades de cultivar o relacionamento afetivo, familiar e social (SOARES, 2009).

Assim, o psicólogo pode auxiliar no estabelecimento de prioridades de acordo com interesses, desejos, motivações e condições na busca do sentimento de gratificação pessoal. Então, o papel do psicólogo durante a carreira do sujeito e no momento de sua aposentadoria é de suma importância. (COSTA; SOARES, 2009).

Outro entrevistado reforçou a pertinência da atuação do psicólogo no apoio à resolução de conflitos nesta etapa de transição:

Ah, isso é muito interessante, né? Porque sempre tu tem problema, cada pessoa tem problema. Então tem que ter um psicólogo, pra de repente, solucionar. Um psicólogo da área de vocês, com 2 ou 3 palavras, já faz o trabalhador ser outra pessoa [...]. Então, [...] é mental o trabalho de vocês. Disso não resta dúvida. Isso é em qualquer lugar, em empresa, particular, qualquer lugar do trabalho [...], é necessário (LEONARDO).

Dessa forma, faz-se muito importante a cria ção de programas de reflexão e preparação para a aposentadoria de forma que os trabalhadores, que estão próximos à aposentadoria, reflitam sobre os aspectos positivos e negativos desta nova etapa. Estes programas podem promover um enfrentamento mais consciente e tranquilo que possibilite a construção de novos papéis.

Além dos programas de preparação através da reflexão, há, ainda, a orientação profissional, que constitui um trabalho de longo prazo, com discussão de planos para o futuro; reflexão sobre as maneiras de lidar com as perdas; implementação de novos projetos de vida; resgate dos sonhos passados e análise das possibilidades de realizá-los e viabilizá-los (RODRIGUES et al., 2005; COSTA; SOARES, 2009).

Notou-se, também, que é extremamente importante pensar em práticas e espaços onde os futuros aposentados possam refletir sobre os diferentes contornos desta nova etapa da vida. Assim, o trabalho do psicólogo faz-se extremamente necessário no suporte à compreensão e ao enfrentamento de seus conflitos e temores, bem como na resolução e superação dos desafios relativos à reestruturação de sua vida, que inicia a partir de uma reorganização psíquica e afetiva.

 

Considerações finais

A partir da pesquisa realizada, foi possível perceber que os sujeitos que se encontram na proximidade da aposentadoria enfrentam medos e inseguranças, passando por transições e crises em sua identidade. Nesse sentido, Selig e Valore (2010) asseveram que considerando a sociedade contemporânea e a interligação entre identidade ocupacional e identidade pessoal, pode-se pensar que, ao romper com as atividades do mundo do trabalho, o indivíduo pode vir a experienciar crises de identidade, que podem provocar sentimentos de inutilidade, vazio e baixa autoestima.

Conforme afirma França (2002), entre os sujeitos que desejam aposentar-se e tenham planos para o futuro, é comum o surgimento de ansiedade ao lidar com essa nova possibilidade, pois sabem que a aposentadoria provocará diversas mudanças.

Percebeu-se que a fase da pré-aposentadoria é propícia para a reflexão e para o planejamento de novos projetos de vida, de acordo com interesses e motivações. O significado da aposentadoria precisa ser entendido ao longo da vida do sujeito, ou seja, a aposentadoria deve ser compreendida como um processo: um processo de antecipar o novo papel na medida em que este se aproxima; a elaboração consciente e inconsciente dos conflitos e ressocializações envolvidos nesta mudança de papel (MAGALHÃES et al., 2004).

Considera-se importante salientar que apenas um participante apontou que pretende ocupar seus horários livres com sua família e com atividades de lazer. Os demais afirmaram que planejam continuar desenvolvendo uma atividade profissional no período da aposentadoria. Conforme apontam Azevedo e Carvalho (2006), o apoio social e a rede de relações familiares na velhice favorece o bem-estar psicológico e social do idoso, ou seja, a família representa um local privilegiado de lazer para o sujeito aposentado.

Em relação à permanência ou à volta ao trabalho após a aposentadoria, pode se entender como uma estratégia de ação para resolver a crise, mantendo a identidade do sujeito (COSTA, 2009).

Notou-se, ainda, que há perdas significativas nessa etapa, como o distanciamento dos laços de amizade e crise quanto à identidade profissional, o que pode causar sofrimento psíquico. Em concordância, França (2002) afirma que com a aposentadoria os relacionamentos podem diminuir, mas é necessário que o sujeito aposentado busque resgatar as antigas amizades e incluir novas participações nos mais diversificados grupos sociais.

Verificou-se, ainda, que os entrevistados não se conformam com o processo de envelhecimento e com a proximidade da nova etapa de vida: a velhice. Eles revelam que isso lhes causa aflição e receio, portanto preferem não pensar sobre a questão. Nessa direção, faz-se importante considerar que ainda há preconceito em 'tornar-se velho', o que na sociedade, muitas vezes, é associado a 'tornar-se improdutivo'. Conforme aponta França (2002), ao associar aposentadoria com o envelhecimento vem à tona uma série de preconceitos, tanto voltados para o trabalho dos mais velhos, como específicos do envelhecimento estereotipado.

Dessa forma, a preparação para a aposentadoria também significa planejar o envelhecimento e, assim como estabelecer uma oportunidade do sujeito, refletir como gostaria de passar sua nova fase de vida que se aproxima e que lhe trará grandes transformações e questionamentos.

Nessa direção, torna-se compreensível o desejo manifesto de continuar trabalhando e de realizar outras atividades, mesmo que em outras áreas, a fim de sentirem-se úteis e produtivos perante a sociedade capitalista.

Outro aspecto extremamente relevante abordado pelos participantes foi relativo à importância do papel do psicólogo nesse momento tão crucial de suas vidas para orientá-los, mostrando novos caminhos e possibilidades de realização, e, principalmente, de prevenção de doenças e promoção de saúde.

Sendo assim, o estudo mostrou que é necessário criar e promover reflexões e ações, a fim de propiciar espaço para as questões e sentimentos que emergem nesta fase da vida, pois estes sujeitos se veem ainda inseguros, precisando de suporte psicológico.

Salienta-se que o papel do psicólogo não consiste apenas em tratar dos sintomas ou doenças causadas pelo trabalho ou pelo afastamento do trabalho, mas propõe-se a atuar de forma preventiva, considerando os aspectos psicológicos durante a trajetória profissional, respeitando o lugar que o trabalho ocupa na vida das pessoas. Além disso, é pertinente que o psicólogo perceba cada sujeito como diferente e único, pois cada um alcançará a fase da aposentadoria de forma singular.

 

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Data de recebimento: 19/05/2011
Data de aceite: 03/06/2013

 

 

Sobre as autoras:
Tamires Machado Barbosa é psicóloga graduada pelo Centro Universitário Franciscano -UNIFRA -Santa Maria - RS, Brasil. Especializanda em Psicopedagogia - Abordagem Clínica e Institucional. Endereço Eletrônico: tata_psic@hotmail.com.
Elisete Soares Traesel é docente do Centro Universitário Franciscano -UNIFRA -Santa Maria - RS, Brasil, pesquisadora do Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho -UFRGS -Porto Alegre - RS, Brasil, mestre em Psicologia Social e Institucional -UFRGS -Porto Alegre - RS, Brasil e doutoranda em Psicologia Social e Institucional. Endereço Eletrônico: elisetetraesel@unifra.br.