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Barbaroi

Print version ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.39 Santa Cruz do Sul Dec. 2013

 

ARTIGOS

 

A intersetorialidade enquanto estratégia profissional do serviço social na saúde

 

The intersectoral approach while social service professional strategy on health

 

El intersetorialidade mientras que estrategia profesional del servicio social en la salud

 

 

Patrícia Barreto CavalcantiI; Rafael Nicolau CarvalhoII; Ana Paula Rocha Sales de MirandaIII; Katiusca Torres MedeirosIV; Andreza Carla da Silva DantasV

IUniversidade Federal da Paraíba (UFPB) - Paraíba - Brasil
IIUniversidade Federal da Paraíba (UFPB) - Paraíba - Brasil
IIIUniversidade Federal da Paraíba (UFPB) - Paraíba - Brasil
IVUniversidade Federal da Paraíba (UFPB) - Paraíba - Brasil
VUniversidade Federal da Paraíba (UFPB) - Paraíba - Brasil

 

 


RESUMO

O artigo em tela é produto de reflexões teóricas que vêm sendo realizadas desde 2012, no Setor de Estudos e Pesquisas em Saúde e Serviço Social, no contexto de operacionalização do projeto de pesquisa "Serviço Social, Política de Saúde e Intersetorialidade: Repercussões, desafios e perspectivas para o Assistente Social na atenção básica. O objetivo deste artigo é contribuir para o debate acerca da estratégia da intersetorialidade, por se entender que ela vem se constituindo numa estratégia frequentemente utilizada na atividade profissional dos Assistentes Sociais, apresentando, paradoxalmente, uma produção científica ainda incipiente no âmbito do Serviço Social em relação à articulação entre a estratégia citada e a prática profissional. Os arranjos intersetoriais produzidos nos espaços sócio-ocupacionais para o enfrentamento das expressões da questão social têm tido o protagonismo do Serviço Social, notadamente quando se analisa a política de atenção básica em saúde. As determinações sociais que se articulam ao processo saúde-doença têm provocado um volume intenso de demandas à rede de atendimento, necessitando, portanto, de um enfrentamento integral na busca de resolutividade. A integralidade almejada, imprime a necessidade da construção de arranjos setoriais e no decurso desse processo as intervenções dos Assistentes Sociais têm se mostrado elos importantes no itinerário que o usuário percorre dentro do Sistema de Saúde.

Palavras-Chave: Intersetorialidade. Serviço Social. Atenção Básica.


ABSTRACT

The article in screen is product of theoretical reflections that comes being carried through since 2012, in the Sector of Studies and Research in Health and Social Service, in the context of the implementation of the research project "Social Service, health policy and Intersectoral: Repercussions, challenges and perspectives for the Social Assistant in the basic attention. The objective of this article is to contribute for discussion concerning the strategy of the Intersectoriality for if understanding that it comes if constituting in a strategy frequently used in the professional activity of the Social Assistants, presenting paradoxicalally, still incipient a scientific production in the scope of the Social Service in relation to the joint between the cited strategy and the practical professional. The produced intersectoral arrangements in the partner-occupational spaces for the confrontation of the expressions of the social matter have had the protagonism of the Social Service, when the politics of basic attention in health is analyzed. The social determination that if articulate to the process health-illness have provoked an intense volume of demands to the attendance net, needing, therefore, of an integral confrontation in the resolutividade search. The longed for completeness, prints the necessity of the construction of sectorial arrangements and in the continuation of this process the interventions of the Social Assistants if have shown important links in the itinerary that the user covers inside of the System of Health.

Keywords: Intersectoral. Social Service. Primary Health Care.


RESUMEN

El resumen el artículo en pantalla es el producto de reflexiones teóricas que viene siendo llevado a través desde 2012, en el sector de estudios y la investigación en salud y servicio social, en el contexto del operacionalização servicio social del proyecto de investigación ", política de Saúde e Intersetorialidade: Repercusiones, desafíos y perspectivas para la ayudante social en la atención básica. El objetivo de este artículo es contribuir para el discusión referente a la estrategia del intersetorialidade, para si entiende que viene si constituye en una estrategia usada con frecuencia en la actividad profesional de las ayudantes sociales, presentando paradoxicalally, de incipiente inmóvil una producción científica en el alcance del servicio social en lo referente al empalme entre la estrategia citada y el profesional práctico. Los arreglos producidos de los intersetoriais en los espacios socio-ocupacionales para la confrontación de las expresiones de la materia social han tenido el protagonism del servicio social, notadamente cuando la política de la atención básica en salud se analiza. La determinación social que si articule a la salud-enfermedad de proceso ha provocado un volumen intenso de demandas a la red de la atención, necesitando, por lo tanto, de una confrontación integral en la búsqueda del resolutividade. Deseado lo completo, impresiones la necesidad de la construcción de arreglos sectoriales y en la continuación de este proceso las intervenciones de las ayudantes sociales si han demostrado acoplamientos importantes en el itinerario que el usuario cubre el interior del sistema de la salud.

Palabras Clave: Intersetorialidade. Servicio social. Atención básica.


 

 

A intersetorialidade enquanto constructo

O termo intersetorialidade é indicado na literatura (Andrade, 2004; Monnerat, 2009; Pereira, 2011; Nascimento, 2010; Bronzo, 2012) como possuidor de vários sentidos. Numa perspectiva mais nuclear "intersetorialidade" deriva da junção da expressão/prefixo inter agregada a um conjunto de setores que, ao se aproximarem e interagirem entre si, podem produzir ações e saberes mais integrais e totalizantes. O prefixo inter é oriundo do latim inter que significa "no interior de dois"; "entre"; "no espaço de"; "posição intermediária", assim a palavra intersetorialidade desvela: 1) Relações entre dois ou mais setores; 2) Que é comum a dois ou mais setores.

Nessa perspectiva, a palavra setor aqui empregada, pela própria composição do termo intersetorialidade, remete-se às políticas sociais que, na conceituação geral, remonta aos processos de gestão das políticas de corte social. Assim, a intersetorialidade, para além da sua conceituação, desvela orientações para soluções e alternativas concretas para articulação das políticas sociais, objetivando impactos positivos para as condições de vida das populações urbanas e rurais.

Assim, para Nascimento (2010), a intersetorialidade das políticas públicas passou a ser uma dimensão valorizada à medida que não se observava a eficiência, a efetividade e a eficácia esperadas na implementação das políticas setoriais, primordialmente no que se refere ao atendimento das demandas da população e aos recursos disponibilizados para a execução das mesmas. Desse modo, a intersetorialidade passou a ser um dos requisitos para a implementação das políticas setoriais, visando à sua efetividade por meio da articulação entre instituições governamentais e entre essas e a sociedade civil.

As produções bibliográficas recentes (Bronzo,2007; Costa, 2010; Nascimento, 2010; Passini, 2011; Bellini, Bumbel e Faler, 2013) situam a intersetorialidade como uma estratégia que surge para superar a fragmentação e a fragilidade das políticas sociais, com vistas a combater as iniquidades sociais. Trazem também a ideia de que a mesma possibilita uma visão integral das necessidades sociais, de forma a compreender e considerar o cidadão de forma totalizante. Nesse sentido, a intersetorialidade, no debate atual, vem como uma recorrente estratégia para obtenção de uma maior interlocução entre as políticas sociais, ensejando, no campo social, uma importante "ferramenta" para superação da setorialização das demandas sociais.

A temática parte de uma inquietação que advém do atual cenário em que as políticas sociais atravessam de complexificação da questão social, no tocante ao seu enfrentamento que, no geral, ganha contornos de resolução via ações setorializadas e parcializadas.

Nessa direção, torna-se necessário realizar reflexões que não se limitem a discutir o tema da intersetorialidade de modo furtivo, mas sim provocar o debate arrolando categorias que estão intrinsicamente vinculadas à sua efetivação, qualificando-a. É justamente durante o processo de gestão das políticas públicas (nomeadamente as de natureza social) que os problemas estruturais relativos às mesmas ganham visibilidade, como, por exemplo, as formas de financiamento, os modelos de gestão seguidos, os diversos modos de organização dos processos de trabalho, parâmetros legais e a própria estrutura de rede em que as políticas se encontram para se materializar. Nessa direção é fundante analisar a contradição central que envolve o binômio: políticas sociais e intersetorialidade, qual seja, identificar as reais possibilidades de implementação de ações articuladas entre os setores de proteção social num lócus de planejamento que parte de ações isoladas e sem estratégias de diálogo.

Segundo Azevedo (2003 apud NASCIMENTO, 2010, p. 8) apud Nascimento (2010), a intersetorialidade diz respeito à inter-relação entre as diversas políticas. Neste contexto, destaca algumas dificuldades para a intersetorialidade no que se refere à crescente especialização do poder público e à tendência de maximização do desempenho de cada um dos órgãos do setor estatal.

Para Koga (2003 apud NASCIMENTO, 2010, p. 5) a intersetorialidade sobressai enquanto caminho de perspectiva para a política pública, a fim de articular as políticas sociais, urbanas, econômicas de forma a atuarem nos mesmos territórios prioritários da política da cidade.

Segundo Bidarra (2009), optar pela intersetorialidade é preferível porque: a) investe numa lógica para a gestão que considera o cidadão e por isso busca superar a fragmentação das políticas sociais; e b) investe no aprendizado sobre como lidar com as tensões produzidas, quando se tem diferentes setores e atores, com diferentes concepções de mundo, tendo que negociar uma resposta partilhada para os problemas que lhe são comuns.

Na concepção de Cavalcanti e Nicolau (2012), situar a intersetorialidade na literatura atual requer muita cautela. De um lado há convergências de ideias consistentes de alguns autores já tidos como referências no estudo da temática (Inojosa, 2001; Junqueira,1997); de outro lado, encontramos construções teóricas totalmente divergentes que empregam o termo "intersetorial" para explicar num mesmo espaço todos os problemas de ordem da gestão das políticas sociais, imprimindo ao termo uma perspectiva simplista e estética.

Para tanto, de acordo com Inojosa (2001), a intersetorialidade ou transetorialidade, é uma expressão no campo das políticas públicas e das organizações que tem sido discutida no âmbito do conhecimento científico. Segundo a autora, é possível encontrar na literatura o emprego dos dois termos no sentido de articular saberes e experiências para solução sinérgica de problemas complexos, ou seja, estes vêm sendo utilizados com a mesma intencionalidade, notadamente a de ultrapassar a endogenia histórica dos setores institucionais. A referida autora faz um articulação direta ao debate de Edgar Morin alegando que para ultrapassarmos o que ela denomina de "clausuras setoriais" é necessário partir da Teoria da Complexidade. È justamente partindo do pensamento complexo, no qual "a vida é tecida em conjunto" que a literatura por vezes apresenta uma conotação sinônima dos termos "intersetorial" e "transetorial".

Ademais, Inojosa (2001) diz que uma perspectiva de trabalho intersetorial implica mais do que justapor ou compor projetos que continuem sendo formulados e realizados setorialmente. A intersetorialidade ou transetorialidade está para além desta restrita relação. Desse modo, a autora vem demonstrar que as políticas sociais brasileiras trazem um cariz muito forte da setorialização, perseguindo a noção de fragmentação da questão social sob o viés, sobretudo, do assistencialismo, conforme assinala abaixo:

Contudo, tais políticas não se encaixam no modo de pensar intersetorial, pois ele contradiz a natureza do assistencialismo, que tem caráter de compensação e de provimento de itens. Por exemplo: quando está faltando algo, busca-se sanar esse problema específico. Mas, cuidar da transformação da sociedade e promover o desenvolvimento social é uma abordagem diferente, que significa a repartição mais equânime das riquezas. (INOJOSA, 2001, P. 106).

Compactuando com esse ponto de vista, Junqueira (1997) acrescenta que o cidadão, ao tentar resolver seus problemas, necessita que sejam considerados na sua totalidade e não de forma fragmentada. Ressalta ainda que apesar de os serviços serem direcionados aos mesmos grupos sociais, que ocupam o mesmo espaço geográfico, eles são executados isoladamente por cada política pública.

Para tanto, percebe-se que, para Junqueira, há uma relação existente entre a população e o espaço geográfico a que pertence, com vistas à identificação dos problemas comuns, bem como as possibilidades de solução para que se tenha uma vida com qualidade. Assim, segundo o autor, a intersetorialidade constitui "uma nova lógica para a gestão da cidade, buscando superar a fragmentação das políticas, considerando o cidadão na sua totalidade. Isso passa pelas relações homem/natureza, homem/homem que determinam a construção social da cidade" (JUNQUEIRA, 1997, p. 37).

Nesse sentido, diante dos levantamentos realizados na literatura vigente no entorno desta temática por Macedo (2013), se observa convergências nas ideias e conceitos trazidos pelos autores que têm produzido conhecimento no que tange à intersetorialidade.

Corroborando com tal assertiva, Andrade aponta que

[. . . ] experiências estudadas evidenciam uma inquietação no interior do Estado sobre como trabalhar com a intersetorialidade. Observou-se que em relação a ela há um consenso discursivo e um dissenso prático. Esse dissenso nasce da contradição entre a necessidade de integração de práticas e saberes requeridos pela complexidade da realidade e um aparato de Estado setorializado, onde se acumulam, com maior ou menos conflito, poderes disciplinares que estruturaram hegemonicamente sua organização. Esta organização condicionou os avanços na intersetorialidade das reformas estudadas. (ANDRADE, 2004, p. 54).

Paulatinamente, o debate acerca da intersetorialidade vai ganhando espaço na medida em que vão sendo incorporadas as estratégias do movimento "Cidades Saudáveis" à gestão de alguns municípios brasileiros como Fortaleza (CE) e Curitiba (PR) que, de acordo com Westphal e Mendes (2000), se soma, também, aos demais movimentos que ganharam destaque no final do século XX nas diferentes regiões do país e do mundo (como os de comunidades solidárias, cidades sustentáveis, cidades iluminadas e a Agenda 21) e cujos objetivos levam em conta o desenvolvimento humano sustentável, a integração social e a governabilidade.

O movimento por cidades saudáveis faz parte de um conjunto de políticas urbanas difundidas e implantadas pela ONU, especialmente por meio da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Centro das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (HABITAT), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Fundo das Nações Unidas para a Criança (UNICEF), que buscam intervenções diretas, influenciando políticos e planejadores locais. Tal proposta surgiu em meio a uma série de iniciativas internacionais que visavam construir estratégias de enfrentamento das iniquidades sociais através da promoção da saúde.

Na concepção de Westphal e Mendes (2000) a singularidade do movimento é partir da criação de projetos estruturantes no campo da saúde que objetivem promover a saúde e ampliar a qualidade de vida da população. Nesse contexto, um dos dispositivos essenciais é justamente a produção de arranjos intersetoriais entre os atores que compõem o espaço de produção do cuidado em saúde.

A partir do estado da arte sobre a categoria da intersetorialidade realizado por Cavalcanti e Nicolau (2012), se observa que nos processos de busca por "Cidades Saudáveis", que chegaram a se materializar no país, a principal estratégia que proporcionou o diálogo entre as mais variadas políticas públicas e setores externos a administração pública municipal foi justamente a intersetorialidade a exemplo da experiência concreta como a de Fortaleza (CE), monitorada e a posteriori analisada por Junqueira, Inojosa e Komatsu (1997) no final da década de 1990. Interessante ressaltar que esses autores tiveram participação ativa na gestão pública municipal. Assim, dentre as constatações pleiteadas pelos autores acerca da intersetorialidade, tem-se o seguinte conceito:

Intersetorialidade é aqui entendida como a articulação de saberes e experiências no planejamento, realização e avaliação de ações, com o objetivo de alcançar resultados integrados em situações complexas, visando um efeito sinérgico no desenvolvimento social. Visa promover um impacto positivo nas condições de vida da população, num movimento de reversão da exclusão social. Os conceitos de intersetorialidade e descentralização aproximam-se, na medida em que este último é compreendido como a transferência do poder de decisão para as instâncias mais próximas e permeáveis à influência dos cidadãos e o primeiro diz respeito ao atendimento das necessidades e expectativas desses mesmos cidadãos de forma sinérgica e integrada. [. . . ] A articulação de ambos - descentralização e intersetorialidade, referidos ao processo de desenvolvimento social, constituem um novo paradigma orientador da modelagem de gestão pública. (JUNQUEIRA; INOJOSA; KOMATSU, 1997, p. 24)

Desse modo, as construções teóricas formuladas na década de 1990 no tocante a intersetorialidade estão intrinsecamente relacionadas à lógica de gestão das cidades numa ótica de otimização de recursos materiais e humanos para o desenvolvimento urbano na perspectiva da administração pública. Nas produções recentes (Bronzo,2010; Giaqueto, 2010; Passini, 2011), diante do arcabouço normativo que permeia todo o rol de políticas sociais, há um esforço em analisar como as ações estão se refletindo nas condições objetivas de vida da população. A intersetorialidade entra em cena com a perspectiva de conjugar as políticas sociais, para que num dado espaço seja possível alcançar o indivíduo de forma totalizante e assim reproduzir ou generalizar a experiência para raios de abrangência maiores.

Nesta perspectiva, Monnerat e Souza (2010) colocam que

A imersão neste cenário concreto de implementação da intersetorialidade evidencia, dentre outras questões mencionadas, que o governo estadual e o nível federal (embora haja avanços na formulação de programas federais com desenho intersetorial) ainda apresentam fraca sensibilidade para com as iniquidades geradas a partir da fragmentação e descoordenação de programas e políticas sociais. (MONNERAT E SOUZA, 2010, p. 219)

Mesmo que tenha havido alguns avanços na forma de pensar e construir as políticas sociais e programas governamentais em nível federal, a barreira da setorialização, que é inerente às condições sócio-históricas de surgimento da proteção social brasileira, é de difícil superação. Além dos fatores estruturais de ordem da gestão administrativa, há também o elemento cultural na gestão das políticas públicas. Romper com os parâmetros que ao longo de décadas permeiam o modo como as políticas sociais são pensadas e operacionalizadas, constitui um grande desafio, pois além do peso que a cultura exerce, a vontade política dos indivíduos também será crucial no processo de mudança.

Assim, Machado (2008) vem apontar que

[. . ] As práticas intersetoriais, por se pautarem em articulações entre sujeitos e setores sociais diversos e, portanto de saberes, poderes e vontades diversas se apresentam como uma nova forma de trabalhar e de construir políticas públicas. Estas políticas devem possibilitar o enfrentamento de problemas e devem produzir efeitos mais significativos para as pessoas. Estas ações permitem certa superação da fragmentação de conhecimentos e das estruturas sociais, apontando um novo arranjo para a intervenção e participação para resolução de questões amplas e complexas. (MACHADO, 2008, p. 1).

A autora infere que a intersetorialidade envolve a expectativa de maior capacidade de resolver situações, de efetividade e de eficácia, pois, em todas as experiências, reconhece-se claramente que ela se constrói sobre a necessidade de as pessoas e os setores de enfrentarem problemas concretos. São as questões concretas que mobilizam as pessoas; são elas que criam o espaço possível de interação e de ação. (MACHADO, 2008).

Para Bourguignon (2001), a moderna gestão social se pauta, portanto, em princípios como a descentralização, participação social e intersetorialidade, já que segundo a mesma os arranjos intersetoriais se materializam na;

[. . . ] articulação entre as políticas públicas através do desenvolvimento de ações conjuntas destinadas a proteção, inclusão e promoção da família vítima do processo de exclusão social. Considera-se a intersetorialidade um princípio que orienta as práticas de construção de redes municipais. (BOURGUIGNON, 2000, p. 4).

Ainda de acordo com Bourguignon (2001), tradicionalmente as políticas públicas básicas (educação, assistência social, saúde, habitação, cultura, lazer, trabalho, etc.) são setoriais e desarticuladas, respondendo a uma gestão com características centralizadoras, hierárquicas, deixando prevalecer práticas na área social que não geram a promoção humana. Além disto, percebe-se que cada área da política pública tem uma rede própria de instituições e/ou serviços sociais. Exemplo disso é a Assistência Social que possui um conjunto de entidades estatais e filantrópicas que prestam serviços na área, de forma paralela às demais políticas e muitas vezes atendendo aos mesmos usuários.

Bourguignon (2001) ressalta que essa forma de gestão das políticas públicas gera fragmentação da atenção às necessidades sociais, paralelismo de ações, centralização das decisões, informações e recursos, rigidez quanto a normas, regras, critérios e desenvolvimento dos programas sociais, divergências quanto aos objetivos e ao papel de cada área, unidade, instituição ou serviço participante da rede, fortalecimento de hierarquias e poderes políticos/decisórios e fragilização do usuário - sujeito do conjunto das atenções na área social.

 

O Serviço Social na atenção básica em saúde e a intersetorialidade

A trajetória histórica do Serviço Social no campo da saúde guarda características bem marcantes e que tem demandado estudos e pesquisas, notadamente na relação da profissão com a implantação e implementação do Sistema Único de Saúde brasileiro de corte universal e igualitário.

Trata-se de um percurso longevo, que se expressou com maior vigor a partir do final da década de 1940 face à expansão do capitalismo no Brasil e ao espraiamento da política de saúde num país em franco processo de urbanização, no qual a questão da saúde que outrora era uma questão de polícia passa a se constituir numa questão de política. Com base nesse contexto e amparada no novo conceito de saúde (ressignificado pela Organização Mundial da Saúde em 1948) que a profissão passa a ter o campo da saúde como um dos principais campos de intervenção. (BRAVO & MATOS, 2004).

Assim, durante as décadas seguintes, enquanto as políticas governamentais de saúde consolidavam um sistema de saúde plural, mixado entre serviços públicos e privados, o Serviço Social buscava sua própria consolidação, preliminarmente ancorado nas influências europeias e a posteriori nos pressupostos teórico-metodológicos da matriz norte-americana.

Para além da conjuntura brasileira de grande efervescência do ponto de vista ídeo-político, a década de 1980 representou para o Serviço Social um momento de ruptura, já que é nesse período que se amplia o debate teórico, se incorpora novas categorias de análise (de base totalizante) e se aprofunda o Movimento de Reconceituação da profissão. No campo da saúde há a expansão do Movimento Sanitário, que buscava lançar novas bases na prática do cuidado em saúde, cuja plataforma ampla passou a ser incorporada em vários fóruns de debates sobre a política de saúde, culminando como parâmetro de discussões da VIII Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 1986.

Como assinala Bravo (2004), mesmo com esse descompasso entre o que estava ocorrendo no âmbito do setor saúde e do Serviço Social como profissão, verifica-se nos anos 80 uma postura mais crítica dos Assistentes Sociais relacionadas à saúde, notadamente nas diretivas que estas utilizam em trabalhos científicos. São avanços por vezes considerados insuficientes haja vista a desarticulação da categoria ao Movimento de Reforma Sanitária.

Quando se analisa as últimas duas décadas se constata que o Serviço Social avançou consideravelmente no campo da saúde, notadamente em função da criação do Sistema Único de Saúde (construído a partir da Constituição de 1988), que ampliou os espaços de intervenção profissional, abrindo perspectivas no plano da gestão e execução dos serviços. Por se constituir num sistema de viés democrático e universal, colocou para os assistentes sociais possibilidades de materializar uma nova relação com os usuários da assistência pública à saúde. Contudo, essas novas práticas profissionais têm se mostrado eivadas de conflitos, avanços e refluxos, tendo em vista o próprio caráter da política de saúde operada no escopo da reprodução social capitalista.

Autoras como Bravo (2006); Mioto e Nogueira (2006); Vasconcelos (2002) e Costa (2000, 2010) vêm realizando estudos e apontando as dificuldades advindas desta inserção e a potência que a presença do Assistente Social possui quando integrado às equipes de saúde. É sem dúvida no campo da saúde que se encontra uma maior concentração da categoria, seja na implementação da política de saúde, seja na avaliação e nos monitoramentos de seus programas e projetos, nos três níveis de complexidade.

Esse movimento de absorção do Serviço Social tem nas últimas décadas fomentado a preocupação das entidades representativas que fornecem suporte legal ao exercício profissional, a saber, o Conselho Federal de Serviço Social e a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, que nessa direção produziram importantes diretrizes de ordem ética, política e teórico-metodológica que vêm funcionando como vetores os quais a formação e a prática profissional nessa área, devem tomar como referências.

Portanto, desde 2006 tais entidades têm promovido fóruns reflexivos e envolvido os cursos de graduação em Serviço Social com intuito de, além de promover o debate sobre as questões fulcrais da prática na saúde, construir referências que garantam o objetivo maior da ação profissional que é a defesa dos direitos sociais, em particular o direito à saúde. Há sem dúvida um movimento histórico e político importante movido por tais entidades que resultou na construção dos Parâmetros de Atuação do Assistente Social no campo da Saúde em 2009.

Quando o foco recai sobre a relação da profissão em nível da atenção básica, se verifica que é de fato uma relação recente, já que esse nível de atenção à saúde atravessou décadas no país carecendo de uma ampliação de investimentos. Há sem dúvida, uma densidade maior de Assistentes Sociais atuando nos demais níveis de complexidade em saúde (atenção secundária e terciária). Tal concentração é histórica em contraponto a inserção destes profissionais na área da saúde coletiva de modo geral ou mesmo na porta de entrada do Sistema de Saúde (Programas e projetos de atenção básica materializados desde 1994 pelo Programa Saúde da Família.)

A produção do conhecimento relativa a tal inserção também se mostra em construção, na tentativa de desvelar os conflitos e as tensões que os profissionais estão enfrentando cotidianamente. Teixeira (2002); Mioto e Nogueira (2006); Marsiglia (2006); Bravo e Matos (2004); Brasileiro et al. (2006), Kruger e Moscon (2010) são alguns dos pesquisadores que se debruçaram sobre o tema. Para grande parcela de estudiosos, analisar, portanto, à prática do assistente social na atenção básica no Brasil é de fato restringir-se a prática no Programa (Estratégia) Saúde da Família-PSF, por esse se constituir desde 1994 no mecanismo (eleito pelo governo federal) de reorganização do modelo assistencial em saúde. É sem dúvida a aposta do governo em fixar a atenção básica como porta de entrada no sistema de saúde.

Expandido desde 1996, o PSF evoca densas análises, seja pelo seu caráter por vezes focal, seja pela pouca estrutura que disponibiliza. Nesse sentido, Mehry e Franco (1996); Cohn (2009); Giovanella et al. (2009), dentre outros, vêm de modo recorrente apontando as fragilidades dessa estratégia.

Neste estudo a concepção adotada é a de que há de existir uma clara distinção entre o que de fato é a atenção básica (atenção primária em saúde-APS) em saúde e as iniciativas governamentais a esse respeito. O SUS, a partir de seus princípios filosóficos e organizativos, acenou com novas maneiras de se pensar e atuar na prevenção e promoção em saúde.

Como acrescenta Giovanella et al. (2009);

No Brasil, nos anos noventa, a concepção de APS também foi renovada. Com a regulamentação do Sistema Único de Saúde baseada na universalidade, equidade e integralidade e nas diretrizes organizacionais de descentralização e participação social, para diferenciar-se da concepção seletiva de APS, passou-se a usar o termo atenção básica em saúde, definida como ações individuais e coletivas situadas no primeiro nível, voltadas à promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamento e reabilitação. O Saúde da Família, inicialmente voltado à extensão de cobertura, com foco em áreas de maior risco social e implantado a partir de 1994 como um programa paralelo "limitado, bom para os pobres e pobre como eles", aos poucos adquiriu centralidade na agenda do governo, convertendo-se em estratégia estruturante dos sistemas municipais de saúde e modelo de APS. (GIOVANELLA ET AL, 2009, p. 784).

Vale ainda ressaltar que tem se adensado na última década uma extensa produção bibliográfica sobre os desdobramentos da implementação da ESF sobre variados aspectos. Cohn (2009) aponta que essa fase de produção contemplou momentos distintos: o surgimento da estratégia ainda sob a forma de programa setorial e focalizado, quando ainda era uma novidade e que gerou muita expectativa em sua ampliação e consolidação, sobretudo evidenciando realidades locais dos pequenos e médios municípios onde o programa era implantado. Tempos depois, ainda para a autora, a produção se voltou para uma perspectiva de avaliação de impacto do programa. A partir dessa dupla perspectiva, outros estudos se colocam em pauta, como o avanço na cobertura da assistência, nos indicadores na Saúde da Mulher, da criança, na reversão dos índices de morte materna e infantil, das doenças crônicas etc, estudos que reafirmam e comprovam o caráter substitutivo da estratégia ao modelo tradicional vigente.

De fato, muitos estudos reforçam esse caráter "exitoso" da estratégia muitas vezes reforçada pela lógica do MS que incentiva, premia e recompensa as ditas "experiências bem-sucedidas da ESF", porém pouco se tem discutido propostas e análises mais críticas e/ou criação de estratégias que viabilizem o SF nas áreas onde está seu "estrangulamento". "Pois, como indutor da reversão do modelo assistencial, esse tem deixado de lado sua 'pretensão original". Mas não se pode deixar de dizer que de fato há um leque de análises numa perspectiva crítica, mas que reforçam a eterna pergunta que não cala no divã: afinal é a ESF uma ferramenta para mudança do modelo assistencial ou um simples programa voltado para os pobres? São extensas as análises do ponto vista econômico, político e social, que pouco ou nada contribuem para transformar o que está posto.

Porém, surgem estudos que prometem auxiliar a ESF nessa difícil tarefa, mas infelizmente eles só apontam estratégias, técnicas e/ou ferramentas para "complementar" o processo de trabalho já empobrecido de esforços objetivos (institucionais e governamentais) e subjetivos ( de adesão, convencimentos) dos profissionais que patinam numa micropolítica perversa e amarga. São estudos de natureza micro que se sobrepõem ou não dialogam com os de natureza macro, que se escondem através do rótulo da humanização das práticas, do acolhimento, e até mesmo da Promoção da Saúde que se reveste em sua perspectiva mais reduzida e se dilui num conjunto de atividades ditas "educativas".

Outras indagações têm se colocado como pertinentes ao debate, à necessidade urgente de modificar as praticas e as concepções teóricas dos agentes sociais envolvidos (profissionais, gestores, usuários), num resgate de uma formação que retome a noção de cidadania, direito social e de participação política. Questões como a noção de território e espacialidade das práticas ainda precisam ser exploradas principalmente na interface com a promoção da saúde, da interdisciplinaridade e da intersetorialidade. A hierarquização do conhecimento na saúde e nas práticas dentro das equipes é outro aspecto que merece destaque. Entender a construção do conhecimento em suas bases epistemológicas, seus rompimentos e rearranjos, numa conjuntura fecunda a análises técnicas e assépticas de perspectiva crítica, faz-se necessário frente à ofensiva neoliberal.

No tocante ao trabalho do Assistente Social no PSF, esse profissional não compõe a equipe mínima priorizada pelo Ministério da Saúde (médico, enfermeiro, agentes comunitários de saúde e auxiliar de enfermagem), mas pode integrar a equipe de acordo com o planejamento e com as demandas locais. De acordo com pesquisa feita pelo Mistério da Saúde, em 1999, já se apontava a necessidade do Assistente Social como o 4º colocado (1º Médico, 2º Enfermeiro, 3º Odontólogo) a integrar a equipe de Saúde da Família. Na XI Conferência Nacional de Saúde, foi aprovada como deliberação a ampliação da equipe do PSF.

Como afirma Carvalho (2004), é bastante concreto o movimento da categoria em inserir-se na equipe de saúde da família, pela própria dinâmica estabelecida pelo programa, onde o espaço/ domicilio se abre às relações sociais, que acontecem nos clubes, escolas, igrejas, compondo o tecido de sociabilidade que repercute na vida das pessoas como comportamentos de tensão, felicidade, expectativa, etc. Esses são também elementos que compõem o quadro, cada vez mais complexo, do que se chama de processo saúde-doença e torna-se lócus do fazer profissional do Assistente Social no atendimento e na atuação nesse campo da saúde pública.

Nessa perspectiva, Kruger & Moscon acrescentam que

O Assistente Social na atenção básica contribuiu junto às Equipes de Saúde da Família em discussões das interferências sociais no processo saúde-doença, desconstruindo a relação de atendimento em saúde meramente curativo, clínico individual e médico centrado. Também tem um papel importante na promoção do acesso da população à saúde como direito adquirido, de forma universal, realizando seu serviço de modo que o usuário tenha informações claras ao procurar o serviço, um atendimento humanizado, acesso aos serviços de média e alta complexidade. Possibilitar o acesso significa promover a cidadania, a inclusão social; significa modificar a realidade das famílias, melhorando sua qualidade de vida e suprindo necessidades concretas de saúde. Mas esta é uma tarefa do conjunto dos trabalhadores da saúde, com os quais o assistente social pode contribuir . ( KRUGER E MOSCON, 2010, p. 09).

A ação sobre esse espaço é um desafio a um olhar técnico e político mais ousado que adentra na vida social a partir do espaço/ domicílio. Longe de qualquer corporativismo, destaca-se o perfil profissional do Assistente Social, dotado de formação intelectual, cultual, generalista e crítica, competente em sua área de desempenho e comprometido com os valores e princípios norteadores do Código de Ética. Agrega-se, ainda, o fato de a intervenção profissional acontecer no campo da proposição e formulação da gestão, do desenvolvimento e da execução das políticas publicas, com intuito de responder pelo acesso dos segmentos das populações excluídas dos serviços, benefícios construídos e conquistados socialmente, principalmente no tocante às políticas de Seguridade Social.

Assim, o trabalho do Assistente Social na equipe do PSF assume esse desafio de efetivar a lógica e as estratégias do sistema, atendendo às necessidades dos usuários, assumindo a sua condição humana na totalidade. O produto principal do seu trabalho é a recomposição da integralidade das ações do sistema.

Importante sinalizar que o Serviço Social tem construído historicamente, na ação voltada para área da saúde, projetos que viabilizam a participação dos usuários valorizando a informação, a prevenção à doença, desde cuidados básicos à ênfase na atenção primária, compreendendo a saúde como resultante de fatores determinadas pelas condições de vida, na perspectiva da formação para a cidadania e participação e exercício do controle social. Além disso, a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social) tem envidado esforços no sentido de qualificar o debate da profissão no campo da saúde.

Conforme perspectiva de Bravo (2004), embora até a década de 90 não se observarem mudanças significativas na atuação profissional no campo das instituições de saúde, há uma tênue mudança e reconhecimento no âmbito da produção do conhecimento, da potência que tais espaços representam.

As ações técnico-políticas desenvolvidas pelos Assistentes Sociais, junto aos conselhos e/ou segmentos dos conselhos, envolvem a democratização e socialização da informação. Realização de pesquisas e devolução de seus dados aos sujeitos investigados e ação sócio-educativa na perspectiva libertadora. (BRAVO, 2004, p. 145).

É nessa direção que se impõe a importância da prática do Serviço Social nas atividades de promoção e de prevenção à saúde dos programas de atenção básica. Dentro da proposta do Programa Saúde da Família, o Assistente Social é compelido a realizar atividades de natureza educativa, de apoio pedagógico, de mobilização, participação popular, elaboração e coordenação de planos e programas sociais, mas o predomínio das ações está voltado para a integração entre os diversos níveis de constituição do processo de cooperação, atuando como elo orgânico entre o objeto de atuação do programa, a família, e o sistema, proporcionando o intercâmbio das necessidades biopsicossociais com as respostas/ estratégias de enfrentamento.

Como assegura Mioto (2006), é com base nessas demandas que o profissional fortalece sua prática pela indução de ter que utilizar uma instrumentalidade dirigida a uma atuação interdisciplinar, buscando em seu arsenal técnico-operativo, subsídios para interagir de modo equânime com outros campos de saberes, sem, no entanto, tentar imprimir domínio de saber nessas relações multiprofissionais.

Para além dessas prerrogativas, na atenção básica o Assistente Social tem construído sua prática (principalmente pelas características das demandas que enfrenta) com base em ações intersetoriais. A intersetorialidade é, portanto, uma estratégia colocada no plano das políticas públicas e em particular tem pautado as intervenções da maioria dos profissionais de Serviço Social, sem que, contudo, a categoria tenha refletido o suficiente sobre tal uso. A intersetorialidade depende, num espectro mais amplo de mudanças, no que se refere à construção ainda cartesiana do conhecimento, do modo como o Estado se relaciona em termos democráticos com a sociedade civil (atendendo ou não às demandas através de políticas públicas) e por fim da forma como os diversos campos de saberes interagem mesmo sendo produzidos de modos parcializados. Sugere, por outro lado, a compreensão de que o objeto fulcral da ação intersetorial tem que possuir a capacidade de mobilizar todos os setores direta ou indiretamente envolvidos e a aceitação das limitações dos setores quando acionados individualmente.

Como bem sinalizam Ferreira e Silva, apud Monnerat:

(. . .) Enquanto a realidade opera com problemas complexos e mal estruturados, as instituições se organizam em setores e as universidades fragmentam o saber em departamentos (. . .). (. . .) Embora a ciência necessite delimitar e recortar o real para ser possível apreende-lo, o movimento inverso também faz parte do processo de produção do conhecimento. Já no âmbito das intervenções sociais, a apreensão do real enquanto totalidade de múltiplas determinações permite que a ação seja direcionada aos determinantes estruturais e tenha consequentemente, maior possibilidade de ser efetiva (FERREIRA E SILVA 2005 APUD MONNERAT 2009, p. 61)

As produções bibliográficas recentes (Schütz e Mioto, 2008; Schütz, 2009; Rios e Dal Prá, 2011) situam a relação entre a intersetorialidade e a atuação do Assistente Social na atenção básica, a partir da postura que o profissional incorpora, qual seja, uma posição integradora, funcionando de certo modo como um elo orgânico entre as dimensões postas na organização do Sistema Único de Saúde e o rol de políticas públicas com os quais o sistema dialoga. Na concepção de Amaral (2008) o Serviço Social no contexto da saúde funciona como canal de viabilização das condições objetivas que as demandas em saúde necessitam para serem enfrentadas e atendidas, num processo pautado pela busca da integralidade do atendimento.

Contudo, apesar dessa potência que a prática profissional sinaliza, alguns autores prescutam que os próprios Assistentes Sociais têm tratado a estratégia da intersetorialidade a partir de uma concepção genérica e simplista, não detectando em suas ações profissionais a construção dos arranjos entre setores, vinculando-a quase sempre às atividades de planejamento das políticas sociais. (Schütz e Mioto, 2008).

Neste trabalho, tomamos como norte a ideia de que arranjos intersetoriais têm que considerar os aspectos ideo-políticos constitutivos das políticas públicas (em particular as sociais), bem como os aspectos técnicos visíveis nas microestruturas institucionais. Partir de uma postura que se refere à existência de um multidimensionalidade que os problemas, enfrentados por estas microestruturas expressam, tornando a estratégia da intersetorialidade num mecanismo gerencial mais efetivo na elaboração das respostas formuladas pela gestão pública. Os desafios em concretizá-la são inúmeros e excedem simples acordos institucionais em promover ações simultâneas frente às demandas postas. Tais obstáculos, se colocam, sobretudo, no planejamento mais amplo da gestão, contornados por posturas políticas, nem sempre homogêneas e por uma estrutura (no caso a brasileira) conservadora que precisa de intensas transformações.

Assim, com a evidente prevalência dessas concepções por parte da categoria, a atuação profissional no PSF e nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família se dilui quando em contato com o restante da equipe multiprofissional nas ações de atenção básica. Os arranjos são demandados e construídos, mas sem que o Assistente Social se identifique como protagonista desse processo. Para os profissionais inseridos na atenção básica, em nível de execução e de apoio matricial (NASFs) os encaminhamentos efetivados, as informações, orientações fornecidas (às famílias, aos usuários e à equipe multiprofissional) e o contributo ao acesso dos usuários aos benefícios e direitos que as demais políticas setoriais incorporam, não se relacionam diretamente à prática intersetorial.

Nesse prisma, a materialidade da intersetorialidade acaba não ganhando visibilidade, deixando os Assistentes Sociais, em tese, apartados dos processos que eles próprios estão construindo.

 

Considerações finais

No decurso deste trabalho, procurou-se contribuir para o debate da intersetorialidade, analisando-a em cotejo a atuação do Assistente Social nas ações da atenção básica. A delimitação de tal escopo decorre da compreensão de que no nível primário de atenção à saúde estão postas mais claramente as determinações sociais que o processo saúde-doença incorpora, ou seja, a multicausalidade que caracteriza as demandas em saúde.

Tal fato tem colocado para o Assistente Social a necessidade de estimular ou mesmo produzir arranjos entre vários setores (por vezes externos à própria política de saúde), denotando, assim, a potência que tal categoria profissional tem em mediar as articulações e aproximar o diálogo entre setores diversos, com o intuito de atingir a resolutividade em saúde.

Contudo, diante do exposto no corpo do trabalho, fica evidente que a política de atenção básica em saúde operada no SUS ainda apresenta nódulos de difícil enfrentamento, o que produz barreiras nos movimentos intersetoriais pretendidos dentro da sua própria estrutura interna e, por conseguinte, para as políticas públicas que com ela devem manter conexão, principalmente em se tratando desse nível de complexidade, haja vista os problemas advindos da Estratégia Saúde da Família, Programa Saúde na Escola e os Núcleos de Apoio ao Saúde da Família.

No caso mais geral da Política de Saúde Nacional, se constata, que nesses vinte anos de operacionalização do Sistema Único de Saúde, velhos problemas persistem e novos emergiram. Trata-se, portanto, de uma política operada em um sistema ainda em fase de consolidação e qualificação.

Como já foi mencionada anteriormente, a atuação do Assistente Social, nesse contexto, tem sido caracterizada por inúmeras peculiaridades, tanto em relação aos processos de trabalho vividos (precarizados) quanto às ações desenvolvidas. Dentre tais ações se ressalta a função de articuladores dos arranjos intersetoriais, embora seja relevante advertir que a produção das ações de matriz intersetorial não depende exclusivamente da atuação de um só núcleo profissional, mas de várias situações.

Entretanto, há, sem dúvida, possibilidades concretas de esse profissional contribuir na construção de tais arranjos, fundamentalmente pela formação mais generalista que recebe. Porém, a própria categoria ainda necessita se reconhecer nesse processo e assumir o papel de provocador na articulação entre a política de atenção básica em saúde e as demais políticas de natureza social, considerando a existência de uma plêiade de variáveis que devem ser refletidas, em se tratando do manejo desta estratégia, que extrapolam o desejo em utilizá-la, consistindo, sobretudo, num processo de pactuação político e institucional, grassando a postura dos atores sociais que irão utilizá-la.

 

Referências

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Data de recebimento: 09/11/2012
Data de aceite: 12/12/2013

 

 

Sobre os autores:
Patrícia Barreto Cavalcanti é Professora Associado III do Departamento de Serviço Social da UFPB. Doutora em Serviço Social pela PUC-SP. Coordenadora do Setor de Estudos e Pesquisas em Saúde e Serviço Social- SEPSASS. Preceptora da Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade- UFPB/CCS. Endereço Eletrônico: patriciabcaval@gmail.com.
Rafael Nicolau Carvalho é Professor Assistente do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba-UFPB. Mestre em Serviço Social pela UFPB. Doutorando em Ciências Sociais da UFPB. Pesquisador do Setor de Estudos e Pesquisas em Serviço Social- SEPSASS. Preceptor da Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade- UFPB/CCS. Tutor do PET-Saúde Mental. Endereço Eletrônico: rafaelcg_carvalho@yahoo.com.br.
Ana Paula Rocha Sales de Miranda é Professora Adjunta do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba-UFPB. Doutora em Serviço Social pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Endereço Eletrônico: aprmiranda2@gmail.com.
Katiusca Torres Medeiros é Professora e Coordenadora do Curso de Bacharelado em Serviço Social da Faculdade Santa Maria-FSM. Mestre em Serviço Social -UFPB e pesquisadora do Setor de Estudos e Pesquisas em Saúde e Serviço Social-SEPSASS/UFPB. Endereço Eletrônico: katiuscatm@hotmail.com.
Andreza Carla da Silva Dantas é Mestre em Serviço Social-UFPB e pesquisadora do Setor de Estudos e Pesquisas em Saúde e Serviço Social-SEPSASS/UFPB. Endereço Eletrônico: andreza_13@yahoo.com.br.